Uma vitória da cidadania escrita no ECA

Artigo do vereador Hélio Rodrigues (PT)

1 de dezembro de 2025 - 10:00
Banner com foto de um homem de terno escuro e fundo de prédio envidraçado. Texto: “Vereador Hélio Rodrigues. Uma vitória da cidadania escrita no ECA.” Fundo cinza e branco com logotipo “Com a Palavra”. Iluminação uniforme e layout limpo.

Como mudança na lei fortalece o SUAS, os Conselhos Tutelares e o direito à assistência social.

O Brasil acaba de dar um passo importante na proteção de crianças e adolescentes com a sanção da Lei 15.268/2025, publicada em 24 de novembro. A nova norma atualiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para reconhecer de forma explícita a assistência social como política pública que deve ser acionada pelos Conselhos Tutelares quando direitos são ameaçados ou violados.

O artigo 136 do ECA, na sua redação original, estabelecia no inciso III, alínea “a”, que os Conselhos Tutelares tinham como uma de suas atribuições requisitar serviços na área de “serviço social”. Para além da repetição desnecessária da palavra “serviço”, o ECA, sancionado pelo então Presidente Fernando Collor de Melo1 em um período no qual o país ainda estava atrasado em relação à gramática dos direitos inscrita na Constituição Federal dois anos antes, contradizia e restringia a própria Constituição que, corretamente, usa o termo “assistência social”.

Vinte e sete anos depois da sanção do ECA, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) apresentou o projeto de lei cuja publicação comemoramos. Em sua justificativa, o texto acertadamente esclarecia que Serviço Social é uma profissão regulamentada, enquanto assistência social é uma política pública inscrita na Constituição e organizada pela LOAS.

A pesquisa acadêmica teve papel crucial nessa mudança. À época, a problematização dessa imprecisão foi apontada à deputada Maria do Rosário pela ilustre Professora Aldaíza Sposati, a partir de um estudo da pesquisadora Fabiana Moraes, decorrente dos trabalhos de ambas junto ao NEPSAS e ao Núcleo da Criança e Adolescente, do Programa de Pós-graduação de Serviço Social da PUC-SP — grupos que há décadas defendem a lucidez conceitual necessária para fortalecer direitos. É ciência comprometida com a vida, escrevendo política pública.

Mais do que uma adequação de palavras, trata-se de reparar uma imprecisão histórica: até agora, o ECA usava o termo “serviço social” quando o sentido correto era “assistência social”. Esse equívoco confundia profissão e política pública — e, na prática, invisibilizava o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como direito de cidadania.

Essa distinção, para além do texto técnico, traduz diferentes lugares políticos: um é o exercício profissional; o outro é o compromisso do Estado com proteção social não contributiva.

A nova lei, ao deixar claro que os Conselhos Tutelares podem requisitar serviços de assistência social, reconhece o SUAS como parte indissociável da proteção integral: crianças ameaçadas ou violadas em seus direitos precisam de serviços e benefícios de proteção social — e isso o SUAS faz, todos os dias, nos territórios brasileiros.

Na prática, os Conselhos Tutelares já requisitavam serviços socioassistenciais. A legislação agora acompanha a realidade e oficializa essa reparação terminológica no ECA, de grande força política.

Por isso, celebrar essa conquista é reconhecer que linguagem também produz cidadania. Quando a lei nomeia certo, ela garante melhor. Ela educa. Ela transforma gramáticas burocráticas em gramáticas da vida.

Claro, ainda há muito a fazer: a assistência social segue enfrentando subfinanciamento, precarização e desigualdades territoriais. A letra da lei não muda o mundo sozinha — mas abre caminhos para que o mundo se mova na direção que a lei aponta.

Assim, a mudança pode parecer pequena no texto, mas é enorme no significado. Corrigir o ECA é corrigir a história: afirmar a assistência social como direito é afirmar que nenhuma criança será deixada para trás. A cidadania brasileira fica mais forte quando cada vírgula legal se orienta pela dignidade humana — e essa lei é exemplo vivo disso.

1 No governo Collor sequer tínhamos uma política plena de assistência social pois muitas ações e serviços que deveriam estar sob a responsabilidade do Estado estavam fora do orçamento público sendo comandadas pela esposa do presidente na Legião Brasileira de Assistência – LBA, de triste memória.

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