Parecer nº 226/2018
Assunto: Ofício do Gabinete da Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo a respeito do Projeto de Lei nº 202/2018, que trata sobre a compensação de precatórios
Sra. Procuradora Legislativa Supervisora, Dra. XXXXXXXXXXXXX,
Trata-se de ofício enviado pelo Dr. XXXXXXXXXXX, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, requerendo que o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 202/2018 aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa seja emendado em plenário a fim de prevalecer a redação original do inciso I do § 1º do art. 2º, bem como para que seja suprimida a parte final do art. 4º.
Os dispositivos questionados têm a seguinte redação:
“Art. 2º Para a execução do programa instituído por esta lei:
(…)
§ 1º Para os fins desta lei, considera-se:
(…)
II – valor líquido do precatório o montante apurado após as retenções legais obrigatórias, inclusive o Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF e demais retenções legais, se houverem.”
“Art. 4º A compensação autorizada por esta lei fica condicionada ao atendimento dos seguintes requisitos:
(…)
IV – comprovação, pelo interessado, da renúncia ao direito sobre o qual se fundam eventuais ações ou embargos à execução fiscal que tenham por objeto o débito inscrito cuja compensação se pretende, nos autos judiciais respectivos, e da desistência de eventuais impugnações, defesas e recursos interpostos no âmbito administrativo, além da comprovação de recolhimento de ônus da sucumbência porventura devidos, fixados desde já em 2% (dois por cento) do valor do débito a ser compensado, mesmo que arbitrados judicialmente em percentual superior”
Segundo o Ilustre Presidente da OAB/SP, a redação original do inciso II do § 1º do art. 2º do PL nº 202/2018 preservou o direito dos advogados aos honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais, porém a alteração implementada pelo Substitutivo pode levar a uma interpretação que viole o direito dos advogados que durante décadas trabalharam nos processos judiciais que originaram os precatórios.
Além disso, o bâtonnier sustenta que a parte final do inciso IV do art. 4º (“fixados desde já em 2% (dois por cento) do valor do débito a ser compensado, mesmo que arbitrados judicialmente em percentual superior”) é matéria que não pode ser disciplinada por lei municipal, uma vez que os honorários advocatícios são objeto de legislação federal, que define pertencerem aos advogados, além de haver violação ao princípio da separação dos poderes em virtude de desrespeito à decisão judicial.
Em nosso entender, assiste razão ao requerente.
Com efeito, o texto original do inciso II do § 1º do art. 2º do Projeto de Lei nº 202/2018 dispunha o seguinte:
“Art. 2º Para a execução do programa instituído por esta lei:
(…)
§ 1º Para os fins desta lei, considera-se:
(…)
II – valor líquido do precatório o montante apurado após as retenções legais obrigatórias, inclusive o Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF e a dedução do percentual dos honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais devidos ao advogado original do precatório, quando comprovados” (grifos nossos)
Como se percebe do confronto da redação original com aquela dada pelo Substitutivo e por nós acima transcrita, optou-se por retirar a menção expressa dos honorários advocatícios e sucumbenciais pela expressão genérica “e demais retenções legais, se houverem”, o que de fato pode levar a um questionamento sobre a inclusão ou não dos honorários no comando contido no dispositivo.
Assim, considerando que uma das regras de elaboração e redação das leis é a de “articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma” (art. 11, inciso II, alínea “a”, da Lei Complementar Federal nº 95/98, de aplicação nacional), convém averiguar se os advogados têm ou não direito à dedução dos honorários contratuais e sucumbenciais no precatório.
A resposta a esse questionamento encontra-se no Estatuto da Advocacia (Lei Federal nº 8.906/94), que dispõe no seu art. 22, § 4º a respeito do direito do advogado à dedução dos honorários contratuais, e no art. 23, caput, sobre a dedução das verbas de sucumbência no precatório:
“Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
(…)
§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.
(…)
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”
Saliente-se que recentemente o Novo Código de Processo Civil reafirmou esse direito ao dispor no § 14 do art. 85 que “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.
O Supremo Tribunal Federal consagrou o direito autônomo dos advogados aos honorários ao editar a Súmula Vinculante nº 47, com o seguinte teor:
“Súmula Vinculante nº 47: Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.”
Logo, considerando a clareza da legislação e a jurisprudência uníssona a respeito do direito dos advogados à dedução dos honorários contratuais e sucumbenciais do precatório, afigura-se pertinente a manutenção do texto original do inciso II do § 1º do art. 2º do Projeto de Lei nº 202/2018, que melhor atende à técnica legislativa preconizada pela Lei Complementar Federal nº 95/98.
O segundo questionamento trazido pelo requerente diz respeito à parte final do inciso IV do art. 4º, que fixa desde logo os ônus de sucumbência em 2% (dois por cento) do valor do débito tributário a ser compensado, mesmo que arbitrados judicialmente em valor superior.
Aqui, estamos tratando dos honorários de sucumbência devidos à municipalidade, cabendo o estudo a respeito de sua titularidade a fim de perquirir se seria possível ao Município disciplinar seu percentual, sendo a resposta negativa.
Isso porque, nos termos do supracitado caput do art. 23 do Estatuto da Advocacia, os honorários pertencem ao advogado, tendo o recente Código de Processo Civil disposto no § 19 do art. 85 que “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”, que, no âmbito do Município de São Paulo, é a Lei nº 9.402, de 24 de dezembro de 1981, cujo art. 1º dispõe expressamente que os honorários devidos à Fazenda Municipal devem ser distribuídos aos integrantes da carreira de Procurador.
Sendo assim, não cabe ao legislador dispor a respeito da redução do percentual dos honorários que são devidos aos Procuradores, sob pena de vulneração aos dispositivos legais supramencionados. É o que já foi decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em mais de uma oportunidade:
“MANDADO DE SEGURANÇA. Procuradores Municipais de Santa Bárbara D´Oeste. REFIS municipal. Redução dos honorários de sucumbência. Normas locais que preveem expressamente que os honorários de sucumbência não constituem verba da Prefeitura. Assunto de interesse local. Art. 30, I, da CF/88. Não pode a Prefeitura transigir sobre aquilo que não lhe pertence, assim entendidos os honorários já arbitrados em decisão judicial. Precedentes desta E. Corte em feitos oriundos da mesma comarca. Sentença reformada. Recurso conhecido e provido em parte.”
(TJSP, 2ª Câmara de Direito Público, Apelação nº 1004634-82.2017.8.26.0533, Rel. Des. Vera Angrisani, j. 28.02.18, unânime)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO Mandado de Segurança Liminar – Associação dos Procuradores Municipais de Barueri Lei Municipal nº 2.435/2015, que concedeu redução e parcelamento de multa, juros e honorários advocatícios a contribuintes em atraso que pretendessem quitar seus débitos. Inadmissibilidade, em razão de ilegalidade, quanto aos honorários. Verba que pertence ao causídico. Decisão de indeferimento da liminar reformada. Recurso parcialmente provido – ‘A verba honorária constitui direito autônomo do advogado, integra o seu patrimônio, não podendo ser objeto de transação entre as partes sem a sua aquiescência’ (STJ, 4ªT., REsp nº 468.949-MA, rel. Min. Barros Monteiro, j. 18.2.03).”
(TJSP, 11ª Câmara de Direito Público, Agravo de Instrumento nº 2067191-72.2016.8.26.0000, Rel. Des. Luiz Ganzerla, j. 17.05.16, unânime)
Para além da inadmissibilidade de alteração do percentual dos honorários devidos aos Procuradores do Município, deve ser ressaltado que, tratando-se de demanda judicial já ajuizada, a fixação dos honorários advocatícios é matéria de direito processual, cuja competência legislativa é privativa da União, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal, sendo que o Código de Processo Civil já disciplina em seus §§ 2º e 3º os percentuais a serem fixados judicialmente.
Ademais, ao impor a fixação de percentual mesmo nos casos em que os honorários já tiverem sido arbitrados judicialmente de forma diversa, a propositura também viola o princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal e no art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo.
Convém trazer à baila decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.736, ajuizada contra dispositivo de medida provisória que pretendia afastar as verbas de sucumbência nos acordos relacionados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS:
“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 9.° da Medida Provisória n.° 2.164-41/2001. Introdução do art. 29-C na Lei n.° 8.036/1990. Edição de medida provisória. Sucumbência. Honorários advocatícios. Ações entre FGTS e titulares de contas vinculadas. Inexistência de relevância e de urgência. Matéria, ademais, típica de direito processual. Competência exclusiva do Poder Legislativo. Ofensa aos arts. 22, inc. I, e 62, caput, da CF. Precedentes. Ação julgada procedente. É inconstitucional a medida provisória que, alterando lei, suprime condenação em honorários advocatícios, por sucumbência, nas ações entre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e titulares de contas vinculadas, bem como naquelas em que figurem os respectivos representantes ou substitutos processuais.”
(STF, Plenário, ADI nº 2.736, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 08.09.10)
No voto que foi seguido à unanimidade pelo Plenário daquele Tribunal, o Ministro Cezar Peluso deixou claro que “a condenação em honorários advocatícios de sucumbência é matéria típica de direito processual, porque tem por pressuposto necessário a existência de um processo sob jurisdição contenciosa, no qual tenha atuado advogado e sido vencida uma das partes”, entendimento perfeitamente aplicado à propositura aqui analisada.
Fixada a pertinência das alterações propostas pelo requerente ao Substitutivo aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa, cumpre perquirir qual o meio adequado para promovê-las.
Considerando que o PL nº 202/2018 foi aprovado em primeira discussão na 128ª Sessão Extraordinária da 17ª Legislatura, realizada em 23 de maio de 2018, há duas possibilidades para que sejam efetivadas as medidas propostas: (i) a apresentação de Substitutivo subscrito por 1/3 (um terço) dos Vereadores em Plenário durante a segunda discussão, nos termos do art. 269, § 1º, do Regimento Interno; ou (ii) a apresentação de Emenda para ser votada após aprovação em segunda discussão, nos termos dos artigos 271 e 272, ambos do Regimento Interno desta Casa.
Sendo assim, considerando a fundamentação exposta, entendo que assiste razão ao Ilustre Presidente da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, sugerindo-se a elaboração de Substitutivo ou a apresentação de Emenda em Plenário a fim de que seja restaurada a redação original do inciso II do § 1º do art. 2º, bem como para que haja a supressão da parte final do inciso IV do art. 4º (“fixados desde já em 2% (dois por cento) do valor do débito a ser compensado, mesmo que arbitrados judicialmente em percentual superior”).
É a manifestação que submeto à sua apreciação, colocando-me à disposição para outros esclarecimentos que se façam necessários.
São Paulo, 15 de junho de 2018.
FELIPE FARIA DA SILVA
Procurador Legislativo
OAB/SP nº 330.907