Parecer SCL nº 056/2022
Consulta SGA.24
Assunto: Certidões Sindicais
Ementa: Consulta SGA.24. Convenção Coletiva de Trabalho 2021/2022 – SIEMACO/SP. Cláusula Sexagésima Segunda. Obrigações sindicais. Ausência de amparo constitucional e legal.
Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,
O Sr. Secretário Geral Administrativo encaminha a presente consulta formulada por SGA.24 – Equipe de Liquidação de Despesa quanto à obrigatoriedade de as Contratadas submetidas à Convenção Coletiva de Trabalho do SIEMACO-SP 2021/2022, apresentarem, além dos documento hábeis a comprovar o pagamento das obrigações trabalhistas, tributárias e previdenciárias, apresentarem também “certidão de regularidade para com as obrigações sindicais”, ressaltando que não existe tal previsão nas minutas de editais padronizadas desta Casa Legislativa.
Passamos à análise e manifestação jurídica.
De acordo com o art. 611 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, “convenção coletiva de trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”, ou seja, é um acordo entre dois sindicatos: laboral, que defende os interesses dos empregados, e patronal, que defende os interesses da empresa empregadora. A convenção reúne uma série de regras trabalhistas específicas de cada categoria profissional.
A presente consulta refere-se especificamente à Convenção Coletiva de Trabalho – CCT 2022/2023, firmada entre o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo e o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo – SIEMACO-SP.
A Cláusula Sexagésima Segunda da CCT SIEMACO-SP 2022/2023 estabelece:
“CLÁUSULA SEXAGÉSIMA SEGUNDA – CERTIDÃO DE REGULARIDADE PARA COM AS OBRIGAÇÕES SINDICAIS
Com intuito de preservar as empresas idôneas, assim como seus respectivos empregados e os contratantes em geral, para efeito deste instrumento e de comprovação junto a terceiros, inclusive justiça do trabalho, Superintendência Regional do Trabalho, Tomador de serviços e Órgãos Licitantes e por força desta convenção e em atendimento ao disposto no Artigo 607 da CLT, as empresas para participarem em licitações promovidas por órgãos da administração pública, direta, indireta ou contratação por setores privados, deverão apresentar Certidão de Regularidade para com suas obrigações sindicais.
PARÁGRAFO PRIMEIRO – Esta certidão será expedida pelas partes convenentes, individualmente, sendo específica para cada certame licitatório, sendo vedada a emissão de certidões ou declarações de cumprimento parcial das obrigações contidas nesta Cláusula.
PARÁGRAFO SEGUNDO – Consideram-se obrigações sindicais: a) recolhimento da Contribuição Sindical (profissional e econômica); b) recolhimento de todas as taxas e contribuições inseridas nesta convenção; c) cumprimento integral desta convenção.
PARÁGRAFO TERCEIRO – A falta da Certidão ou vencido seu prazo, que é de 30 (trinta) dias, permitirá às demais empresas licitantes, bem como aos sindicatos convenentes, nos casos de concorrências, carta convite ou tomada de preços, alvejarem o processo licitatório por descumprimento da Convenção Coletiva de Trabalho.”
O art. 607 do Decreto-lei nº 5.452/43 – Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), citado na cláusula da Convenção Coletiva, dispõe:
“Art. 607 – É considerado como documento essencial ao comparecimento às concorrências públicas ou administrativas e para o fornecimento às repartições paraestatais ou autárquicas a prova da quitação do respectivo imposto sindical e a de recolhimento do imposto sindical, descontado dos respectivos empregados.”
Antes da Reforma Trabalhista efetivada em 2017, a contribuição sindical era compulsória e possuía a natureza jurídica de tributo. Entretanto, esse cenário modificou-se com o advento da Lei Federal nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que alterou os artigos 578 a 582 da Consolidação das Leis do Trabalho, tornando a contribuição sindical facultativa e passível de desconto apenas com prévia e expressa autorização.
Independentemente da citada Reforma Trabalhista, o dispositivo legal em comento – art. 607 da CLT, foi passível de questionamentos jurídicos em face da Lei Federal nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações) e, subsidiariamente, da Lei Federal nº 10.520/02 (Lei do Pregão).
O art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, prevê que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação.
Os artigos 27 a 31 da Lei Federal nº 8.666/93 enumeram taxativamente os documentos que podem ser exigidos referentes à habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos).
A Lei Federal nº 10.520/02 não estabelece exigências de habilitação além das indicadas na Lei Geral de Licitações.
O entendimento do Tribunal de Contas da União esposado no Acórdão nº 2056/2008 do Plenário, Rel. Min. Raimundo Carneiro, data da sessão 17/09/2008, está de acordo com os dispositivos legais em comento:
“2. No certame licitatório, os documentos que podem ser exigidos quanto à habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e prova de cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal estão adstritos àqueles previstos nos artigos 27 a 31 da Lei nº 8.666/1993.”
No Acórdão nº 2521/2003 da Primeira Câmara, Rel. Min. Augusto Sherman, data da sessão 21/10/2003, o Tribunal de Contas da União entendeu que o art. 607 da CLT foi tacitamente revogado pelo art. 126 da Lei Federal nº 8.666/93:
“9.2.55. restrinja suas exigências para habilitação das empresas em certames licitatórios às que preveem os arts. 27 a 31, abstendo-se de exigir, conforme se verificou na Concorrência nº 02/2000: […] certidão de regularidade sindical […];”
[…]
“40. Quanto aos itens 6.1.4 (Certidão de Regularidade Sindical emitido pelo sindicato do Estado onde encontra-se a sede da empresa) e 6.1.5 (Certidão de Regularidade Sindical emitido pelo sindicato do Município onde encontra-se a sede da empresa), entendemos que o art.607 da CLT foi revogado tacitamente pelo art.126 da lei 8666/93, não sendo cabível sua exigência em habilitação de certames licitatórios.”
Citamos no mesmo sentido os Acórdãos nº 951/2007 – Plenário, 5611/2009 – Segunda Câmara e 3409/2013 – Plenário, todos do Tribunal de Contas da União.
O Acórdão nº 1979/2006 do Plenário, Relator Walton Alencar Rodrigues, data da sessão 25/10/2006, assim conclui:
“9.4. determinar à Fundação Universidade de Brasília (FUB) que:
[…]
9.4.4 evite incluir requisitos de habilitação fiscal além da documentação prevista no art. 29 da Lei 8.666/93, a exemplo de certidões de regularidade sindical, negativa de débito salarial e negativa de infrações trabalhistas;”
O Tribunal de Contas do Município de São Paulo – TCMSP possui diversos acórdãos em representações formuladas junto àquela Corte e em sede de fiscalização de contratos, no sentido de que a exigência de comprovação de regularidade sindical afronta o art. 8º da Constituição Federal que estabelece a liberdade de associação profissional ou sindical, uma vez que obrigaria o trabalhador a filiar-se a determinado sindicato.
Ademais, o E. TCMSP segue o entendimento consolidado do TCU no sentido de que a exigência extrapola os limites impostos pela Lei Federal nº 8.666/93.
Nesse sentido colacionamos os excertos abaixo do E. TCMSP.
Acórdão proferido no TC 1.424/2007, Conselheiro Relator Edson Simões, julgado em 17/04/2019:
“No tangente aos subitens 11.12.14 (prova de inscrição ou registro no Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo) e do subitem 11.12.15 (Certidão de Regularidade para com as Obrigações Sindicais), ambas atinentes às comprovações da legislação trabalhista, de acordo com a jurisprudência desta Corte no TC 2.507/08, não existe amparo legal para a exigência para fins de habilitação de licitantes”.
Acórdão proferido no TC nº 1.892/2011, 1º julgado, Conselheiro Relator Edson Simões, julgado em 30/11/2016:
“Assim, foi empreendida análise diretamente por esta Relatoria dos pontos suscitados na Representação, que considerou em análise preliminar, que a exigência de foi considerada indevida em outros julgamentos desta Corte, inclusive pela mesma unidade da Administração”.
Acórdão proferido no TC nº 1.875/2008 (72-001.875.08-13), 1º julgado, Conselheiro Relator Antonio Carlos Caruso, julgado em 27/05/2009:
“Outrossim a comprovação de regularidade com o Sindicato Patronal, prevista pelo artigo 607 da C.L.T., conforme destaque da Assessoria Jurídica desta Casa, ficou superada com a edição do artigo 8º, inciso V, da Constituição Federal vigente”.
Acórdão proferido no TC nº 647/2011 (72-000.647.11-59), Conselheiro Relator Domingos Dissei, trânsito em julgado em 09/12/2015, no qual, após notificada pelo E. Tribunal, a Origem retirou a exigência:
“No que pertine às exigências de atestados certificados pela respectiva entidade profissional (item 11.12.1.1) e a certidão de regularidade sindical (item 11.12.12), concluiu pela perda de seu objeto tendo em vista a correção do Edital realizada pela Origem.”
Acórdão proferido no TC nº 2.728/2006 (72-002.728.06-62), Conselheiro Relator Edson Simões, trânsito em julgado em 19/05/2015, que, em voto englobado, acolheu o entendimento da Subsecretaria de Fiscalização e Controle e da Assessoria Jurídica e a Origem retirou o item do Edital:
“A Subsecretaria de Fiscalização e Controle concluiu que a representação era parcialmente procedente, assistindo razão quanto ao Item relativo à exigência da apresentação de certidão de quitação da Contribuição Sindical (subitem 6.5.3.11).
A Assessoria Jurídica, no mesmo sentido, entendeu a representação procedente somente quanto ao item 6.5.3.11, uma vez que ‘a quitação de contribuição sindical prevista no artigo 607 da CLT como condição para tanto (habilitação) não consta no rol exaustivo descrito na Lei Federal nº 8666/93, não podendo o Poder Público exigi-lo, portanto’.
[…]
Quanto ao seu mérito, julgo prejudicado o questionamento relativo ao item 6.5.3.11 do edital, visto que retirado do instrumento…”
Acórdão proferido no TC nº 3.536/2007 (72-003.536.07-18), 1º julgado, Conselheiro Relator Roberto Braguim, julgado em 10/09/2008:
“1º Julgado
REPRESENTAÇÃO. EDITAL. PREGÃO. SMSP.
Registro de Preços para a prestação de serviços de conservação de áreas. Exigência de regularidade com as obrigações sindicais. Inconstitucional. Art. 5º, XX, CF. Precedentes.
[…]
Todavia, no que pertine à exigência do subitem f.2 – declaração de regularidade em relação às obrigações sindicais -, considero-a inconstitucional, consoante prescreve o artigo 5º, XX, da Constituição da República: ‘XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;’.
Ora, a prova de regularidade exigida implica a obrigação da licitante de filiar-se ao Sindicato, o que é vedado pela Lei Maior.
Demais disso, a inclusão de requisitos para habilitação, em desconformidade com a Lei Federal nº 8.666/93, obsta a possibilidade de contratação mais vantajosa para a Administração, uma vez que impede a participação de uma gama maior de empresas no certame.
Quanto à ilegalidade da cláusula impugnada, o Tribunal de Contas da União, consoante apontou a Secretaria Geral, já se posicionou, em manifestação que vale transcrever: ‘…
Quanto à regularidade junto aos sindicatos patronal e dos trabalhadores, assiste razão à unidade técnica. Não há fundamentação legal para tal exigência.
A jurisprudência desta Corte se posiciona nesse sentido; em julgado recente, da relatoria do Ministro Augusto Sherman Cavalcanti, o TCU determinou ao Hospital Central do Exército que restringisse “suas exigências para habilitação das empresas em certames licitatórios às que preveem os arts. 27 a 31, abstendo-se de exigir: …certidão de regularidade sindical…”
(Acórdão 2.521/2003 – 1ª Câmara, Sessão de 21/10/2003).
(Acórdão 473/2004 – Plenário, Relator Ministro Marcos Vinícios Vilaça, Ata 13/2004 – Plenário, Sessão de 28/04/2004, aprovação 04/05/2004, DOU 12/05/2004).
E, em outra decisão, também mencionada pela Secretaria:
“1 – A exigência de Certidão de Regularidade Sindical em licitações é irregular por refugir ao prescrito nos arts. 27 a 31 da Lei nº 8.666/93.”
(Acórdão 951/2007 – Plenário, Sessão 23/05/2007, Aprovação 24/05/2007, DOU 28/05/07).
Acórdão proferido no TC nº 3.751/2009 (72-003.751.09-62), Conselheiro Relator Antonio Carlos Caruso, trânsito em julgado em 11/03/2011:
“Passo a análise do mérito.
As exigências editalícias impugnadas nesta representação, extrapolam os limites necessários para a comprovação da capacidade dos licitantes, estabelecidas pelo artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal e pelo artigo 27 da Lei Federal 8.666/93.
Entre elas, a de comprovação de regularidade sindical e a de certificação de capacidade técnica, expedidas pelo Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Vigilância e Cursos de Formação do Estado da sede da empresa, não tem respaldo na legislação licitatória, posto que, o inciso V, do artigo 8º da Carta Magna, afasta a obrigatoriedade de filiação sindical.”
Acórdão proferido no TC nº 443/2009 (72-000.443.09-94), Conselheiro Relator Maurício Faria, julgado em 03/06/2009:
“ACÓRDÃO
[…]
CONSIDERANDO que a exigência de apresentação de certidão de regularidade sindical, como condição de habilitação, e a vedação à participação de cooperativas em licitação afrontam a Constituição da República;…
[…]
A exigência de apresentação de certidão de regularidade sindical, como condição de habilitação, e a vedação à participação de cooperativas em licitação, defendidas pela Representante, afrontam a Constituição da República, como já decidido por este E. Tribunal Pleno, nos autos dos TCs nºs 2.057.08-00 e 2.577.02-55, respectivamente.”
Acordão proferido no TC nº 2.057/2008 (72-002.057.08-00), Conselheiro Relator Antonio Carlos Caruso, julgado em 10/12/2008:
“O Edital exige como documento comprobatório relativo à Qualificação Técnica:
‘11.12.12 – Certidões de regularidade para com as obrigações sindicais (artigo 607 da CLT), emitida pelo Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo – SESVESP e Sindicato dos Empregados em empresas de Vigilância, Segurança e Similares do Estado de São Paulo – SEEVISSP, representante da atividade compreendida pelo objeto desta licitação’.
Alinho-me à conclusão esposada pelos órgãos técnicos e pela Secretaria Geral, por entender que tornar obrigatória a demonstração de filiação sindical é exigência que não encontra amparo legal, afrontando, inclusive, o comando do Texto Constitucional – artigo 8º, inciso V.”
Em relação ao tema, o Tribunal Superior do Trabalho, no Recurso Ordinário nº 20534.70.2016.5.04.0000, Min. Rel. Kátia Magalhães Arruda, julgado em 14/08/2017 e publicado em 18/08/2017, assim decidiu:
“AÇÃO ANULATÓRIA. RECURSO ORDINÁRIO. CLÁUSULA QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA – CERTIDÃO DE REGULARIDADE SINDICAL. NULIDADE. O art. 7º, XXVI, da Constituição Federal de 1988, assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, que são elaborados e firmados pelos entes coletivos. O art. 611 da CLT dispõe que “convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”. A autonomia de vontade dos seres coletivos, assegurada pela Carta Magna, manifestada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, abrange a elaboração de normas de natureza coletiva, atinentes às condições de trabalho, aplicadas no âmbito das relações bilaterais de trabalho. No caso em comento, a Cláusula Quinquagésima Segunda refere-se à emissão de certidão de regularidade sindical, pelos sindicatos convenentes, para as empresas que atenderem os requisitos elencados na referida cláusula. Observa-se que a regra trata de matéria que interessa apenas às empresas e aos sindicatos convenientes. Ou seja, refoge inteiramente do âmbito das relações bilaterais de trabalho. O próprio sindicato da categoria profissional, nas contrarrazões, reconhece que “tal cláusula, em verdade, não obriga os trabalhadores e tão pouco lhe supre qualquer direito, pois o que resta são obrigações entre o sindicato da categoria com o patronal. (…)”. Efetivamente, a cláusula diz respeito a obrigações dissociadas das condições de trabalho dos trabalhadores. Conclui-se que o tema foi indevidamente incorporado à convenção coletiva de trabalho, uma vez que não decorre nem se vincula às condições bilaterais de trabalho. Portanto, deve ser declarada a nulidade da cláusula, por afronta ao art. 611 da CLT. Recurso ordinário a que se dá provimento.” (Grifos nossos)
No mesmo sentido o Acórdão proferido no Recurso Ordinário nº 1026.93.2017.5.08.0000, Min. Rel. Kátia Magalhães Arruda, julgado em 10/12/2018 e publicado em 17/12/2018.
Portanto, conclui-se que, além de afrontar o rol exaustivo de documentos que podem ser exigidos das licitantes/contratadas, nos termos legais e constitucionais, a contribuição sindical envolve relação estranha às obrigações trabalhistas atinentes aos trabalhadores prestadores dos serviços terceirizados.
Além dos entendimentos acima, parece-nos importante diferenciar obrigação de responsabilidade. A obrigação constitui um dever jurídico originário e compete à pessoa jurídica prestadora do serviço. A responsabilidade constitui um dever jurídico sucessivo e consequente da violação da obrigação, de compor o prejuízo causado pelo seu descumprimento.
Na denominada terceirização há limites quanto à responsabilidade do tomador de serviços.
O art. 71, “caput” e § 2º, da Lei Federal nº 8.666/93 dispõe:
“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
[…]
- 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991”.
Em relação a esse dispositivo legal, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Constitucionalidade nº 16 – DF, assim decidiu:
“EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.” (ADC 16/DF, Rel. Cezer Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe 08/09/2011)” (Grifos nossos).
Essa posição foi reiterada no Recurso Extraordinário nº 760.931/DF, julgado em 26/04/2017 e publicado em 12/09/2017, quando se assentou a seguinte tese:
“O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”.
A Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho assim dispõe:
“Súmula nº 331 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
Para o Supremo Tribunal Federal (STF), a responsabilidade pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais é originariamente da pessoa jurídica contratada e não há responsabilização automática da Administração Pública. Esta somente responderá se existir prova inequívoca de conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos de terceirização. Esse também foi o posicionamento reiterado nas Reclamações 36.958, 40.652 e 40.759, julgadas no ano de 2020, e adotado na Súmula nº 331 do TST acima transcrita.
Nessa esteira, o Decreto Federal nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, que regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e dá outras providências, dispõe no art. 39, § 7º e no art. 40, “caput”:
“Art. 39 […]
[…]
- 7º A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.”
[…]
“Art. 40. A responsabilidade subsidiária pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços não implicará qualquer tipo de desconsideração da cadeia produtiva quanto ao vínculo empregatício entre o empregado da empresa prestadora de serviços e a empresa contratante.”
Importante notar que nos editais de licitação que seguem os parâmetros de padronização impostos na uniformização dos editais, conforme Ato CMSP nº 1361/17, não consta a obrigatoriedade de a pessoa jurídica apresentar certidão de regularidade das obrigações sindicais, seja como requisito de habilitação, seja durante a execução do contrato.
O art. 55, inciso XIII, da Lei Federal nº 8.666/93, prevê como cláusula necessária em todos os contratos as que estabeleçam “a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”.
Na ausência de permissivo constitucional e legal para a exigência do documento como condição de habilitação, a vedação estende-se também para o momento da execução contratual.
Em síntese:
A competência para legislar normas gerais em matéria de licitações e contratos é privativa da União, nos termos do art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal e somente são permitidas exigências indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações da licitante/contratada, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
Não consta qualquer previsão na Lei Federal nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações) acerca da obrigatoriedade de apresentação de certidão de regularidade sindical como condição de habilitação.
Além disso, a relação da pessoa jurídica contratada com o sindicato é estranha às obrigações trabalhistas atinentes aos trabalhadores prestadores dos serviços terceirizados e, mesmo em relação às obrigações trabalhistas e previdenciárias, há limites para a responsabilização do Poder Público que será sempre subsidiária e em caso de inequívoca omissão na fiscalização dos contratos de prestação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra.
O Tribunal de Contas da União e o Tribunal Superior do Trabalho já se pronunciaram contrariamente sobre a possibilidade de exigência de cumprimento de obrigações sindicais pelas razões de direito acima expostas e o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento quanto aos limites da responsabilidade subsidiária da Administração Pública que também não inclui obrigações sindicais.
O Tribunal de Contas do Município de São Paulo – TMCSP consolidou o entendimento no sentido de que a exigência de comprovação de regularidade sindical como condição de habilitação afronta o art. 8º da Constituição Federal que estabelece a liberdade de associação profissional ou sindical, uma vez que obrigaria o trabalhador a filiar-se a determinado sindicato, bem como de que a exigência extrapola os limites impostos pela Lei Federal nº 8.666/93.
Conclusão:
Diante de todo exposto, conclui-se que a Cláusula Sexagésima Segunda da CCT SIEMACO-SP 2022/2023 e/ou qualquer cláusula de outras Convenções Coletivas de Trabalho referentes à prestação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, que estabeleçam a obrigatoriedade de apresentação de certidão de regularidade das obrigações sindicais, são inaplicáveis por ausência de amparo constitucional e legal.
É o Parecer que submeto à criteriosa apreciação de V. Sa.
São Paulo, 22 de março de 2022.
CONCEIÇÃO FARIA DA SILVA
Procuradora Legislativa
OAB/SP n° 209.170