Parecer n° 139/2020

Parecer SCL nº 139/2020

Proc. nº 627/2019

Interessado: Secretaria Geral Administrativa – SGA

Assunto: Nota de Empenho – Inadimplência – Recurso de penalidade de multa

 

 

 

 

 

 

 

Sr. Procurador Legislativo Supervisor,

 

 

 

Trata-se de análise referente a recurso interposto pela empresa xxxxxxxxxxxxxxxx contra aplicação de penalidade por violação contratual (fls. 173/200).

 

A referida empresa foi penalizada (fls. 169) por descumprimento do prazo de entrega de uma unidade de balança eletrônica, conforme o previsto no subitem 1.1.4. da Nota de Empenho nº 68/2019.

 

Consoante depreende-se das informações expressas às fls. 115 o prazo original de entrega, previsto na referida nota de empenho, era de 15 (quinze) dias, com termo final em 31/10/2019. Contudo, após ter dois pedidos de prorrogação de prazo indeferidos, a contratada somente veio a entregar o produto em 15/01/2020. Foram setenta e seis dias de atraso.

 

É tempestivo o recurso.

 

A unidade administrativa gestora do contrato – Supervisão de Gestão de Serviços SGA.35 –, manteve a indicação de imposição de penalidade, salientando que a contratada atrasou muito tempo na entrega da balança digital e que por tal razão houve prejuízo ao início dos trabalhos de medição de lixo (razão pela qual a mesma foi adquirida). Argumenta ainda que a solicitação de dilação do prazo de entrega – efetivada pela contratada –, foi indeferida por este Legislativo.

 

Por seu turno a contratada aduz em suas razões de recurso que não fabrica o produto e que o fabricante, por problemas de ordem técnica (quebra de uma máquina essencial na fabricação do produto), atrasou a entrega do mesmo (fls. 195). Que além do problema de ordem técnica o fabricante teve problema na aduana, e uma matéria prima importada – essencial à fabricação da referida balança –, ficou retida por mais de quinze dias na alfândega (fls. 198).

 

A contratada junta aos autos cópia de correspondência trocada com o fabricante para comprovação de tais alegações (fls. 195 e 198).

 

Alega ainda, que os feriados de festas do final do ano também contribuíram para o atraso na entrega, já que o fabricante não finalizou o produto.

 

Argumenta, também, que o atraso não ocorreu por sua desídia, mas por problemas do fabricante do produto e que durante todo o processo procurou manter esta contratante ciente dos problemas por ela enfrentados, tendo inclusive solicitando dilação de prazo.

 

Por derradeiro, assevera que esta Administração – na aplicação da penalidade –, não observou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aduzindo que a multa seria muito alta para o descumprimento de apenas uma cláusula contratual.

 

Conforme consta da proposta da contratada às fls. 66 a mesma se obrigou a entregar balança tipo eletrônica marca Líder, de forma que não há que se falar que a mesma deveria ou poderia procurar outros fornecedores. Na realidade havia uma impossibilidade de se procurar outros fornecedores, tendo em conta que a empresa Líder, por evidente, é a única que fabrica a referida balança eletrônica.

 

A empresa Líder, consoante faz prova os documentos juntados às fls. 195 e 198, por razões já ventiladas nos parágrafos precedentes, atrasou na entrega da mercadoria à contratada.

 

Não vislumbro que esse fato de terceiro possa ser imputado à contratada e tido como risco da atividade empresarial.

 

Para ilustrar melhor a situação vamos hipotetizar que a Administração após o devido processo de licitação, tenha contratado com um revendedor de carros a aquisição de vinte veículos Marca Fiat, modelo Palio 1.6.

 

Durante a execução do ajuste descobre-se que a montadora Fiat simplesmente deixou de fabricar o referido veículo.

 

A contratada deveria sofrer penalidade referente à inexecução total do ajuste (diante da impossibilidade de execução do contrato)?

 

A resposta creio que seja negativa. É fato de terceiro que ensejou a inexecução do ajuste. A contratada não concorreu com culpa para que o contrato se inviabilizasse.

 

O mesmo raciocínio se aplica à hipótese versada nos autos. Foi o fabricante, segundo faz prova os documentos juntados às fls. 195 e 198, que deu ensejo ao atraso no cumprimento do ajuste.

 

A contratada não concorreu com culpa para o atraso na sua execução.

 

Preceitua o art. 396 do Código Civil, que:

 

“Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.”

 

Neste diapasão a contratada trouxe aos autos acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que trata de questão análoga a tratada no presente processo, e cuja decisão é pelo afastamento da culpa da contratada pela mora decorrente do atraso comprovado do fabricante do produto de entregá-lo. O referido acórdão (cópia em anexo) restou ementado nos seguintes termos:

 

Apelação cível. Direito Administrativo e Direito Civil. Licitação. Fornecimento. Produto. Máquina reprográfica (Xerox). Atraso na entrega do produto. 18 (dezoito) dias. Culpa exclusiva de terceiro. Fabricante (Xerox Corporation). Ocorrência. Mora da empresa contratada. Descaracterização. Art. 396 do Código Civil. Incidência. Cumprimento da obrigação pela ré. Ocorrência. Sentença mantida.

  1. O atraso na entrega do produto/equipamento (máquina reprográfica) adquirido por intermédio de procedimento licitatório foi devidamente justificado em razão de problemas na fabricação, o que se deu, conforme comprovado pelo documento de fls. 85 dos autos, firmado por gerente da Xerox do Brasil, inclusive, em nível mundial com a Xerox Corporation, tratando-se, portanto, de mora que não pode ser atribuída à empresa contratada/ré, cujo interregno de tempo, equivalente a 18 (dezoito) dias de atraso, não indica, outrossim, ter havido transtorno insuperável para a parte autora.
  2. À vista do que se apurou nos autos, é inexorável a incidência na espécie do art. 396 do Código Civil, exatamente conforme assentado na sentença recorrida.
  3. Ademais, embora cabível a pretensão deduzida, a rigor, o pequeno atraso havido, notadamente diante da ocorrência de problemas com a fabricante (Xerox Corporation) e não com a contratada, aponta para a desnecessidade de movimentação da máquina judiciária para a cobrança da multa contratual em debate. A se considerar a natureza da empresa autora, integrante do sistema S, em cotejo com o valor em debate, considerado o contexto já mencionado, é evidente que o problema poderia ter sido resolvido administrativamente, economizando tempo e recurso de todos os atores processuais envolvidos.
  4. Recurso de apelação da parte autora conhecido e desprovido. Sentença mantida integralmente. (ApCv nº 20130110114837 – 0003406-06.2013.8.07.0001 – 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 30/11/2016)

 

 

 

Ainda em sentido análogo, são os acórdão do TRF.4, cujas ementas seguem abaixo transcritas:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA EXTRA PETITA. NULIDADE. CONTRATO ADMINISTRATIVO. RESCISÃO UNILATERAL PELA ADMINISTRAÇÃO POR INEXECUÇÃO. FATO IMPREVISÍVEL. ATRASO JUSTIFICADO. 1. Deve ser declarada nula a sentença no ponto em que condena a União à indenização por danos morais, porquanto ausente pedido do autor neste sentido. 2. Atraso no adimplemento do contrato, com a entrega extemporânea dos tablets contratados, por superveniência de fato imprevisível, estranho à vontade das partes a justificar a aplicação da exceção prevista no artigo 57, § 1º, inciso II, da Lei n. 8.666/93. 3. Em que pese o não atendimento, inicialmente, da garantia prevista no edital, havia possibilidade de adimplemento posterior deste requisito, com a contratação pela empresa de garantia adicional. 4. Correta a sentença que reputou justificado o atraso na entrega dos tablets, considerando inválida a rescisão contratual operada pelo TRT da 4ª Região e nulas as sanções aplicadas em decorrência dela. (TRF4, APELREEX 5054520-02.2012.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 11/12/2014).

 

ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INEXECUÇÃO. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. FATO IMPREVISÍVEL. ATRASOS JUSTIFICADOS. MULTA. REDUÇÃO. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO. 1. Reconhecido que a parte autora não pode ser responsabilizada pela demora no fornecimento dos equipamentos, porque escudados em fatos alheios e imprevisíveis. Assim porque, conquanto no Pregão Eletrônico nº 106/2012 a demora se deu em razão da fabricante HP (falta de componentes mais específicos e atraso nos trâmites alfandegários dos equipamentos objeto dos empenhos), e, no Pregão Eletrônico nº 103/2012 o atraso teve origem no roubo das mercadorias, tais fatos foram reconhecidos como causas excludentes de responsabilidade. 2. Em relação aos empenhos referentes ao Pregão Eletrônico nº. 103/2012, mesmo considerada a causa superveniente do roubo de cargas como excludente da mora para o prazo inicialmente determinado, a autora, uma vez reiniciado o prazo para entrega dos equipamentos conforme o edital (45 dias), não os entregou no tempo devido. Portanto, somente em relação aos empenhos referentes ao Pregão Eletrônico nº. 106/2012 (2012NE806009, 2012NE506145, 2012NE807149, 2012NE807838) é possível excluir totalmente a existência de mora em virtude de atraso no fornecimento pelo fabricante. 3. Com o reconhecimento da inexistência de mora em relação a alguns empenhos e, diminuição no prazo de atraso em relação a outros, a multa aplicada não pode permanecer no mesmo patamar fixado pela Administração. 4. Tendo em vista a quantidade de dias de atraso que ainda permanece superior a 10 (dez) dias nos empenhos acima referidos, a multa deve ser aplicada sobre o limite máximo de 10% do valor, porquanto, em todos os casos, a inclusão de 1% (um por cento) ao dia superaria o patamar máximo fixado na norma. 5. Existência de erro material no decisum no tocante à falta do cômputo do empenho 2012NE806814 – R$ 393.400,00, pois foi considerado pela sentença no valor total dos empenhos em atraso a soma de R$ 420.000,00 (R$ 96.000,00 + R$250.100,00 + R$58.900,00 + R$15.000,00). 6. O total dos empenhos em atraso soma R$813.400,00, de modo que a multa de 10% deve ser fixada em R$ 81.340,00 (oitenta e um mil e trezentos e quarenta reais). (TRF4, APELREEX 5029808-56.2014.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 10/03/2016).

 

Em face ao exposto, opino no sentido de que seja dado provimento ao recurso a fim de se revogar a multa imposta à contratada.

 

Por derradeiro, cabe recordar que o recurso deve ser analisado pela Mesa Diretora.

 

Este é o parecer, que submeto à apreciação de V. Sa.

 

São Paulo, 28 de julho de 2020.

ANTONIO RUSSO FILHO

Procurador Legislativo

OAB/SP n° 125.858