Parecer n° 408/2018

Processo: Ofício CMPNP nº 02/2018
Parecer: 408/2018
TID 17957824
Interessado: Ilmo. Sr. Secretário Geral Administrativo
Assunto: Possibilidade de conversão de períodos de férias em abono pecuniário

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora

Trata-se de ofício encaminhado pela Comissão Paritária Mista de Negociação Permanente com o intuito de veicular reivindicação formulada pelo Sindicato dos Funcionários da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas de São Paulo – SINDILEX em reunião realizada em 31.08.2018.

Em linhas gerais, a referida entidade sindical solicita a criação de normas que autorizem a conversão de períodos de férias em abono pecuniário, a exemplo da previsão contida na Consolidação das Leis do Trabalho.

O ofício em questão foi a nós encaminhado pelo Ilmo. Secretário Geral Administrativo.

É o breve relatório.

Conforme exposto na consulta, a conversão de parcela das férias em abono pecuniário possui previsão na Consolidação das Leis do Trabalho, que positivou a regra por meio do seu artigo nº 143, cujo teor segue transcrito:

Art. 143 – É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977 (Vide Lei nº 7.923, de 1989)
§ 1º – O abono de férias deverá ser requerido até 15 (quinze) dias antes do término do período aquisitivo. (Incluído pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977
§ 2º – Tratando-se de férias coletivas, a conversão a que se refere este artigo deverá ser objeto de acordo coletivo entre o empregador e o sindicato representativo da respectiva categoria profissional, independendo de requerimento individual a concessão do abono.

A parcela em questão visa indenizar o período não usufruído de férias e, por isso, não sofre a incidência de descontos fiscais ou previdenciários (art. 144, CLT).

O texto legal expõe, ademais, que a conversão de férias em abono pecuniário não é uma opção facultada ao empregador, mas sim, direito postestativo que pode ser livremente exercido pelo empregado, contanto que manifestada a opção no prazo estabelecido. Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado:

“A figura ora em análise caracteriza-se como parcela indenizatória resultante da conversão pecuniária do valor correspondente a um terço do período de férias (art. 143, CLT). É interessante perceber que esse abono celetista de férias é calculado sobre o valor global das férias: logo, considera, inclusive, o terço constitucional de férias. A equação assim se expõe: abono pecuniário de férias (art. 143, CLT) = (férias + 1/3): 3.

O abono celetista de férias tem natureza jurídica de direito potestativo do empregado – desde que se tratando de férias individuais e desde que exercido pelo obreiro no tempo correto. Não resulta de transação, portanto. (art. 143, caput, CLT). Nas férias coletivas, contudo, não é direito potestativo do empregado (muito menos do empregador, é claro), devendo resultar, se for o caso, de acordo coletivo (art. 143, § 2º, CLT)”. (Curso de Direito do Trabalho, Maurício Godinho Delgado, 17ª Edição, LTR, São Paulo, pg. 1182)

Nada obstante a previsão contida no Diploma Consolidado, não existe previsão análoga na Lei nº 8.989/1979, Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo.

A ausência de lei em sentido formal e material que autorize a conversão parcial de tempo de férias em abono pecuniário inequivocamente desaconselha que a Administração permita tal medida, haja vista o teor do artigo 37 da Constituição da República que, dentre outros, consagrou o princípio da legalidade administrativa.

A necessidade de autorização legal, inclusive, balizou a jurisprudência formada em demandas envolvendo servidores da União. Isso porque a lei federal nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das suas autarquias e fundações públicas, em sua redação original, continha previsão análoga, perceba-se:

Art. 78. O pagamento da remuneração das férias será efetuado até 2 (dois) dias antes do início do respectivo período, observando-se o disposto no § 1o deste artigo.

§ 1º E facultado converter 1/3 (um terço) das férias em abono pecuniário, desde que requeira com pelo menos 60 (sessenta) dias de antecedência.

Todavia, o § 1º supratranscrito foi revogado pela lei nº 9.527/1997. A partir de então, passou a prevalecer o entendimento de que não era mais facultada aos servidores civis da União a possibilidade de conversão de parte do período de férias em pecúnia, conforme pode ser verificado em inúmeros julgados:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. FÉRIAS. CONVERSÃO DE 1/3 EM ABONO PECUNIÁRIO. ART. 78 DA LEI 8.112/90. ALTERAÇÃO. MEDIDA PROVISÓRIA 1.195/95. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que tem direito à conversão de 1/3 (um terço) das férias em abono pecuniário somente os servidores públicos que o requereram antes da revogação dos §§ 1º e 2º do art. 78 da Lei 8.112/90, nos termos da Medida Provisória 1.195, editada em 24/11/1995.
2. Recurso especial conhecido e improvido.” (REsp 757262 / DF RECURSO ESPECIAL 2005/0092802-1; Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA; QUINTA TURMA; 06.09.2017)

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. CONVERSÃO DE 1/3 DAS FÉRIAS EM ABONO PECUNIÁRIO. ART. 39 DO DECRETO 94.664/87. REVOGAÇÃO PELOS §§ 1º E 2º DO ART. 78 DA LEI 8.112/90, CONFORME ESTABELECIDO NA MEDIDA PROVISÓRIA 1.195/95, DE 24/11/1995. DIREITO ADQUIRIDO NÃO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Não há falar em direito adquirido ao abono de férias com base no Decreto 94.664/87, tendo em vista que a Medida Provisória 1.195/95, posteriormente convertida na Lei 9.527/97, revogou o art. 78 da Lei 8.112/90, que conferia esse benefício.
2. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 541006 / DF
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL; Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA; QUINTA TURMA; 18.11.2006)

Claro está, portanto, que apenas os servidores que formularam requerimento de conversão do abono de parte das férias em pecúnia antes da revogação do § 1º do artigo 78 da lei federal nº 8.112/90 tiveram judicialmente reconhecido o direito pleiteado.

A jurisprudência em questão confirma o entendimento de que tanto a ocorrência do fato gerador do direito quanto a fruição deste apenas são possíveis mediante previsão expressa de lei em sentido material e formal.

Deve-se ressaltar, demais disso, que em face de previsão análoga presente na Constituição do Estado do Rio de Janeiro, o Supremo Tribunal Federal adotou posicionamento ainda mais restritivo, considerando inconstitucional a instituição do direito potestativo de servidor público converter parcela das férias em abono pecuniário. A Carta Fluminense continha a seguinte previsão:

“Art. 77. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, interesse coletivo e, também, ao seguinte:

(…)

XVII – o servidor público estadual, civil ou militar, poderá gozar licença especial e férias na forma da lei ou de ambas dispor, sob a forma de direito de contagem em dobro para efeito de aposentadoria ou tê-las transformadas em pecúnia indenizatória, segundo sua opção;

Nada obstante, o STF, por votação unânime, julgou procedente a ADI 227-9/1997 para considerar inconstitucional a expressão “ou tê-las transformadas em pecúnia indenizatória segundo a sua opção”. Nos termos da ementa:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 77, XVII DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FACULDADE DO SERVIDOR DE TRANSFORMAR EM PECÚNIA INDENIZATÓRIA A LICENÇA ESPECIAL E FÉRIAS NÃO GOZADAS. AFRONTA AOS ARTS. 61, § 1º, II, “A” E 169 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A Constituição Federal, ao conferir aos Estados a capacidade de auto-organização e de autogoverno, impõe a obrigatória observância aos seus princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador constituinte estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. 2. O princípio da iniciativa reservada implica limitação ao poder do Estado-Membro de criar como ao de revisar sua Constituição e, quando no trato da reformulação constitucional local, o legislador não pode se investir da competência para matéria que a Carta da República tenha reservado à exclusiva iniciativa do Governador. 3. Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade do servidor de transformar em pecúnia indenizatória a licença especial e férias não gozadas. Concessão de vantagens. Matéria estranha à Carta Estadual. Conversão que implica aumento de despesa. Inconstitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade procedente.

Assim, é inequívoco que, de acordo com o entendimento da Corte Suprema, a eventual iniciativa legislativa desta Câmara Municipal ou de seus membros voltada à introdução de regra semelhante no Estado dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo ou na Lei Orgânica padeceria de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, não sendo recomendada, portanto.

Em face do exposto, impõe-se a conclusão de que, no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, não se mostra viável a produção de normas infralegais com o escopo de autorizar a conversão de parte das férias em abono pecuniário, sendo certo que a jurisprudência do E. STF também não recomenda a propositura de alteração legislativa com tal condão por parte desta Edilidade.

É a minha manifestação.

São Paulo, 22 de novembro de 2018.

RICARDO TEIXEIRA DA SILVA
PROCURADOR LEGISLATIVO
OAB/SP 248.621