
São Paulo vive novamente a ameaça de uma crise hídrica. Mesmo as fortes chuvas que caíram no dia 22/09/25 não foram suficientes para encher o Sistema Cantareira, principal manancial de abastecimento da região metropolitana. Por isso, ele vai operar na Faixa 4 de Restrição, por decisão da ANA e da SP Águas, o que significa que a Sabesp vai retirar menos água do sistema.
Na prática, a Sabesp já havia reduzido a pressão da água de madrugada. Essa medida é insuficiente e discriminatória, pois o sistema de abastecimento não é igual para todos, isto é, as áreas com padrão de renda mais elevado e verticalizadas não foram afetadas por essa medida, ao passo que as áreas periféricas foram drasticamente afetadas, pois as moradias não dispõem de reserva de água. A Sabesp jamais deveria iniciar o enfrentamento com essa medida.
A primeira medida deveria ter sido uma campanha de conscientização para que as pessoas fechassem a torneira ao escovar os dentes, tomassem banhos mais curtos, não lavassem carros, garagens e calçadas.
Ocorre que a Sabesp não quer reduzir a sua receita, porque, com a privatização realizada pelo governo Tarcísio e avalizada pelo prefeito Ricardo Nunes, o objetivo da empresa passou a ser a maximização dos lucros.
Mas mesmo a colaboração individual, embora seja importante, diante da magnitude das secas e do impacto das mudanças climáticas, é insuficiente. O Estado precisa assumir um papel ativo e estratégico, liderando políticas robustas de gestão da água.
Na crise de 2014 e 2015, a Sabesp implantou um programa emergencial conhecido como tarifa de contingência. O modelo combinava bônus para quem reduzia o consumo e sobretaxa para quem aumentava. Os resultados foram expressivos: estima-se que a economia tenha alcançado entre 13 e 15 bilhões de litros de água por mês, de acordo com os relatórios de sustentabilidade da empresa da época, evitando um colapso ainda maior no abastecimento.
É verdade que a medida gerou prejuízo financeiro para a companhia, pois os descontos concedidos superaram a arrecadação obtida com as sobretaxas. Mas a conta que devemos fazer é outra: quanto teria custado para a população ficar sem água? Quantas escolas, hospitais e empresas teriam parado? A experiência mostrou que a Sabesp, enquanto empresa pública, tinha condições de agir não apenas para lucrar, mas para garantir um direito essencial da sociedade.
E é justamente aí que se encontra o risco da privatização. Ao transferir para acionistas privados o controle da Sabesp, o governo colocou em segundo plano a segurança hídrica e priorizou o retorno financeiro de poucos. Em um cenário de estiagem, medidas como a tarifa de contingência, que podem reduzir lucros no curto prazo, dificilmente serão retomadas. A lógica empresarial tende a resistir a qualquer iniciativa que impacte dividendos, ainda que seja a mais adequada para proteger a população.
Não podemos aceitar que a água — bem comum, patrimônio de todos e direito humano reconhecido internacionalmente — seja tratada como uma mercadoria qualquer. Ao privatizar a Sabesp abriu-se mão da capacidade do Estado de planejar e intervir em momentos críticos, como o que vivemos agora.
O futuro exige mais responsabilidade. As emergências climáticas indicam que períodos de seca extrema serão cada vez mais frequentes. A Sabesp teria que ser novamente uma empresa pública, transparente e eficiente, capaz de enfrentar os desafios com visão de longo prazo. O certo seria investir em infraestrutura, reduzir perdas na rede, diversificar as fontes de abastecimento e ampliar programas educativos permanentes.
A defesa da Sabesp pública é uma questão de sobrevivência. Garantir água de qualidade, em quantidade suficiente e com preço justo, é uma missão que não pode ser subordinada à lógica do mercado. A Câmara Municipal de São Paulo tem o dever de se posicionar em defesa desse patrimônio coletivo e da dignidade de cada cidadão.
A água é vida. E vida não se vende.
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