Parecer nº 002/2020-ASS-FIN
Ref: Memorando FIN 024/2020.
Assunto: Utilização de sistema virtual para deliberação de proposituras legislativas e realização de audiências públicas.
Ementa: Adoção de forma eletrônica. Sessões de deliberação e audiências públicas. Possibilidade. Quadro pandêmico de Covid-19 que impõe distanciamento social como medida profilática. Interpretação do Regimento Interno em consonância com a legislação. Alteração recomendada.
Senhora Procuradora Legislativa Chefe,
1. DA CONSULTA
Cuida-se de requerimento da Comissão de Finanças e Orçamento desta Casa Legislativa acerca da possibilidade de utilização de sistema virtual para deliberação de proposituras legislativas e realização de audiências públicas. Segundo o Senhor Vereador Presidente, tendo em vista a previsão regimental de deliberação de projetos de lei por sistema virtual em hipóteses elencadas, indaga-se se outras matérias poderiam ser assim deliberadas, bem como se audiências públicas poderiam ser realizadas pelo mesmo meio.
Vem a documentação a esta Procuradoria para manifestação.
É o relatório. Opino.
2. DA FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Do processo legislativo
A separação de poderes, largamente adotada no mundo e expressamente prevista no art. 2º da Constituição Federal, encontra suas primeiras bases teóricas na Antiguidade, mas foi a teoria desenvolvida por Montesquieu que lhe deu papel relevante para a concepção de Estado moderno e delineou a organização político-administrativa do Estado brasileiro. Para o pensador francês, identificando as três funções estatais (administrar, legislar e julgar), necessária é a criação de órgãos distintos, autônomos e independentes entre si (Executivo, Legislativo e Judiciário) a fim de combater a concentração de poderes e preservar a liberdade individual. É cediço que realidades sociais e históricas, porém, atenuaram a separação pura e absoluta, permitindo a interpenetração entre os Poderes, cada qual exercendo funções típicas, inerentes à sua natureza, e também funções atípicas.
Legislar é função típica do Poder Legislativo. Tendo a Constituição Federal adotado uma democracia representativa para o exercício do poder político, cabe aos representantes eleitos pelo povo a tomada de decisões; no caso do Legislativo, cabe-lhes precipuamente elaborar leis (em sentido amplo) que atendam às necessidades coletivas. A atividade legiferante, por óbvio, não está adstrita a iniciativas individuais de membros do órgão legislativo e aprovação pelo plenário, havendo participação do Executivo, tanto na iniciativa, quanto no veto ou sanção. Da mesma forma, a Lei Maior ainda possibilita a formação de Comissões, órgãos fracionários que atuam em nome do Legislativo cuja composição deve refletir a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares da Casa, para apreciação especializada das proposituras legislativas.
O exercício da função de legislar pressupõe a existência de regras procedimentais – o processo legislativo – que consiste num conjunto de normas que disciplinam os atos e os procedimentos a serem obedecidos pelo Legislativo na criação de normas. A Constituição Federal preconiza uma série de atos e fases (iniciativa, emenda, discussão, votação, sanção ou veto, promulgação e publicação) tendentes à criação das espécies normativas. Em alguns casos, a tramitação do projeto passa por todas as fases e sem prazo definido; em outros, a deliberação pelo Legislativo é aprazada; e também há aqueles em que projetos são aprovados pelas comissões, sem apreciação pelo Plenário. Também há procedimentos que não seguem totalmente os padrões da aprovação, como é o caso da lei orçamentária.
O processo legislativo é deflagrado por quaisquer pessoas ou órgãos listados no art. 61 e a proposta é apreciada por uma Casa Legislativa (em geral, Câmara dos Deputados) e revisada por outra (em geral, Senado Federal), antes da sanção ou veto pelo Presidente da República. Em cada uma delas, consoante disposto no art. 58, são constituídas comissões temáticas, que se reúnem para discussão e votação pela perspectiva da área correspondente. Ato contínuo, a propositura é submetida à deliberação do plenário, onde se reúnem todos os membros da Casa para deliberação derradeira, ocasião em que poderão ser apresentadas também emendas, de natureza supressiva, aglutinativa, substitutiva, modificativa, aditiva ou de redação. Tramitando em regime de urgência, a deliberação deve ocorrer em 45 dias, sobrestando-se todas as demais deliberações legislativas, a teor do art. 64, § 2º.
Às comissões, além de discutir e votar proposições legislativas, convocar Ministros de Estado, solicitar depoimento de autoridades e cidadãos, compete também realizar audiências públicas (art. 58, II). São espaços de debate entre autoridades públicas e sociedade civil acerca de pautas relevantes para o bem-estar coletivo. Numa democracia, a participação popular não pode ficar adstrita ao sufrágio; imperiosa também a gestão da coisa pública e dotar a sociedade dos meios de participação plena no processo decisório permite a aferição de valores que se embatem na situação concreta. Com a construção de espaços adequados, alcança-se, dessa forma, um novo patamar de qualidade nas decisões públicas, ampliando-se o conhecimento sobre as repercussões da ação estatal em dado contexto e agregando-se o saber técnico ao saber comum .
Ainda nos termos da Constituição Federal, o Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro (art. 57, caput). É possível, todavia, ocorrer convocação extraordinária em caso de decretação de estado de defesa ou de intervenção federal, de pedido de autorização para a decretação de estado de sítio e para o compromisso e a posse do Presidente e do Vice-Presidente da República; ou em caso de urgência ou interesse público relevante. Na sessão extraordinária, o Legislativo somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado, ressalvadas medidas provisórias em vigor e pendentes de votação (art. 57, § 7º).
A autonomia legislativa dos entes federativos, conforme consagrado entendimento do Supremo Tribunal Federal, é limitada à incidência do princípio da simetria, que consiste em seguir tanto quanto possível os modelos normativos constitucionalmente estabelecidos. O Município de São Paulo fez constar em sua Lei Orgânica regras similares. A iniciativa cabe, de forma geral, a qualquer membro ou comissão da Câmara Municipal, ao Prefeito e aos cidadãos, variando requisitos a depender de emenda à Lei Orgânica ou de lei (art. 36, caput, e 37, caput). Tanto uma, quanto outra, requer votação em dois turnos, quórum de aprovação variável conforme matéria (art. 36, § 2º, e 40, §§ 1º, 3º, 4º e 5º) e, eventualmente, audiências públicas (art. 41).
Tal como na Constituição Federal, na Lei Orgânica do Município de São Paulo também é prevista a constituição de comissões para deliberação de proposições legislativas, fiscalização dos atos do Executivo, convocação de Secretários Municipais, solicitação de depoimentos de autoridades e cidadãos, entre outras competências. Merece pontuar a realização de audiências públicas (art. 32, § 2º, VIII), obrigatória nas matérias que versarem sobre plano diretor; plano plurianual; diretrizes orçamentárias; orçamento; matéria tributária; zoneamento urbano; geoambiental e uso e ocupação do solo; Código de Obras e Edificações; política municipal de meio ambiente; plano municipal de saneamento; sistema de vigilância sanitária, epidemiológica e de saúde do trabalhador; e atenção relativa à Criança, ao Adolescente e ao Jovem (art. 41, caput). Para outras matérias, necessário o requerimento de 0,1% de eleitores do Município (art. 41, § 2º). Também poderão as comissões ouvir representantes de entidades legalmente constituídas, ou representantes de no mínimo 1.500 eleitores do Município que subscrevam requerimento, sobre assunto de interesse público, sempre que essas entidades ou eleitores o requererem (art. 32, § 3º).
Importa notar que as regras traçadas pela Lei Orgânica do Município apenas estabelecem os elementos principais do processo legislativo e não adentram, em minúcias, na forma de tramitação de proposituras legislativas. Este papel de disciplinar questões específicas é dado ao Regimento Interno, principal fonte do direito parlamentar, sendo, nesta Edilidade, instituído pela Resolução 2/1991. É nele, por exemplo, que se encontram, no que se refere ao processo legislativo, normas sobre comissões (composição, trabalhos, pareceres, reuniões), plenário (uso da palavra, sessões ordinárias e extraordinárias, sessões solenes e secretas), proposições (requerimentos, moções, projetos, substitutivos, emendas), debates e deliberações (discussão, votação), entre outras.
2.2. Da adoção da forma eletrônica
Como se viu, nem a Constituição Federal, nem a Lei Orgânica do Município de São Paulo se ocuparam com a possibilidade de adoção de forma eletrônica no processo legislativo. Com efeito, cuida-se de tema de natureza procedimental, sendo conveniente à própria Casa Legislativa discipliná-lo, de acordo com suas peculiaridades.
Na redação original, previa o art. 132 do Regimento Interno que as sessões da Câmara Municipal de São Paulo poderiam ser de quatro tipos, sendo as principais as ordinárias e as extraordinárias. As sessões ordinárias são os periódicos encontros de membros da Casa para uso da palavra por Vereador para exposição de assunto de livre escolha (Pequeno e Grande Expediente); inclusão de projetos na pauta, convocação de Secretário, constituição de comissões temporárias e monções (Prolongamento do Expediente); e discussão e votação de projetos, pareceres e recursos (Ordem do Dia) (art. 151 a 182). As sessões extraordinárias são aquelas convocadas pelo Presidente, mediante requerimento de um terço de Vereadores ou pelo Prefeito e podem ser diurnas ou noturnas, antes ou depois das ordinárias nos próprios dias destas, ou em qualquer outro dia, inclusive domingos, feriados e dias de ponto facultativo (art. 183).
A Resolução 1, de 5 de abril de 2019, inseriu no Regimento Interno quinto tipo de sessão: a “extraordinária virtual”, para as seguintes hipóteses:
Art. 183-A. Poderão ser convocadas sessões para deliberação de matérias por sistema virtual de discussão e votação, quando se tratar de:
I – projetos de lei que visem instituir datas comemorativas e eventos no Calendário de Eventos da Cidade de São Paulo;
II – projetos de lei que visem denominar as vias e logradouros públicos, obedecidas as normas urbanísticas aplicáveis;
III – projetos de decreto legislativo que visem à concessão de título de cidadão honorário ou qualquer outra honraria ou homenagem;
Aludido dispositivo inaugurou o uso da tecnologia por esta Edilidade como ferramenta que concretiza o princípio da eficiência, incidente não só nas atividades administrativas, como parlamentares também. O ambiente virtual oferece a vantagem de que possa o Vereador estar simultaneamente presente nele e nas sessões presenciais (§ 3º), garantindo sua participação por meio de sistema de certificação digital por período não inferior a sete dias úteis (§ 9º), ao mesmo tempo em que assegura sua atuação parlamentar na discussão das matérias (§ 5º), bem como a apresentação de substitutivos e emendas (§§ 7º e 8º). A novidade ficou restrita a proposições que, além de se tratar de uma das hipóteses previstas no caput, não impliquem criação ou aumento de despesa, nem se enquadrem nas hipóteses do caput do art. 295 (§ 12).
Posteriormente, outra hipótese de deliberação de projetos por sistema virtual foi aberta, visando a atender às restrições impostas pela pandemia da Covid-19 no cotidiano das pessoas, de conhecimento público. A Resolução 3, de 17 de março de 2020, incluiu os seguintes dispositivos no Ato das Disposições Transitórias do Regimento Interno:
Art. 4º-D. Enquanto perdurar a situação emergencial de saúde pública do Covid-19, os projetos de lei do Executivo e do Legislativo que versarem sobre essa matéria tramitarão em regime de urgência e poderão ser deliberados por meio do sistema virtual, em sessões extraordinárias.
Art. 4º-E. Inclui-se, como hipótese de motivo justo previsto no art. 111, § 1º do Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo, a ausência justificada dos Vereadores maiores de 60 (sessenta) anos, gestantes e aqueles portadores de doenças crônicas ou imunodeprimidos, enquanto perdurar a situação emergencial de saúde pública do Covid-19.
Art. 4º-F. Ficam suspensas as Sessões Ordinárias e as Reuniões Ordinárias de Comissões a serem realizadas na Câmara Municipal de São Paulo pelo prazo de 45 (quarenta e cinco) dias a partir do dia 19 de março de 2020, enquanto perdurar a situação emergencial de saúde pública do Covid-19.
§ 1º Ficam mantidas as atividades de fiscalização da atuação do Poder Executivo pelos Vereadores.
§ 2º O prazo de suspensão de que trata o caput do presente artigo será fracionado em três períodos de 15 (quinze) dias, podendo ser cancelada a suspensão, após cada período, mediante convocação dos Vereadores pela Mesa Diretora.
§ 3º Ficam suspensos os prazos de funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito enquanto mantida a suspensão de que trata este artigo.
§ 4º Se a suspensão de que trata este artigo perdurar por 30 (trinta) dias ou mais, ficará suspenso o período de recesso parlamentar durante o mês de julho de 2020, conforme previsto no art. 153 do Regimento Interno.
O Precedente Regimental 1, de 20 de março de 2020, fixou o rito especial para aprovação de projetos que tratarem de matérias relacionadas à Covid-19, prevendo a prática de atos pelas comissões através do Sistema de Plenário Virtual (SPV). Veja-se que tramitarão apenas projetos de lei que versarem sobre a situação de emergência de saúde pública de Covid-19, cujas deliberações se farão por sistema virtual, em sessões extraordinárias, ficando todas as sessões ordinárias e reuniões ordinárias das comissões suspensas. Cuida-se de alternativa que atende à necessidade de distanciamento social de todos, sobretudo de maiores de 60 anos, gestantes e portadores de doenças crônicas ou imunodeprimidos, que formam o grupo mais suscetível às complicações da doença que podem resultar em óbito.
Todavia, em relação à possibilidade de adoção de forma eletrônica nas reuniões, o Regimento Interno foi omisso. Estabelece o art. 57 apenas que as comissões permanentes podem se reunir (a) ordinariamente, uma vez por semana, em dia e hora por ela designados (ou quinzenalmente, no caso de comissões extraordinárias), e (b) extraordinariamente, sempre que necessário, mediante convocação, por escrito, quando feita de ofício pelos respectivos presidentes ou a requerimento da maioria dos membros da comissão, mencionando-se, em ambos os casos, a matéria que deva ser apreciada. Também é previsto que, quando a Câmara estiver em recesso, as reuniões extraordinárias só versarão tratar de assunto relevante e inadiável (§ 1º), e que as comissões não poderão reunir-se durante o transcorrer de sessões ordinárias, ressalvadas as exceções expressamente previstas (§ 2º).
O mesmo se passa com as audiências. O art. 85 dispõe que, sem prejuízo de proposta de quaisquer dos membros da comissão ou a pedido de entidades interessadas, a providência terá lugar para projetos de lei em tramitação, nos casos do art. 41 da Lei Orgânica do Município; outros projetos de lei em tramitação, sempre que requeridas por 0,1% de eleitores do Município; assunto de interesse público, especialmente para ouvir representantes de entidades legalmente constituídas e representantes de, no mínimo, 1.500 eleitores do Município, sempre que essas entidades ou eleitores o requererem; e para atender o previsto no art. 320 do Regimento Interno.
Nas hipóteses obrigatórias, a teor do art. 86, as comissões poderão convocar uma só audiência englobando dois ou mais projetos de lei relativos à mesma matéria; a Mesa obrigar-se-á a promover a publicação do anúncio da audiência solicitada pela comissão competente, em pelo menos dois jornais de grande circulação; e a comissão selecionará para serem ouvidas as autoridades, os especialistas e pessoas interessadas, cabendo ao seu presidente expedir os convites. A audiência pública deve permitir a oitiva de diversas correntes de opinião, assegurando ao autor do projeto ou convidado exposição por 20 minutos e ao Vereador ou interessado interpelação por 3 minutos.
A interpretação dada ao Regimento no Precedente Regimental nº 1/2020 parece denotar que as audiências públicas em principio só poderiam ser realizadas presencialmente, uma vez que preconiza em seu item 7: “Excepcionalmente, fica dispensada a obrigatoriedade de realização de audiências públicas, nas hipóteses previstas no artigo 41 da Lei Orgânica do Município de São Paulo” (item 7).
Na dicção regimental, o uso do sistema virtual, em suma, é previsto unicamente para discussão e votação de proposituras legislativas de menor envergadura (art. 183-A) e relacionadas à situação de emergência provocada pela pandemia da Covid-19 (art. 4º-D do Ato de Disposições Transitórias). É sabido que medida de exceção não comporta interpretação extensiva, cingindo-se àquelas situações que se subsumem à prescrição legal. Entretanto, a análise não se esgota aí, pois o Regimento Interno nada mais é do que um conjunto de normas infralegais, cuja interpretação exige a consideração de todas as normas superiores.
2.3. Da hermenêutica jurídica no contexto de emergência de saúde pública da Covid-19
O ano de 2020 impôs uma nova realidade. A pandemia global da Covid-19, doença causada pelo recém-descoberto coronavírus SARS-CoV-2, obrigou países do mundo inteiro a adotarem distanciamento social, indicado pela Organização Mundial da Saúde como protocolo de prevenção e contenção da escala de contágio, com o fim de “achatar a curva de contágio da doença”, preservando a capacidade operacional do sistema de saúde, que, de outro modo, ficaria sobrecarregado com o aumento abrupto do número de infectados.
O Brasil, por óbvio, não escapou da propagação viral e, por meio da Lei Federal 13.979/2020, dispôs sobre normas de enfrentamento à Covid-19, bem como, por meio da Portaria 454/2020, do Ministério da Saúde, declarou estado de transmissão comunitária. Governadores e Prefeitos, então, adotaram uma série de medidas restritivas, desde suspensão de aulas nas escolas, passando por interrupção de atividades culturais e esportivas, até fechamento de shoppings, comércios e parques, com as quais nem sempre o Presidente da República manifestou concordância, instaurando-se um conflito federativo.
O Supremo Tribunal Federal, em medida cautelar, considerou que todos os entes federativos possuem competência comum de polícia sanitária, a teor do art. 23, II, da Constituição Federal, razão pela qual a Medida Provisória 926/2020 – cuja inconstitucionalidade era arguida na ação – não afasta atos a serem praticados em nível estadual, distrital e municipal (Pleno, ADI-MC 6.341/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 15/04/2020). Em outra ação (ADPF 672/DF), no dia 08/04/2020, o Min. Alexandre de Moraes concedeu parcial liminar para assegurar a autonomia desses entes federativos, independentemente de superveniência de ato federal em sentido contrário, ante a competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII), cabendo aos Municípios a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local (art. 30, II).
O número de casos confirmados e de óbitos cresce no Brasil exponencialmente. O Estado de São Paulo, como de conhecimento público, é o epicentro da doença no país, razão pela qual o Senhor Governador determinou, por meio do Decreto Estadual 64.881/2020, a restrição de uma série de atividades (art. 1º, caput), restando recomendado que a circulação de pessoas se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercício de atividades essenciais (art. 4º). No âmbito do Município de São Paulo, medidas restritivas também foram a opção do Senhor Prefeito, mediante Decreto Municipal 59.283/2020. A Câmara Municipal de São Paulo, em relação ao funcionamento de suas atividades, também seguiu o mesmo caminho com fechamento da sede ao público (Ato 1.461/2020) e suspensão da atividade presencial de servidores, privilegiando-se o teletrabalho como regra (Ato 1.464/2020).
A restrição à aglomeração de pessoas em espaços confinados, assim, não pode ser tida como ilegal, já que tem respaldo na Lei Federal 13.979/2020 e também na Constituição Federal, conforme jurisprudência da Suprema Corte citada anteriormente (ADI 6.341 e ADPF 672). E, além de tudo, é necessária, de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde. As dificuldades que se impõem nas atividades parlamentares em virtude das medidas de distanciamento social precisam, pois, ser contornadas de acordo com o ordenamento jurídico. A assertiva parece intuitiva, mas merece algumas considerações.
Disse-se anteriormente que o Regimento Interno desta Edilidade não prevê forma eletrônica de audiência pública, apenas de deliberação de projetos sobre matérias determinadas, o que levou à edição do Precedente Regimental 1/2020, dispensando-a, mesmo nas hipóteses obrigatórias previstas no art. 41 da Lei Orgânica do Município. Tal proceder, porém, não encontra eco no ordenamento jurídico brasileiro, porquanto, nos termos do o art. 39 da Constituição Federal, a Lei Orgânica é a espécie normativa apta a reger o Município. É defeso qualquer outra lei ou ato normativo contrariá-la.
Outras leis também preveem obrigatoriedade de audiências públicas. O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), por exemplo, estabelece a sua realização no processo de elaboração do plano diretor (art. 39, § 4º). A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal 101/2000) também preconiza sua obrigatoriedade para avaliação de cumprimento de metas fiscais pelo Executivo (art. 9º, § 4º), bem como no processo de elaboração de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos (art. 48, § 1º).
Vale destacar que o Tribunal de Justiça de São Paulo reconhece a imprescindibilidade de audiências públicas, quando a lei assim exigir, sob pena de nulidade do processo legislativo respectivo.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Complementar nº 714, de 05 de agosto de 2015, do Município de Atibaia, com redação dada pela Lei Complementar nº 796, de 29 de janeiro de 2019, do mesmo Município que “institui a legislação de uso e ocupação do solo da Estância de Atibaia”. Apontada ausência de participação popular. Inocorrência. Audiências Públicas que se realizaram em mais de uma oportunidade, todas precedidas de convocação por Diário da região. Oferta de Emendas ao Projeto de Lei posteriores à realização das audiências públicas que não as invalida. Audiências Públicas que tem por escopo o debate de ideias sobre o projeto pré-estabelecido para eventual alteração, suplementação ou até mesmo aperfeiçoamento da ideia original, sem caráter vinculante. Precedentes do C. Órgão Especial neste sentido. (..) Ação improcedente.” (TJSP, Órgão Especial, ADI 2146956-87.2019.8.26.0000, rel. Des. Xavier Aquino, j. 11/12/2019).
Logo, não se vislumbra que possa a Câmara Municipal de São Paulo deixar de realizar audiências públicas, mormente nas hipóteses obrigatórias. A ausência de previsão regimental não lhe impede realizar o ato que assegure, a um só tempo, transparência, isto é, conhecimento prévio do texto que será objeto de debate, e efetiva participação popular, por meio de ciência prévia à população do formato, horário e demais detalhes em que serão realizadas, além dos canais de participação. Tendo em vista o quadro de gravíssima crise sanitária e a imprescindibilidade de se evitar aglomeração de pessoas, é inescapável o uso de ferramentas não tradicionais; o que é interditado fazer é não cumprir o comando legal.
Nesse sentido têm se manifestado diversos órgãos e entes do país. Exemplo disso é o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que, por meio do Comunicado SDG nº 17/2020, de 23 de abril de 2020, orienta que os Conselhos de Saúde realizem suas reuniões e audiências públicas por meio de ferramentas tecnológicas, v.g. videoconferência, enquanto perdurar a situação de calamidade pública. Não há orientação a que as audiências públicas sejam suspensas, mesmo nos casos que envolvem o âmbito do Poder Executivo.
Também vale citar o Conselho Estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Conema), que autorizou a realização de audiências públicas, por videoconferência, para aprovação de relatórios de EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental) necessário para construção de autódromo do Rio de Janeiro. Do mesmo modo, o Conselho Diretor da Anatel, por meio de circuito deliberativo, aprovou a realização de audiência pública da proposta de Regulamento de Continuidade da Prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado Destinado ao Uso Público em Geral (RCON) e da alteração do Contrato de Concessão, por meio de videoconferência.
No âmbito do Poder Legislativo, podem-se citar as audiências públicas por videoconferência promovidas pela Assembleia Legislativa do Estado de Piauí em 01/04/2020 e pela Câmara Municipal de Campinas em 07/04/2020 . Mas a situação da Câmara dos Deputados merece realce, pois, a exemplo da Câmara Municipal de São Paulo, seu Regimento Interno também não dispõe sobre uso da videoconferência para realização de audiências públicas (embora haja projetos em trâmite visando suprir a lacuna), o que não impediu que uma comissão procedesse dessa forma em 24/03/2020 .
Veja-se que não há entrave jurídico para a providência. Regimentos internos dos órgãos legislativos não se sobrepõem à lei; quando a audiência pública decorrer de exigência legal, a ela o órgão responsável não poderá se furtar. Na impossibilidade de se fazer presencialmente, a alternativa que se abre é a de se fazer remotamente, mormente por meio de plataformas digitais (como Zoom, Google Meet, Google Hangouts, Facebook, YouTube, Instagram etc.), de que o Poder Público pode se valer – observado, claro, aquela que melhor atender à lei – para transmissão do evento, bem como para interagir com espectadores.
Nesse passo, a mesma solução pode ser adotada para discussão e votação de proposições legislativas. A despeito do Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo permitir o uso do sistema virtual somente quando se tratar de projetos de lei que visem instituir datas comemorativas e eventos, denominar as vias e logradouros públicos, e conceder título de cidadão honorário, bem como projetos que versem sobre situação emergencial de saúde pública de Covid-19, a legislação não impede que o funcionamento do Legislativo possa contar com ferramentas digitais.
Com efeito, o processo legislativo atrai a incidência de uma série de princípios, dentre os quais o princípio da economia processual, que impõe celeridade e uso racional dos recursos disponíveis, obrigando a Casa Legislativa a executar adequadamente todas as etapas processuais, sem desperdício de tempo e trabalho. As transformações promovidas pela revolução digital nos últimos anos aproximaram todos os atores sociais, facilitando a interação entre eles, permitindo a realização remota de diversas atividades e evitando consumo de papeis, energia elétrica e outros insumos. Seria contrassenso não reconhecer que o Poder Público pudesse se valer do instrumental tecnológico para aperfeiçoamento de suas ações.
Entretanto, uma ressalva importante merece ser feita. É que a própria Lei Orgânica do Município de São Paulo, diferentemente do que faz com audiências públicas, relegou expressamente ao Regimento Interno a disciplina sobre sessões legislativas:
Art. 29. A Câmara Municipal reunir-se-á anualmente em sua sede, em sessão legislativa ordinária, de 1.º de fevereiro a 30 de junho, e de 1.º de agosto a 15 de dezembro.
§ 1.º A sessão legislativa ordinária não será interrompida sem a aprovação dos projetos de lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento.
§ 2.º A Câmara se reunirá em sessões ordinárias, extraordinárias ou solenes, conforme dispuser o seu Regimento Interno.
§ 3.º As sessões extraordinárias serão convocadas, na forma regimental, em sessão ou fora dela, e, neste caso, mediante comunicação pessoal e escrita aos Vereadores, pelo Presidente da Câmara, com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas.
§ 4.º As sessões extraordinárias e solenes não serão, em hipótese alguma, remuneradas.
O disposto no art. 29, § 1º, corrobora com a liberdade que a Casa Legislativa tem para, no exercício de sua competência privativa, dispor sobre sua organização e funcionamento (art. 14, III). Essa liberdade, frise-se, foi exercida quando, diante do excepcional quadro pandêmico de dimensões globais, editou-se a Resolução 3/2020 para suspender as sessões ordinárias, realizando-se as extraordinárias para deliberação de projetos de lei pertinentes à Covid-19. Além disso, sendo vedada a inclusão na pauta de qualquer matéria estranha ao motivo da convocação para sessão extraordinária (art. 31, § 2º), não é possível a deliberação de projetos que não tenham relação com a atual situação de emergência de saúde pública.
É bem verdade que já assentou o Supremo Tribunal Federal que dispositivos regimentais constituem ato interna corporis do órgão legislativo, portanto, insindicável pelo Judiciário, por força do princípio da separação de Poderes (STF, Pleno, AgRgMS 35.581/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 15/06/2018). Entretanto, no âmbito do controle interno, o exame da questão deve inexoravelmente considerar o disposto no Regimento Interno, em especial porque sua remissão é feita expressamente pela Lei Orgânica do Município, esta sim submetida a controle jurisdicional. Além do mais, deliberar matérias que não justificaram a convocação de sessão extraordinária viola também o art. 57, § 7º, da Constituição Federal, sendo perfeitamente passível de impugnação judicial.
Sem embargo, convém ressaltar que o disposto no art. 4º-D do Ato de Disposições Transitórias não constitui obstáculo intransponível à deliberação de proposituras não relacionadas à Covid-19 em sessões extraordinárias. O que se veda, nos termos regimentais, são duas situações: (i) realização de sessões ordinárias no período de situação de emergência de saúde pública e (ii) discussão e votação de matérias diversas para as quais a Casa Legislativa foi convocada extraordinariamente. Nem o Regimento Interno, nem a legislação proíbem a realização de sessões extraordinárias para fins diversos das demandas geradas pela pandemia, o que se normalmente dá – daí o caráter extraordinário – quando há uma matéria que precisa ser deliberada urgentemente.
O Regimento Interno, como dito antes, limitou-se a admitir o uso do sistema virtual apenas nas hipóteses do art. 183-A, qualificando tais sessões de “extraordinárias virtuais”. Nesse ponto, vale observar que o termo “extraordinário” foi impropriamente empregado, pois as matérias já estão predefinidas, de modo que as sessões para sua deliberação são genuinamente ordinárias, diferenciando-se somente na forma. O caráter extraordinário, em verdade, decorre das circunstâncias do caso concreto, que reclamam discussão e votação fora do período destinado para tanto e, por isso, não pode ser antevisto. Não à toa que o art. 183, ao cuidar das sessões extraordinárias, não delimitou matérias, apenas os sujeitos competentes à sua convocação.
Cenário excepcional exige medidas excepcionais. Havendo proposições que, embora não guardem relação com a Covid-19, demandam deliberação urgente porque visam a atender a um interesse público iminente, é autorizada a convocação de sessão extraordinária, nos termos do art. 183 do Regimento Interno. Entendimento diverso contrariaria toda a organização de normas sobre o funcionamento do Poder Legislativo, não se podendo admitir interpretações que conduzam à paralisia desta Edilidade.
Uma vez admitidas sessões extraordinárias com fundamento no art. 183, e não no art. 183-A do Regimento Interno, enquanto durar a situação de emergência, outro desafio que se coloca é a forma de deliberação. Aqui também é imperiosa uma interpretação que fuja da literalidade da norma. Despiciendo dizer que o distanciamento social como medida profilática é crucial neste momento em que infecções e óbitos crescem rapidamente e afrontaria a razoabilidade se pudessem os Vereadores se reunir na sede da Câmara Municipal. As circunstâncias fáticas impedem a realização de sessão na exata dicção do art. 183.
É perfeitamente possível a aplicação da analogia para as sessões extraordinárias. Entende-se por “analogia” aquele procedimento pelo qual se atribui a um caso não regulado a mesma disciplina de um caso regulado de maneira semelhante. Na lição de Norberto Bobbio, “a analogia é o mais típico e o mais importante dos procedimentos interpretativos de um determinado sistema normativo: é aquele mediante o qual se manifesta a tendência de todo sistema jurídico a expandir-se para além dos casos expressamente regulados” . Portanto, é viável a aplicação do rito previsto no art. 183-A para o art. 183, eis que ambos os dispositivos versam sobre sessão legislativa. Se existe forma eletrônica até para sessão ordinária (que o Regimento Interno chama impropriamente de “extraordinária virtual”), quanto mais deveria existir para sessão extraordinária.
Oportuno trazer à baila o exemplo da Câmara dos Deputados, que, em 31/03/2020, realizou sessão com sistema de votação remota para deliberação de cinco projetos de lei , mesmo inexistindo essa forma no seu Regimento Interno. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, desde 24/03/2020, também vem adotando esse sistema para deliberar projetos em sessões extraordinárias . O mesmo se dá com os Estados de Sergipe e Espírito Santo , sempre em caráter inédito.
Igual raciocínio se aplica a reuniões de comissões. A ausência de previsão regimental não impede o uso do meio virtual. A única restrição é que sejam as reuniões realizadas extraordinariamente, “sempre que necessário, mediante convocação, por escrito, quando feita de ofício pelos respectivos Presidentes ou a requerimento da maioria dos membros da Comissão, mencionando-se, em ambos os casos, a matéria que deva ser apreciada” (art. 57, II).
Uma vez cessada a situação de emergência de saúde pública da Covid-19 e retomadas as atividades regulares da Câmara Municipal de São Paulo, a reflexão que pode ficar é sobre a possibilidade de adoção de forma eletrônica como regra, seja para sessões ordinárias, extraordinárias, solenes ou permanentes, bem como para audiências públicas. Diversos pensadores têm se debruçado sobre o mundo pós-pandemia e há um relativo consenso de que mudanças que já estavam em curso serão antecipadas, como o trabalho remoto.
Diante das excepcionais circunstâncias em que vivemos, entrevê-se que as soluções só podem ser buscadas a partir de um esforço hermenêutico do Regimento Interno. Sem prejuízo das considerações ora explanadas, é recomendável sua atualização, não só para conferir segurança jurídica e tratamento uniforme nos novos procedimentos a serem adotados, mas, sobretudo, para contemplar uma nova realidade que se abre.
3. DA CONCLUSÃO
Isto posto, em resposta ao requerimento da douta Comissão de Finanças e Orçamento desta Casa, opina-se pelo seguinte:
Quanto às reuniões de Comissões:
a) durante o período de emergência, podem ser convocadas apenas reuniões extraordinárias, na forma do art. 4º-F do Ato de Disposições Transitórias do Regimento Interno;
b) nas reuniões extraordinárias das Comissões podem ser tratadas quaisquer matérias, com fundamento nos arts. 57, II do Regimento;
c) admite-se o sistema virtual para essas reuniões, aplicando-se analogicamente o rito previsto no art. 183-A, do Regimento Interno.
Quanto às audiências públicas:
a) é possível a realização de audiências públicas de modo virtual em todas as matérias que tramitam em regime de urgência OU que estejam relacionadas à Covid-19. O item 7 do Precedente Regimental n° 1/2020 não tem o condão de afastar a necessidade de audiências públicas quando a Lei Orgânica a exige, e não há óbice à realização de audiências públicas de forma eletrônica, inclusive pelas mídias sociais, desde que asseguradas a transparência e a efetiva participação popular, enquanto durar a situação de emergência de saúde pública da Covid-19;
b) para realizar audiências públicas VIRTUAIS em projetos NÃO relacionadas à Covid-19 e tramitados em regime de urgência, RECOMENDA-SE ALTERAÇÃO REGIMENTAL OU AO MENOS PRECEDENTE REGIMENTAL QUE O ADMITA, conforme rito a ser observado em consonância às normas que regem o instituto das audiências publicas.
Por outro lado, a persistência da situação de emergência em saúde pública e a continuidade da recomendação de isolamento social pode recomendar a continuidade das atividades legislativas, com deliberações em sistema virtual mesmo de proposituras não urgentes ou não relacionadas à Covid-19. Para tanto, além do suporte técnico, que já se mostrou eficiente, é necessária alteração do Regimento Interno para possibilitar, ao menos durante esse período, a retomada das reuniões ordinárias das Comissões, ou a adoção de forma eletrônica para todas as etapas do processo legislativo, inclusive sessões, independentemente de sua natureza, assim como a realização de audiências públicas relativas a quaisquer matérias. Nesse sentido, segue anexo, a título de sugestão, Projeto de Resolução.
É o parecer que submeto ao elevado descortino de V. Sª.
São Paulo, 4 de maio de 2020.
Renato Takashi Igarashi
Procurador Legislativo
OAB/SP 222.048
Cíntia Laís Corrêa Brosso
Procuradora Legislativa
OAB/SP 319.729
Ref.: Memorando 016/2020 – 36º GV
Assunto: REQUEIRIMENTO 26/2020 da Comissão de Finanças e Orçamento
Possibilidade de deliberação e tramitação de proposituras legislativas, de maneira geral, na forma digital e por meio de sistema virtual nas Comissões do Processo Legislativo, conforme deliberado na reunião de líderes ocorrida no dia 28/04/20. Legalidade para a realização de Audiências Públicas pelas mídias digitais e por meio do sistema virtual nas Comissões. Para realização de audiências publicas vurtuais não relacionadas à Covid recomenda-se consulta à SGP e eventual projeto de resolução.
À Comissão de Finanças e Orçamentos
Sr. Presidente,
Encaminho o Parecer ASS nº 2/2020, elaborado pelo dr. Renato Takashi Igarashi e pela Dra. Cíntia Laís Corrêa Brosso, que avalizo.
Em resposta à consulta formulada, o parecer conclui em síntese que, quanto às reuniões de Comissões:
a) durante o período de emergência, podem ser convocadas apenas reuniões extraordinárias, na forma do art. 4º-F do Ato de Disposições Transitórias do Regimento Interno;
b) nas reuniões extraordinárias das Comissões podem ser tratadas quaisquer matérias, com fundamento nos arts. 57, II do Regimento;
c) admite-se o sistema virtual para essas reuniões, aplicando-se analogicamente o rito previsto no art. 183-A, do Regimento Interno.
Com efeito, nos termos do art. 4º-F da Resolução n° 3/2020 ficou estabelecido:
Art. 4º-F. Ficam suspensas as Sessões Ordinárias e as Reuniões Ordinárias de Comissões a serem realizadas na Câmara Municipal de São Paulo pelo prazo de 45 (quarenta e cinco) dias a partir do dia 19 de março de 2020, enquanto perdurar a situação emergencial de saúde pública do Covid-19. (Vide Resolução da CMSP nº 04, de 24 de abril de 2020)
§ 1º Ficam mantidas as atividades de fiscalização da atuação do Poder Executivo pelos Vereadores.
Nada obsta, portanto, a realização de reuniões extraordinárias das Comissões. Estas são tratadas no Regimento interno no art. 57, in verbis:
Art. 57 – As Comissões Permanentes reunir-se-ão:
I – ordinariamente, uma vez por semana, em dia e hora por ela designados, após deliberação tomada nos termos do art. 62, e as Comissões Extraordinárias, de caráter permanente, reunir-se-ão quinzenalmente;(NR) (Redação dada pela Resolução nº 01 de 03 de abril de 2019)
II – extraordinariamente, sempre que necessário, mediante convocação, por escrito, quando feita de ofício pelos respectivos Presidentes ou a requerimento da maioria dos membros da Comissão, mencionando-se, em ambos os casos, a matéria que deva ser apreciada.
§ 1º – Quando a Câmara estiver em recesso, as Comissões só poderão reunir-se em caráter extraordinário, para tratar de assunto relevante e inadiável.
(..)
Portanto, tal como aludido no Colégio de Líderes, as Comissões permanentes podem se reunir extraordinariamente e tratar quaisquer das matérias previamente aludidas em sua convocação por escrito. Só haveria restrição quanto ao assunto (relevante e inadiável) se a reunião extraordinária fosse convocada no recesso (§ 1º do art. 57 do Regimento), o que não é caso.
Assim, a analogia com o art. 183-A não inclui a restrição de matérias, nem tampouco as mesmas ferramentas adotadas para o Plenário virtual. Com efeito, nas reuniões extraordinárias individualizadas das Comissões vem ocorrendo por meio do Microsoft Teams, sem que as discussões e votações sejam feitas pelo Sistema de Plenário Virtual com e-cpf, mas de forma mais ágil por votação nominal na própria videoconferência. Deste modo, a reunião virtual reproduz a dinâmica da reunião presencial, inclusive com a possibilidade de obstrução dos trabalhos por qualquer dos membros.
Quanto às audiências públicas, o parecer ora avalizado conclui que é possível a realização de audiências públicas de modo virtual em todas as matérias que tramitam em regime de urgência OU que estejam relacionadas à Covid-19.
Todavia, considerando a persistência da situação de emergência e calamidade pública bem como as recomendações sanitárias quanto ao isolamento social, cabe acrescentar que não se vislumbra óbice à realização de audiências publicas virtuais relativas às prestações de contas de metas fiscais quadrimestrais ou a projetos que têm prazo legal pra serem aprovados, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
De fato, o Poder Judiciário tem respaldado sistemas virtuais que favoreçam a continuidade dos trabalhos das instituições de Estado – como os do Poder Legislativo – sempre em consonância com os princípios de ordem pública que regem o seu funcionamento. Registre-se, a propósito, trecho da decisão do I. Desembargador Jacob Valente, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo , em que ponderou:
Com efeito, é fato mais que notório que a pandemia do covid-19 está impondo severíssimas restrições para a aglomeração de pessoas em espaços confinados, o que tem levado a medidas extremas de isolamento social, quarentenas de pessoas com sintomas suspeitos ou diagnóstico confirmado, bem como a potencialização do trabalho em sistema de ‘home office’, vídeo-conferência e outros meios tecnológicos que permitam o fluxo de serviços sem o contato humano. Nesse cenário, diante das premissas da Lei Federal 13.979/2020, não se pode taxar de ilegal a decisão dos órgãos de Estado que, para dar enfrentamento aos muitos desafios desse quadro quase apocalíptico, a reunião em plenários virtuais, como tem acontecido no Poder Judiciário, Executivo e, principalmente, Legislativo, como por exemplo na votação do Decreto de Calamidade Pública pelo Congresso Nacional, que permitirá a flexibilização do teto de gastos para que o Governo Federal possa enfrentar essa crise sanitária de reflexos sociais e econômicos ainda não mensuráveis. Nesse escopo, o Decreto Municipal nº 59.283/2020 apenas reproduz o cenário federal, e, medidas tomadas virtualmente, ou seja, votação isolada sem a participação presencial da população, não passarão indenes da apreciação deste Poder Judiciário: nesse caso, o controle não será preventivo, mas repressivo. Obviamente, não há que se falar em ‘direito líquido e certo’ nesse contexto de anormalidade, onde contratos de trabalhos poderão ser flexibilizados para garantia de uma economia minimamente sustentável até a desejável curva de decrescimento mundial da pandemia e a tranquilidade advinda de vacina segura e medicamentos eficazes contra os efeitos deletérios da doença. Segundo apurado o sítio eletrônico da Câmara Municipal, foi votado e aprovado texto substitutivo ao Projeto de Resolução nº 14/2001, pelo qual será instalado o plenário virtual para deliberação de projetos em caráter de urgência na área de saúde, dentre outros, em dois turnos de discussão, ficando suspensas as sessões ordinárias pelo prazo inicial de 45 dias (http://www.saopaulo.sp.leg.br/blog/plenariovirtual-garante-atividades-da-camara-durante-pandemia-do-coronavirus/
Tampouco há restrição a realizar audiências públicas virtuais quando não se trata de audiências públicas obrigatórias.
Todavia, caso se pretenda utilizar sistemas virtuais para possibilitar audiências públicas em outras circunstâncias, além das mencionadas, parece-me conveniente, na esteira das conclusões do parecer, precedente Regimental que o respalde ou mesmo expressa previsão regimental.
Finalmente, noto que nos termos do § 4º art. 4º-F da Resolução n° 3/2020 ficou estabelecido que:
§ 4º Se a suspensão de que trata este artigo perdurar por 30 (trinta) dias ou mais, ficará suspenso o período de recesso parlamentar durante o mês de julho de 2020, conforme previsto no art. 153 do Regimento Interno.(Incluído pela Resolução nº 3 de 2020)
A suspensão ocorre desde que as circunstâncias emergenciais também se mantenham presentes, interpretação que também decorre do fato de poder ser cancelada a suspensão, por meio de convocação da Mesa Diretora (art. 4º-F, § 2º).
O prazo de suspensão de que trata o artigo 4º-F, fracionado em três períodos de 15 dias, computando-se o dia do início por expressa previsão legal (19/03 – 02/04; 03/04 – 17/04; 18/04 02/05), teve fim no dia 02 de maio de 2020.
Cuida-se de norma destinada à vigência temporária (art. 2º, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), parcialmente modificada pela Resolução nº 04, de 24 de abril de 2020, para ter seu prazo expressamente prorrogado até o dia 10 de maio de 2020 (art. 3º).
Assim, independentemente de modificação ou de revogação, as Sessões Ordinárias e as Reuniões Ordinárias de Comissões não estarão suspensas a partir desta data.
Aponto, por derradeiro, que se for o caso, a Procuradoria se coloca à disposição para elaborar minuta de Projeto de Resolução que se repute conveniente, em harmonia com as orientações da Secretaria Geral Parlamentar.
São as considerações que faço, em aval ao Parecer ASS nº 2/20, que segue anexo, submetendo-o à elevada apreciação de V. Exa.
São Paulo, 5 de maio de 2020
MARIA NAZARÉ LINS BARBOSA
Procuradora Legislativa Chefe
OAB/SP 106.017