Parecer SCL nº 115/2022
CMSP-PAD-2020-00051.02
Assunto: Pagamento
Ementa: Termo de Contrato nº 40/2019. Locação de veículos híbridos e elétricos. xxxxxxx. Pendência no Cadin. Multas de trânsito. Pagamento da última fatura. Possibilidade.
Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,
O Sr. Secretário Geral Administrativo encaminha o presente processo para análise e manifestação, tendo em vista que a empresa se encontra com duas pendências no Cadastro Informativo Municipal – CADIN, sendo ambas da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte – Companhia de Engenharia de Tráfego – CET e há pagamento pendente.
Trata-se do Termo de Contrato nº 40/2019 que tem como objeto a locação de veículos híbridos e elétricos, firmado com a empresa xxxxxxxxxx.
O presente processo trata do pagamento da Fatura nº 6283 (fls. 627/628), referente ao mês de maio/2022, conforme o ateste do Gestor (fls. 631/632), com vencimento em 25/06/2022.
Ao realizar a consulta ao Cadastro Informativo Municipal – CADIN, a Equipe de Liquidação de Despesa (SGA.24) constatou que a empresa possui 2 (duas) pendências junto à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte – Companhia de Engenharia de Tráfego – CET.
No pagamento anterior, constavam as mesmas pendências no CADIN e, em 27/05/2022 foi encaminhado o Ofício SGA nº 116/2022 para notificar a empresa a regularizar a situação no prazo de 30 (trinta) dias corridos, a contar do seu recebimento (fls. 615/616). Em 14/06/2022, os termos do Ofício SGA foram reiterados junto à empresa (fls. 634). Não consta nos autos resposta da empresa.
A Unidade Gestora – SGA.31 – Equipe de Garagem e Frota, informa que não há mais veículos alugados com a Contratada e junta relatório elaborado por SGA.26 com os valores referentes ao contrato de locação que serão cobrados de cada Gabinete de Vereador (fls. 629/631).
É o relatório. Passamos à análise jurídica.
A Lei Municipal nº 14.094/05 cria o Cadastro Informativo Municipal – CADIN Municipal e estabelece no art. 3º, inciso II:
“Art. 3º A existência de registro no CADIN MUNICIPAL impede os órgãos e entidades da Administração Municipal de realizarem os seguintes atos, com relação às pessoas físicas e jurídicas a que se refere:
[…]
II – repasses de valores de convênios ou pagamentos referentes a contratos;”
De acordo com o art. 37 do Decreto Municipal nº 44.279/03 que regulamenta a Lei Municipal de Licitações nº 13.278/02 e adotado pelo Ato CMSP nº 878/05, as contratadas devem apresentar regularidade perante a Fazenda do Município de São Paulo, quanto aos tributos relacionados com a prestação licitada.
O art. 38, parágrafo único, do mesmo Decreto estabelece que a empresa sediada fora do Município de São Paulo, caso não esteja cadastrado como contribuinte no Município de São Paulo, deverá apresentar declaração, firmada por seu representante legal, sob as penas da lei, de não-cadastramento e de que nada deve à Fazenda do Município de São Paulo, relativamente aos tributos relacionados com a prestação licitada.
Em que pese o Decreto Municipal referir-se a tributos, a Lei Municipal que criou o CADIN é posterior e inclui dentre as pendências passíveis de inclusão no CADIN as obrigações pecuniárias vencidas e não pagas (art. 2º, inciso I), sendo que o Decreto Municipal nº 47.096/06 que regulamenta a Lei do CADIN exemplifica como tais obrigações as multas tributárias e não tributárias, inclusive as de trânsito (art. 2º, inciso I, alínea “d”).
Como visto acima, de acordo com a Lei do CADIN, a existência de pendências impede, dentre outros, o pagamento referente a contratos (art. 3º, inciso II).
Cumpre observar que, no presente caso concreto, as pendências constantes no CADIN relacionam-se com a prestação licitada, uma vez que se referem a multas de trânsito e o contrato tem como objeto a locação de veículos. Não obstante, conforme o ateste do Gestor, as cláusulas contratuais foram cumpridas (fls. 631).
Importante observar que o Termo de Contrato nº 40/2019 teve o seu prazo de vigência expirado em 28/05/2022. O objeto foi licitado e foi abarcado pelo Termo de Contrato nº 28/2021 celebrado com outra empresa.
Depreende-se da manifestação da Unidade Gestora (fls. 631) que a Fatura nº 6283 é a última fatura pendente de pagamento com a empresa xxxxxxxxx.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui o entendimento pacificado no sentido de que apesar do poder conferido à Administração de exigir a comprovação de regularidade fiscal durante toda a vigência do contrato, não pode proceder à retenção do pagamento pelos serviços comprovadamente prestados, sob pena de caracterizar enriquecimento ilícito. Nesse sentido citamos o seguinte precedente:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE EXECUÇÃO DE OBRAS. IRREGULARIDADE FISCAL DO CONTRATADO. RETENÇÃO DO PAGAMENTO PELA ADMINISTRAÇÃO. DESCABIMENTO. ADITIVO CONTRATUAL. NEGATIVA DE PAGAMENTO. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. CARÁTER MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL DO PRESENTE RECURSO. NÃO CONSTATAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO DESCABIDA.
(…)
- O Superior Tribunal de Justiça tem pacificado o entendimento de que, “não obstante o poder conferido à Administração de exigir a comprovação de regularidade fiscal durante toda a vigência do contrato, não pode proceder à retenção do pagamento pelos serviços comprovadamente prestados, sob pena de caracterizar enriquecimento ilícito”.
(AgRg no AREsp 561.262/ES, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 31/08/2015).
No mesmo sentido:
- RMS 58.897/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Decisão Monocrática, DJe 31/10/2018;
- RMS 53.467/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 30/06/2017;
- AgRg no AREsp 67.265/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe 31/08/2015;
- AgRg no AREsp 271.151/SE, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe 25/09/2015;
- AgRg no AREsp 275.744/BA, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 17/06/2014;
- AgRg no AREsp 277.049/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 19/03/2013.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, temos a Arguição de Inconstitucionalidade nº 0020174-45.2014.8.26.0000, suscitada pela 13ª Câmara de Direito Público, Relator Antonio Carlos Malheiros, j. 02/07/2014, votação unânime. Trata-se de incidente de inconstitucionalidade do art. 3º, inciso II da Lei nº 14.094/05 do Município de São Paulo:
“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI – Acórdão da 13ª Câmara de Direito Público que, em vista da alegação de inconstitucionalidade do art. 3º, inciso II da Lei nº 14.094/05 do Município de São Paulo – Afronte aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Súmulas do Pretório Excelso consolidando a questão – Inconstitucionalidade reconhecida.”
No acórdão relembra-se que a questão já foi motivo de análise pelo Órgão Especial, no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade nº 0120735-48.2012, de relatoria do Desembargador Cauduro Padin, que assim decidiu:
“Incidente de inconstitucionalidade do art. 6º, § 1º, da Lei Estadual nº 12.799/08. Restrições estatais indevidas. Interpretação do §1º conforme texto constitucional. Ofensa ao devido processo legal e ao livre exercício da atividade econômica e profissional. Incidente acolhido para o fim de, em interpretação conforme a Constituição, reconhecer a inconstitucionalidade do §1º do art. 6º da Lei Estadual n. 12.799/08, exclusivamente em relação a expressão” pagamentos referentes a contratos”, constante do inciso II do mesmo dispositivo”.
No seu voto, o Relator conclui:
“Em outras palavras, é legitimo que, em função da existência de dívida inscrita no CADIN, deixe o Poder Público em relação à entidade contra a qual pesa a inscrição, de: celebrar convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolsos de recursos financeiros; deixe de efetuar repasses de convênios, deixe de conceder auxílios ou subvenções; bem como deixe de conceder incentivos fiscais e financeiros.
Abusiva se mostra a proibição de pagamentos decorrentes de contratos. Uma vez prestado o serviço, entregue a mercadoria, ou concluída a obra e realizada a medição, a efetivação do pagamento pelo Poder Público é consequência natural, cuja autorização legal para suspensão acaba por configurar, de fato, mecanismo ostensivo e ilegítimo de pressão para a satisfação de dívidas.
Assim, não se mostra legítima e razoável a disposição contida na legislação municipal de impedimento de repasse das verbas remuneratórias, auferidas em razão de convênios ou referentes a contratos, por existir registro no CADIN MUNICIPAL.
Isto posto, julga-se procedente a arguição para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, inciso II da Lei nº 14.094/05 do Município de São Paulo.”
Citamos também a Apelação Cível nº 1063329-09.2020.8.26.0053, 7ª Câmara de Direito Público do TJSP, Relator Des. Moacir Peres, j. 19/07/2021:
“MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. A retenção de pagamentos pelos serviços prestados, em razão da inscrição do nome no CADIN municipal, mesmo que prevista em contrato, não consta do rol de sanções constantes da lei de licitação (arts. 80 e segs.). Ainda que se trate de exigência para a participação no procedimento licitatório, e que deve ser mantida durante a execução do contrato (art. 195, § 3º, da CF e arts. 27, inc. IV e 55, inc. XIII, da Lei nº 8.666/93), pode até ensejar sua rescisão, mas não autoriza a Administração Pública a reter pagamentos, sob pena de enriquecimento ilícito, constituindo, ademais, forma indevida de compelir o devedor a pagar tributo em atraso. Declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, inciso II, da Lei Municipal nº 14.094/2005, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0020174-45.2014.8.26.0000, pelo C. Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça. Recursos improvidos.”
Citamos, ainda, a Apelação Cível n° 918.320.5/7-00 (994.09.353267-4), 8ª Câmara de Direito Público do TJSP, Relator Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. 26/01/2011, votação unânime:
“Ementa:
CONTRATO ADMINISTRATIVO – Impetração voltada ao afastamento de retenção de pagamentos de medições de serviços prestados e aprovados em sede de contrato administrativo em razão da inscrição da empresa credora no CADIN Municipal — Concessão da ordem que se impõe – Execução contratual que demanda a respectiva contrapartida pecuniária pelo ente público contratante, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração – Restrição imposta pelo artigo 3o , inciso II, da Lei Municipal n° 14.094/2005 que se mostra de manifesta ilegalidade, visto que cria espécie anômala de execução de créditos tributários, além de impor obrigação ao contratado não prevista na Lei de Licitações -Ato coator consistente no impedimento de realização dos pagamentos devidos à impetrante, destarte, que não pode prevalecer – Apelo da autora provido para conceder a segurança impetrada, improvidos o reexame necessário, pertinente na espécie, e o recurso da Municipalidade de São Paulo.”
No seu voto o Relator observa:
“Bem de ver que a Lei Federal n° 8.666/93 prevê a retenção de valores decorrentes de execução de prestações de contratos administrativos apenas na hipótese do artigo 80, inciso IV, quando permite a compensação de créditos, caso haja indicação de prejuízo causado pelo contratado à Administração, o que não se verifica na presente demanda.”
Nos referidos acórdãos são citados diversos precedentes do TJSP no mesmo sentido.
O incidente de arguição de inconstitucionalidade é previsto nos arts. 948 a 950 do Código de Processo Civil e dá-se em controle difuso de constitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público. O sistema de controle difuso de constitucionalidade é também denominado controle concreto ou incidental e consiste na análise, no caso concreto, da compatibilidade de uma lei ou ato normativo perante a Constituição Federal.
Por tratar-se de controle difuso de constitucionalidade, os efeitos da decisão prolatada no incidente de arguição de inconstitucionalidade são inter partes, isto é, atinge apenas as partes do processo na resolução da questão incidental.
Na prática, o incidente de arguição de inconstitucionalidade ocorre quando um órgão judicial colegiado (Câmara ou Turma) se depara com a necessidade de enfrentar uma arguição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público no âmbito de uma demanda qualquer. Nesse caso, ocorrerá uma cisão no julgamento, isto é, a questão da inconstitucionalidade será levada para análise do plenário do tribunal ou de seu respectivo órgão especial (como é o caso do TJSP), enquanto o mérito da demanda será posteriormente decidido pelo competente órgão fracionário, a partir da obrigatória observância daquilo que ficou assentado pelo plenário ou órgão especial em relação à prejudicial de inconstitucionalidade.
Apesar dos efeitos da decisão atingirem apenas as partes do processo na resolução da questão incidental, trata-se de entendimento firmado pelo Órgão Especial do TJSP, em consonância com os entendimentos consolidados pelo STJ em matéria semelhante.
No caso ora submetido à análise desta Procuradoria, não obstante as pendências constantes no CADIN Municipal relacionarem-se com a prestação licitada, cumpre analisar os demais aspectos envolvidos no presente pagamento.
Além dos entendimentos firmados no âmbito do TJSP e do STJ, há que se levar em consideração que o Termo de Contrato nº 40/2019 teve seu prazo de vigência expirado em 28/05/2022, tratando-se do último pagamento para exaurimento do contrato.
À luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem nortear as decisões administrativas, parece-nos possível realizar o último pagamento do Termo de Contrato nº 40/2019, uma vez que foi dado o ateste do Gestor, de forma a evitar que esse valor fique pendente na contabilidade desta Casa Legislativa.
Diante do exposto, opina-se pelo pagamento da Fatura nº 6283, com fundamento nos entendimentos jurisprudenciais firmados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a Administração não pode proceder à retenção do pagamento pelos serviços comprovadamente prestados, sob pena de caracterizar enriquecimento ilícito, e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que declarou, de forma incidental, a inconstitucionalidade do inciso II, do art. 3º, da Lei Municipal nº 14.094/05 (Lei do CADIN), bem como à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem nortear a atividade administrativa.
É o Parecer que submeto à criteriosa apreciação de V. Sa.
São Paulo, 28 de junho de 2022.
Conceição Faria da Silva
Procuradora Legislativa
Setor de Contratos e Licitações
OAB/SP n.º 209.170