Parecer n° 49/2019

TID n. 18109422
Ref. Ofício Jurídico n. 002/2019 – Câmara Municipal de Itapevi
Assunto: Aplicação pela Câmara Municipal de São Paulo de penalidade disciplinar imposta a servidor pela Edilidade de Itapevi

Parecer n. 49/2019

Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,
Trata-se de ofício expedido pelo Exmo. Presidente da Câmara Municipal de Itapevi, noticiando a imposição de penalidade disciplinar ao Sr. XXXXXXXXX, enquanto funcionário daquela Casa, bem como requerendo a aplicação da referida penalidade por esta Edilidade, já que atualmente compõe seu quadro de servidores. Solicita devolutiva, em caso de negativa de atendimento.
Informa, em suma, que o servidor respondeu a processo administrativo disciplinar perante a Câmara de Itapevi, pois, no dia 20 de março de 2017, no Plenário da Casa e na presença da sua Mesa Diretora e demais funcionários, teria ofendido a honra do Sr. XXXXXXXXX, também servidor da Casa, o que constitui infração funcional nos termos do artigo 178, incisos XIX e XX, da Lei 223/74 do Município de Itapevi. Assevera, ainda, que o procedimento disciplinar transcorreu em pleno respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, culminando na decisão do Exmo. Presidente de aplicar a penalidade de repreensão ao servidor em questão. Encaminha cópia integral do processado.
É o relato do necessário. Passa-se a opinar.
Consta da documentação encaminhada que, por meio da Portaria n. 179/17, em 03/05/2017, a Câmara Municipal de Itapevi instaurou procedimento de averiguação preliminar em face do seu servidor efetivo, à época, Sr. XXXXXXXXX.
Em 15/05/2017, por meio da Portaria n. 183/17, referido servidor foi exonerado a pedido que, conforme relatado às fls. 24 do processo disciplinar, foi feito em 12/05/2017, mesma data em que publicada no Diário Oficial da Cidade de São Paulo, página 86, a Portaria n. 9232/2017, nomeando-o para o cargo de Técnico Administrativo da Câmara Municipal de São Paulo.
Estabelecidos os atos no tempo, passa-se a apreciar a possibilidade de atendimento ao quanto solicitado, isto é, se pode a Edilidade paulistana aplicar a seu servidor penalidade disciplinar imposta por ente diverso.
Parece não ser possível, seja porque in casu falece à Câmara Municipal a necessária competência para punir, seja porque predomina na Doutrina e na Jurisprudência o entendimento de que, notadamente nos casos de penalidades disciplinares mais brandas, extinto o vínculo com a administração pública que detinha o poder disciplinar exercido, não é mais possível a aplicação da pena. Vejamos.
Estabelece a Doutrina quanto à competência para punir disciplinarmente:
Uma vez comprovado o cometimento de uma transgressão funcional por parte de servidor público, instaurados e processados regularmente sindicância e/ou processo administrativo disciplinar, conforme o caso, compete à autoridade administrativa superior impor as penalidades previstas em Lei como forma de reprimir o comportamento faltoso, desde que indiscutíveis as provas e fatos comprobatórios da incursão na falta funcional.
(…)
A competência para aplicar a penalidade disciplinar, em regra, compete à autoridade administrativamente superior ao servidor infrator (o poder disciplinar, por concepção lógica, exerce-se em uma relação de hierarquia) .
Como se observa, o poder de punir é intrínseco ao poder disciplinar, o qual advém do poder hierárquico e destina-se a garantir a normalidade da atividade funcional dos órgãos públicos .
Nessa linha de pensamento, sustenta o Procurador-Federal Luis Antonio Leite que “o direito disciplinar é do âmbito interno da Administração e pressupõe o liame estatutário como suporte lógico de sua aplicação”.
Tem-se, ainda, que a penalidade de advertência em sentido amplo, na qual se inclui a pena de repreensão, presta-se a uma finalidade mais voltada ao aconselhamento e à prevenção, para que a conduta reprimida e outras irregularidades não mais ocorram, cuja aplicação se mostra adequada e conformada ao liame administrativo, entre servidor e ente público, que se pretende preservar e manter dentro dos valores e interesses públicos. Pressupõe, portanto, a continuidade do vínculo administrativo laboral.
Nesse sentido:
A advertência é a penalidade mais branda existente no serviço público e tem por objetivo básico refrear condutas irregulares que, entretanto, não ocasionaram maiores danos à normalidade do serviço público. Adquire, assim, uma característica admoestadora e exortativa, deixando o servidor alerta quanto ao cometimento de novas infrações. Essa pena não tem efeitos pecuniários contra o servidor que agiu com negligência ou displicência. Tem, todavia, efeitos morais, e atingirá seu objetivo se o servidor tiver consciência de seu valor e de sua reputação, pois a partir desse momento pautará sua conduta com maior diligência e cuidado.
Conveniente, também, ressaltar que:
José Cretella Júnior deduz: “Pela aplicação de sanções disciplinares, o agente mais categorizado adverte, repreende, suspende ou mesmo demite o agente de inferior categoria que infringe dever do cargo” Marcello Caetano encarece que a aplicação das penas de natureza moral, “sobretudo a advertência ou admoestação e a repreensão ou censura, compete a todos quantos tenham a posição de superiores, na hierarquia dos serviços, relativamente aos agentes sob as suas ordens .
Assim, entende-se que carece a Câmara Municipal de São Paulo ou o seu Presidente de competência para aplicar penalidade imposta a seu servidor por ente diverso, em virtude de vínculo também diverso, não mais existente e sobre o qual não exerce a Edilidade paulistana qualquer poder hierárquico.
Não bastasse a ausência da necessária competência para punir, o caso concreto também se enquadra em hipótese que a Doutrina e a Jurisprudência caracteriza como de extinção da responsabilidade disciplinar. Vejamos.
A Doutrina divide-se entre os que entendem que não é possível aplicar qualquer sanção disciplinar a ex-servidor e os que advogam a ideia de que ao ex-servidor é viável somente o apenamento com as sanções de natureza expulsiva ou revocatória, nunca as de natureza corretiva, como a repreensão.
Segundo a já citada obra de Antonio Carlos Alencar, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”:
Carlos S. de Barros Júnior é contrário à imposição de penas disciplinares a ex-servidor que não mais mantém vínculo jurídico com a Administração Pública.
Diógenes Gasparini filia-se também ao juízo contrário à apenação de quem deixou de ser servidor público.
(…)
Não há como certas penas disciplinares como a advertência, a suspensão e a multa surtirem seus efeitos próprios, de correção de comportamento de agentes públicos faltosos, se as sanções recaem em pessoas que não mais mantém vínculo jurídico-funcional com a Administração Pública. Nesse sentido, confirma Marcelo Caetano:
Quando a execução da pena aplicada, porém, pressupuser o exercício de funções, então a pena é inexequível, salvo se o condenado algum dia regressar ao serviço ou voltar a adquirir a qualidade de agente: a pena aplicada será averbada no registro biográfico do condenado e aplicada, de modo que eventualmente possa vir a ser executada.
José Cretella Júnior, nesse particular, não admite a tardia aplicação de penalidade de suspensão, advertência ou repreensão a quem já está desligado do serviço público devido à aposentadoria, dispensa, exoneração ou disponibilidade, classificando como absurda e incongruente a reprimenda “extemporânea” e sem razão de ser, porque inócuo o efeito intimidativo da pena sobre alguém agora desvinculado do serviço.
Já o Procurador-Federal Luis Antonio Leite, no artigo já citado, defende que:
Desde a exoneração, o servidor está fora, para todos os efeitos do âmbito da Administração, sujeito apenas às sanções civis e criminais aplicáveis aos atos que praticou. As sanções administrativas já não o alcançam. Nada resulta, convenha-se, da suspensão ou advertência impostas a um servidor exonerado, ou da imposição de multa, quando já não há mais controle sobre o pagamento, ou mormente, da pena de demissão.
O ato de exoneração opera no plano material, desconstituindo a relação jurídica servidor-Administração. Seu efeito é instantâneo e estático, conformando as partes a nova situação, que à Administração não é dado alterar unilateralmente, olvidando o devido processo.
No âmbito jurisprudencial, à semelhança da situação delineada no requerimento administrativo em tela, já se decidiu que se extingue a responsabilidade disciplinar de servidor exonerado do cargo efetivo para posse em outro cargo de provimento por concurso público:
APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO APÓS A EXONERAÇÃO DO SERVIDOR. IMPOSSIBILIDADE. ARQUIVAMENTO DO PAD POR DECISÃO ADMINISTRATIVA. PERDA SUPERVENIENTE INTERESSE RECURSAL. APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA.
1. O apelado foi indiciado em 2008 em processo administrativo disciplinar perante órgão do Poder Executivo Federal, em razão de fatos ocorridos no ano 2000, enquanto Procurador Federal. Desde 2003 pediu exoneração do referido cargo, passando a ocupar o cargo de Juiz Federal Substituto do TRF da 1ª Região.
2. Reconhecido, na via administrativa, a prescrição da pretensão punitiva quanto aos fatos discutidos no PAD n. 406.000481/2008-56, falece à União de interesse de agir em ver desconstituído o julgado de Primeira Instância, na parte em que determinou a exclusão do nome do autor do rol dos acusados do referido processo administrativo.
3. Havendo a superveniente perda de objeto da apelação, no tocante à matéria exclusão do autor do rol dos acusados no PAD 406.000481/2008-56 em razão da prescrição, dela não se conhece nesse ponto.
4. Remanesce o interesse da União quanto ao ponto da apelação que diz respeito à competência do Procurador-Geral Federal para instaurar outros processos administrativos em face do autor, ainda que na qualidade de ex-Procurador Federal.
5. Ex-ocupante de cargo de Procurador Federal não pode ser alcançado pelas medidas punitivas da Lei 8.112/90, uma vez que não mais ostenta qualquer vínculo funcional com a Administração Pública – Poder Executivo.
6. Se o servidor pediu exoneração do cargo ou função ocupados e não mantém nenhum vínculo com a administração, qualquer que seja o resultado do processo administrativo não poderá alcançá-lo, já que não haverá como adverti-lo, suspendê-lo, exonerá-lo, cassar disponibilidade ou aposentadoria concedida como servidor público. Qualquer que seja o resultado no processo administrativo não vai poder atingi-lo.
7. Apelação parcialmente conhecida e desprovida na parte conhecida. (TRF 1ª Região, AC – Ap. Civ. 00019413320094014000, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. CANDIDO MORAES, j. 14/01/2015)
Como se observa, também sob a ótica da responsabilidade disciplinar do servidor apenado, o entendimento mais balizado vai no sentido de que não é possível a sanção disciplinar imposta por um ente público atingir servidor que não mais faz parte de seus quadros, ainda que continue sendo servidor ocupante de cargo efetivo de outro órgão público.
Por todo o exposto, seja em virtude da ausência de competência para punir da Câmara Municipal de São Paulo ou de seu Presidente, seja em razão da impossibilidade de se aplicar a penalidade corretiva a servidor que não mais mantém vínculo com a Câmara Municipal de Itapevi, opina-se pelo não atendimento do quanto solicitado no r. ofício em epígrafe, recomendando-se a expedição de ofício em resposta à origem, conforme sugerido na minuta anexa.
S.m.j., é o entendimento que se submete à apreciação superior.
São Paulo, 19 de fevereiro de 2019.
DJENANE FERREIRA CARDOSO ZANLOCHI
Procuradora Legislativa – RF 11.418
OAB/SP n. 218.877