Parecer SCL nº 162/2019
Memo. SGA.24 nº 133/2019
TID 18339909
Assunto: Retenção de valor sugerido pela Unidade Gestora para possível aplicação de penalidade – Momento da retenção.
Sra. Procuradora Legislativa Chefe,
O Sr. Secretário Geral Administrativo encaminha o presente expediente para análise e manifestação quanto à consulta formulada pela Secretaria de Contabilidade, Materiais e Gestão de Contratos – SGA.2.
A Sra. Supervisora da Equipe de Liquidação de Despesas – SGA.24 pondera no Memo. SGA.24 nº 133/2019 que os procedimentos para aplicação de penalidade no âmbito desta Casa Legislativa seguem o rito do Capítulo X do Decreto Municipal nº 44.279/03, adotado pelo Ato nº 878/05.
De acordo com o procedimento previsto no art. 54 do referido Decreto, a penalização inicia-se com a proposta de aplicação da pena, feita pelo responsável pelo acompanhamento da execução do ajuste, mediante caracterização da infração imputada à contratada/detentora (inciso I), intimando-se a contratada/detentora para apresentar defesa prévia no prazo legal de 5 (cinco) dias úteis (incisos II e III do Decreto combinado com o art. 87, § 2º, da Lei Federal nº 8.666/93). Na sequência, há a manifestação da Unidade Gestora e da Procuradoria sobre as razões da defesa (inciso IV) e, por último a decisão da autoridade competente (a Secretaria Geral Administrativa nos casos de multa por mora por atraso injustificado, nos termos do inciso XXVII do Ato nº 832/03, acrescentado pelo Ato nº 1262/14 ou a Mesa Diretora, nos demais casos).
Após a decisão da autoridade competente a contratada/detentora é intimada para interposição de recurso no prazo legal (incisos V e VI do Decreto combinado com o art. 109, inciso I, da Lei Federal nº 8.666/93).
Por sua vez, o art. 55 do Decreto Municipal nº 44.279/03 estabelece:
“Art. 55. Aplicada a pena e transcorrido o prazo recursal sem interposição de recurso ou denegado provimento ao recurso interposto, executar-se-á a penalidade aplicada.
Parágrafo único. Na hipótese de aplicação de multa, o valor correspondente poderá ser descontado do que o contratado tiver a receber.”
De acordo com o dispositivo acima, a execução da penalidade iniciar-se-ia após o transcurso do prazo recursal sem interposição de recurso ou denegado provimento ao recurso interposto.
Ocorre que, a nosso ver, o Decreto Municipal extrapolou o disposto na Lei Federal nº 8.666/93 – Lei Geral de Licitações. Com efeito, o § 2º do art. 109 da Lei Federal nº 8.666/93 prevê que o recurso terá efeito suspensivo em dois casos: habilitação ou inabilitação do licitante e julgamento das propostas (art. 109, incisos I, alíneas “a” e “b” da Lei Federal nº 8.666/93).
Portanto, a contrario sensu, nos demais casos, incluindo a aplicação de penalidade de multa (art. 109, inciso I, alínea “f”, da Lei Federal nº 8.666/93), o recurso interposto não possui efeito suspensivo. Assim sendo, a execução da penalidade pode iniciar-se antes.
Esse momento anterior é a razão da presente consulta.
Como bem apontado pela Sra. Supervisora da SGA.24, o procedimento de aplicação de penalidades tende a gerar trâmite moroso e indaga quanto ao momento apropriado para se fazer a retenção da respectiva importância nos casos que especifica.
Preliminarmente à análise dos casos especificados pela Sra. Supervisora da SGA.24, vamos ao estudo do tema à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência dos tribunais e das Cortes de Contas.
O art. 86 da Lei Federal nº 8.666/93 dispõe:
“Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.
§ 1o A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.
§ 2o A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado.
§ 3o Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente”.
Com fundamento no dispositivo legal em comento, surgiram defensores da tese de que não poderia haver a cobrança da multa diretamente da contratada/detentora sem antes deduzi-la do valor da garantia, nos casos em que ela é exigida. Contudo, o critério hermenêutico mais consentâneo com os princípios que regem a Administração Pública não é esse. A dedução imediata da garantia durante a execução do ajuste consumiria a garantia, deixando a Administração em situação de vulnerabilidade durante o prazo restante de vigência.
Ademais, essa interpretação não soluciona os casos em que não há prestação de garantia. Cumpre observar que a exigência de garantia constitui ato discricionário de acordo com o caso concreto. Nas contratações desta Casa Legislativa, por exemplo, considerando os valores contratados, em regra, não há exigência de garantia, reservando-se essa exigência para contratações de maior vulto e/ou considerando a avaliação dos riscos envolvidos na contratação, de forma a resguardar a Administração quanto a eventuais prejuízos.
Assim, o entendimento predominante é no sentido de que, quando exigida, o valor da garantia deve manter-se íntegro, devendo a multa ser deduzida dos créditos da contratada/detentora, promovendo-se por último e, se necessário, a execução da garantia que, em regra, dar-se-á na esfera judicial dada a dificuldade prática de se executar as modalidades de garantia que não seja a caução em dinheiro (art. 56 da Lei Federal nº 8.666/93). Exemplificativamente citamos o Acórdão nº 621/2001 do Plenário do XXXXXXXXXXXX, Relator XXXXXXXXXXXX, que no decorrer do Parecer da Unidade Técnica (item 11, “h”) adotou esse entendimento que foi acolhido pelo Plenário.
Nesse mesmo Acórdão do XXXXXXXXXXX, o Tribunal Pleno decidiu, no mérito, determinar à XXXXXXXXXXX que não inclua nos editais de certames licitatórios, por ausência de amparo legal, cláusula prevendo a sustação do pagamento de faturas como sanção administrativa (item 8.2, subitem 8.2.2 da Decisão).
Importante notar que, naquele caso, a ilegalidade foi caracterizada, pois a sustação do pagamento de faturas foi prevista no edital da XXXXXXXXXXX na cláusula de penalidades como punição em si mesma, desvinculada do inadimplemento contratual, situação diferente da presente consulta.
Outra situação recorrente em julgamentos do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é a retenção do pagamento por serviços efetivamente prestados em razão de irregularidade fiscal durante a execução do ajuste.
Temos o Acórdão na Apelação Cível nº 1016347-39.2017.8.26.0053, da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relator Des. XXXXXXXXXXXXX, julgada em 08/05/2019, que teve como Recorrente a Fazenda do Estado de São Paulo. Segue a ementa:
“DIREITO PÚBLICO – REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO DA REQUERIDA – MANDADO DE SEGURANÇA – RECUSA DE PAGAMENTO DE SERVIÇOS PRESTADOS POR SE ENCONTRAR A PRESTADORA INSCRITA NO CADIN ESTADUAL – INADMISSIBILIDADE, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – INCONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO QUE AMPARA A MEDIDA RECONHECIDA PELO C. ÓRGÃO ESPECIAL DESTA CORTE – DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECONHECIDO – SENTENÇA CONCESSIVA DA SEGURANÇA – MANUTENÇÃO”.
No caso em comento, entendeu-se que a retenção de repasses de dinheiro público em razão da inscrição da empresa no rol de inadimplentes é inadmissível, pois configura meio indireto de cobrança de tributo, vedado pelos artigos 5º, incisos XIII, LIV e 170, parágrafo único, da Constituição Federal, conforme já reconhecido nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade julgada pelo C. Órgão Especial do TJSP.
Esse também é a posição do Superior Tribunal de Justiça. Como exemplo citamos o Recurso em Mandado de Segurança nº 24.953-CE, Relator XXXXXXXXXXX, julgado em 04/03/2008. Apesar de considerar necessária a comprovação de regularidade fiscal durante toda a execução do contrato, a teor do art. 55, inciso XIII, da Lei Federal nº 8.666/93, decidiu-se que o descumprimento dessa obrigação pode dar ensejo à rescisão do contrato, mas não à retenção do pagamento devido, por não constar do rol do art. 87 da Lei Federal nº 8.666/93, por ofensa ao princípio da legalidade.
O Supremo Tribunal Federal se posiciona no mesmo sentido. Como exemplo citamos o Agravo no Recurso Extraordinário nº 662.106 – PE, Relatora Ministra XXXXXXXXXX, julgado em 30/11/2011 e publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 14/12/2011.
Mais uma vez a situação relatada nesses acórdãos não se subsume à situação da presente consulta.
Há também a situação prevista na Instrução Normativa nº 5, de 26/05/2017, da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, utilizada como paradigma em todas as esferas de governo. Em resumo, trata das contratações de mão de obra terceirizada com dedicação exclusiva de mão de obra.
Nos artigos 64 a 66 da IN nº 5/17 constam disposições que tratam das hipóteses de retenção de créditos da Contratada correspondentes ao valor proporcional ao inadimplemento de obrigações previdenciárias e trabalhistas para pagamento das obrigações diretamente aos seus empregados. Para tanto, existe a previsão de abertura de conta-depósito vinculada, instituto que ainda não é adotado no âmbito desta Casa Legislativa.
Vale registrar que o Tribunal de Contas da União, ainda sob a égide da IN nº 2/2008, com a redação dada pela IN nº 6/2013, revogada e substituída pela IN nº 5/17, tem adotado o entendimento de que a retenção integral dos valores devidos à Contratada é ilegal, contudo, a retenção de valores em montante correspondente ao efetivamente devido aos empregados dedicados ao contrato firmado com o ente estatal é possível. Nesses casos, o XXXXXXXXXXX entende que a retenção é medida preventiva e acautelatória, destinada a evitar que a inadimplência da contratada com suas obrigações trabalhistas cause prejuízo ao erário (Acórdão Plenário nº 3301/2015, Relator XXXXXXXXXXXXXXjulgado em 09/12/2015).
O Superior Tribunal de Justiça também acolhe esse entendimento, com fundamento na declaração de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, do art. 71, § 1º, da Lei Federal nº 8.666/93, na ADC nº 16/DF, na qual reconhece que a Administração Pública tem a obrigação de fiscalizar as obrigações da contratada, podendo incorrer em culpa in vigilando, ainda que subsidiariamente, sendo legítimo, portanto, que adote medidas acautelatórias ao erário, retendo o pagamento de verbas devidas a particular. Confira-se a ementa do Recurso Especial nº 1.241.862-RS, da relatoria do XXXXXXXXXXXX:
“ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. ESTADO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS ENCARGOS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 71, § 1º, DA LEI N. 8.666/93. CONSTITUCIONALIDADE. RETENÇÃO DE VERBAS DEVIDAS PELO PARTICULAR. LEGITIMIDADE”.
Novamente a situação em tela não se amolda à consulta ora submetida à apreciação desta Procuradoria.
Quanto à questão da legalidade na fixação de descontos dos valores devidos à contratada/detentora de eventuais multas a ela aplicadas por infringência às regras contratuais, esta Procuradoria realizou vasta pesquisa e, ao contrário das situações relatadas acima, encontramos poucos precedentes jurisprudenciais, o que parece demonstrar que raramente a questão é objeto de questionamentos pelas empresas apenadas.
Encontramos decisões do Tribunal Pleno do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, de 05/11/2008 (TC-37.385/026/08) e de 04/02/2009 (TC-45.400/026/08), de relatoria do Conselheiro XXXXXXXXXXXXXX, que se posicionou no sentido de que não há ilegalidade na retenção, desde que os descontos tenham lugar após a garantia de defesa da contratada, em observância ao devido processo legal.
Eis aqui o ponto central da questão: o procedimento de aplicações de sanções administrativas deve observar o devido processo legal que possui como corolários o contraditório e a ampla defesa. Resta saber se em todos os casos, de forma genérica, o contraditório e a ampla defesa devem ser prévios ou se, em alguns casos, podem ser diferidos.
Para tanto, é necessário analisar a questão à luz dos princípios que regem a Administração Pública, bem como as peculiaridades de cada caso concreto.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo parece ter elucidado a questão no Acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 1041717-25.2014.8.26.0053, Relatora XXXXX, julgada em 21/05/2019, cuja Apelante foi uma empresa apenada pela XXXXXXXXXXX. Nesse caso, a Apelante sustentou a ilegalidade da decisão de cominação de multa contratual, porque estaria em desacordo com os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, na medida em que foi aplicada antes que fosse intimada para apresentar defesa prévia no processo administrativo.
No caso, o Tribunal entendeu que restou demonstrada a oportunidade de se defender em defesa prévia e por recurso administrativo, tendo sido o contraditório garantido por meio de notificação de todos os atos do processo. Ademais, a parte Apelada (XXXXXXXXXXX) demonstrou que o valor retido ficou à disposição em restos a pagar e que somente após o julgamento do recurso administrativo interposto pela empresa é que foi determinado o recolhimento da quantia aos cofres do Tesouro do Estado. Nessa linha, restou clara, para o Tribunal, a observância das garantias constitucionais no processo administrativo impugnado.
Também endossou o entendimento esposado neste Parecer quanto à validade da retenção efetuada, nos termos estabelecidos no contrato, ainda que exista garantia prestada no contrato administrativo pela contratada em valor superior ao da multa aplicada.
O Tribunal parte de uma interpretação integrativa/teleológica da legislação de regência, incluindo-se a Lei Federal nº 8.666/93, do instrumento convocatório e do contrato firmado entre as partes, adotando a perspectiva da Apelada (XXXXXXXXX).
A interpretação teleológica consiste na técnica que tem por objetivo investigar o fim colimado pela norma como elemento fundamental para descobrir o sentido e alcance da mesma e a interpretação integrativa consiste na técnica de conformação do ordenamento jurídico com um sistema capaz de atender às necessidades sociais em busca dos ideais de justiça e equidade.
A Supervisora da SGA.24 traz o rol de casos desta Casa Legislativa:
1 – Aquisições para entrega imediata com pagamento único
2 – Ata de Registro de Preços, sendo:
a) Com emissão de Nota de Empenho e execução total de uma só vez do valor empenhado que não necessariamente corresponde ao valor total da Ata;
b) Com emissão de Nota de Empenho estimativa para um determinado período com pedidos da Unidade em momentos diferentes na medida da efetiva necessidade.
3 – Prestação de serviços de execução continuada, sendo:
a) Durante a execução;
b) Quando de aproxima do término da vigência.
É importante ressaltar que a partir da edição do Ato nº 1361/2017, os editais desta Casa Legislativa passaram a adotar cláusulas padronizadas. Não obstante, sempre se adotou por praxe item na cláusula de penalidades nos contratos ou instrumentos equivalentes e nas atas de registro de preços com a seguinte previsão:
“Os valores referentes a eventuais multas aplicadas serão deduzidos do crédito a ser recebido pela CONTRATADA/DETENTORA.”
Adotando critérios de hermenêutica jurídica, podemos, à semelhança do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, adotar a interpretação teleológica e integrativa da Lei, do instrumento convocatório e do instrumento de ajuste (contrato, ata de registro de preços, nota de empenho, dentre outros).
Com efeito, a Lei Federal nº 8.666/93 estabelece a vinculação ao instrumento convocatório como princípio basilar das licitações (art. 3º).
O art. 87 da mesma Lei estabelece que pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado, dentre outras sanções a multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato (inciso II).
Como visto anteriormente, na cláusula padronizada que trata da aplicação de penalidades administrativas, adotada por esta Casa Legislativa em seus instrumentos de ajuste, consta cláusula expressa quanto à dedução de valores referentes a eventuais multas aplicadas, do crédito a ser recebido pela contratada/detentora.
Encontramos, ainda, o Parecer da XXXXXXXXXXX – PGM nº 11.793 de 18/09/2017 que analisa a questão referente à retenção dos créditos da contratada na pendência do processo de aplicação de penalidade, citando a ementa 10.563:
“Contrato Administrativo. Rescisão contratual determinada pela inexecução parcial. Possibilidade de retenção dos créditos do particular na pendência da apuração do inadimplemento para compensá-los com o valor decorrente de perdas e danos ou de multas impostas pela Administração. Previsão expressa no art. 80, inciso IV, da Lei 8.666/93, que autoriza a retenção dos créditos do particular na pendência da apuração do inadimplemento evitando, com isso, inclusive, a ocorrência de verdadeiro contra-senso (sic) da Administração de liquidar espontaneamente seus débitos para, posteriormente, ficar sujeita ao risco de não encontrar bens suficientes em poder dele para satisfazer o seu crédito, que decorra de perdas e danos, quer de multas devidas”.
Na sequência cita a Informação nº 508/15 da PGM que analisa a questão em conjunto com a Portaria Intersecretarial nº 1/2015 – SEMPLA – SF na qual se concluiu que nos contratos de longa duração e de prestação continuada, o valor da multa pode ser retido, após a sua efetiva aplicação, dos pagamentos futuros a serem realizados em favor da contratada e “nos contratos de curta duração, pronta entrega ou nos contratos em via de finalizar, como determina a Portaria Intersecretarial, deverá emitir guia DAMSP para que quando da decisão da autoridade a multa seja recolhida, sob pena de inclusão dos dados cadastrais do contrato no CADIN”, tudo conforme o art. 54 do Decreto Municipal nº 44.279/03.
Nota-se que a XXXXXXXXXXX adota posição com fundamento no princípio da legalidade estrita, contudo, admite que, do ponto de vista jurídico, há “espaço para o entendimento de que a retenção antecipada dos valores de multa é uma medida acautelatória, que não significa punição antecipada, mas um mero provisionamento de recursos para uma futura e provável penalização”.
Data maxima venia, de todo o estudo realizado, parece-nos que devemos adotar a posição mais consentânea à realização do interesse público. A nosso ver, seria um contrassenso a Administração deixar de realizar a retenção dos valores referentes a multas e depois encaminhá-las para morosos processos de cobrança administrativa e, na sequência, muito provavelmente, judicial.
Ainda, considerando as especificidades das contratações desta Casa Legislativa que, comparadas às contratações do Poder Executivo Municipal, podem ser consideradas de menor vulto, em que, na maioria dos casos, os valores das multas aplicadas não alcançam o valor mínimo para cobrança judicial pela XXXXXXXXXXX que, atualmente, é de R$ XXXXX (XXXXX reais), nos termos do art. 1º da Lei Municipal nº 14.800/2008, com a redação dada pela Lei Municipal nº 16.680/2017.
Consigne-se que a Câmara Municipal de São Paulo enquanto órgão de poder constitui um ente jurídico despersonalizado, pois integra a estrutura administrativa da pessoa jurídica do qual faz parte, isto é, o Município de São Paulo. Nesse caso, a Câmara possui apenas personalidade judiciária, isto é, só pode atuar em juízo para defender os seus direitos institucionais próprios e vinculados à sua independência e funcionamento.
Por essa razão, esgotadas as vias administrativas de cobrança, os processos são encaminhados à Procuradoria do Município de São Paulo para o ajuizamento das competentes ações judiciais, sendo que, para tanto, existe o valor mínimo de R$ XXXXXXXX (XXXXXX reais), conforme explicitado acima.
Considerando que, em grande parte dos casos concretos, os valores das multas aplicadas por esta Casa Legislativa encontra-se abaixo desse valor, se não forem tomadas providências para a cobrança, haveria, na prática, renúncia a essa receita, o que não parece se coadunar com o princípio da realização do interesse público.
Nos casos em que o valor supera o limite mínimo de cobrança, esse entendimento é mais benéfico para a contratada/detentora, pois com a retenção cautelar dos valores apurados, a parte não arcará com os consectários legais (juros legais, honorários advocatícios etc.) decorrentes de uma condenação na esfera administrativa e, posteriormente, judicial. Podemos aplicar aqui o princípio da menor onerosidade para o devedor, utilizando como analogia o art. 805 e 867 do Código de Processo Civil, pelo qual a lei assegura ao devedor o dever de pagar, mas de forma menos gravosa para ele.
Inclusive, o débito é passível de inclusão no Cadastro Informativo Municipal – CADIN, nos termos do art. 2º, inciso I, alínea “d”, do Decreto Municipal nº 47.096/2006 que regulamenta a Lei Municipal nº 14.094/2005, que criou o cadastro:
“Art. 2º. São consideradas pendências passíveis de inclusão no CADIN MUNICIPAL:
I – as obrigações pecuniárias vencidas e não pagas, tais como:
[…]
d) multas tributárias e não tributárias, inclusive as de trânsito;”.
A existência de registros no CADIN impede a pessoa física ou jurídica de celebrar convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam o desembolso, a qualquer título, de recursos financeiros (inciso I do art. 3º da Lei Municipal nº 14.094/05), o que também não deixa de ser uma situação mais gravosa para o devedor.
Insta ressaltar o caráter pedagógico da sanção administrativa, cujo objetivo é que surta um efeito positivo na qualidade da prestação dos serviços.
Cumpre observar que no âmbito desta Casa Legislativa o procedimento de aplicação de penalidades administrativas obedece aos ditames do devido processo legal, sendo que, em alguns casos, o contraditório e a ampla defesa podem ser diferidos, retendo-se os valores das multas, pagando-se sempre o incontroverso, sem prejuízo de, após todos os recursos disponíveis em Lei para a sua defesa, em caso de acolhimento das razões apresentadas pela contratada/detentora, devolver-se o valor retido. f
Observe-se que, em tais situações podemos invocar o princípio do pas de nullité sans grief, pelo qual não há que se invocar nulidade sem prejuízo. Portanto, tendo havido o respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, com acesso da contratada/detentora aos autos, possibilidade de apresentar defesa escrita e produzir provas, não há que se falar em nulidade. Registre-se que contraditório diferido não é o mesmo que ausência de contraditório.
Nesses casos, a decisão é proferida de maneira provisória, com a inversão das fases para garantia do bem jurídico, mas garantindo à parte afetada que exerça seu direito ao contraditório após a decisão prolatada que poderá, eventualmente, ser revista a seu favor.
Assim, o contraditório diferido existente no inquérito policial para a produção de provas urgentes, no processo civil e trabalhista para diversas situações em que a prestação jurisdicional deve ser imediata, de forma a acautelar o direito, também pode, a nosso ver, ser transposto para o processo administrativo, a depender do caso concreto.
Insta consignar que, de acordo com informação verbal da Sra. Supervisora da SGA.24, os valores das multas retidos permanecem em uma conta denominada “pendências de fornecedores a regularizar”, sendo que a Câmara somente apropria-se dos valores das multas retidas após a finalização do procedimento sancionatório. Ademais, o incontroverso é pago normalmente.
Diante do exposto, passo a analisar cada situação concreta apresentada pela Sra. Supervisora da SGA.24, mediante uma interpretação teleológica sistêmica, levando em conta as peculiaridades dos casos de penalização administrativa nas contratações desta Casa Legislativa:
I – Para os casos de aquisições com entrega imediata e pagamento único e para os casos em que o ajuste dá-se por meio de Ata de Registro de Preços, parece-nos possível a retenção imediata dos valores de eventuais multas apontados pela Unidade Gestora concomitantemente à notificação da Contratada/Detentora, ainda que previamente à apresentação de sua Defesa Prévia.
Isso porque, nesses casos, via de regra, não há tempo hábil para a completa tramitação do procedimento de penalização e não haverá fatura subsequente para a retenção caso a penalidade seja efetivamente aplicada pela autoridade competente, seja porque o pagamento é único, seja porque, nos casos de Atas de Registro de Preços, não há a certeza de que haverá outras futuras aquisições/contratações e, ainda que haja, a penalidade pode perder a característica da reatividade imediata ao inadimplemento e ser passível de questionamento pela contratada/detentora.
Dessa forma, como medida acautelatória, visando o provisionamento de recursos e a futura liquidação espontânea do débito, conclui-se pela possibilidade da retenção imediata dos valores de eventuais multas apontadas pela Unidade Gestora concomitantemente à notificação da Contratada/Detentora para apresentação de Defesa Prévia.
II – Para os casos de contratos de prestação de serviços de natureza continuada, deve ser adotada como regra a retenção dos valores das multas efetivamente aplicadas pela autoridade competente, após a apresentação da Defesa Prévia da Contratada, ou na sua ausência. Isso porque, como estudamos acima, nesses casos, o recurso administrativo eventualmente interposto não possui, como regra, efeito suspensivo.
III – Contudo, quando o prazo de vigência desses contratos de prestação de serviços de natureza continuada estiver próximo do término, como medida acautelatória, a retenção dos valores de eventuais multas apontadas pela Unidade Gestora pode ser imediata concomitantemente à notificação da Contratada, ainda que previamente à apresentação de sua Defesa Prévia, pelas mesmas razões acima expostas para os demais casos.
Assim sendo, encaminho o presente Parecer que submeto à criteriosa apreciação de V. Sa.
São Paulo, 05 de setembro de 2019.
Conceição Faria da Silva
Procuradora Legislativa Supervisora
Setor de Contratos e Licitações
OAB/SP n.º 209.170