Parecer n° 38/2022

Parecer SCL nº 38/2022

Processo nº CMSP-PAD-2020/00487.02

Assunto: Aplicação de penalidade e rescisão contratual

 

Ementa: Aplicação de penalidade. Falta de descrição completa das imputações. Superveniência do pedido de rescisão contratual. Afronta ao devido processo legal. Necessidade de sanar os vícios. Fundamento legal: Constituição Federal.

 

Senhora Procuradora Legislativa Supervisora,

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Cuidam os autos de aplicação de penalidade à xxxxxxxxxx. por infrações ao Termo de Contrato 11/2021. Segundo consta, a contratada não teria corrigido documentos fornecidos, não iniciado controle de empresas terceirizadas, não realizado levantamentos ambientais e não prestado esclarecimentos devidos.

 

  1. Vieram os autos a esta Procuradoria para apreciação da proposta de penalidade.

 

  1. É o relatório. Opino.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. O presente processo carece de higidez necessária para a análise das possíveis infrações contratuais.

 

  1. Como é sabido, nenhum ato que imponha um gravame ao particular pode ser praticado pela Administração Pública sem lhe oportunizar o exercício da defesa. Isso se passa também com aplicação de penalidade decorrente de descumprimento de contrato administrativo. Trata-se de aplicação do princípio constitucional do devido processo legal, com contraditório e ampla defesa (art. 5o, LV, da Constituição Federal), que incide não só em processos judiciais, como também administrativos.

 

  1. O exercício da defesa é um ônus do particular, que, não o fazendo, suportará as consequências de sua inércia. Já para a Administração, oportunizar esse momento é uma obrigação, na exata medida em que tem o condão de acarretar restrição na esfera de direitos do acusado. E para que este possa bem se defender, a acusação tem que ser a mais detalhada possível, com a descrição de todas as circunstâncias fáticas que conduzam à compreensão do leitor acerca do seu caráter ilícito. Ademais, tal providência é imprescindível para tomada de decisão mais adequada pelo administrador público, pois exigirá motivação mais robusta, em total consonância com o princípio do devido processo legal.

 

  1. No caso em apreço, constata-se insuficiência da descrição dos fatos que motivaram o pedido de aplicação de penalidade. É sobremaneira genérico, vago e aberto afirmar apenas que a xxxxxxxxx apresentou documentos com inconsistências e que não realizou levantamentos ambientais. Não se sabe que documentos seriam esses, quais os erros não corrigidos, que tipo de levantamento ambiental deixou-se de fazer, quais as providências adotadas pela unidade e quais as consequências das falhas. Veja-se que o ofício de fls. 13/14 – documento pelo qual se deu ciência das supostas infrações – não contém detalhes das condutas da contratada, o que impede até mesmo de identificar com exatidão quais cláusulas contratuais restaram inadimplidas.

 

  1. Também é problemática a mera imputação de omissão da xxxxxxx no seu dever de fiscalizar o cumprimento de normas regulamentadoras por empresas terceirizadas desta Administração. Embora se possa compreender qual dispositivo contratual infringido (item 1.16 do Termo de Referência), novamente a ausência de descrição dos fatos compromete o direito de defesa. Importante frisar que o particular não se defende de capitulação contratual, e sim de fatos que se traduzem nessa violação de cláusula. Noutros termos, é fundamental que a unidade gestora descreva todo o desencadeamento de fatos que levou ao descumprimento do dever de fiscalizar o cumprimento de normas regulamentadoras por empresas terceirizadas desta Administração.

 

  1. Ainda, segundo a SGA.8, tentou-se contornar todos os problemas por ela constatados por meio de reunião com representantes da xxxxxxxxx, o que não aconteceu. Da mesma forma que o evento apreciado no parágrafo anterior, é possível apenas identificar o dispositivo contratual supostamente violado (item 2.2 do Termo de Referência). Não foi dada ciência à contratada de todos os transtornos com a tentativa de se reunir com ela, tal como relatado na manifestação de fls. 11. Não basta a unidade comunicar à autoridade superior as sucessivas abstenções da contratada em relação às solicitações de reunião, com indicações de data; faz-se imperioso que esses detalhes sejam devidamente comunicados à empresa interessada para que possa se manifestar.

 

  1. É certo que, previamente à instauração do processo de aplicação de penalidade, houve discussão acerca dos problemas relacionados à execução do contrato entre a unidade gestora e a xxxxxxxxx nos nas fls. 142/148 dos autos do processo CMSP-PAD-2021/00487.01. Sucede que tal circunstância não supre a necessidade de uma narrativa completa das ocorrências. A aplicação de penalidade requer um processo formal, com atos concatenados do começo ao fim, sob o crivo – repita-se – do princípio constitucional do devido processo legal. Quer se dizer com isso que é defeso à Administração intuir que a contratada já tivesse o conhecimento das imputações; esse conhecimento tem que lhe ser dado por via idônea, ou seja, mediante comunicação formal de todas as circunstâncias fáticas e das providências que se pretende tomar.

 

  1. Em relação a providências por parte da Administração, encontra-se outro vício. A xxxxxxxx foi notificada da intenção de aplicação de penalidade apenas. O pedido de rescisão de contrato formulado pela SGA.8 veio após a apresentação de defesa prévia (fls. 26/28), o que constitui novamente flagrante ofensa ao princípio do devido processo legal, especificamente a ampla defesa. A possibilidade de rescisão unilateral pela Administração não autoriza afronta à Constituição federal. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito é consolidada nesse sentido:

 

Administrativo – Mandado de Segurança – Rescisão de Contrato – Ato Unilateral – Motivação – Inobservância do Devido Processo Legal – Constituição Federal, arts. 5o, LV, e 93, X – Decreto-lei 2.300/86 (art. 68).

  1. A motivação do ato e o devido processo legal, favorecendo a ampla defesa, são garantias constitucionais (arts. 5o, LV, e 93, X, CF).
  2. Discricionariedade não se confunde com entendimento pessoal ou particular do administrador, submetendo-se à legalidade. Em contrário, configuraria ato arbitrário.
  3. Segurança concedida para ser garantido o exercício da ampla defesa, formando-se o contraditório.
  4. Recurso provido.

(STJ, RMS 5.478/RJ, 1a Turma, rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 24.05.1995).

 

  1. Dessa forma, não se vislumbra outra forma de sanar o feito a não ser a renovação dos atos praticados desde o início, com a descrição completa dos fatos imputados à xxxxxxxxxxx e a intenção de não só aplicar penalidade, como também rescindir o contrato com ela firmado. Ato contínuo, é imperiosa a reabertura do prazo de defesa e, na sequência, com ou sem manifestação da contratada, a devolução dos autos a esta Procuradoria.

 

III – CONCLUSÃO

 

  1. Isto posto, recomendo sanar os vícios contidos no presente processo, descrevendo-se os fatos imputados à xxxxxxxxxx. e consignando expressamente a intenção de rescindir o Termo de Contrato 11/2021, sem prejuízo de aplicação de penalidades, reabrindo-se prazo para defesa.

 

Este é o parecer que submeto ao elevado descortino de V. Sª.

 

São Paulo, 21 de fevereiro e 2022.

 

 

Renato Takashi Igarashi

Procurador Legislativo

OAB/SP 222.048