Parecer nº 293/2018

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Parecer n° 293/2018

Parecer nº 293/18
Ref. Memo. SGA nº 069/18
TID nº 17813275
Interessado: Secretaria Geral Administrativa – SGA
Assunto: Atualização dos valores das modalidades de licitação previstas na Lei nº 8.666/93 – Decreto Federal nº 9.412, de 18/06/2018 – Aplicação no âmbito municipal.

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,

A Secretaria Geral Administrativa – SGA solicita orientação sobre a aplicação do Decreto Federal nº 9.412, de 18/06/2018 no âmbito deste Legislativo.

A regra contida no art. 23 da Lei nº 8.666/93 que fixa os limites de valores que determinam a modalidade de cada licitação constitui norma geral de licitação e, portanto, tais limites somente podem ser alterados por lei federal já que o inciso XXVII do art. 22 da Constituição Federal determina que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as suas modalidades para a Administração Pública do todos os demais entes políticos do território nacional.

A rigor, portanto, é de competência privativa da União alterar os limites de tais valores que determinam as modalidades de licitações.

Contudo, o art. 120 da Lei nº 8.666/93, criou uma exceção à necessidade de que os valores que determinam as modalidades de licitações sejam revisto por lei da União.

A exceção ocorre quando a alteração pretendida visa somente alterar tais valores tendo por parâmetro a variação geral dos preços do mercado, no período, ou seja, quando a pretensão é ajustar tais valores à variação do índice de inflação monetária do período.

Como se trata de mera atualização monetária, a lei de licitações outorgou ao Chefe do Poder Executivo federal a possibilidade de editar um decreto procedendo à atualização de tais valores.

Neste diapasão determina o referido preceptivo legal, que:

“Art. 120. Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período. (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)”

Note-se que a lei delegou expressamente ao Chefe do Executivo federal a possibilidade de revisar os valores que determinam as modalidades de licitações, não outorgou tal possibilidade aos chefes de outros Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Logo, somente o Chefe do Executivo federal é que tem a competência de editar decreto para atualizar tais valores, a chefia dos outros Poderes do país carecem de tal prerrogativa, de modo que devem, suas licitações, se ater e obedecer o quanto disposto pelo Executivo federal em tal decreto.

Não vislumbro nessa seara qualquer invasão do princípio da separação entre os Poderes ou violação da autonomia dos Estados e Municípios, uma vez que a Constituição dispõe que compete à União legislar privativamente sobre normas gerais de licitação, e se essa lei de competência privativa da União reserva ao chefe do Executivo federal a prerrogativa de atualizar monetariamente os valores que determinam as modalidades de licitações, nenhuma restrição ao princípio da separação entre os Poderes ou à autonomia dos Estados e Municípios se configura.

A lei, in casu, pretendeu evitar que a matéria não recebesse tratamento uniforme em todo o território nacional, uniformidade esta que se impõe em face de que a questão relativa aos valores que determinam as modalidades de licitações é regra geral de licitação.

Não comungo, igualmente, do entendimento daqueles que preconizam a possibilidade dos Estados e Municípios, atendendo a suas peculiaridades regionais, fixarem valores inferiores ao estabelecido no Decreto Federal nº 9.412/18, tendo por pressuposto de que este fixou apenas limites máximos.

Ora, se os Estados e Municípios não dispõem de competência para fixar limites de valor inferior ao fixado pela Lei nº 8.666/93, igualmente não têm competência para fixar valores inferiores ao fixado pelo Chefe do Executivo federal, que recebeu delegação expressa da lei de licitações para atualizar monetariamente os valores por ela fixados.

A questão relativa aos valores que determinam as modalidades de licitações, como já frisado anteriormente, é regra geral de licitação e deve receber tratamento uniforme em todo o território nacional.

Em face do exposto, recomendo que se deva obedecer aos novos limites traçados pelo Decreto Federal nº 9.412/18 para as modalidades de licitação, sem a necessidade de se editar qualquer outro regramento normativo na esfera deste Legislativo.

São Paulo, 16 de agosto de 2018.

ANTONIO RUSSO FILHO
Procurador Legislativo
OAB/SP n° 125.858

Parecer Chefia nº 37/2018
Ref. Memorando SGA nº 069/2018
TID: 17813275
Assunto: Licitação – normas gerais – valores – decreto federal – alcance

À SGA – Sr. Secretário Geral Administrativo ,

Trata-se de orientação quanto ao alcance do Decreto Federal nº 9.412, de 18/06/2018, que atualizou os valores das modalidades de licitação de que trata o art. 23 da Lei nº 8.666/93.
O Parecer n° 293/18, da lavra do Procurador Antonio Russo Filho, conclui ser o Decreto Federal em comento obrigatório para Estados e Municípios, não cabendo aos entes federados cogitar de regulamentação ampliativa ou restritiva a respeito.
Em termos práticos, endosso a conclusão apenas no sentido de que não é necessária norma municipal específica, para aplicar os valores consignados no Decreto Federal nº 9.412, de 18/06/2018 ao âmbito da Edilidade paulistana. Todavia, por fundamentos diversos.
Para explicitá-los, cumpre colacionar elementos relativos ao federalismo brasileiro e ao que se entende, tanto na doutrina como na jurisprudência pátrias por normas gerais no tocante a licitações e contratos, e especificamente quanto ao tópico em comento. São os aspectos que, em apertadíssima síntese, passamos a analisar.
É a partir do princípio federativo e do princípio republicano que a repartição de competências deve ser interpretada e aplicada para assim identificar os limites a que estão sujeitos os entes federativos .
José Afonso da Silva ensina que a autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências para o exercício e desenvolvimento de sua atividade normativa. Esta distribuição constitucional de poderes é o ponto nuclear da noção de Estado federal. Porém – aponta o autor – são notórias as dificuldades quanto a saber que matérias devem ser entregues à competência da União, quais as que competirão aos Estados e quais as que se indicarão aos Municípios .
O renomado constitucionalista propõe, didaticamente, que quanto à extensão, ou seja, quanto à participação de uma ou mais entidades na esfera da normatividade ou da realização material, a competência se distingue em: (a) exclusiva, quando é atribuída a uma entidade com exclusão das demais (art. 21 da Constituição); (b) privativa, quando enumerada como própria de uma entidade, com possibilidade, no entanto de delegação (art. 22 e seu paragrafo único) e de competência suplementar (art. 24 e seus parágrafos).
A competência concorrente em matéria legislativa (art. 24 da Constituição) compreende para o autor dois elementos: possibilidade de dispor sobre o mesmo assunto ou matéria por mais de uma entidade federativa e primazia da União no que tange à fixação de normas gerais. A competência suplementar (art. 24, §§ 1º a 4º) é correlativa à competência concorrente, e significa o poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão destas.
No que se refere à competência para legislar sobre licitações e contratos, a Constituição Federal, conforme o art. 22, inc. XXVII, com a redação dada pela Emenda nº 19/98, dispõe que a União detém competência privativa para legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III”.
Vale dizer que a matéria relativa a contratos administrativos reparte-se de um lado, entre a União, que estabelece normas gerais, e de outro, Estados e Municípios, que estabelecem as normas suplementares.
Alexandre de Moraes é enfático ao afirmar que, em se tratando de competência legislativa concorrente :
a competência da União é direcionada somente às normas gerais, sendo de flagrante inconstitucionalidade aquilo que delas extrapolar

A Lei nº 8.666/93 regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e institui normas gerais para licitações e contratos da Administração Pública. Em seu artigo 1º dispõe:
Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Tal redação sugere que todas as normas aí estabelecidas são normas gerais, de âmbito nacional. Não há, em princípio, qualquer critério orientador que permita distinguir haver na lei normas especiais, de âmbito federal.

Maria Sylvia Zanella di Pietro assim comenta o art. 1º da Lei nº 8.666/93 :

Intensificando a tendência legislativa centralizadora da União e com flagrante invasão na área de competência de Estados e Municípios para legislação suplementar, o artigo 1º afirma, textualmente, que “esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
(…)
A inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.666/93 é manifesta, porque nada deixa para que Estados e Municípios legislem em matéria de licitação e contrato administrativo. Apenas o art. 115 concede aos “órgãos da Administração” (não aos legislativos estaduais e municipais) competência para expedirem normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência; essas normas, após aprovação da autoridade competente, deverão ser publicadas na imprensa oficial (parágrafo único). Ambas as determinações são inúteis; a primeira, porque a lei está conferindo aos órgãos administrativos uma competência que eles já detêm, qual seja, a de editar atos normativos (regulamentos, resoluções, portarias) que permitam facilitar ou aperfeiçoar o cumprimento da lei; a segunda, porque a publicidade é princípio que decorre do artigo 37 da Constituição e constituiu condição para que os atos administrativos produzam efeitos externos. (os grifos não constam no original)

Marçal Justen Filho assinala, porém, que, a despeito de a Lei nº 8.666/93 dispor em seu art. 1º que a mesma estabelece normas gerais incidentes sobre as três esferas de governo, há normas ali puramente federais, aplicáveis apenas ao âmbito da União. Pondera o autor::
A Lei nº 8.666 veicula normas gerais e normas não gerais (especiais) sobre licitações e contratos administrativos. As normas gerais são aquelas que vinculam todos os entes federativos, enquanto as normas especiais são aquelas de observância obrigatória apenas no âmbito da União.
(…)
O grande problema reside em que não existe uma distinção formal explícita no texto da Lei nº 8.666 entre as normas gerais (nacionais) e aquelas federais (especiais da União).
O reconhecimento da natureza não geral de uma determinada norma não significa a sua invalidade. Em tal hipótese, o dispositivo será vinculante apenas para a órbita da União, sendo facultado aos demais entes federativos adotar disciplina diversa.

O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de avalizar o entendimento segundo o qual há normas na Lei nº 8.666/93 que não se aplicam a Estados e Municípios, por veicularem preceitos que não são “normas gerais”. Tal já se deu quando a norma ainda estava recém-editada, no bojo Medida Cautelar na ADI 927-3/RS, julgada em 3 novembro de 1993. Ficou claro o entendimento quanto a haver normas na Lei nº 8.666/93 que não se aplicam a Estados e Municípios, por veicularem preceitos que não são “normas gerais”. Discutia-se na oportunidade o alcance do art. 17, I, b da Lei nº 8.666/93 (doação de bem imóvel) e estabeleceu-se que a disposição ali posta – doação permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo – somente teria aplicação no âmbito do governo central, vale dizer, no âmbito da União Federal. Na ocasião, o eminente Rel. Ministro Carlos Velloso, em seu voto, assentou:
Esses dispositivos, que extrapolassem do conceito de norma geral, seriam constitucionais em relação à União e inconstitucionais em relação aos Estados, Distrito Federal e Município. Desta forma, a declaração de inconstitucionalidade deverá ser do tipo de declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que decorre de interpretação conforme à Constituição.

Com tais apontamentos preliminares, podemos nos aproximar da questão proposta pelo Exmo. Senhor Secretário Geral Administrativo, que solicita orientação quanto à aplicabilidade no âmbito da Edilidade Paulistana do Decreto federal n. 9.412, de 18/06/2018, que atualizou os valores das modalidades de licitação de que trata o art. 23 da Lei nº 8.666/93.
A Lei nº 8.666/93 foi editada em um momento histórico de inflação crônica. O art. 23 – segundo o qual as modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação – sofreu alterações que não me parece supérfluo registrar:
Entre 1993 e 1994, os valores (nos termos da lei) estavam fixados em cruzeiros. E o artigo 120 da mesma lei, em sua redação original, estabelecia que os valores fixados por esta lei seriam automaticamente corrigidos na mesma periodicidade e proporção da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), com base no índice do mês de dezembro de 1991. O parágrafo único dispunha que o Poder Executivo Federal faria publicar no Diário Oficial da União os novos valores oficialmente vigentes por ocasião de cada evento citado no caput, desprezando-se as frações inferiores a Cr$ 1.000,00 (um mil cruzeiros). Posteriormente, a Lei nº 8.883, de 1994 alterou o índice para o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) e a moeda para cruzeiro real.
Finalmente, a Lei nº 9.648, de 1998 alterou a redação do art. 120 dispondo simplesmente que os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período, eliminado o anterior parágrafo único. Houve portanto uma alteração substancial: o Poder Executivo Federal não iria publicar simplesmente os valores atualizados segundo índices oficiais. A norma passou a facultar a revisão anual daqueles valores pelo Poder Executivo federal.
Todavia, desde 1998 os valores fixados no art. 23 da Lei nº 8.666/93 (com a redação dada pela Lei nº 9.648/98) não foram alterados no âmbito federal. Assim, por 20 anos os limites de valor assinalados no art. 23 da Lei nº 8.666/93 permaneceram inalterados na legislação, embora o art. 120 da mesma lei assinalasse que os valores poderiam ser revistos anualmente pelo chefe do Poder Executivo federal.
Ao que se tem notícia, apenas no Estado do Mato Grosso do Sul houve municípios que entenderam por bem editar normas próprias para atualizar os limites de valor estabelecidos no art. 23 da Lei nº 8.666/93. O assunto foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 132840/2016 – CLASSE CNJ – 95 da Comarca de Castanheira. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul julgou a ação improcedente, por maioria, pelos fundamentos bem sintetizados na ementa do Acordão, abaixo reproduzida (Redator designado Des. Paulo da Cunha, j. 23.03.2017 – os grifos não constam do original).
EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS DE MUNICÍPIOS MATOGROSSENSES QUE ATUALIZARAM OS VALORES LIMITES DAS MODALIDADES LICITATÓRIAS PREVISTOS NO ARTIGO 23 DA LEI 8.666/93 (LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS). CONCEITO DE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. SUPOSTA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 193 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO. ALEGADA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVADA UNIÃO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE LICITAÇÕES (CF, ART. 22, XXVII). AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE NAS NORMAS MUNICIPAIS IMPUGNADAS PORQUE PROMOVERAM MERA ATUALIZAÇÃOMONETÁRIA DOS VALORESPREVISTOS NA LEI NACIONAL. CONCEITO DE FEDERAÇÃO. AUTORREGULAMENTAÇÃO MUNICIPAL QUE TEM RESPALDO NAS AUTONOMIAS CONFERIDAS AOS ENTES FEDERADOS PELO ART. 18 DA CONSTITUÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DAS COLETIVIDADES AUTÔNOMAS.
1) A Constituição Federal de 1988 é clara ao franquear aos estados e municípios a competência para legislarem sobre normas específicas em matéria de licitações e contratos administrativos, uma vez que a competência privativa da União Federal restringe-se à legislação sobre normas gerais (CF, art. 22,inc.XXVII).
2) A norma que estabelece os tetos de faixas licitatórias para cada modalidade de licitação, prevista no art.23 da Lei 8.666/93, é norma geral, uma vez que a matéria exige uma uniformização nacional. De outro lado, não há confundir esta norma geral com a norma que atualiza monetariamente os valores historicamente previstos como tetos de faixas licitatórias.
3) As normas impugnadas na presente ação não tratam do cumprimento de preceitos fundamentais de licitações e contratações públicas, não traçam diretrizes, não falam de princípio geral, não tratam de modalidade licitatória, não tratam de direitos dos licitantes, não dispõem sobre igualdade de condições de todos os concorrentes, não criam restrições à licitação, não criam espécie de dispensa ou inexigibilidade de licitação. As normas municipais impugnadas apenas aplicaram medida anti-inflacionária nos tetos de faixas licitatórias estabelecidas no art. 23 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos e, portanto, devem ser qualificadas como normas específicas.
4) O art. 120 da Lei 8.666/93, na parte em que estipula periodicidade e índice de revisão de valores monetários, é norma que deriva da competência privativa da União para legislar sobre sistema monetário (art. 22, inc. VI, da CF/88). Todavia, na parte que estipula a competência para o reajuste ao Poder Executivo Federal, a fim de respeitar as autonomias dos demais entes federativos consagradas no art. 18 da CF/88, reconhece-se sua incidência apenas para as licitações e contratos administrativos a serem firmados pela Administração Pública Federal.
5) Nessa lógica, havendo lei estadual, distrital ou municipal, autorizando o respectivo Chefe do Executivo a promover a revisão anual pelo IGPM dos valores fixados na Lei 8.666/93 – para licitações e contratos administrativos de cada ente federativo distintamente – estar-se-ia cumprindo o disposto no art.18 da CF/88.
6)Caso concreto em que, ao invés de editar em lei autorizando os respectivos Prefeitos a revisarem, anualmente, pelo IGPM, os valores ficados na Lei 8.666/93 – para as licitações a serem realizadas no âmbito territorial de cada Município -, levaram a própria matéria da revisão à competência da Câmara de Vereadores, promovendo a revisão monetária por lei.
7) Vício de inconstitucionalidade que não se verifica, uma vez que as normas municipais impugnadas afirmam o conteúdo jurídico do princípio federalista, em especial, do princípio da autonomia das coletividades autônomas, que integram o conceito de Federação, estejam ou não expressos na Constituição.

Ora, parece-me assistir razão ao entendimento alcançado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, por seus próprios e jurídicos fundamentos. O acórdão vai ao encontro da lição de consagrada doutrina e de precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido de que há normas na Lei nº 8.666/93 que não se aplicam ipso facto aos Estados e Municípios – tanto mais esta, do art. 120, na parte em que se dirige, textualmente, ao chefe do Poder Executivo federal. Bem distinguiu o acórdão: o art. 120, na parte em que estabelece periodicidade e índice de revisão de valores monetários, é norma que deriva da competência privativa da União para legislar sobre sistema monetário (art. 22, inc. VI da Constituição) e da competência para editar normas gerais em matéria de licitação e contratos (art. 22, inc. XXVII). Todavia, na parte em que estipula a competência para editar ato administrativo para aplicar o reajuste ao Poder Executivo federal, abrange obrigatoriamente o âmbito da Administração Pública federal. Nas demais esferas, não há óbice à sua aplicação, mas se poderia cogitar de edição de norma própria mais restritiva.
Com efeito: uma coisa é a norma do art. 23 da Lei nº 8.666 – que dispõe sobre limites máximos de dispensa de licitação em razão do valor e limites de valor para as correspondentes modalidades de licitação. Quanto maior o valor, maior a exigência de competição e por isso mesmo de publicidade. Tal norma tem sido entendida como de caráter geral. Isto é: não se admite que Estados e Municípios ampliem tais limites de valor em seu âmbito, já que implicaria restrição ao princípio da licitação – que é a regra – nos limites máximos de valor entendidos como adequados no âmbito federal. Outra coisa é a norma do art. 120 que remete ao Chefe do Poder Executivo federal a possibilidade de rever esses valores anualmente para efeito de adequação à variação de preços de mercado. Seria contraditório a basilares princípios federativos entender que a norma veicula restrição a que outros chefes de Poder Executivo – ou em seu caso a Mesa da Assembleia ou de Câmara Municipal – atualizem periodicamente valores que a mesma lei permite atualizar com periodicidade anual e segundo critério predefinido.
Outro aspecto a considerar é que o custo de vida varia entre Estados e Municípios da federação brasileira. O art. 23 impõe limites máximos de valor para dispensa e modalidades de licitação. A norma geral não exclui a possibilidade de, eventualmente, Estados e Municípios veicularem limites menores, de modo mais conforme a suas peculiaridades regionais ou locais.
Tal entendimento vem também sustentado por Victor Aguiar Jardim de Amorim, em artigo sugestivamente denominado com o interrogante: “O que ‘sobra’ para estados e municípios na competência de licitações e contratos?” Diz o articulista:
À primeira vista, podemos destacar que as seguintes regras da legislação, por enquadrarem-se como “normas específicas” e, por serem aplicáveis apenas à Administração Pública Federal, poderão ser disciplinadas de maneira distinta pelos demais entes federativos:
a) definição de valores, prazos e requisitos de publicidade dos editais e avisos (art. 21);
b) iter procedimental relativo à ordem de realização das etapas da licitação;
c) regulamentação sobre registros cadastrais (arts. 34 a 37);
d) forma e prazos de interposição dos recursos administrativos, desde que respeitados os limites mínimos traçados pelo art. 109 da Lei 8.666/93;
e) procedimento e condições para alienação dos bens pertencentes à Administração dos estados, DF e municípios (arts. 17 a 19);
f) acréscimos em relação ao conteúdo mínimo dos editais de licitação (art. 40).

De fato, não é tão pouco o que “sobra” a Estados e Municípios, de que é exemplo o próprio município de São Paulo, que em sua legislação admite – a título de exemplo – a inversão de fases da licitação mesmo nas modalidades de convite, tomadas de preço ou concorrência (Lei nº 14.145/2006).
Todavia, uma vez que o Chefe do Poder Executivo federal, mediante a edição do Decreto nº 9.412, de 18/06/2018, em boa hora atualizou os valores das modalidades de licitação de que trata o art. 23 da Lei nº 8.666/93, não há necessidade de norma municipal ou de Ato da Mesa da Câmara para aplica-lo em seu âmbito. Trata-se com efeito de norma aplicável nas três esferas de governo, sem prejuízo de cada esfera deter competência para suplementar a matéria de que se trata, ou adequá-las ao interesse local, se assim julgar necessário. Ou seja: para adotar o critério federal, não é necessária norma própria; para restringi-lo sim. O que não se admite – por força do entendimento de que o art. 23 da Lei nº 8.666/93 é norma geral – é que se aumente o limite estabelecido de modo a ultrapassar a variação de preços no mercado em dado período.
Nessa lógica – como ressaltado na ementa do Acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, retro citado -, havendo lei estadual, distrital ou municipal, autorizando o respectivo Chefe do Executivo a promover a revisão anual pelo IGPM dos valores fixados na Lei 8.666/93 – para licitações e contratos administrativos de cada ente federativo distintamente – estar-se-ia cumprindo o disposto no art.18 da CF/88.
Com efeito: os limites fixados no art. 23 da Lei nº 8.666/93 são norma geral; assim, a revisão monetária desses valores tem força de norma geral. Todavia, o art. 120 da Lei nº 8.666/83 admitiu que esta fosse feita por ato do chefe do Poder Executivo federal. Tal revisão se aplica, portanto, a Estados e Municípios, como limite máximo atualizado.
Todavia, por força do princípio federativo, e da possibilidade de revisão anual expressa na norma geral, depreende-se que no âmbito estadual ou municipal, para atualizar aqueles valores é necessário lei, e não ato administrativo do respectivo chefe do Poder Executivo, a menos que lei estadual ou municipal assim dispusesse. Reafirma-se deste modo o conteúdo jurídico do princípio federalista. Por outro lado, para que Estados e Municípios adotassem parâmetros mais restritivos, em razão de peculiaridades regionais ou locais, seria necessário igualmente lei regional ou local. Isto é: a delegação do art. 120 ao chefe do Poder Executivo federal não se estende ao chefe do Poder Executivo estadual, distrital ou municipal.
No âmbito da Administração do Poder Legislativo – que cabe à Mesa Diretora das Assembleias ou Câmaras – parece-nos incogitável ato administrativo para atualizar os valores do art. 23 da Lei nº 8.666/93, ou para adotar parâmetros eventualmente mais restritos do que aqueles previstos em Decreto federal editado com fulcro no art. 120 da Lei nº 8.666/93 em seu âmbito. Com efeito, o principio que autoriza a Estados e Municípios – mediante lei – a adotar critérios próprios, observados os limites dispostos em norma geral – é a competência suplementar que lhes é assegurada pela Constituição federal. Tal competência exige a participação de ambos os poderes – Executivo e Legislativo – na elaboração de leis.
Em síntese, uma vez que o chefe do Poder Executivo federal tenha se utilizado da faculdade contida no art. 120 da Lei nº 8.666/93 seus efeitos são automaticamente aplicáveis no âmbito dos Estados e Municípios, que de fato assim o têm aplicado em toda a federação. Contudo, em homenagem ao princípio federativo e a seu corolário lógico para a matéria em exame – que é a competência legislativa suplementar relativamente a normas específicas em matéria de licitações e contratos – haveria a possibilidade, em tese, de regramento mais restrito no âmbito dos Estados e Municípios, ou de atualização de valores do art. 23 da mesma lei ainda antes da edição da norma regulamentar federal. Esse regramento exigiria lei, e não mero ato administrativo do chefe de Poder Executivo estadual ou municipal. Na ausência de normas próprias, prevalece o normativo federal.
Não se tem notícia, no município de São Paulo, de que o Prefeito ou a Câmara tenham oferecido projeto de lei em tal sentido, por presumíveis razões de oportunidade e conveniência. Cabe a propósito lembrar o princípio de que as regras não devem ser multiplicadas além da necessidade, conforme a expressão latina “lex parsimoniae”(lei da parcimônia), enunciada como: entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem. Registre-se ainda que o Poder Legislativo, isoladamente, não detém competência para editar Ato para dispor da matéria em seu âmbito, tendo em vista tratar-se de matéria que exige reserva legal.
De todo o exposto, concluo que a Edilidade Paulistana deverá aplicar em seu âmbito os valores do art. 23 da Lei nº 8.666/93 de acordo com a atualização promovida pelo Decreto Federal nº 9.412, de 18/06/2018, uma vez que não há lei no Município adaptando tais critérios a peculiaridades locais, o que, apenas em tese seria possível, desde que observados os limites dispostos naquele normativo federal. Assim, não há necessidade ou razão para edição de norma própria que valide tal aplicação em seu âmbito. Observe-se, tão somente, a vacatio legis indicada no recém- editado Decreto federal, que entrou em vigor 30 dias após a sua publicação.
É o parecer, que submeto à apreciação superior.

São Paulo, 28 de agosto de 2018

Maria Nazaré Lins Barbosa
Procuradora Legislativa Chefe
OAB/SP nº 106.017