Parecer n° 154/2019

Parecer SCL nº 154/19
Ref: Processo nº 210/2019
TID n° 18173401
Interessado: Supervisão de Liquidação de Despesas – SGA.24
Assunto: Abrangência da penalidade de suspensão do direito de licitar com a Administração.

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,

O presente processo foi encaminhado a esta Procuradoria para elaboração de minuta de contrato a ser firmado com a empresa XXXXXXXXXXXXXX, selecionada em procedimento de dispensa de licitação (fls. 76/77) para aquisição de 31 (trinta e uma) licenças Power Bi Pro.

Ocorre que ao consultar o cadastro CEIS foi apontado que a referida empresa foi penalizada pelo Distrito Federal com a sanção de suspensão do direito de licitar e impedimento de contratar com a Administração pelo prazo de 12 (doze) meses. A sanção foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal em 07/05/2019, estando, portanto, em plena vigência.

A questão que se propõe, então, é estabelecer a abrangência da referida penalidade, ou seja, se a mesma fica adstrita à entidade pública que aplicou a sanção ou reverbera no âmbito das outras entidades públicas, impedindo a contratação da referida empresa pela União, Estados e Municípios.

A doutrina diverge sobre a questão sendo que alguns juristas professam o entendimento de que a sanção de suspensão do direito de licitar e impedimento de contratar com a Administração (inciso III, art. 87, Lei nº 8.666/93) resta adstrita ao âmbito da entidade de direito público interno que impôs a penalidade. Neste sentido preleciona Yara Darcy Police Monteiro, que:

“(…) a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento para contratar com a administração, prevista no mesmo art. 87, III, alcança apenas o órgão que aplicou a punição (art. 6º, XII) salvo se legislação específica de determinado estado ou município ampliá-la para que tenha incidência no âmbito da respectiva administração. É o caso, por exemplo, da lei municipal paulistana n. 10.544/89, cuja suspensão temporária abrange toda a administração municipal. registre-se sobre a matéria posição discordante de Marçal Justen Filho, que entende ser destituído de sentido o impedimento apenas perante o órgão sancionador, porquanto assevera: se um determinado sujeito apresenta desvio de conduta que o inabilita para contratar com a administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão.”

No mesmo diapasão é o posicionamento de Jessé Torres Pereira Júnior para quem “a empresa suspensa do direito de licitar e de contratar com a ‘administração’ está impedida de fazê-lo tão somente perante o órgão, a entidade ou a unidade administrativa que aplicou a penalidade, posto que esta é a definição que a lei adota. O mesmo art. 87, IV, proíbe a empresa declarada inidônea de licitar e de contratar com a administração Pública brasileira, posto ser esta a definição inscrita no art. 6º, XI. Tanto que o art. 97 tipifica como crime ‘admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo’, o que abrange todo o território nacional dada a competência privativa da união para legislar sobre direito penal (CF/88, art. 22, I). e não há crime em admitir à licitação ou contratar empresa suspensa” .

Em sentido diametralmente oposto perfila-se a doutrina abalizada de Marçal Justen Filho. Assevera o referido jurista que “O que se pode inferir, da sistemática legal, é que a declaração de inidoneidade é mais grave do que a suspensão temporária do direito de licitar – logo, pressupõe-se que aquela é reservada para infrações dotadas de maior reprovabilidade do que esta. Seria possível estabelecer uma distinção de amplitude entre as duas figuras. Aquela do inc. III produziria efeitos no âmbito da entidade administrativa que a aplicasse; aquela do inc. IV abarcaria todos os órgãos da Administração Pública. Essa interpretação deriva da redação legislativa, pois o inc. III utiliza apenas o vocábulo Administração, enquanto o inc. IV contém Administração Pública. No entanto, essa interpretação não apresenta maior consistência, ao menos enquanto não houver regramento mais detalhado. Aliás, não haveria sentido em circunscrever os efeitos da suspensão de participação de licitação a apenas um órgão específico. Se um determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com a Administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão. Nenhum órgão da Administração Pública pode contratar com aquele que teve seu direito de licitar suspenso.”

Na esfera judicial importa destacar que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a penalidade de suspensão do direito de licitar e impedimento de contratar com a administração aplica-se a todas as entidades de direito público interno de todas as esferas governamentais. Neste sentido são os julgados abaixo aduzidos:

Recurso Especial n. 174.274 – Segunda Turma – relator: ministro Castro Moreira sessão: 22/11/2004- Administrativo. Suspensão de participação em licitações. Mandado de segurança. Entes ou órgãos diversos. Extensão da punição para toda a administração. 1. A punição prevista no inciso III do artigo 87 da lei n. 8.666/93 não produz efeitos somente em relação ao órgão ou ente federado que determinou a punição, mas a toda a Administração Pública, pois, caso contrário, permitir-se-ia que empresa suspensa contratasse novamente durante o período de suspensão, tirando desta a eficácia necessária. 2. Recurso especial provido (STJ, Segunda Turma, REsp n. 174274/sP. rel. min. Castro Meira, DJ, 22 nov. 2004).

Recurso Especial n. 151.567 — Segunda Turma – relator: ministro Francisco Peçanha Martins – sessão: 14/04/2003 – Administrativo — Mandado de segurança — Licitação — Suspensão temporária — Distinção entre administração e administração Pública — Inexistência — Impossibilidade de participação de licitação pública — Legalidade — lei 8.666/93, art. 87, inc. III . — É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não participação em licitações e contratações futuras. — A administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum. — A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a administração se estendem a qualquer órgão da administração Pública. — recurso especial não conhecido (STJ. segunda turma. REsp n. 151.567. relator min. Francisco Peçanha Martins, DJ, 14 abr. 2003).

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. SANÇÃO IMPOSTA A PARTICULAR. INIDONEIDADE. SUSPENSÃO A TODOS OS CERTAMES DE LICITAÇÃO PROMOVIDOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE É UNA. LEGALIDADE. ART. 87, INC. II, DA LEI 8.666/93. RECURSO IMPROVIDO. I – A Administração Pública é una, sendo, apenas, descentralizada o exercício de suas funções. II – A Recorrente não pode participar de licitação promovida pela Administração Pública, enquanto persistir a sanção executiva, em virtude de atos ilícitos por ela praticados (art. 88, inc. III, da Lei n.º 8.666/93). Exige-se, para a habilitação, a idoneidade, ou seja, a capacidade plena da concorrente de se responsabilizar pelos seus atos. III – Não há direito líquido e certo da Recorrente, porquanto o ato impetrado é perfeitamente legal. IV – Recurso improvido.” (STJ – RMS: 9707 PR 1998/0030835-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 04/09/2001, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 20.05.2002, p. 115RSTJ vol. 157 p. 165) (grifou-se)

“MANDADO DE SEGURANÇA. PENALIDADE APLICADA COM BASE NA LEI 8.666/93. DIVULGAÇÃO NO PORTAL DA TRANSPARÊNCIA GERENCIADO PELA CGU. DECADÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. LEI EM TESE E/OU ATO CONCRETO. DANO INEXISTENTE. 1. O prazo decadencial conta-se a partir da data da ciência do ato impugnado, cabendo ao impetrado a responsabilidade processual de demonstrar a intempestividade. 2. A Controladoria Geral da União é parte legítima para figurar em mandado de segurança objetivando atacar a inclusão do nome da empresa no PORTAL DA TRANSPARÊNCIA, por ela administrado. 3. O writ impugna ato concreto, oriundo do Ministro dirigente da CGU, inexistindo violação de lei em tese. 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei 8.666/93, suspendendo temporariamente os direitos da empresa em participar de licitações e contratar com a administração é de âmbito nacional. 5. Segurança denegada.” (STJ – MS: 19657 DF 2013/0008046-9, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 14/08/2013, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 23/08/2013)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAR DE LICITAÇÃO E IMPEDIMENTO DE CONTRATAR. ALCANCE DA PENALIDADE. TODA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2). 2. De acordo com a jurisprudência do STJ, a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei n. 8.666/1993 não produz efeitos apenas em relação ao ente federativo sancionador, mas alcança toda a Administração Pública (MS 19.657/DF, rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2013, DJe 23/08/2013). 3. Agravo desprovido.” (STJ – AgInt no REsp: 1382362 PR 2013/0134522-6, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 07/03/2017, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/03/2017)

Depreende-se do quanto exposto nas linhas precedentes que não há entendimento unívoco sobre a matéria, contudo importa ressaltar que cabe ao Superior Tribunal de Justiça determinar a última palavra sobre a interpretação da lei federal, de modo que entendo de todo recomendável a adoção do entendimento esposado por aquele tribunal.

A Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul adotou o mesmo entendimento consoante se pode depreender do parecer que segue em anexo.

Em face ao exposto, entendo que este Legislativo não pode firmar contrato com a empresa XXXXXXXXXXXXX, enquanto perdurar a penalidade que lhe foi imposta pelo Distrito Federal.

Este é o parecer, que submeto à apreciação de V. Sa

São Paulo, 29 de agosto de 2019.

ANTONIO RUSSO FILHO
Procurador Legislativo
OAB/SP n° 125.858