Parecer n° 130/2020

Parecer SCL nº 130/2020

Assunto: Termo de Cooperação Técnica com xxxxxxxxxxxxxxxx para chamamento de startups no Fórum dos Empreendedores

 

 

Senhor Procurador Legislativo Supervisor,

 

Cuida o expediente de proposta do Gabinete da Vereadora Janaína Lima para celebração de cooperação técnica entre a Câmara Municipal de São Paulo e xxxxxxxxxxxxxxxx para realização de chamamento público e seleção de propostas tecnológicas e inovadoras de retomada social e econômica na cidade de São Paulo. Segundo consta, o procedimento se daria no Fórum dos Empreendedores como parte do esforço público-privado de contenção da crise gerada pela pandemia da Covid-19.

 

Veio o presente a esta Procuradoria para análise jurídica.

 

É o relatório. Opino.

 

Atualmente se verifica um crescente mercado de startups. Segundo consta no site da StartSe, trata-se de “grupo de pessoas de perfil de empreendedor, caracterizado pela autonomia, dedicação e risco, à procura de um modelo de negócios repetível e escalável – monetização feita através de produtos em escala quase que ilimitada e de baixo custo de manutenção – normalmente apresentado em um cenário de incertezas e questões, que atraem e pedem por valor e inovação”. Em outros termos, são empresas que utilizam tecnologia e inovação disruptiva – portanto, fora dos moldes tradicionais – na prestação de seus serviços, tendo surgidas no seio da livre iniciativa e da livre concorrência que regem a ordem econômica brasileira (art. 170, caput, da Constituição Federal).

 

A opção da constituinte foi por um sistema econômico baseado na economia de mercado (resguardado o papel subsidiário, normativo e regulador do Estado, evidentemente). Tal liberdade econômica veio a ser reforçada pela Lei Federal 13.874/2019, que enuncia que é direito de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos, dentre outros, “desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, nos termos estabelecidos em regulamento, que disciplinará os requisitos para aferição da situação concreta, os procedimentos, o momento e as condições dos efeitos” (art. 3º, VI).

 

O acelerado desenvolvimento da tecnologia nos últimos anos vem transformando a sociedade na forma de como viver, trabalhar e relacionar-se. Fala-se atualmente em “quarta revolução industrial”, conceito formulado por Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, em que se cria “um mundo onde os sistemas físicos e virtuais de fabricação cooperam de forma global e flexível. Isso permite a total personalização de produtos e criação de novos modelos operacionais”. Acrescenta o economista que a quarta revolução industrial não diz respeito apenas a sistemas e máquinas inteligentes conectadas. “Ondas de novas descobertas ocorrem simultaneamente em áreas que vão desde o sequenciamento genético até a nanotecnologia, das energias renováveis à computação quântica. O que torna a quarta revolução industrial fundamentalmente diferente das anteriores é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitais e biológicos” (A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016, p. 16).

 

As tecnologias emergentes e as inovações generalizadas são difundidas numa velocidade nunca antes vista. Essa transformação da sociedade se expressa, por exemplo, pelos milhares de plataformas digitais que propiciaram uma enorme redução de custos de informação e de coordenação, inserindo-se rapidamente no cotidiano das pessoas. Surge uma economia partilhada ou colaborativa, na qual atividades econômicas são facilitadas por plataformas colaborativas que criam um mercado aberto para utilização temporária de bens ou serviços por três categorias intervenientes: os prestadores de serviço, os consumidores e os intermediários, através de uma plataforma em linha, que ligam os dois primeiros, facilitando as transações recíprocas (MOREIRA, Teresa Coelho. “Principais repercussões da utilização de sistemas de inteligência artificial por agentes empresariais no âmbito do Direito do Trabalho”. In: Inteligência artificial e direito: ética, regulação e responsabilidade. FRAZÃO, Ana; MULHOLLAND, Caitlin (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 400).

 

Oferecendo atividades empresariais que potencializam e dinamizam a economia local, segundo se depreende da minuta em apreço, as startups assumem relevância ainda maior neste contexto de gravíssima crise desencadeada pela pandemia em curso, constituindo uma importante via para retomada do crescimento da cidade. Nesse sentido, criou-se pela Resolução 4/2019 desta Casa Legislativa o Fórum de Empreendedores do Município de São Paulo, que visa promover o empreendedorismo, congregar empreendedores, e propiciar o compartilhamento de conhecimentos e experiências. Trata-se de um grupo formado por doze integrantes não-remunerados e incumbido do seguinte:

 

“Art. 4º Para cumprir com sua finalidade, o Fórum deverá:

I – organizar encontros, seminários, congressos, ou reuniões em outros formatos adequados ao desempenho de suas funções, congregando empreendedores de todos os segmentos sociais, econômicos, culturais, religiosos e étnicos;

II – promover a participação de empreendedores em atividades de interesse para o mundo dos negócios e acesso à informação de qualidade;

III – aproximar o poder público e a sociedade civil, bem como instituições e entidades de capacidade técnica capazes de cooperar para desenvolvimento de atividades empreendedoras;

IV – elaborar e divulgar pesquisas, relatórios e materiais informativos que visem à divulgação de informações de interesse específico para o empreendedorismo;

V – elaborar e desenvolver projetos em prol de empreendedores, incentivando a formalização e a regularização dos empreendimentos.”

 

O funcionamento do Fórum de Empreendedores se dará mediante programação de atividades que poderão contar com a participação de parlamentares, entidades, instituições acadêmicas e de pesquisa, movimentos sociais, organizações não governamentais e outras lideranças representativas da sociedade civil. É permitida a organização de atividades conjuntas com instituições empresariais e educativas, instituições públicas ou privadas, entes municipais, estaduais e federais capazes de contribuir para a consecução das suas finalidades. Para tanto:

 

“Art. 7º A Câmara Municipal de São Paulo, caso julgue necessário, poderá firmar parcerias, contratos, convênios ou termos de cooperação técnica para a realização das atividades e eventos relativos ao Fórum de Empreendedores.”

 

No bojo dessas atividades, a minuta do termo de cooperação técnica prevê que xxxxxxxxxxxxxxxx realizará um procedimento denominado “Chamamento” para startups que apresentem projetos relacionados à Covid-19, com base nos desafios estabelecidos de ferramentas digitais, cidades, cidadania social, ações de nicho e dados, de forma a melhorar as ferramentas de retomada social e econômica no momento pós-crise da pandemia. À Câmara Municipal de São Paulo seriam reservados os papéis de divulgar e captar jurados, de forma direta ou por meio dos seus membros e parceiros para update e utilização da Plataforma; informar que o “Chamamento” é um projeto concebido como extensão adaptada da Latam Innovation Awards; e garantir a proteção da propriedade intelectual do modelo de análise e dos códigos utilizados pela xxxxxxxxxxxxxxxx.

 

Em primeiro lugar, merece atenção a escolha da empresa xxxxxxxxxxxxxxxx para a formalização da parceria. É indispensável a adoção de cautelas quanto à escolha do particular com quem pretende formalizar um ajuste, o que é uma exigência do princípio da moralidade administrativa. Como ensina a doutrina, essa moral não está afeta à intenção do agente público, mas à produção de resultado adequado ao interesse público, vale dizer, à satisfação do fim institucional decorrente da boa administração (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Mutações do direito administrativo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 59). Não obstante haver um documento, emitido pelo domínio GoDaddy, com a indicação da hospedagem da Latam Innovation Awards e do seu titular (em anexo), considera-se prudente que a unidade gestora ateste a titularidade da xxxxxxxxxxxxxxxx sobre a plataforma.

 

A formalização de uma cooperação técnica em si não constitui um entrave jurídico. Ao revés, nos últimos anos, vem ganhando prestígio uma cultura do diálogo, em que o Estado conforma suas ações em face das emanações da diversidade social, superando a tradicional concepção de direito administrativo, que expressava o poder de império e praticava atos administrativos cujos atributos essenciais sujeitavam-se à noção de autoridade. Surge a noção de consensualidade, que, nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “aparece tanto como técnica de coordenação de interesses e de ações, como uma nova forma de valorização do indivíduo, prestigiando, simultaneamente, a autonomia da vontade, motor da sociedade civil e do progresso, e a parceria que potencia a ação desses dois atores protagônicos: a sociedade e o Estado” (op.cit., p. 26).

 

Fernando Dias Menezes de Almeida explica que há casos em que “a Administração não possui poder unilateral de impor à outra parte – pública ou privada – a situação jurídica que se pretende estabelecer”. Essa situação a que o autor se refere é criada pelo que chama de módulos convencionais, resultantes de acordo de vontades e que podem ser de cooperação, de concessão e instrumentais; o negócio jurídico em estudo, por envolver uma conjunção de esforços para um fim comum, está abrangido na primeira categoria. Em crítica à teoria do contrato administrativo adotada no Brasil, propõe ele a graduação da incidência das prerrogativas da Administração, conforme objeto contratual, preservando-se o atendimento à função social (in Contrato administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012, pp. 236-240 e 352-356).

 

Importante frisar que o “Chamamento” não se confunde com chamamento público, que é um procedimento realizado pela Administração Pública para seleção de organização de sociedade civil e formalização de parceria. Apesar da semelhança do nome, constata-se que nada mais é do que um procedimento a ser realizado por particulares, sob a égide do regime de direito privado, com ampla liberdade para estabelecer regras de participação e critérios de julgamento. Trata-se, como se disse, de uma iniciativa inserida no conjunto de atividades a serem desenvolvidas pelo Fórum de Empreendedores.

 

A minuta do termo de cooperação técnica não envolve recursos financeiros, de maneira que as atribuições da Câmara Municipal de São Paulo não podem exigir desembolso financeiro. Assim, por exemplo, é vedada a remuneração a jurado escolhido por esta Administração pela participação do “Chamamento”, porquanto, de outro modo, o erário suportaria o ônus.

 

Dessa forma, o objeto da cooperação técnica não consiste no próprio chamamento, e sim no apoio institucional da Câmara Municipal de São Paulo à iniciativa. As ações nele compreendidas se limitarão a somente aspectos pontuais da operacionalização do “chamamento”, de forma meramente complementar à atividade desempenhada pelo particular. Ademais, as tarefas cometidas ao ente público não podem implicar ônus tal que gere dispêndio direto ou utilização significativa do aparato administrativo, sob pena de desfigurar a gratuidade do negócio jurídico.

 

Na mesma linha, não me parece benéfico assumir o dever de proteger a propriedade intelectual, ainda que haja cessão de uso da plataforma. Diante de violação da Lei Federal 9.609/1998, à xxxxxxxxxxxxxxxx, titular dos direitos autorais, compete propor ações cabíveis e buscar as reparações que lhe forem de direito, não sendo razoável que a Administração, com pretexto de descumprimento do dever assumido contratualmente, suportar as consequências de ações ilícitas de terceiros. Além de tudo, cláusula desse jaez não tem relação direta com o fim almejado pelo “chamamento”, desfigurando a própria razão de ser de uma cooperação técnica.

 

Já as atribuições da xxxxxxxxxxxxxxxx previstas na minuta encaminhada não são afetas à cooperação técnica, e sim naturalmente desempenhadas por ela dentro de sua esfera de liberdade individual, como titular de um bem, independentemente de qualquer convenção. Tal se dá com ações como receber inscrições, definir critérios de julgamento e organizar o “chamamento”, por exemplo, cujo exercício obviamente não depende de acordo com esta Administração. De todo modo, sua inserção no termo não conduz à invalidade, pelo que, a fim de se precaver de interpretações contrárias ao desiderato desta cooperação técnica, se recomenda que as atribuições sejam arroladas de modo meramente exemplificativo, sem adentrar em minúcias.

 

Há, porém, no mesmo rol, uma de natureza genuinamente convencional, qual seja, a de hospedar dados na nuvem computacional da Câmara Municipal de São Paulo (uma atribuição desta Administração, e não do particular). A hospedagem em nuvem – ou hospedagem cloud – consiste num serviço oferecido sob demanda por provedores de computação para armazenamento de dados e execução de tarefas a partir de qualquer lugar, sem necessidade de um meio físico para tanto. Trata-se de serviço pago, porém, geralmente provedores oferecem gratuidade até um determinado limite de capacidade, pelo que se mostra compatível sua inclusão no presente ajuste. O que exceder deverá ser arcado pela xxxxxxxxxxxxxxxx.

 

Ainda, não menos importante é fazer um outro registro. A inserção de dados na Latam Innovation Awards como condição de participação do “Chamamento” é ponto que atrairá a incidência da Lei Federal 13.709/2018, que estabelece um arcabouço principiológico (art. 6º), sob o qual exige-se que o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado em determinadas hipóteses, dentre as quais mediante consentimento do titular (art. 7º, I), e jamais para finalidades que não as informadas. Assim, o titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, como a finalidade específica, a forma e a duração, a identificação do controlador, entre outras características (art. 9º), assegurada a possibilidade de correção, anonimização e eliminação (art. 18).

 

É bem verdade que referida lei encontra-se ainda em vacatio legis, entrando em vigor, com a alteração pela Medida Provisória 959/2020, somente em 03/05/2021 (ou 16/08/2020, caso a referida medida provisória não seja aprovada pelo Congresso Nacional no prazo). Contudo, tal não pode servir de pretexto para não proteção de dados por duas razões: (1) porque a incidência da lei pode se dar ainda no curso da vigência do ajuste pretendido; e (2) porque a Lei Federal 12.965/2014, a Lei do Marco Civil da Internet, estabelece como princípio da disciplina do uso da internet no Brasil a proteção dos dados pessoais (art. 3º, III).

 

Em vista disso, a partir do momento em que se formaliza qualquer negócio com ele, a Administração Pública, ao zelar pela aplicação do princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), assume a possibilidade de verificar a conformidade da atuação do particular à legislação pertinente. Não poderia ser de outra forma, na medida em que se vinculará o nome da Câmara Municipal de São Paulo à atividade exercida pela empresa. Por isso, é acertada a inserção da xxxxxxxxxxxxxxxx de zelar pela proteção de dados pessoais de usuários, reservada a possibilidade desta Edilidade de verificar a conformidade legal.

 

Dados pessoais de usuários, à evidência, não se confundem com dados a que a Administração Pública deve dar publicidade. A prestação de contas à sociedade decorre da adoção cada vez maior da governança corporativa, nos aspectos da transparência e da accountability, merecedores de atenção da Lei Federal 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), que tornou possível maior participação popular e controle social nas ações governamentais. Nesse passo, criou-se no âmbito desta Administração, pelo Ato 1.156/2011, o Programa de Dados Abertos do Parlamento, com o objetivo de oferecer à sociedade recursos de acompanhamento e participação nas decisões político-administrativas da Câmara Municipal de São Paulo, por meio da disponibilização de bases de dados e de informações não sigilosas.

 

Por fim, mesmo se tratando de um negócio jurídico em que há comunhão de interesses e sem envolvimento de recursos financeiros, é dever da Administração Pública apurar condições de habilitação do particular interessado, na forma dos arts. 28 a 31 da Lei Federal 8.666/1993. Obviamente, a lei não quer que para todo e qualquer negócio jurídico celebrado pelo Poder Público exijam-se todos os requisitos de habilitação previstos, e expressamente faculta dispensa, no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão (art. 32, § 1º). Essa flexibilização se justifica ainda mais no módulo convencional, sobretudo, num ajuste que sequer envolve recursos financeiros. Por essa razão, deixa-se de apresentar algumas certidões fiscais comumente exigidas, como a de tributos mobiliários expedidos pelo Município de São Paulo; de outro lado, constam outras de maior relevo, como comprovante de Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).

 

Entretanto, a teor da Lei Federal 8.666/1993, é fundamental a exigência de comprovação de ato constitutivo de empresa, porquanto é vedada a contratação pública com entidades sem personalidade jurídica. O comprovante de inscrição no CNPJ não basta. Sendo o particular um empresário individual, exige-se sua respectiva ficha de inscrição de empresário individual na Junta Comercial, nos termos da Lei Federal 8.934/1994. Caso constituída uma sociedade, deve-se exigir estatuto social ou contrato social, a depender da forma societária.

 

Pelo exposto, opina-se pela viabilidade jurídica de apoio institucional pela celebração de cooperação técnica entre a Câmara Municipal de São Paulo e xxxxxxxxxxxxxxxx, cuja minuta vem em anexo, atendidos os apontamentos realizados.

 

Este é o parecer que submeto ao elevado descortino de V. Sª.

 

São Paulo, 9 de julho de 2020.

 

 

Renato Takashi Igarashi

Procurador Legislativo

OAB/SP 222.048