Depoimentos em CPI expõem falta de monitoramento e eventuais fraudes em programas de habitação social

Por: VITÓRIA SANTIAGO
DA REDAÇÃO

23 de setembro de 2025 - 18:03
Foto mostra seis pessoas sentadas em mesa de reunião. Um homem de terno azul fala ao microfone, outros observam documentos. Ambiente de plenário com paredes claras. Mesa de vidro com papéis e copos. Iluminação forte e nítida.Douglas Ferreira / REDE CÂMARA SP

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) HIS recebeu alguns convidados na reunião desta terça-feira (23/9) para discutir assuntos relacionados à construção de unidades populares na capital paulista. A ausência de dados confiáveis para monitorar a política privada de habitação de interesse social e possíveis casos de fraudes e irregularidades estiveram entre os destaques.

Desde o início de setembro, o colegiado tem investigado a produção e a comercialização irregular de habitações sociais por entidades e empresas responsáveis pelos empreendimentos na cidade de São Paulo. No encontro desta terça, prestaram depoimento representantes de uma instituição e da sociedade civil.

Oitivas

Coordenadora da pesquisa “Panorama da Habitação de Interesse Social no Brasil”, a professora Bianca Tavolari apresentou os principais problemas diagnosticados nas políticas públicas de HIS. De acordo com ela, a ausência de dados para monitorar as iniciativas é preocupante.

“Se pensarmos que estamos concedendo descontos e incentivos e potencial construtivo a mais para empreendedores e construtores construírem habitação de interesse social e não sabemos o que está acontecendo, vemos então que é uma política que não consegue monitorar, responsabilizar e investigar”, afirmou a professora.

Segundo Tavolari, é necessário criar uma base de dados confiável para monitorar os eventuais problemas. “Para que possamos entender o tamanho do problema e, posteriormente, responsabilizar as partes devidas”. Para Bianca, os programas que incentivam a produção de HIS para famílias de baixa renda carecem de atenção. 

“Se não temos um controle público para entender quantas unidades serão construídas e quais as famílias que devem ser atendidas, teremos uma série de problemas, que é o que mais temos visto nessa implementação de mais de dez anos dessa política”, ressaltou Bianca Tavolari.

Bianca Tavolari explicou que a pesquisa “Panorama da Habitação de Interesse Social no Brasil” mapeou 16 incentivos à habitação de interesse social a fim de identificar eventuais irregularidades. “Há uma potencial fraude, mas não cabe à pesquisa definir se houve realmente fraude”. 

“Há problemas de aquisição. E cremos que os devidos meios legais irão apurar. Além disso, estamos falando de aquisição de unidades que podem ser vendidas seguidamente. O registro de vendas muito próximas é um elemento que enxergamos como um problema”, ressaltou Bianca

Os estudos também apontaram o “desvirtuamento da produção de HIS por agentes privados na cidade de São Paulo”. Segundo os dados, há aquisição de mais de um imóvel de HIS pela mesma pessoa e pagamento à vista sem monitoramento no ato da transação – o pode ser identificado no registro da matrícula. 

Uma das  apurações, de acordo com a pesquisa, é que quem tem renda e patrimônio para pagar à vista por um imóvel em São Paulo, provavelmente está acima do grupo prioritário a ser beneficiado por uma política de produção habitacional incentivada.

“Precisamos pensar que incentivos são esses e quais políticas são essas. Precisamos ter um controle disso para conceder habitação para quem precisa”, concluiu Bianca.

A Maristela Ana Lusa é moradora de uma unidade de HMP (Habitação de Mercado Popular) – destinada às famílias que não se enquadram nas faixas de renda da Habitação de Interesse Social, e também não têm condições de adquirir um imóvel no mercado tradicional. Ela falou sobre os problemas com a construtora responsável pelo empreendimento onde reside. 

Lusa disse que a comercialização das unidades atende às regras do mercado. No entanto, segundo ela, a construtora não tem solucionado os problemas após entregar os apartamentos aos moradores. “O que não concordamos é que, mesmo tendo unidades HMP residenciais com proibição de locação para plataformas em casos de curta duração, isso não está sendo respeitado”.

Maristela ressaltou que a empreendedora propõe que as questões do condomínio sejam resolvidas em assembleia entre os proprietários. “Não achamos justo essa falta de envolvimento, considerando que vários incentivos fiscais foram recebidos para a construção desse empreendimento”. 

Vereadores

Após as falas dos convidados, o vereador Isac Félix (PL), integrante da CPI, tratou de alguns pontos discutidos na reunião. Sobre a pesquisa divulgada pela Bianca Tavolari, ele disse que é preciso entender quais são os meios para fiscalizar e monitorar os empreendimentos construídos pelo município.

“Tem muita gente levando vantagem nessa cidade. A Câmara está aqui para ser fiscalizadora de tudo. O que me preocupou foi a questão do monitoramento por parte do governo. Queremos saber como é feito esse tipo de fiscalização”, destacou o vereador Isac.

Para o relator da CPI, vereador Dr. Murillo Lima (PP), a presença da professora Bianca Tavolari em outras reuniões do colegiado será importante para que mais levantamentos e dados sejam discutidos. O parlamentar demonstrou preocupação com os dados apresentados no estudo. “Se for comprovada a questão das fraudes citadas aqui no decorrer das discussões, precisaremos adotar as medidas necessárias e encaminhar para as autoridades competentes”.

Já o vereador Gabriel Abreu (PODE) sugeriu mapear os problemas encontrados em programas voltados à produção de habitação de interesse social. “Precisamos juntar forças, informações e mapear o que está acontecendo e, assim, sanar os problemas”.

Para a vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL), as informações apresentadas preocupam. Segundo a parlamentar, o debate sobre o tema é urgente para apurar se realmente há fraude na produção de unidades populares na capital. “Apesar de não termos ainda a total dimensão do problema, já temos alguns dados que são alarmantes. Precisamos entender se houve desvios. Como esses indícios de fraudes podem ser verificados?”

O vice-presidente da CPI, vereador Nabil Bonduki (PT), disse que é preciso solicitar à Prefeitura de São Paulo informações referentes à quantidade de unidades de HIS produzidas no município. “Faltam informações claras, do ponto de vista da Prefeitura, sobre as unidades que foram produzidas e se foram destinadas para o público que o programa deve atender. Nós não sabemos quantas unidades HIS foram produzidas e, com isso, fica bem difícil calcular o número de HIS no município”.

Nabil também fez considerações sobre a manifestação da moradora Maristela Lusa. O parlamentar entende que é fundamental obter mais informações para auxiliar os proprietários de unidades de Habitação de Mercado Popular. “Acredito que a atuação dos cartórios nos registros dos imóveis será importante, pois cremos que eles podem nos auxiliar com informações mais detalhadas. Além disso, entender como fiscalizar para auxiliar nas tratativas é primordial”.

Requerimentos

Na reunião da CPI, os vereadores que integram o colegiado também aprovaram cinco requerimentos. Um deles, de autoria da vereadora Silvia da Bancada Feminista, solicita que um representante dos aplicativos Booking e Airbnb compareça à Comissão para dar informações sobre locação de imóvel. 

A reunião da CPI da HIS pode ser conferida na íntegra neste link.

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