Parecer n° 223/2023

Parecer SCL nº 223/2023

Processo CMSP-MEM-2023/00875

Assunto: Penalidade – Contrato nº 19/2023 – xxxxxxxxx

 

Ementa: Contrato. Elevadores. Atrasos na manutenção corretiva e ausência em teste pré-agendado. Devido processo legal. Fatos incontroversos. Justificativa não acolhida. Aplicação de multa. Possibilidade. Fundamento legal: Lei Federal 14.133/21.

 

Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

 

Cuidam os autos de memorando encaminhado pela Secretaria Geral Administrativa acerca do Contrato nº 19/2023 (fls. 45/52), firmado com a empresa xxxxxxxxx, que tem por objeto a prestação de serviços de manutenção dos elevadores e da plataforma BASIC, relatando descumprimentos contratuais e a solicitando a análise quanto à possibilidade de aplicação de penalidade.

 

Após nosso Parecer SCL nº 180/2023 (fls. 76/79), no qual recomendamos que a Contratada fosse intimada para apresentar defesa antes de analisarmos a possibilidade e o tipo de penalidade a ser aplicada, SGA encaminhou o Ofício nº 43/2023 – SGA-24 (fls. 84/87), a fim de que a Contratada exercesse seu direito ao contraditório e à ampla defesa.

 

Em sua defesa (fls. 104/115), a Contratada admitiu os atrasos nos dias 02/08/2023 e 08/08/2023, porém alega ser a penalidade demasiadamente rigorosa, vejamos:

 

“No que tange à violação apontada no item 4.2.3.2 supra, embora não tenha havido negligência da nossa parte, tampouco atitude dolosa, evidencia-se que a multa calculada no valor de R$ 3.554,40 por dois dias nos quais houve ocorrência de atrasos seja demasiada rigorosa. (…)

Não nos escusamos, por certo do atraso. Entretanto, a inflexibilidade que não prevê nesse caso a ocorrência de casos de força maior ou prorrogação de prazo eiva de rigor injustificável a aplicabilidade de multa. Observemos que no dia 02/08/2023 houve atraso de cerca de uma hora e meia; no dia 08/08 houve atraso de uma hora e trinta e oito minuto. Ora, considerando a distância que separa e o trânsito caótico da cidade, imperativo que se reconsidere a aplicação da multa neste primeiro caso, sob pena de afronta ao princípio da Proporcionalidade. Isto porque o item 4.2.3.2 penaliza na mesma proporção o atraso de cinco minutos ou de dez horas, por exemplo. Inadmissível. Consultando o relatório dos serviços solicitados no mês corrente de agosto é possível averiguar o histórico idôneo da Contratada, o que sem dúvida deve ser levado em consideração.” – grifos no original

 

Quanto à ausência de um representante da empresa no dia 11/08/2023 durante os testes de geradores do elevador privativo, a Contratada alegou que o técnico veio à Câmara Municipal. No entanto, em razão do trânsito, chegou com 40 (quarenta) minutos de atraso, quando os testes já haviam sido concluídos. A penalidade nesse caso também seria demasiadametne rigorosa, superando 44% do valor mensal do ajuste contratual mensal, que é de R$ xxxxxxxxxxxx, o que resultaria em desequilíbrio econômico-financeiro.

 

A Contratada argumenta que não seria possível puní-la “…em virtude de mera ocorrência de um fato isolado, sendo necessário auferir a culpabilidade da contratada, verificando a ocorrência de uma ação reprovável, o que em momento algum ocorreu.” (fls. 110). Segundo ela, “os problemas ocorridos se encontram fora da esfera de controle desta Defendente, mostra-se perfeitamente claro que a Defendente não praticou nenhuma ação reprovável, tomando todas as ações na medida da possibilidade, e uma vez que restou constatado o erro, procurou corrigi-lo de pronto, sem tentar se esquivar de sua responsabilidade em momento algum.” (fls. 112). Por fim, requer a conversão da pena de multa em advertência, porque o descumprimentos das cláusulas contratuais decorreriam de fatos excepcionais e fortuitos.

 

Ao analisar a defesa apresentada, a unidade gestora, SGA-34 – Equipe de Gestão e Serviços I – Portaria, Telefonia e Elevadores, asseverou que:

 

“Em resposta à defesa prévia apresentada pela empresa contratada referente a aplicação de penalidade sugerida por esta supervisão no pagamento dos serviços prestados no mês de agosto/23, entendemos, s.m.j. que houve uma falha na prestação dos serviços por parte da empresa, especialmente quando não atendeu a solicitação que foi agendada antecipadamente por email (anexado) e via telefone ao supervisor, na visita para o teste de geradores da Edilidade, conforme previsão contratual:

(…)

Como foi citado anteriormente, não há previsão expressa de penalidade para a Cláusula 10.4 do Anexo I do Termo de Contrato nº 19/2023, portanto sugiro aplicar a penalidade da Cláusula 9.1.5. por se tratar de obrigações correlatas e, a falta de atendimento por parte da contratada não acarretou graves prejuízos à Edilidade.

Ressalto que deve-se considerar as informações desta supervisão em prejuízo do relatório fornecido pela contratada, tendo em vista que é feita a gestão por controle com emissão de email comprovando o horário da abertura dos chamados, além de um grupo de whatsapp onde estão presentes a encarregada das ascensoristas, funcionários de SGA-34 e GCMs (monitoramento) fazendo controle de todo o processo de manutenção desde a abertura do protocolo até a saída do técnico da Edilidade.” (fls. 124).

 

E também que:

 

“Muito embora esta supervisora tenha questionado sobre a questão da multa de atraso nos chamados ser por hora/minuto (CMSP-DES-2023/20259-A), a empresa contratada permaneceu não cumprindo as cláusulas contratuais nos meses subsequentes, portanto sugiro manter como está expresso em contrato.” (fls. 128).

 

 

O processo foi então encaminhado a esta Procuradoria pelo Secretário Geral Administrativo Adjunto para manifestação. É o relatório.

 

Conforme se verifica da defesa apresentada, a Contratada não nega os atrasos para atender às solicitações efetuadas. Outrossim, admite que seu técnico não estava presente durante o teste dos geradores. O descumprimento de cláusulas contratuais, portanto, é incontroverso.

 

Quanto à justificativa para os descumprimentos, em ambos os casos a justificativa apresentada foi a de que o “trânsito” impediu o técnico de se apresentar no horário contratualmente estabelecido, o que caracterizaria evento fortuito.

 

A unidade gestora não acatou tais argumentos. Há informação de que, nos meses subsequentes, os atrasos continuaram a ocorrer. Ademais, em relação ao não comparecimento do técnico no dia do teste de gerador, juntou cópia de e-mail comprovando que o agendamento foi comunicado à Contratada com três dias de antecedência (fls. 121/123).

 

O não acolhimento da justificativa apresentada pela unidade gestora tem respaldo jurídico. Congestionamento de trânsito é fato previsível, especialmente em uma cidade como São Paulo. A Contratada assinou contrato se comprometendo a observar o prazo de 04 horas para atender aos chamados. Ademais, no caso do teste agendado com 03 dias de antecedência, o argumento apresentado é mais frágil ainda. É dever da contratada adotar todos os meios adequados para cumprir as condições avençadas contratualmente. Há vários julgados de diversos tribunais nesse sentido, como por exemplo:

 

REPARAÇÃO DE DANOS. REVELIA. ATRASO POR CONGESTIONAMENTO DE TRÂNSITO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. O congestionamento de trânsito é evento previsível, inclusive em vias de tráfego rápido, como a BR-116, mormente em época de eventos especiais, como a Expointer. Mesmo percalço no sistema de metrô de superfície (Trensurb), fato público, requeria da parte cautela maior, deslocando-se com a antecipação que a situação requeria, para evitar o risco de revelia. RECURSO DESPROVIDO.

(TJRS. Acórdão. Processo nº 71001960913; Órgão Julgador: Terceira Turma Recursal Cível. Relator (a): Jerson Moacir Gubert; Data do julgamento: 13/08/2009.)

 

Recurso Inominado. Ação de Indenização por Acidente de Trânsito. Revelia. Atraso do réu na audiência. Alegação de trânsito intenso que impossibilitou a chegada do réu ao tempo da realização da audiência de instrução e julgamento, depois de realizado o último pregão. Obrigação das partes de adotar os meios adequados a evitar as consequências advindas de situações como a dos autos. Congestionamento do trânsito. Situação previsível. Sentença mantida. Recurso Desprovido. Unânime.

(TJRS. Acórdão. Processo nº 71007017163; Órgão Julgador: Segunda Turma Recursal Cível. Relator (a): Elaine Maria Canto Da Fonseca; Data do julgamento: 18/04/2018.)

 

CONCURSO PÚBLICO. Guarda Municipal de 3ª Classe. Atraso para avaliação psicológica. Candidata eliminada. Alegado atraso de dez minutos motivado por congestionamento de trânsito. Etapa do concurso que não teria início às 14 horas, como alega, mas às 13 horas, e os candidatos deveriam chegar com pelo menos uma hora de antecedência, portanto, até às 12 horas. Congestionamento de trânsito que não constitui motivo de força maior, mas fato corriqueiro nas grandes cidades, absolutamente previsível. Tanto o atraso quanto o motivo alegado para justifica-lo envolvem matéria de fato, dependente de dilação probatória, que não cabe em mandado de segurança. Eliminação pelo não comparecimento à referida etapa do concurso com previsão expressa no edital, que não pode ser excepcionado em favor de nenhum candidato ante o imperativo de tratamento isonômico de todos. Sem ofensa a direito líquido e certo da impetrante. Segurança denegada. Recurso não provido.

(TJSP. Acórdão. Processo nº 1014766-72.2016.8.26.0554;  Relator (a): Edson Ferreira; Data do julgamento: 05/04/2017.)

 

Em relação às cláusulas descumpridas e as penalidades, vejamos o que está previsto contratualmente:

 

TERMO DE REFERÊNCIA:

 

“4.2.3. A manutenção corretiva será efetuada, sempre que necessário, mediante atendimento de caráter corretivo por ocasião de pedido de assistência técnica para efetuar o reparo de todo e qualquer defeito hidráulico, mecânico, elétrico ou eletrônico que venha ocorrer, de forma a restabelecer o perfeito funcionamento do elevador no prazo de:

(…)

4.2.3.2.  4 (quatro) horas após a solicitação, nos demais casos, obrigando-se a colocar o elevador em perfeito estado de funcionamento no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas a partir do recebimento do chamado.”

 

CONTRATO Nº 19/2023

 

“9.1. O descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas importará na aplicação das seguintes penalidades:

(…)

9.1.2. Multa diária de 1% (um por cento) sobre o valor total do ajuste, por descumprimento aos prazos previstos nos subitens dos itens 4.2 e 4.3 do Anexo I do Edital – Termo de Referência – Especificações Técnicas, limitado ao máximo de 10 (dez) dias.

 

Na situação de atrasos para cumprimento dos chamados (subitem 4.2.3.2), o Contrato nº 19/2023 tem previsão expressa (subitem 9.1.2). Os critérios são puramente objetivos e vinculativos e não há espaço para esta Administração calibrar a pena pecuniária. Se entendia que essas cláusulas preveem penalidades desproporcionais, a Contratada deveria as ter impugnado por ocasião da licitação e não o fez.

 

Em relação ao não comparecimento do técnico por ocasião dos testes nos geradores, prevê o termo de referência:

 

10.4 Disponibilizar um técnico presente nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo, quando solicitado pela unidade gestora do Termo de Contrato.

 

Nesse caso, não há uma penalidade específica no Contrato nº 19/2023. Por isso, a unidade gestora sugeriu aplicar o subitem 9.1.5, ao invés do subitem 9.1.7, porque a obrigação prevista no subitem 10.4 do termo de referência é correlata às obrigações previstas nos subitens 10.11.1 e 10.11.2 do mesmo termo de referência, expressamente mencionados no subitem 9.1.5 do Contrato nº 19/2023. Além disso, a falta de atendimento por parte da contratada não teria acarretado graves prejuízos à Edilidade. Prevê o subitem 9.1.5:

 

9.1.5. Multa de 2.5% (dois e meio por cento) sobre o valor mensal do ajuste, por não atendimento, por descumprimento dos subitens 10.11.1 e 10.11.2, do Anexo I – Termo de Referência – Especificações Técnicas.

 

A sugestão da unidade gestora é juridicamente aceitável, uma vez que o descumprimento do subitem 10.4 não equivale ao descumprimento parcial do contrato, cuja penalidade é de fato bastante rigorosa, superando o valor mensal a que a Contratada faz jus. Por isso, a escolha de penalidade que faz referência à obrigações correlatas, previstas no mesmo item do edital, atende ao princípio da proporcionalidade.

 

Assim, do quanto se depreende dos autos, foram atendidas as disposições legais previstas no Decreto Municipal nº 62.100/2022, no que se refere à aplicação de penalidades administrativas, em especial o seu art. 145[1].

 

Face ao exposto, nada temos a opor à imposição das penalidades propostas pela unidade gestora, no caso os subitens 9.1.2 e 9.1.5 do Contrato nº 19/2023.

 

Este é o parecer, que submeto à apreciação de V. Sa.

 

São Paulo, 06 de dezembro de 2023.

 

 

ANNA CAROLINA TORRES AGUILAR CORTEZ

Procuradora Legislativa – RF 11.497

OAB/SP 162.134

 

[1] “Art. 145. As penalidades administrativas são aquelas previstas na legislação federal, impondo-se, para sua aplicação, a observância dos seguintes procedimentos:

I – proposta de aplicação da pena, formulada pela unidade administrativa responsável pela gestão do contrato, mediante caracterização da infração imputada ao contratado, observado o disposto no inciso XIII do artigo 118 deste decreto;

II – acolhida a proposta de aplicação de penalidade, intimar-se-á o contratado, de forma eletrônica, a fim de garantir o contraditório e a ampla defesa;

III – observância do prazo legal para apresentação de defesa pelo contratado;

IV – manifestação dos órgãos técnicos e jurídico sobre as razões de defesa;

V – decisão da autoridade competente;

VI – intimação do contratado, mediante publicação da decisão e comunicação eletrônica;

VII – observância do prazo legal para interposição de recurso.

  • 1º Aplicada a pena e transcorrido o prazo sem interposição de recurso ou denegado seu provimento, executar-se-á a penalidade aplicada.
  • 2º O procedimento previsto no “caput” deste artigo aplica-se à proposta de extinção do contrato, nos termos do artigo 137 da Lei nº 14.133, de 2021, facultando-se o trâmite simultâneo quanto à aplicação de penalidade decorrente do mesmo fato.
  • 3º Os procedimentos de aplicação das penalidades de impedimento de licitar e contratar e de declaração de inidoneidade para licitar e contratar serão conduzidos por comissão, nos termos do artigo 158, “caput” e § 1º, da Lei Federal nº 14.133, de 2021.
  • 4º A penalidade de multa será calculada na forma do edital ou do contrato, observando-se o disposto no art. 156, §3º, da Lei Federal nº 14.133, de 2021.
  • 5º Nos editais e contratos que tenham por objeto serviços essenciais, a previsão das infrações e das sanções administrativas deverá ser estipulada de forma a inibir a solução de continuidade do objeto.”