CPI do Metanol: vítimas e familiares contaminados por adulteração de bebidas alcoólicas prestam depoimento

Por: FELIPE PALMA
DA REDAÇÃO

16 de dezembro de 2025 - 14:56
Foto de um grupo em plenário, sentados em semicírculo atrás de mesa de madeira clara com plaquinhas de nome. Ambiente interno com paredes de madeira e cadeiras azuis; iluminação branca e uniforme.Lucas Bassi | REDE CÂMARA SP

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Metanol realizou duas reuniões nesta terça-feira (16/12) com o objetivo de apurar a comercialização de bebidas alcoólicas em bares, restaurantes e estabelecimentos da cidade. Uma apreciou e aprovou requerimentos convidando para participar vítimas e parentes de vítimas contaminadas por metanol em São Paulo, sendo que na sequência outro encontro recebeu três pessoas envolvidas em casos registrados de bebidas adulteradas na capital paulista.

Depoimentos

O primeiro depoimento foi de Radharani Dasi, vítima de intoxicação por metanol no mês de setembro. Ela esteve no Bar Ministrão, localizado na Alameda Lorena, região da Avenida Paulista, para comemorar o aniversário de uma amiga e tomou três caipirinhas. Acompanhada do marido, contou ainda que após pedir a terceira dose não se recorda de nada.

“Lembro que no dia seguinte meu marido me ligou, pois eu não estava atendendo. Consegui falar com minha irmã contando que estava passando muito mal. Eu não conseguia levantar da cama, vomitava muito e estava passando mal. Me levaram ao Pronto Socorro, um processo longo, estava desorientada e o médico me disse que estava com burnout, mas não voltei para casa. Bem tarde da noite me colocaram na UTI para realizar exames e fui colocada em coma induzido por 5 dias. Aí um médico especialista me atendeu e deu o resultado para contaminação por metanol, logo passei a fazer hemodiálise”.

O relato de Radharani à CPI destacou ainda que ela só soube o que aconteceu por meio do que a contaram, pois afirmou ter perdido a consciência. Ela explicou que não recobrou a visão, só enxerga vultos. “É tanto responsabilidade do bar, quanto do Estado, pois não existe punição. O Hospital São Luiz, do Itaim, me tratou muito bem”, concluiu.

Os integrantes da Comissão Parlamentar ouviram depois Wesley Neves, 32 anos, também vítima de intoxicação por metanol. Com a voz alterada devido às complicações clínicas, ele comentou que ingeriu whisky e passou a sentir os efeitos da bebida falsificada. A mãe do jovem esteve presente no depoimento e explicou que ele não tem condição de voltar trabalhar, pois não enxerga mais.

“Bebi em uma adega, não recordo o nome. Fui atendido no Hospital Campo Limpo e saí com atestado de diabetes. Os sintomas começaram em um domingo após ter bebido na sexta. Uma dor muito forte na barriga, achava que era uma ressaca normal, mas não era, seguida por uma fraqueza. Falei para minha mãe que eu estava morrendo e pedi para me levar para o hospital. Desde então não me lembro de mais nada.”

O depoimento de Helena dos Anjos Martins da Silva, representado o filho Rafael, morto 50 dias após consumir bebida alcoólica adulterada em agosto, foi conduzido pelo lado emocional. Amigos dele também marcaram presença e participaram da oitiva realizada na Câmara de Vereadores.

“Meu filho consumiu gin comprado em um empório próximo de casa, Cidade Dutra. No dia seguinte, ele começou a passar mal, com episódio de vômito e se sentiu fraco. Pediu ajuda porque estava cego. Eu sou enfermeira, atendi meu filho no carro. Cheguei na emergência do Hospital Grajaú com ele já perdendo o nível de consciência, entrando em coma e não pude fazer nada por ele, só pedi socorro. Levaram-no para a sala de choque, onde foi entubado e o último suspiro dele foi no meu braço. Um médico suspeitou da intoxicação por metanol, conseguimos transferência para o plano de saúde, mas não conseguimos um leito para hemodiálise e não havia álcool endovenoso para combater a intoxicação. Ele foi parar no Hospital São Luiz, muito bem atendido, porém o quadro que se apresentava indicava dano irreversível.”

Vereadores

Os vereadores que integram a CPI do Metanol se posicionaram antes das oitivas realizadas. Vice-presidente do colegiado, a vereadora Ely Teruel (MDB), ficou emocionada ao falar diante dos parentes das vítimas. “Eu me comprometo junto à CPI de buscar entender o que aconteceu e prender os bandidos que envenenaram pessoas. Quero aqui, diante do que a justiça nos traz, lutar por cada um de vocês.”

Já a relatora, vereadora Sandra Santana (MDB), entende que o objetivo é colaborar com os órgãos competentes. “A gente sabe que as perdas não poderão ser retratadas e ter as pessoas queridas ao nosso lado. Mas, a gente precisa colaborar para que a justiça seja feita e os responsáveis sejam presos, como já temos registros de pessoas envolvidas. Isso é importante para que o relatório contribua de fato. Precisamos ter empatia no momento e estamos aqui para apoiar vocês.”

O vereador Adrilles Jorge (UNIÃO) reiterou que os parlamentares têm por obrigação investigar os crimes e criminosos que causaram a morte de pessoas ou tiveram sequelas, como perder a visão e saúde fragilizada. “É crime de responsabilidade. Tem a mágoa e o ressentimento, mas o nosso caminho é tentar ajudar na busca pelos responsáveis. Eu acho que essa comunhão por meio das perdas e ausências, nos faz trabalhar. As mães e famílias unidas vão ajudar outras pessoas a não passarem pelo mesmo. Os culpados têm que ser punidos.”

Por fim, o vereador Sargento Nantes (PP), reforçou o que foi dito por todos os outros. “O papel de vocês é importante para darmos continuidade nos trabalhos e evitar que outras pessoas sejam vítimas desses bandidos. Transformar a dor em algo bom para a sociedade.”

Requerimentos

Cinco requerimentos foram apresentados durante a reunião. Um deles pede às Secretarias Municipal e Estadual da Saúde informações sobre a aquisição e fornecimento de medicamentos para tratamento de intoxicação por metanol. Outro documento solicita ao Ministério Público do Estado de São Paulo cópias de inquéritos civis e criminais em andamento, além de requerer o estabelecimento de um canal de comunicação com a CPI. 

A CPI também apresentou um requerimento formalizando uma carta de recomendação para a  existência de campanhas educacionais com o objetivo de conscientizar e incentivar o consumo moderado de bebidas durante o período de festas. O texto pede que sejam informados os canais para a população recorrer em caso de contaminação, juntamente dos sintomas e como identificar bebidas adulteradas, além de denunciar bares e restaurantes que estejam vendendo produtos falsificados. 

A reunião, que pode ser vista aqui, foi conduzida pela presidente da CPI do Metanol – vereadora Zoe Martínez (PL). Estiveram presentes Ely Teruel (MDB), Sandra Santana (MDB), Adrilles Jorge (UNIÃO), Hélio Rodrigues (PT) e Sargento Nantes (PP).

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