Parecer SCL nº 184/2020
Processo nº 185/2020
TID nº 19043276
Assunto: Termo de Autorização de Uso – xxxxxxxxxxxxx.
Senhor Procurador Legislativo Supervisor,
Cuidam os autos de requerimento, formulado por xxxxxxxxxxxxx., de utilização da Praça Paulo Kobayashi para gravação de vídeo institucional da Globo no dia 30/09/2020, das 6h00 às 10h00. Segundo consta, a produção envolverá 40 pessoas, quadra de basquete e skate, e a requerente está ciente da necessidade de recolhimento de R$ 2.188,20 por cada período de 4 horas.
Veio o presente a esta Procuradoria para análise jurídica.
É o relatório. Opino.
O Código Civil, em seu art. 99, classifica os bens públicos em (a) de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas; (b) de uso especial, como edifícios e terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da Administração Pública; e (c) dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tanto os bens de uso especial, como de uso comum do povo estão albergados na expressão “bens do domínio público”, em que se encontram os seguintes elementos: o conjunto de bens móveis e imóveis; a ideia de pertinência à Administração; a afetação ao uso coletivo ou ao uso da Administração; e ao regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum (in Direito administrativo. 32ª ed., São Paulo: Forense, 2019, p. 853).
Hely Lopes Meirelles não coloca o bem de uso especial como de domínio público, mas como de patrimônio administrativo, e reconhece haver duas acepções. De um lado “é todo aquele que, por um título individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas”. De outro lado, também assim se considera o bem “a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento, bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços públicos, como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados por suas repartições” (in Direito municipal brasileiro. 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2017, p. 329).
Explica este último autor, adotando a primeira acepção, que todos os bens públicos são passíveis de uso especial por particulares, desde que com consentimento da Administração, mediante contrato ou ato unilateral. “O que tipifica o uso especial é a privatividade da utilização de um bem público, ou de parcela desse bem, pelo beneficiário do ato ou do contrato, afastando a fruição geral e indiscriminada da coletividade ou do próprio Poder Público” (op. cit., p. 329). A disciplina legislativa do uso de bem público não se encontra organizada, pelo que coube à doutrina identificar particularidades que distinguem uma figura da outra. Assim, pode-se falar em autorização de uso, permissão de uso, concessão de uso, concessão de direito real de uso, concessão especial de uso e cessão de uso.
Importa aqui destacar a autorização de uso, modelo negocial adequado para utilização de parcela de bem da Câmara Municipal de São Paulo pelo particular, conforme lição de Hely Lopes Meirelles, “é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre bem público”. Alerta o jurista que “não tem forma, nem requisitos especiais para sua efetivação, pois visa apenas a atividades transitórias e irrelevantes para o Poder Público” (op. cit., p. 331).
Entretanto, merece observação de que a Câmara Municipal é ente despersonalizado e integra o Município, este sim uma pessoa jurídica de direito público interno, dotado de faculdades para adquirir direitos e contrair obrigações. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles (op. cit., p. 139):
“O Município brasileiro é, pois, entidade estatal, político-administrativa, que, através de seus órgãos de governo – Prefeitura e Câmara de Vereadores –, dirige a si próprio, com a tríplice autonomia política (auto-organização, composição do seu governo e orientação de sua administração), administrativa (organização dos serviços locais) e financeira (arrecadação e aplicação de suas rendas)”.
Em decorrência disso, nas relações externas e em juízo, quem responde civilmente é o próprio Município, único com capacidade jurídica e legitimidade processual para demandar e ser demandado, auferindo as vantagens de vencedor ou suportando os ônus de vencido no pleito. Justamente por isso, os bens que a Câmara Municipal adquire, embora possam ser inscritos em seu nome, são, na verdade, de propriedade do Município. Tanto que qualquer litígio será discutido judicialmente, em regra, com o ente estatal, e não com o órgão que o integra. Estão ressalvadas apenas as situações em que a lide envolver direito próprio do Poder Legislativo (por exemplo, relações jurídicas com seus servidores).
Sem embargo dessas considerações, merece o alerta de que a Praça Paulo Kobayashi encontra-se em situação peculiar. A Emenda 34/2011 incluíra no art. 111 da Lei Orgânica do Município um parágrafo único que atribuía à Câmara Municipal, através de resolução, a competência para fixar bens municipais afetados ao seu uso especial. Editou-se, assim, a Resolução 1/2011, que cuidou do presente imóvel:
“Art. 1º. Fica fixado como essencial e necessário aos serviços legislativos e ao cumprimento da função institucional da Câmara Municipal de São Paulo o imóvel correspondente ao lote 71, da Quadra 41, que integra o Setor 6, compreendido pelos logradouros: Viaduto Jacareí, Rua Santo Amaro, Jardim da Divina Providência, Largo Fernando Gallego e Rua Santo Antônio, afetado ao seu uso especial e administração exclusivos”.
A área objeto da afetação – que inclui também o Palácio Anchieta –, a bem da verdade, já era utilizada regularmente por esta Edilidade, que se incumbia de sua conservação. A Resolução 1/2011 apenas formalizou uma situação consolidada. Por isso, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou inconstitucional o parágrafo único do art. 111 da Lei Orgânica do Município, mas modulando seus efeitos para preservar o ato praticado por esta Casa Legislativa.
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Emenda nº 34 à Lei Orgânica do Município de São Paulo, de 27 de abril de 2011, editada a partir de processo deflagrado perante a Câmara de Vereadores, que acrescentou o parágrafo único ao art. 111 dessa legislação, permitindo à própria Edilidade definir a afetação de bens municipais ao seu uso especial e administração exclusivos. Legislação que versa matéria atinente ao uso, conservação e destinação de bens públicos municipais, patrimônio material da comuna, afeta à competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Inobservância da competência reservada conferida ao prefeito que acabou por implicar em afronta ao princípio da separação dos poderes. Vícios de inconstitucionalidade aduzidos na exordial que, destarte, ficaram evidenciados na espécie, por afronta aos preceitos contidos nos artigos 5º, 47, incisos II e XIV, e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. Precedentes desta Corte. Retroação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do ato normativo questionado, por fim, que acabaria por implicar na desconstituição do único ato praticado com esteio nessa previsão legal, que importou na afetação de imóvel municipal ao uso especial e administração da Câmara de Vereadores. Área objeto daquela afetação, no entanto, que há muitos anos foi cedida pelo Município à Edilidade, que dela vem se utilizando para estacionamento de seus veículos, promovendo a regular manutenção e introdução de reformas necessárias, razão pela qual não pode ver-se privada do respectivo uso. Providência que, portanto, tão somente cuidou de formalizar situação consolidada no tempo, sem causar qualquer prejuízo à Municipalidade de São Paulo. Presença, destarte, de razões de segurança jurídica na espécie, que recomendam a modulação dos efeitos da presente declaração de inconstitucionalidade, a partir da concessão da medida liminar nestes autos, por aplicação da regra contida no art. 27 da Lei Federal nº 9868/99. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, com modulação dos efeitos”. (ADI 0180522-71.2013.8.26.0000, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, julgado em 12.02.2014).
A Praça Paulo Kobayashi é, pois, um bem de propriedade da Câmara Municipal de São Paulo.
O caso específico atrai a incidência do Ato 1.182/2012, que disciplina a realização de filmagem e fotografia com fins comerciais, pela iniciativa privada, das dependências da Câmara Municipal de São Paulo. Referido ato normativo estabelece três valores distintos, a depender da finalidade do uso de espaço, sendo certo que a hipótese que se adequa ao presente é a seguinte:
“Art. 2º O valor da contraprestação a ser cobrado, por cada período de 4 (quatro) horas, de eventuais interessados em utilizarem o prédio da Câmara Municipal de São Paulo para os fins descritos no artigo 1º será de:
[…]
III – R$ 2.188,20 (dois mil, cento e oitenta e oito reais e vinte centavos), quando se tratar de filmagem de clipes, comerciais, vídeos ou similares, com fins comerciais.”
Uma vez que será responsável pelo recebimento das solicitações e instrução dos processos de autorização de uso de espaços da Câmara Municipal de São Paulo, deverá a SGA indicará servidores responsáveis pelo acompanhamento do uso do espaço, na forma do art. 3º do Ato 1.182/2012. Do lado da empresa requerente, a indicação do representante e a apresentação do instrumento de contrato social foram providenciadas.
A Diretoria de Comunicação Externa manifestou-se favoravelmente à autorização de uso, nos termos do art. 5º do Ato 1.182/2012 (fls. 14). A xxxxxxxxxxxxx solicitou a inclusão de cláusula com dicção sugerida (fls. 15), a qual, ressalvadas as adaptações necessárias à natureza do negócio jurídico e limitado o bem ao objeto da autorização de uso, não se vislumbra qualquer óbice, visto que se cuida de cautela em relação aos direitos autorais sobre imagem. Ademais, a data de 30/09/2020 e o horário das 6h00 às 10h00 constituem as últimas informações fornecidas pela empresa, conforme mensagem eletrônica em anexo, retificando todas as informações anteriores.
Pelo exposto, opina-se pela viabilidade jurídica de autorização de uso da Praça Paulo Kobayashi requerida por xxxxxxxxxxxxx. para gravação de vídeo institucional da Globo no dia 30/09/2020, das 6h00 às 10h00, cuja minuta vem em anexo.
Este é o parecer que submeto ao elevado descortino de V. Sª.
São Paulo, 25 de setembro de 2020.
Renato Takashi Igarashi
Procurador Legislativo
OAB/SP 222.048