Parecer n° 121/2022

Parecer SCL nº 121/2022

Processo nº CMSP-PAD-2022/00229

Assunto: Fornecimento parcelado de água mineral com e sem gás

 

Ementa: Dispensa de licitação. Fornecimento parcelado de água mineral com e sem gás. Valor estimado inferior ao limite legal para adoção da modalidade convite. Possibilidade de contratação direta. Fundamento legal: Lei Federal 8.666/1993; Decreto Federal 9.412/2018.

 

Senhora Procuradora Legislativa Supervisora,

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Cuidam os autos de fornecimento parcelado de água mineral com e sem gás. Segundo consta, a contratação visa substituir os Termos de Contrato 26/2021 e 27/2021, sendo necessária a manutenção do fornecimento do bem para atendimento de eventos, que, com a melhora da situação da pandemia da covid-19, estão sendo retomados gradualmente.

 

  1. Vieram os autos a esta Procuradoria para análise da possibilidade de contratação direta e da minuta contratual.

 

  1. É o relatório. Opino.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. As contratações públicas foram merecedoras de atenção da Constituição Federal, enunciando no seu art. 37, XXI, que, “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. O tema foi disciplinado pela Lei Federal 8.666/1993 (em vigor mesmo com o advento da Lei Federal 14.133/2021, ainda não regulamentada), que, além de estabelecer o procedimento que selecionará a proposta mais vantajosa à Administração, ressalvou casos em que a contratação poderá se dar diretamente, conforme autoriza a constituinte.

 

  1. Uma vez que se acolheu a presunção de que a prévia licitação asseguraria maior vantagem possível à Administração, a contratação direta constitui exceção e só é permitida nos estritos termos da lei. Assim se dá, por exemplo, quando certos fatos podem caracterizar inviabilidade de competição (seja pela singularidade do objeto, seja pela exclusividade do fornecedor), o que torna a licitação inexigível (art. 25). Em outros casos, o legislador foi casuísta porque, embora faticamente possível, a licitação foi dispensada e essa dispensa ora é obrigatória (art. 17), ora é facultativa (art. 24). Na precisa lição de Marçal Justen Filho:

 

“Como é usual se afirmar, a ‘supremacia do interesse público’ fundamenta a exigência, como regra geral, de licitação prévia para contratações da Administração pública – o que significa, em outras palavras, que a licitação é um pressuposto do desempenho satisfatório pelo Estado das funções administrativas a ele atribuídas. No entanto, existem hipóteses em que a licitação formal seria impossível ou frustraria a realização adequada das funções estatais. O procedimento licitatório normal conduziria ao sacrifício dos fins buscados pelo Estado e não asseguraria a contratação mais vantajosa. Por isso, autoriza-se a Administração a adotar um outro procedimento, em que formalidades são suprimidas ou substituídas por outras. Essa flexibilidade não foi adornada de discricionariedade. O próprio legislasdor determinou as hipóteses em que se aplicam os procedimentos licitatórios simplificados. Por igual, definiu os casos de não incidência do regime formal de licitação” (in Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14ª., São Paulo: Dialética, 2010, p. 295).

 

  1. Nas hipóteses em que se dispensa a licitação, a lei reconhece sua incompatibilidade com os valores norteadores da atividade administrativa, ou seja, os custos inerentes ao procedimento superam os benefícios que dele poderiam advir. Explica o autor que as hipóteses de dispensa de licitação previstas no art. 24 podem ser sistematizadas segundo o ângulo de manifestação de desequilíbrio na relação custo/benefício do seguinte modo: (a) custo econômico da licitação, quando superar o benefício dela extraível; (b) custo temporal da licitação, quando a demora na realização da licitação puder acarretar ineficácia da contratação; (c) ausência de potencialidade de benefício; e (d) função extraeconômica da contratação, quando o Estado busca realizar fins distintos da vantagem econômica (op. cit., p. 301).

 

  1. As hipóteses justificadas pela pequena relevância econômica da contratação estão consubstanciadas nos primeiros incisos do art. 24, que utilizou como referência os valores máximos para adoção da modalidade convite, fixados pelo art. 23, I e II, da Lei Federal 8.666/1993 e atualizados pelo art. 1º, I, “a”, e II, “a”, do Decreto Federal 9.412/2018. Uma vez que se cuida de aquisição, é aplicável ao caso em apreço a seguinte:

 

“Art. 24. É dispensável a licitação:

[…]

II – para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea ‘a’, do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;”

 

  1. Considerando que o limite para adoção da modalidade convite é de R$ 176.000,00 para outros serviços e compras, a licitação é dispensável para contratações de mesma natureza no valor de até R$ 17.600,00. Apurou a SGA.22 que o preço médio cobrado no mercado é inferior ao limite legal para contratação com dispensa de licitação (fls. 60/61), com que corroborou a unidade gestora (fls. 63).

 

  1. À evidência, mesmo nas contratações diretas, a Administração Pública deve observar uma série ordenada de atos que assegure a seleção da melhor proposta. As hipóteses excepcionais permitidas pela Lei Federal 8.666/1993 são bastante heterogêneas entre si, o que impossibilita a adoção de regras padrões aplicáveis a todas, mas há princípios gerais aplicáveis de modo uniforme. “A Administração tem o dever de buscar a melhor contratação possível, em face das circunstâncias, adotando todas as providências que o caso poderia exigir” (op. cit., p. 387).

 

  1. Nesse contexto, o art. 26, parágrafo único, estabelece que o processo será instruído com (I) caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso; (II) razão da escolha do fornecedor ou executante; (III) justificativa do preço; e (IV) documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. Os requisitos dos incisos I e IV são inaplicáveis ao caso concreto, restando, pois, a necessidade de observância dos incisos II e III, a qual só se dará após a escolha do fornecedor.

 

  1. Entretanto, como qualquer contratação pública, é indispensável justificativa de sua necessidade, isto é, a exposição de motivos que levaram o administrador público escolher, dentre as opções possíveis, aquela que ensejou a abertura do respectivo processo, sob pena de anulação de todos os atos praticados. É um dos elementos de maior importância. É pela motivação que se permite a qualquer interessado verificar, em especial nos atos discricionários, a juridicidade da atuação administrativa, vale dizer, se a escolha feita pela Administração Pública atende aos princípios do art. 37 da Constituição Federal e art. 81 da Lei Orgânica do Município. No caso em apreço, a pretensa contratação foi devidamente justificada (fls. 3/4).

 

  1. A Lei Federal 8.666/1993 estabelece que as obras e serviços somente poderão ser licitados quando houver “previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações” (art. 7º, § 2º, III), ou ainda que nenhuma compra será feita sem a “indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento” (art. 14), e em todos os casos, o procedimento da licitação conterá a indicação do recurso próprio para a despesa (art. 38, caput). Tais disposições se aplicam também à contratação direta, as quais foram cumpridas no presente feito com a reserva de dotação orçamentária (fls. 65).

 

  1. Pois bem, a Lei Federal 8.666/1993 não definiu procedimento de contratação direta, confiando à Administração a liberdade de escolher e a melhor forma de realizar a seleção do fornecedor, observadas as condições do art. 26. A União solucionou a questão internamente, ao dispor no Decreto Federal 5.450/2005 que, “na hipótese de aquisições por dispensa de licitação, fundamentadas no inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, as unidades gestoras integrantes do SISG deverão adotar, preferencialmente, o sistema de cotação eletrônica, conforme disposto na legislação vigente”, regulamentado pela Portaria MPOG 306/2001. O Decreto Federal 10.024/2019 revogou o aludido decreto e substituiu o sistema de cotação eletrônica pelo sistema de dispensa eletrônica, que abarca também outras hipóteses de dispensa de licitação, porém, sua regulamentação pela SG/ME ainda se acha pendente.

 

  1. Consoante a Portaria MPOG 306/2001, a cotação eletrônica é um procedimento simplificado de pregão eletrônico, que conta inclusive com etapa de lances, mas não se trata de procedimento licitatório. É um interessante mecanismo de que dispõe a Administração para realizar contratações diretas com racionalidade e transparência, assegurando, assim, impessoalidade de seus atos e seleção da melhor oferta. Embora constitua uma ferramenta criada no âmbito da Administração Federal, nada obsta que órgãos e entidades de outros entes federativos possam seguir a mesma sistemática, como é o caso da Câmara Municipal de São Paulo.

 

  1. Em relação à minuta do termo de contrato, constata-se que todas as cláusulas necessárias, como descrição do objeto, obrigações das partes, prazo de vigência, pagamento, reajuste, fiscalização e penalidades, foram nela inseridas, estando em conformidade com o ordenamento jurídico.

 

III – CONCLUSÃO

 

  1. Isto posto, com fundamento na Lei Federal 8.666/1993 e no Decreto Federal 9.412/2018, opino pela possibilidade jurídica de contratação direta de fornecimento parcelado de água mineral com e sem gás, com dispensa de licitação e pela legalidade da minuta do termo de contrato.

 

Este é o parecer que submeto ao elevado descortino de V. Sª.

 

São Paulo, 1o de julho de 2022.

 

 

Renato Takashi Igarashi

Procurador Legislativo

OAB/SP 222.048