Parecer n° 481/2017

Parecer nº 481/2017
Ref.: TID 16095251
Processo nº 474/2017
Interessado: XXXXXXXXXX
Assunto: Corte remuneratório – Ato nº 1339/2016

Dra. Procuradora Legislativa Chefe

Trata-se de defesa administrativa apresentada por servidora aposentada, em razão da aplicação do Ato nº 1339/2016.

Conforme se pode extrair da análise dos autos, a servidora foi notificada da redução de sua remuneração em 08 de julho de 2016, não tendo apresentado defesa.

Em 13 de fevereiro de 2017, foi determinado às folhas 04, dos autos, que se procedesse à apresentação de memória de cálculo dos proventos de aposentadoria da servidora.

Por fim, em 14 de março de 2017 (vide folhas 10/11 dos autos), a servidora foi notificada para apresentação de alegações finais em 5 (cinco) dias, oportunidade em que requereu a nulidade do processo administrativo.

É o relatório do essencial. Passo a opinar.

I) Dos valores incorporados antes da Emenda Constitucional nº 41/03 e da violação ao direito adquirido

Enquanto predominava a interpretação recentemente superada pelo Supremo Tribunal Federal, vigorava o entendimento de que, para os servidores que ingressaram no serviço público municipal até dezembro de 2003, ficava assegurada a percepção dos valores correspondentes às vantagens de ordem pessoal integradas à respectiva remuneração até a data de publicação da Emenda, hipótese em que o correspondente excesso do limite remuneratório seria absorvido, paulatinamente, nas alterações subsequentes do teto.

No âmbito da Edilidade, regulamentou-se a matéria por meio do art. 8º do Ato 1142/2012. Na redação original, entendeu-se que para os servidores que ingressaram no serviço público municipal até dezembro de 2003, ficaria assegurada a percepção dos valores correspondentes às vantagens de ordem pessoal integradas à respectiva remuneração até a data de publicação da Emenda à Lei Orgânica nº 32/2009, na forma da lei ou de decisão judicial transitada em julgado, hipótese em que o correspondente excesso do limite remuneratório seria absorvido, paulatinamente, nas alterações subsequentes do teto.

Com a edição do Ato 1228/13, alterou-se a sistemática, passando-se a entender que aos servidores que ingressaram no serviço público até dezembro de 2003 ficaria assegurada a percepção das vantagens de ordem pessoal integradas à respectiva remuneração até aquela data, na forma da lei ou de decisão judicial transitada em julgado, hipótese em que o correspondente excesso do limite remuneratório seria absorvido, paulatinamente, nas alterações subsequentes do teto.

Com a recente mudança de orientação jurisprudencial, entendeu o Supremo Tribunal Federal, por meio de sua Repercussão Geral, que inclusive referidas vantagens já em dezembro de 2003 deveriam se submeter ao teto remuneratório.

Daí porque o Ato 1339/16 revogou o artigo 8º do Ato 1142/2012, por entender que a sistemática anterior não estava mais em sintonia com o entendimento da mais alta Corte do país.

Importa mencionar que o Ato 1339/16 não desconstituiu a situação existente antes de sua edição, produzindo efeitos a partir de sua publicação e não para o passado.

Vale consignar a diferença entre efeitos retroativos e retrospectivos:
Destarte, são duas as características marcantes do fenômeno da retrospectividade: a primeira consiste na circunstância de que os eventos focados pelo pressuposto da norma legal retrospectiva, veiculada pela lei nova, foram produzidos antes de sua entrada em vigor; a segunda é a de que a incidência dessa norma legal não provoca uma reconfiguração dos efeitos jurídicos transcorridos sob o império da lei antiga.
A primeira nota mostra a especificidade dos efeitos retrospectivos em face dos efeitos imediatos e prospectivos, a despeito dos pontos em comum que permitem situá-los nessa categoria mais ampla. Ou seja, existe situação de pendência (eficacial e não fática) e, enquanto desdobramento no presente das consequências jurídicas de fato ocorrido no passado, existem aspectos fáticos desenvolvidos ao longo do período de vigência da lei nova; mas, ao contrário do que sucede nas hipóteses comuns de eficácia imediata e prospectiva, o fato-base dos efeitos jurídicos se realiza inteiramente no passado, isto é, durante a vigência da lei revogada.
Já a segunda nota serve para que se faça uma distinção nítida entre os fenômenos da retroatividade e da retrospectividade:
“Duas aplicações realmente distintas da lei nova podem ser vislumbradas. Uma delas repousa sobre a ideia da preexistência da lei nova e obriga os sujeitos de direito a reexaminar seus atos passados para deles extrair outras consequências jurídicas; a outra não repousa sobre essa ideia e corresponde à noção de retrospectividade, tal qual a definem os autores que a ela recorrem: a lei nova se contenta em influir para o futuro sobre situações jurídicas constituídas no passado, mas que se prolongam prospectivamente” (RAMOS, Elival da Silva. A proteção aos direitos adquiridos no Direito Constitucional Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 38/39)

Tal diferenciação faz-se importante a fim de que se possa concluir que a Emenda Constitucional n. 41/2003 não aboliu direitos e garantias individuais e tampouco retroagiu para atingir tais direitos. Em verdade, apenas irradiou efeitos retrospectivos, aplicando-se a fatos pendentes, isto é, atingindo os efeitos prospectivos (para o futuro) de direitos conquistados sob a égide do regramento constitucional anterior.

E tal efeito é plenamente permitido pelo ordenamento constitucional brasileiro, haja vista que, segundo maciça Doutrina, a cláusula de proteção disposta no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna aplica-se, exclusivamente, ao Legislador infraconstitucional.

Sobre o assunto, dissertou o I. Professor Elival da Silva Ramos:

Nesse sentido pronunciou-se Hugo de Brito Machado do qual extraímos o seguinte excerto:
“Nada, entretanto, impede que o próprio constituinte, ao fazer a Constituição, ou ao emendá-la, determine expressamente que o preceito novo aplica-se a projeções de fatos anteriores, pois a limitação residente no princípio da irretroatividade, mesmo inscrito na Constituição, a ele não se dirige. Nem seria válido o argumento segundo o qual a garantia do direito adquirido constitui um direito fundamental, inatingível por emendas à Constituição, por força de seu art. 60, §4º, IV. Essa garantia constitucional é uma limitação de poderes do legislador ordinário. O legislador dotado de poder constituinte, mesmo que apenas reformador, de uma norma retroativa, tende a abolir a garantia da irretroatividade das leis”.
Antes mesmo do citado articulista, Carmen Lúcia Antunes Rocha, preocupada embora com o direito adquirido em face do Constituinte originário, já houvera disseminado essa intelecção da cláusula constitucional, ao escrever que “o preceito contido no artigo5º, XXXVI, da Constituição da República é direito fundamental do indivíduo, oponível ao legislador infraconstitucional”.
Bem mais explícito e enfático a respeito é o posicionamento de Martins Cardozo:
“Realmente, por força da regra inserida no art. 60, §4º, IV, da nossa atual Constituição, a regra de que ‘ a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’ não pode ser objeto de futuras alterações. Contudo, não se deve in casu perder a real dimensão daquilo que efetivamente, por força do preceito em apreço, não pode ser juridicamente alterado por força de uma modificação constitucional futura. O que não pode ser modificado é o direito individual que todos possuem de não ter por lei nova, isto é, por norma jurídica introduzida pelo legislador infraconstitucional, a realização de ofensas a seus direitos adquiridos, ou a outros direitos subjetivos gerados por atos jurídicos perfeitos ou por uma decisão judicial imodificável. A norma do art. 5º, XXXVI, não está voltada ao legislador constitucional. Este poderá continuar por via de novos dispositivos a estabelecer exceções à regra geral”.
E, mais adiante, arremata o citado autor:
“Em síntese: o que veda a nossa lei maior é que futuras emendas constitucionais venham a estabelecer a possibilidade de que tenha a nossa legislação infraconstitucional poderes para prejudicar direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada. Não proíbe, ao revés, nenhuma perspectiva, que o próprio legislador constitucional, por via de emendas, tenha tais prerrogativas”.
Também Celso Bastos não aceita que, por força do disposto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição, possam os direitos adquiridos impedir a projeção de efeitos retroativos ou retrospectivos por parte de emendas constitucionais. Retomou, no entanto, a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira e Carlos Velloso, ao preconizar que dessa disposição se deve extrair um condicionamento à eficácia imediata retrospectiva dos atos do Poder Constituinte de revisão, de modo a lhe exigir explícita manifestação para o sacrifício de direitos adquiridos(…) (sem destaques no original – Op.cit., p. 236/238)

Como se vê, encontra grande amparo na Doutrina a ideia de que a garantia da proteção ao direito adquirido volta-se apenas ao legislador infraconstitucional, sendo certo que o artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no que tange à observância do limite remuneratório constitucional previsto no artigo 37, inciso XI, cuida de, expressamente, excluir a possibilidade de “invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.

Desta feita, ao adotar o entendimento esposado em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral de modo a nortear a aplicação do teto remuneratório no âmbito de aplicação da Edilidade, não conferiu a Mesa efeito retroativo à referida decisão, visto que não desconstituiu as situações já consolidadas. A Mesa apenas projetou seus efeitos em relação ao futuro, ou seja, em relação aos pagamentos que ainda virá a efetuar relativamente aos vencimentos dos servidores, aplicando-se a nova sistemática daqui para frente, de modo a não rever os pagamentos que já foram feitos anteriormente, não ofendendo, por conseguinte, a segurança jurídica.

Por fim, reitere-se que o ato da Mesa não possuiu o condão de suprimir ou alterar direitos, ocorreu apenas que, com a mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal em novembro de 2015 e publicação do acórdão em abril de 2016, ficou expressamente determinada a inclusão de todas as vantagens de ordem pessoal, inclusive as anteriores a 2003, no limite constitucional de remuneração. A Mesa Diretora houve por bem adequar-se à nova decisão, editando o Ato 1339/16, que está em sintonia com a mais recente jurisprudência.

No tocante à questão da irredutibilidade de vencimentos, o Supremo Tribunal Federal já manifestou seu posicionamento sobre o tema, estabelecendo que a garantia da irredutibilidade não se aplica às hipóteses em que se pretende sustentar recebimento de vencimentos acima do limite constitucional. Confira-se:
EMENTA : CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TETO DE RETRIBUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 41/03. EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXIMOS NELA FIXADOS. EXCESSOS. PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE. 1. O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior. 2. A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Os valores que ultrapassam os limites pré-estabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos. 3. A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional. 4. Recurso extraordinário provido. (destacamos; Recurso Extraordinário 609381, j. 02-10-2014).

Em outras palavras, não se pode alegar o princípio da irredutibilidade dos vencimentos como justificativa para não aplicação do art. 37, X, da Constituição Federal.

II) Conclusão

Ante todo o exposto, a meu ver, impõe-se a conclusão de que não há ilegalidade no Ato 1339/16.

Conforme informações prestadas pelo Setor Judicial desta Procuradoria, a servidora impetrou mandado de segurança e foi-lhe indeferida a medida liminar pleiteada.

É a minha manifestação, que submeto ao juízo de Vossa Senhoria.

São Paulo, 24 de maio de 2017

Érica Corrêa Bartalini de Araujo
Procuradora Legislativa Supervisora – Setor Jurídico-Administrativo
OAB/SP 257.354