CCJ: Audiência Pública debate o uso de hormônios sexuais em crianças e adolescentes

Por: VITÓRIA SANTIAGO
DA REDAÇÃO

22 de outubro de 2025 - 16:10
Imagem de reunião institucional com sete pessoas sentadas à mesa e um homem em pé falando ao microfone. Ambiente interno com painéis de madeira, tela ao fundo e iluminação branca uniforme.Lucas Bassi | REDE CÂMARA SP

A CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa) reuniu médicos, psiquiatras e representantes do Conselho Federal de Medicina de estados em uma Audiência Pública nesta quarta-feira (22/10) para discutir o uso de hormônios sexuais no tratamento de incongruência ou disforia de gênero em crianças e adolescentes, atendendo a um requerimento da vereadora Janaina Paschoal (PP). A vereadora conduziu os trabalhos e abriu os debates.

Na abertura da audiência, o vereador Sansão Pereira (REPUBLICANOS), integrante da CCJ, destacou que o debate é importante para garantir a integridade física e psicológica de crianças e adolescentes, assim como possibilitar que o Legislativo trabalhe em leis municipais que tragam segurança em relação ao tema para essa população.

“Estamos falando de crianças que precisam de cuidados e não de intervenções médicas. A Constituição Federal é clara: é dever do Estado assegurar o direito à vida e à dignidade. No ECA, por exemplo, é reforçado o dever de garantir a integridade física e psíquica. É dever do Estado garantir o direito à vida. Intervenções irreversíveis não são uma escolha política; é um dever constitucional”, comentou o vereador.

Audiência Pública – Apresentação de pesquisas

O dr. Raphael Câmara Medeiros Parente, conselheiro efetivo do CFM/RJ (Conselho Federal de Medicina do Rio de Janeiro), iniciou trazendo uma apresentação detalhada da Resolução CFM nº 2.427/2025 – atualmente em vigor. A norma do Conselho Federal de Medicina alterou critérios éticos e técnicos para o atendimento de pessoas com incongruência e/ou disforia de gênero, incluindo restrições ao uso de bloqueadores hormonais para crianças e adolescentes. A resolução foi sustada inicialmente por Decreto Legislativo do Congresso Nacional e posteriormente suspensa por decisão judicial. No entanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) restabeleceu a vigência da resolução em outubro deste ano.

O dr. Câmara foi um dos relatores dessa resolução. Ele começou sua participação destacando a definição de incongruência sexual, que é a dissonância entre a identidade de gênero de um indivíduo e seu corpo biológico. “Esse fenômeno pode levar a sentimentos de desconforto e arrependimento, especialmente em casos de transição de gênero. Após um certo momento, as mudanças no corpo gerarão danos irreversíveis ao próprio corpo. O Conselho Federal de Medicina é quem norteia a medicina no Brasil. A lei de 1957 [que dispõe sobre os Conselhos de Medicina] autoriza fazer o que estamos fazendo. Somos eleitos por médicos, que nos colocaram aqui. O que uma resolução do CFM diz é lei para um médico. Ou seja, ele não pode descumprir isso”, pontuou o médico.

O conselheiro também ressaltou, durante exposição, o diagnóstico da disforia de gênero em crianças. “No diagnóstico, a gente vê um forte desejo por características sexuais primárias, forte desejo de ser ou insistência de que eles são do sexo oposto e, nas meninas, resistência ao uso de roupas tipicamente femininas, forte aversão à sua anatomia sexual, entre outros efeitos”, contou o conselheiro. Por isso, quando se fala em hormônios, os riscos para a ressignificação são extremamente mais altos.

Resolução CFM nº 2.265/2019

Ele também comentou sobre a antiga Resolução – a CFM nº 2.265/2019, que estabelecia normas para o cuidado de pessoas com incongruência de gênero, reduzindo a idade mínima para cirurgias de transição de 21 para 18 anos e para início da hormonioterapia de 18 para 16 anos. A resolução também estabeleceu critérios de segurança para os procedimentos e determinou que a atenção integral à saúde do transgênero fosse oferecida pelo SUS, sem discriminação. A mesma não está mais ativa e foi revogada pela Resolução CFM nº 2.427/2025.

“O que não dava para sustentar era a resolução de 2019. Onde as doses aplicadas nas pessoas trariam efeitos irreversíveis, como, por exemplo: fertilidade reduzida, trombose, infarto e muito mais. Estamos falando de doses extremamente altas que são usadas nesses procedimentos”, comentou o médico.

Ao pontuar outros danos que seriam frequentes, caso a resolução anterior estivesse ainda em vigor, o conselheiro destacou a importância da sociedade civil compreender por que a alteração foi feita e quais foram os critérios para atualizar e estabelecer novas regras.

“Basicamente, a diferença em relação à resolução anterior é que ela passa a cirurgia de 18 para 21 anos para aqueles que são esterelizadoras, ela passa o hormônio cruzado – estrogênio e testosterona de 16 para 18 anos e ela proíbe completamente o bloqueio hormonal em crianças. Além disso, ela também obriga que queixas orgânicas do sistema reprodutor feminino ou masculino sejam tratadas por especialista da área, ou seja, o ginecologista e urologista. Como é um tema que muitas vezes acaba criando muitas paixões, a gente trouxe aqui uma apresentação técnica para mostrar que a resolução atual, do ponto de vista técnico, é perfeita e segue o que foi feito nos países mais desenvolvidos do mundo, como Estados Unidos, Inglaterra, Noruega, Suécia”, destacou o especialista.

Na sequência, o outro relator da CFM nº 2.427/2025, Bruno Leandro de Souza, que pertence ao CFM/PB (Conselheiro Federal de Medicina da Paraíba), afirmou que a resolução vigente foi feita com cautela, baseada em estudos e com visão técnica dentro do campo da medicina. “Essa é uma resolução com dois relatores e tem dois especialistas que se debruçaram no tema, porque não é uma resolução que a discussão começou agora, começamos as discussões em 2018. O estudo foi feito com cautela para que fosse possível entender os principais pontos e todas as possibilidades. Fizemos um trabalho técnico e científico – pensando na realidade. Não posso colocar o sentimento das pessoas nesses estudos. A gente precisa olhar de maneira técnica para este assunto”, iniciou Souza.

Bloqueadores puberais para incongruências de gênero

Em 2018, os bloqueios puberais para incongruências de gênero foram permitidos sob protocolo de pesquisa. Após 6 anos, nenhuma pesquisa brasileira foi publicada trazendo mais detalhes sobre o tema. Segundo o dr. Bruno, algumas respostas ficaram vagas durante esse período, sendo elas: riscos distintos – considerando o tempo de uso; efeitos adversos – redução da DMO (Densidade Mineral Óssea), estatura, cefaleia e de triglicerídeos e infertilidade; estudos com pessoas trans – não foi feito para entender quais seriam os efeitos nessas pessoas após tratamento; estudos comparativos – incerteza sobre a saúde mental.

“Quando falamos de bloqueadores puberais, precisamos entender: é seguro? Nós precisamos que haja termos que garantam a segurança do indivíduo. Suporte contínuo, segurança ética e jurídica, avaliação criteriosa e segura e continuidade [quem já estava fazendo o tratamento, o mesmo não é interrompido por considerar danos piores ao indivíduo]”, comentou Souza.

Ao ponderar sobre uma possível discussão de disponibilização de tratamento de bloqueadores hormonais em crianças e adolescentes, o pesquisador pediu atenção e cautela. “Cuidar da criança trans é simplesmente bloquear? Tenho certeza que é algo mais além. Disponibilizar um acompanhamento psiquiátrico digno e dar suporte são prioritários. Precisamos resgatar o bem-estar social dessa criança que se sente assim. Cuidar da criança é oferecer acesso e é isso que nós garantimos na nossa resolução. Eu sei que tem crianças cuja sensibilidade vai desejar que haja algum tipo de intervenção, mas como CFM precisamos usar o princípio bioético da precaução”, pontuou o conselheiro.

Akemi Shiba, psiquiatra infantil, alertou que o foco era mostrar na audiência os estudos revisados e evidências científicas em relação ao tratamento. “Nessa audiência, estamos trazendo as últimas evidências científicas, que foram revisadas de todos os estudos que já ocorreram em relação ao tratamento da disforia de gênero”, ponderou a psiquiatra.

Segundo Akemi, não há evidências consistentes de que fazer a transição de gênero na infância e adolescência traga benefícios. “É importante frisar que o bloqueio puberal é um experimento e, depois de todos esses anos que ocorreram esses tratamentos, não foi demonstrado consistência em trazer benefícios na saúde mental. Além disso, não se fala muito, mas há um índice de resolução espontânea; chega a ser de 80% das crianças com disforia de gênero que se resolve espontaneamente, sem nenhuma intervenção, depois da puberdade, no final da adolescência”, pontuou Akemi.

“Existem muitos casos de destransicionados, mostrando que o diagnóstico pode ser transitório; então, por isso, é importante ter muita cautela nessas intervenções”, destacou. A especialista ainda afirmou que, quando a Resolução nº 2.265/2019 estava em vigor, havia uma série de intervenções que estavam autorizadas. “Agora, com a nova resolução, essas intervenções, como o bloqueio puberal, que é experimental, por exemplo, o hormônio aos 16 anos (agora somente com 18 anos) e a cirurgia de redesignação que é esterilizante (que agora só pode a partir dos 21 anos) foram proibidos. Na resolução antiga, era possível fazer a cirurgia de redesignação a partir dos 18 anos; então, agora houve um alinhamento com toda a lei federal. As crianças são vulneráveis e precisam ser protegidas de experimentos”, concluiu a psiquiatra.

Participação popular

Após as exposições, foi aberto espaço para que o público presente se manifestasse por até três minutos. Entre as manifestações, Luciana Arbeli, psicóloga do Nudiversis da Defensoria Pública de SP, criticou os apontamentos em defesa da resolução vigente e se posicionou de forma contrária.

“A saúde precisa ser considerada de maneira ampla e não só como ausência de doenças. Todos os médicos e especialistas que estão aqui apresentaram uma visão estritamente biológica, que eu acho que não encontra lastro na experiência de atendimento com crianças e adolescentes que apresentam sofrimento decorrente da disforia de gênero. Deveriam vir aqui outros profissionais e famílias de crianças e adolescentes trans para que a gente consiga ampliar esse debate”, destacou Luciana.

Parlamentares

Após apresentações e discussões, o vereador Rubinho Nunes (UNIÃO) criticou a ausência dos parlamentares da oposição na audiência e defendeu a nova resolução. “Há anos lutam contra qualquer iniciativa que garanta segurança. Infelizmente, esse é um problema que enfrentamos na Câmara. Eu entendo que exista disforia de gênero, mas não podemos negar que existe uma militância empenhada e engajada em atacar os nossos filhos, nossas crianças e adolescentes. Por que uma criança poderia trocar de gênero antes dos 18 anos? Se tomamos decisões importantes nessa faixa de idade, isso também precisa ser debatido – para que, nessa questão, isso também seja levado em conta”, ressaltou o vereador.

Já o vereador Sansão Pereira disse que, após discussões, ficará mais claro as propostas que deverão ser feitas para trazer dignidade a esse público. “A Lei permitia que fosse feito o tratamento de bloqueio hormonal em adolescentes e jovens. Graças a Deus, foi proibido após uma nova normativa apresentada pelo Conselho Federal de Medicina. A nossa ideia foi ouvir esses especialistas para buscar o melhor para os nossos jovens e adolescentes. Queremos ouvir tudo isso para poder criar uma legislação municipal compatível com a federal para trazer saúde e dignidade”, disse o vereador.

Além da vereadora Janaina Paschoal (PP), e dos vereadores Sansão Pereira (REPUBLICANOS) e Rubinho Nunes (UNIÃO), a Audiência Pública da CCJ contou também com a participação do vereador Silvão Leite (UNIÃO).

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