Parecer n° 491/2017

Parecer n.º 491/2017
Ref.: Ofício 1º GV nº 07/2017
TID 16528936

Assunto: Contrato de emergência para a produção de legendas em tempo real e para recursos de audiodescrição – Resolução CMSP nº 07, de 02 de maio de 2017 – Contratação emergencial – Contratação direta – Impossibilidade.

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora:

Trata-se de expediente encaminhado pelo Sr. Coordenador do Centro de Comunicação Institucional desta Edilidade requisitando a elaboração de parecer acerca da possibilidade de atendimento à solicitação formulada pela Nobre Vereadora Adriana Ramalho, deduzida nos seguintes termos:

“Considerando a Resolução nº 07, de maio de 2017, da Câmara Municipal de São Paulo, que dispõe sobre a obrigatoriedade de haver intérprete da Língua Brasileira de Sinais – Libra, recurso de produção de legendas em tempo real – estenotipia e recursos de audiodescrição em todos os eventos realizados nas dependências desta Casa Legislativa, bem como eventos externos por esta realizados;
Considerando o sucesso, a repercussão e a visibilidade que se teve na realização da Audiência Pública ‘Discutindo a LBI Lei Brasileira de Inclusão – Curatela’, realizada no dia 26 de abril, no auditório Prestes Maia, e já pensando na próxima audiência pública a ser realizada no dia 22 de maio de 2017, com o tema ‘Discutindo a LBI – Educação’;
Considerando ainda que existem pessoas com deficiência auditiva que desconhecem Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, e pensando mais uma vez na acessibilidade total;
Solicito que seja providenciado contrato de emergência, para a produção de legendas em tempo real – estenotipia, e para o recurso de audiodescrição, visto que a Câmara Municipal ainda não possui contrato celebrado com estes objetos, para os próximos eventos a ser realizados nesta Casa”.

A partir da análise do requerimento constante do Ofício de lavra da Nobre Vereadora, bem como da manifestação do Sr. Coordenador do Centro de Comunicação Institucional, extrai-se que a consulta formulada visa a análise da viabilidade jurídica da contratação emergencial para a prestação de serviços de produção de legendas em tempo real – estenotipia e para o recurso de audiodescrição, em atendimento à Resolução CMSP nº 07, de 02 de maio de 2017.

Pois bem. A celebração de contratos em caráter emergencial é regulamentada em âmbito federal, estadual e municipal pela Lei Federal nº 8.666/93, que institui normas gerais para licitações e contratos da Administração Pública. O art. 24, inciso IV, da Lei Federal nº 8.666/93 contempla a hipótese de contratação emergencial, assim caracterizando a situação emergencial e as espécies de demandas atendidas por meio da contratação direta dela decorrente:

Art. 24. É dispensável a licitação:
(…)
IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

Vê-se, portanto que as situações contempladas pelo dispositivo são excepcionais, caracterizadas pela urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente de estado emergencial ou calamitoso, tornando necessária a célere contratação, em tempo inferior àquele observado para a tramitação do procedimento licitatório, visando afastar risco de dano a bens ou a saúde ou a vida de pessoas. Nesse sentido são os esclarecimentos de Marçal Justen Filho, ao comentar o dispositivo:

“A hipótese merece interpretação cautelosa. A contratação administrativa pressupõe atendimento às necessidades coletivas e supraindividuais. Isso significa que a ausência de contratação representaria um prejuízo para o bem público. Se inexistisse um interesse em risco, nem caberia intervenção do Estado. A atividade pública não pode ser suprimida ou diferida para o futuro. Afinal, essas são características inerentes à Administração Pública.
Na generalidade dos casos em que dispõe a contratar, o Estado visa evitar um dano potencial a algum bem ou interesse. Uma interpretação ampla do inc. IV acarretaria, por isso, a dispensa de licitação como regra geral. O argumento de urgência sempre poderia ser utilizado. Ora, a ausência de licitação não constitui a regra, mas a exceção. O inc. IV deve ser interpretado à luz desse princípio.
O dispositivo enfocado refere-se aos casos em que o decurso do tempo necessário ao procedimento licitatório normal impediria a adoção de medidas indispensáveis para evitar danos irreparáveis. Quando fosse concluída a licitação, o dano já estaria concretizado. A dispensa de licitação e a contratação imediata representam uma modalidade de atividade acautelatória dos interesses que estão sob a tutela estatal.
(…)
Todos os ramos do Direito contêm regras específicas a propósito de situações emergenciais. No direito público, é ainda maior a relevância do fenômeno. Trata-se de manifestação do instituto do ‘estado de necessidade’. Nele estão abrangidas todas essas situações de excepcionalidade, caracterizadas pelo risco de danos em virtude de demora na adoção de uma providência acauteladora destinada a impedir o sacrifício de bens, interesses e valores protegidos pelo Direito.
Observe-se que o conceito de emergência não é meramente ‘fático’. Ou seja, a emergência não é simplesmente uma situação fática anormal. A emergência é um conceito relacional entre a situação fática anormal e a realização de certos valores. (…)” Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª Edição, Editora Dialética, Ano 2010, p.305.

Em igual sentido a remansosa jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), que reputa irregular a contratação direta com fundamento em situação emergencial, quando não verificada circunstância configuradora de risco de dano ou de comprometimento da segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares:

“A contratação emergencial destina-se somente a contornar acontecimentos efetivamente imprevistos, que se situam fora da esfera de controle do administrador e, mesmo assim, tem sua duração limitada a 180 dias, não passíveis de prorrogação (art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/1993).” Acórdão nº 4570/2014 – Primeira Câmara, Rel. José Múcio Monteiro. Data da sessão: 26/08/2014.

“A ausência ou precariedade de equipamentos e serviços públicos, que podem ser entendidas como ‘urgência controlada’, não caracterizam por si sós a imprevisibilidade e a excepcionalidade exigidas para a contratação direta fundamentada no inciso IV do art. 24 da Lei 8.666/1993, a qual, ainda, deve se restringir aos itens estritamente necessários ao afastamento de riscos iminentes à segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.” Acórdão nº 513/2013 – Plenário, Rel. Ana Arraes. Data da sessão: 13/03/2013.

“25. Conquanto se tenha tomado uma série de cuidados a fim de se demonstrar que a situação exigia medidas emergenciais, mantemos aqui o nosso entendimento de que a emergência in casu não é aquela merecedora da dispensa de licitação nos termos do Art. 24, IV da Lei 8.666/93. A segurança pública, não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o país, exige tratamento emergencial. Contudo, trata-se de situação ampla e genérica, e a norma, por sua vez, exige que seja a situação emergencial concreta e efetiva. Entendimento diferente poderia levar, conforme já afirmamos, a dispensas de licitações não só na área de segurança pública, mas, também, nas áreas de saúde e educação, visto que notórias suas precariedades.
26. Neste entendimento nada inovamos. Trecho do Voto do Ministro-Relator Adylson Motta, que fundamentou a Decisão Plenária 133/2000, expõe bem o assunto:
“… a caracterização, em tese, dos casos de emergência ou de calamidade pública, nos termos do art. 24, inciso IV, da Lei n. 8.666/93, foi feita por esta Corte de Contas mediante a Decisão n. 347/94 – Plenário – TCU (Relator: Exmº Sr. Ministro Carlos Átila Álvares da Silva, Ata n. 22/94, in DOU de 21.06.94 e RDA 197/266), proferida no âmbito do processo TC 009.248/94-3, que tratava de Consulta formulada pelo então Ministro dos Transportes. Naquela ocasião, o TCU decidiu, in verbis:
‘(…) responder ao ilustre Consulente, quanto à caracterização dos casos de emergência ou de calamidade pública, em tese:
a) que, além da adoção das formalidades previstas no art. 26 e seu parágrafo único da Lei n. 8.666.93, são pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizado no art. 24, inciso IV, da mesma Lei:
a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação;
a.2) que exista urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de danos a bens ou à saúde ou à vida de pessoas;
a.3) que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso;
a.4) que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado;(…)[grifamos].” Acórdão nº 300/2004 – Plenário, Relator Ubiratan Aguiar. Data da sessão: 24/03/2004.

Isto posto, tendo em vista os termos do Ofício 1º GV nº 07/2017, entendo que a situação em análise não se enquadra no quanto disposto no inciso IV do art. 24 da Lei Federal nº 8.666/93, não sendo admissível a contratação dos serviços solicitados em caráter de urgência e, consequentemente, mediante dispensa de licitação.

Em que pese o nobre propósito da Resolução CMSP nº 07, de 02 de maio de 2017 e a inegável importância da implementação de recursos para assegurar o efetivo direito à comunicação e à informação, a contratação dos serviços de produção de legendas em tempo real – estenotipia e de recurso de audiodescrição deve observar o regramento inscrito na Lei Federal nº 8.666/93, sob pena de restar configurada contratação irregular, apta a ensejar a cominação das sanções inscritas na legislação já referida e na Lei Federal nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).

Frise-se, ainda, que nos termos da manifestação do Sr. Coordenador do Centro de Comunicação Institucional e do Memo CCI nº 031/2017 por ele subscrito, já foram iniciados estudos preliminares para definição do objeto a ser futuramente contratado, bem como o levantamento de custos iniciais para a medida, a evidenciar que esta Edilidade está efetivamente adotando as providências regulares e legais para a implementação do quanto disposto na Resolução referida.

Nesse passo, cumpre ressaltar que a implementação das medidas inscritas na Resolução CMSP nº 07, de 02 de maio de 2017, naturalmente exige um prazo razoável, o que impede a contratação imediata, tendo em vista:
a) a necessidade de adequação da estrutura física da Câmara Municipal de São Paulo. Nesse sentido, as informações prestadas pelo Centro de Comunicação Institucional (CCI) no Memo. CCI nº 031/2017, no qual foram apontadas as diversas reformas e adaptações a serem realizadas em todos os auditórios e salas desta Edilidade, bem como os equipamentos a serem adquiridos;
b) as dificuldades para a adequada implementação da audiodescrição e da estenotipia em face dos equipamentos e da estrutura tecnológica da CMSP, tendo em vista o atual quadro reduzido da Equipe de Suporte Multimídia – CCI-2, nos termos do já mencionado Memo. CCI nº 031/2017;
c) a imprescindibilidade de verificação da existência de dotação orçamentária para a contratação dos serviços e para a realização das adaptações necessárias, tendo em vista a necessidade de análise da viabilidade financeira para a assunção de novas obrigações. Referida diligência mostra-se ainda mais relevante no caso em apreço, tendo em vista os expressivos custos da implementação da Resolução CMSP nº 07, de 02 de maio de 2017.
Nesse sentido o estudo elaborado Centro de Comunicação Institucional (CCI), no qual consta que os orçamentos iniciais para o serviço de closed caption via estenotipia e para o serviço de audiodescrição totalizam a soma anual de R$ 1.312.500,00 (um milhão, trezentos e doze mil e quinhentos reais). Os equipamentos a serem utilizados no sistema de estenotipia, por sua vez, foram inicialmente orçados em R$ 66.520,00 (sessenta e seis mil, quinhentos e vinte reais), em cujo valor não se encontra incluído o custo para as alterações físicas de todos os espaços desta Edilidade;
d) a indispensabilidade do procedimento licitatório, por força da Lei Federal nº 8.666/93.

Ademais, merece destaque o fato desta Edilidade já adotar medidas visando à implementação do processo de inclusão dos cidadãos deficientes auditivos ou surdos, conforme se extrai da Ata de Registro nº 09/2016, firmada com a empresa Mais Service Solutions Editora e Com. de Livros Ltda – ME, para a contratação de serviços profissionais de intérprete e tradutor da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS para atuar em eventos da Câmara Municipal de São Paulo.

Todavia, ante a superveniência da Resolução CMSP nº 07, de 02 de maio de 2017, entendo prudente que a Unidade Gestora da Ata de Registro nº 09/2016 seja instada a se manifestar acerca da necessidade de reconfiguração do objeto do documento, visando à análise da necessidade de adequação à resolução.

Por fim, ante a existência de profissionais que realizam taquigrafia nesta Edilidade, igualmente entendo necessária a manifestação do setor responsável quanto a possibilidade do serviço já existente atender, também, o serviço de estenotipia informatizada ou manual, nos termos da Resolução CMSP nº 07, de 02 de maio de 2017.

É o Parecer que submeto à criteriosa apreciação de V. Sa.

São Paulo, 29 de maio de 2017.

Ana Paula Sabadin S. T. Medina
Procuradora Legislativa
Setor de Contratos e Licitações
OAB/SP n.º 309.274