Parecer Chefia nº 002/2020
Assunto: Recomendação nº 1/2020- PJE/1ª Zona Eleitoral, datada de 6 de abril de 2020.
Interessado: Presidência e Gabinetes de Vereadores
À Presidência
Exmo. Sr. Presidente
Trata-se de analisar a Recomendação nº 1/2020-PJE/1ª Zona Eleitoral, datada de 6 de abril de 2020, que expede recomendações aos agentes públicos/políticos.
Em especial:
“RECOMENDA, outrossim, ao Sr. Presidente da Câmara Municipal que não dê prosseguimento e não coloque em votação no Plenário, no presente ano de 2020, projetos de lei que permitam a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios a pessoas físicas ou jurídicas.
SALIENTA, por oportuno, que a inobservância das mencionadas vedações sujeita o infrator, agente público ou não, à pena pecuniária de 5.000 a 100.000 UFIR (R$ 5.320,50 [cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos] a R$ 106.410,00 [cento e seis mil, quatrocentos e dez reais]) e à cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado (art. 73, §§ 4o e 5o, da Lei n. 9.504/97), além da inelegibilidade por abuso de poder ou por prática de conduta vedada (art Iº, I, “d” e “j”, da LC . 64/90), bem como pode configurar tipo legal de ato de improbidade administrativa, sujeitando o agente público às penas dispostas na Lei Federal nº 8.429/91.
Tal recomendação há de ser analisada à luz da circunstância de emergência e de calamidade pública vivenciada no Município de São Paulo, no Estado e no País, das normas relativas ao pleito eleitoral, bem como à luz das prerrogativas constitucionais do Poder Legislativo.
Com efeito, precisamente em função da situação de emergência e de calamidade pública, diversos Vereadores apresentaram projetos de lei, no sentido de propor medidas, programas e projetos para o enfrentamento da pandemia na cidade de São Paulo, e a Câmara Municipal de São Paulo, por meio da Resolução nº 3, de 17 de março de 2020, alterou seu Regimento Interno para permitir a discussão e deliberação de projetos relacionados ao Coronavírus em sessões plenárias virtuais.
Passemos então a enfrentar a matéria, elencando, primeiramente, as recomendações advindas da Promotoria Eleitoral da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, na data de 6 de abril p.p. A seguir, faremos menção aos Projetos de Lei protocolados pelos Nobres Vereadores que, de algum modo, poderiam ter seu prosseguimento inibido por conta das recomendações referidas. Na sequência traremos considerações de ordem jurídica e nossas conclusões, ainda , em caráter preliminar.
Trata-se de avaliar se de fato, está-se diante de eventual hipótese de improbidade administrativa a balizar a atuação do Presidente da Câmara Municipal ou dos demais nobres Vereadores desta Casa nessa matéria, em face das circunstâncias excepcionais de emergência e de calamidade pública ora vivenciadas no Município (Decretos Municipais nº 59283, de 16 de março de 2020 e nº 59291, de 20 de março de 2020).
I – DAS RECOMENDAÇÕES DA PROMOTORIA ELEITORAL DA 1ª ZONA ELEITORAL DE SÃO PAULO
A Recomendação n° 1/2020-PJE/1ª Zona Eleitoral de São Paulo, firmada pelo I. Promotor de Justiça Eleitoral Fábio Ramazzini Bechara em 6 de abril de 2020, lastreia-se na Instrução PRE-SP n° 1, de 2 de abril de 2020. No que tange aos Vereadores, destacam-se normativas gerais, em consonância com a Lei Federal nº 9.504 de 30 de setembro de 1997, relativa às eleições. Contudo, como se verá, a Recomendação específica dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, no contexto do presente estado de calamidade pública, merecerá nossa atenção particular, pela gravidade das consequências que ensejaria, tanto por seu cumprimento como por sua possível desconsideração. Confira-se:
RECOMENDA (art. 6º, XX, da LC n° 75/93) a todos os agentes públicos (Prefeitos, Secretários Municipais, Vereadores, servidores públicos e demais agentes que se enquadrem nessa definição relacionados a 1ª zona eleitoral):
1) Que não distribuam e nem permitam a distribuição, a quem quer que seja, pessoas físicas ou jurídicas, de bens, valores ou benefícios durante todo o ano de 2020, como doação de gêneros alimentícios, materiais de construção, passagens rodoviárias, quitação de contas de fornecimento de água e/ou energia elétrica, doação ou concessão de direito real de uso de imóveis para instalação de empresas, isenção total ou parcial de tributos, dentre outros, salvo se se encontrarem diante de alguma das hipóteses de exceção previstas no mencionado art. 73, § 10, da Lei das Eleições: calamidade, emergência e continuidade de programa social;
2) Caso haja a distribuição gratuita à população de bens, serviços, valores ou benefícios, diante da situação de emergência declarada após o surto do novo coronavírus (COVID-19), seja feita do seguinte modo: 2.1 Com prévia fixação de critérios objetivos (quantidade de pessoas a serem beneficiadas, renda familiar de referência para a concessão do benefício, condições pessoais ou familiares para a concessão, dentre outros) e estrita observância do princípio constitucional da impessoalidade. 2.2 Sendo vedado o uso promocional em favor de agente público, candidato, partido ou coligação, da distribuição gratuita de bens, serviços, valores ou benefícios; 2.3 Com comunicação à Promotoria Eleitoral expedidora da presente recomendação, no prazo de cinco dias após a execução ou a distribuição gratuita de bens, serviços, valores ou benefícios, para fins de acompanhamento da execução financeira e administrativa, bem como do controle de atos que eventualmente excedam os limites da legalidade e afetem a isonomia entre os candidatos
3) Caso seja realizada dispensa de licitação por esse Ente municipal em decorrência da situação de emergência declarada após o surto do novo coronavírus (COVID-19), nos termos da Medida Provisória n° 926/2020 e da Lei 13.979/2020, comunicação à Promotoria Eleitoral expedidora da presente recomendação, no prazo de cinco dias após a abertura do procedimento, bem como ao seu final, encaminhando-se a respectiva cópia do procedimento de dispensa.
4) Que, havendo programas sociais em continuidade no ano de 2020 verifiquem se eles foram instituídos em lei (ou outro ato normativo,), se estão em execução orçamentária desde pelo menos 2019, ou seja, se eles integraram a LOA aprovada em 2018 e executada em 2019, neste caso não permitindo alterações e incrementos substanciais que possam ser entendidos como um novo programa social ou como incremento eleitoreiro.
5) Que não efetuem e suspendam, se for o caso, o repasse de recursos materiais, financeiros ou humanos a entidades nominalmente vinculadas a candidatos, ou pré-candidatos, ou por eles mantidas, que executem programas de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios;
6) Que não permitam a continuidade de programas sociais da administração municipal que proporcionem, mesmo que dissimuladamente, a promoção de filiados, pré-candidatos e candidatos às eleições de 2020, valendo-se, por exemplo, da afirmação de que o programa social é sua iniciativa, ou que sua continuidade depende do resultado da eleição, ou da entrega, junto ao benefício distribuído, de material de campanha ou de partido;
7) Que não permitam o uso dos programas sociais mantidos pela administração municipal para a promoção de candidatos, partidos e coligações, cuidando de orientar os servidores públicos incumbidos da sua execução quanto à vedação de qualquer propaganda ou enaltecimento de candidato, pré-candidato ou partido.
RECOMENDA, outrossim, ao Sr. Presidente da Câmara Municipal que não dê prosseguimento e não coloque em votação no Plenário, no presente ano de 2020, projetos de lei que permitam a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios a pessoas físicas ou jurídicas.
SALIENTA, por oportuno, que a inobservância das mencionadas vedações sujeita o infrator, agente público ou não, à pena pecuniária de 5.000 a 100.000 UFIR (R$ 5.320,50 [cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos] a R$ 106.410,00 [cento e seis mil, quatrocentos e dez reais]) e à cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado (art. 73, §§ 4o e 5o, da Lei n. 9.504/97), além da inelegibilidade decorrente do abuso de poder ou da conduta vedada (art.º I, I,, “d” e “j” da LC . 64/90), bem como pode configurar tipo legal de ato de improbidade administrativa, sujeitando o agente público às penas dispostas na Lei Federal n° 8.429/92.
Ora, a recomendação final não é trivial: o Ministério Público adverte o Parlamento Municipal que, em se pautando determinados projetos de lei, e votando, incorrem os parlamentares em ato de improbidade administrativa. Desde já se observa a inusitada extensão interpretativa dada à Lei 8.249, de 2 de junho de 1992, pelo Ministério Público Eleitoral em sua Recomendação, o que evidencia a conotação ameaçadora da mesma. É de notar que a Instrução PRE- nº 1, de 2 de abril de 2020, no item 3, não emprestou tal alcance.
Registre-se desde logo a orientação dos tribunais pátrios, que jamais reconhecem a improbidade incondicional na espécie, mas impõem sempre o preenchimento de requisitos, como a título exemplificativo: “O STJ entende que, para a configuração dos atos de improbidade administrativa, previstos no art. 10 da Lei n. 8.429/1992, exige-se a presença do efetivo dano ao erário (critério objetivo) e, ao menos, culpa (elemento subjetivo)”. (STJ, MC 024005, Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 18/03/2015).
De igual modo, impõe-se sublinhar que as recomendações do Ministério Público não têm caráter impositivo ou vinculante para o agente público. Nesse sentido, aponte-se trecho do acórdão do Supremo Tribunal Federal (Ag. Rg. na RCL 4907 AGR / PE, Rel. Ministro Dias Toffoli, j. 11.04. 2013):
. “Quando não bastasse sua própria denominação para evidenciá-lo, o certo é que nem o dispositivo legal que confere ao Ministério Público a atribuição de emitir recomendações – L.8.625/93, art. 27, parág. único, IV – pretende emprestar-lhes eficácia mandamental o que, de resto, o sistema constitucional não admitiria: o Ministério Público – é escusado dizê-lo – não tem poder hierárquico administrativo sobre os órgãos ou entidades aos quais se podem dirigir tais recomendações, nem
exerce função jurisdicional, que, só ela, legitima o órgão judiciário a exarar ordens de observância compulsória a quem não lhe esteja subordinado por relação hierárquica.”
Todavia, se não for cumprida Recomendação, o Parquet poderá adotar as medidas administrativas e judiciais que entender cabíveis para adequação da conduta do agente. Hugo Nigro Mazzilli preleciona que:
“Embora as recomendações, em sentido estrito, não tenham caráter vinculante, isto é, a autoridade destinatária não esteja juridicamente obrigada a seguir as propostas a ela encaminhadas, na verdade têm grande força moral, e até mesmo implicações práticas. Com efeito, embora as recomendações não vinculem a autoridade destinatária, passa esta a ter o dever de: a) dar divulgação às recomendações; b) dar resposta escrita ao membro do Ministério Público, devendo fundamentar sua decisão. (MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1996).
Assim, o presente arrazoado poderá subsidiar Vossa Excelência na resposta à Recomendação, que nos parece cabível para o caso.
II – DOS PROJETOS DE LEI APRESENTADOS PELOS NOBRES VEREADORES
Diversos parlamentares protocolaram projetos de lei vinculados à saúde, assistência e programas sociais, face à calamidade pública vigente na Cidade de São Paulo e ao interesse público prioritário no enfrentamento da pandemia decorrente do Coronavírus. A análise quanto à legalidade e mérito dos projetos de lei apresentados compete à Comissão de Justiça e Legislação Participativa e demais Comissões de Mérito da Câmara Municipal de São Paulo, que atuam no legítimo exercício de suas prerrogativas constitucionais, legais e regimentais.
Consigne-se, desde logo, que os projetos que tratam do fornecimento de insumos para o combate do COVID-19, como álcool gel, luvas e etc, bem como da imposição da obrigação de fornecimento desses insumos a estabelecimentos comerciais, da prestação de serviços e similares abertos ao público em geral, têm fundamento na competência do Município para legislar em matéria de interesse local e no poder de polícia para salvaguarda da segurança, higiene e saúde dos munícipes.
Com efeito, o art. 160, I e III, da Lei Orgânica, estabelece que o Poder Municipal disciplinará as atividades econômicas desenvolvidas em seu território, cabendo-lhe, quanto aos estabelecimentos comerciais, industriais, de serviços e similares, dentre outras atribuições, fiscalizar as suas atividades de maneira a garantir que não se tornem prejudiciais ao bem estar da população.
Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (por exemplo, na ADI 3.937-MC/SP e na ADPF nº 109), não invadem a competência federal as normas editadas pelo Município que protejam mais eficazmente o direito do consumidor, o meio ambiente e a saúde pública, matérias estas inseridas na competência legislativa de todos os entes federativos, a teor do art. 24, VI e XII, combinado com o art. 196 da Constituição.
A instituição de programas sociais, dos mais diversos tipos, é também competência reconhecida à iniciativa parlamentar, bem como na formulação de programas ou de campanhas[1]. A título exemplificativo, cite-se o seguinte julgado:
1 – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 8.412, de 15 de julho de 2016, de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre o Programa ‘Comércio do Bem’, que consiste na autorização para entidades assistenciais expor e/ou comercializa produtos em próprio público municipal”.2. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA. Rejeição. Lei impugnada – de iniciativa parlamentar – que busca apenas contemplar entidades sociais e assistenciais (declaradas deutilidade pública) com oportunidade de obter renda extra para que consigam manter seus programas sociais. É o que indica a exposição de motivos de fl. 24. Matéria que está relacionada à política de incentivo aos programas sociais (prevista no art. 234 da
Constituição Estadual) e que não consta do rol de competência (legislativa) exclusiva do Chefe do Poder Executivo, fixado deforma taxativa no art. 24 da Constituição Estadual. Sempre lembrando que o Supremo Tribunal Federal tem posicionamento consolidado no sentido de que “a iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (ADI-MC 724/RS, Rel.Min. Celso de Mello, DJ 27/04/2011). É importante considerar, ademais, que, recentemente, a Suprema Corte, no julgamento do Recurso Especial nº 878.911/RJ, sob rito da repercussão geral, apreciando o Tema 917, reafirmou a jurisprudência daquela C. Corte “no sentido de que não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que,embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos” 3 – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. Rejeição. Princípio da reserva de administração que, nesse caso, não é diretamente afetado, mesmo porque “o fato de a regra estar dirigida ao Poder Executivo, por si só, não implica que ela deva ser de iniciativa privativa” do Prefeito (ADI 2444/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 06/11/2014).
Outro grupo de projetos protocolados envolvem tributos, isenções e moratórias. Trata-se de competência legislativa concorrente, portanto podem partir dos Vereadores. É praxe, em casos tais, pedir-se informação ao Poder Executivo quanto ao estudo do impacto orçamentário. Por se tratar de medidas que beneficiam os contribuintes, não há empecilho à alteração da legislação tributária com efeitos imediatos. Porém, não podem ser inseridos em lei que não seja específica sobre matéria tributária, consoante o § 6º do art. 150 da Constituição Federal.
Ora, surpreendentemente, a Promotoria Eleitoral recomenda que o Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal não dê prosseguimento e não coloque em votação no Plenário, no presente ano de 2020, projetos de lei que permitam a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios a pessoas físicas ou jurídicas.
Como se sabe, a situação de calamidade pública ensejou inúmeras medidas legislativas e administrativas, seja no âmbito da União, dos Estados e do Município. Não se pode entender plausível a inibição dessas prerrogativas, sob pena de afronta à Constituição Federal (arts. 2º, 29, VIII e 53) e à Lei nº 9.504/07 (art. 73. IV § 10).
Cumpre fazer notar que as propostas apresentadas pelos Nobres Vereadores estão sintonizadas com a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO (Lei nº 17.152, de 31 de julho de 2019), posto que a mesma apresenta diversos dispositivos que estabelecem atenção prioritária às questões sociais e ao atendimento dos mais vulneráveis.
Nesse contexto, destacam-se os seguintes dispositivos da Lei 17.152/2019:
“Art. 3º O projeto de lei orçamentária, relativo ao exercício de 2020, deverá assegurar os princípios da justiça, da participação popular e de controle social, de transparência e de sustentabilidade na elaboração e execução do orçamento, na seguinte conformidade:
…
IV – o princípio de justiça social implica assegurar, na elaboração e execução do orçamento, políticas públicas, projetos e atividades que venham a reduzir as desigualdades entre indivíduos e regiões da cidade, bem como combater a exclusão social, o trabalho escravo, principalmente através da efetividade de mecanismos econômicos, nos termos da Lei nº 16.606, de 29 de dezembro de 2016, e a vulnerabilidade da juventude negra em São Paulo.
Parágrafo único. Os princípios estabelecidos neste artigo objetivam:
…
II – eliminar as desigualdades sociais, raciais e territoriais a partir de um desenvolvimento econômico sustentável;
…
Art. 5º A proposta orçamentária do Município para 2020 será elaborada em observância ao Programa de Metas e de acordo com as seguintes orientações gerais:
…
II – desenvolvimento econômico e social, visando à redução das desigualdades;
IV – eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos, em especial nas ações e serviços de saúde, de educação, de mobilidade urbana, cultura, esportes e lazer, segurança, habitação e assistência social;
IX – resgate da cidadania e direitos humanos nos territórios mais vulneráveis;
…
XIII – priorização dos direitos sociais do idoso, da criança e do adolescente, garantindo sua autonomia, integração e participação efetiva na comunidade e defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
XIV – promoção de políticas públicas em favor das minorias sociais;
…”
Evidente que, quando da elaboração e discussão do projeto de LDO, não havia a ameaça da atual pandemia. De qualquer modo, a preocupação do legislador com a priorização dos direitos sociais e a defesa do bem-estar da população é clara na LDO/2020.
Ressalte-se que os dispositivos acima apresentados foram acolhidos na Lei Orçamentária de 2020 (Lei nº 17.253, de 26 de dezembro de 2019) nos diversos programas de saúde, educação e assistência social, dentre outros.
O atual momento exige medidas extraordinárias de ação de todos os entes federativos e de todos os Poderes diante do flagelo que ora se abate, sobretudo sobre os mais necessitados. As consequências à atividade econômica da quarentena em vigor já são sentidas e perdurarão ainda por um tempo que, espera-se, seja o mais curto possível. Enquanto isso, ações imediatas devem ser tomadas tanto para o apoio temporário a empresas, que geram empregos, como às famílias que padecem pela redução de renda ou até sua cessação completa, consequência da interrupção ou redução forçada da atividade econômica.
O fato histórico-social da significativa desigualdade em nossa sociedade, numa situação como a que passa o país, agrava-se ainda mais. Assim, as ações públicas devem se expressar tanto no alívio temporário de tributos, diante das consequências à atividade econômica impostas pela quarentena, como no auxílio às pessoas mais desvalidas.
Registre-se, ademais, que, no âmbito do Colégio de Líderes desta Casa, houve consenso no sentido de que todos os projetos de lei de iniciativa dos Nobres Vereadores relacionados ao enfrentamento do Coronavírus fossem consolidados em dois projetos, com propostas de parlamentares de todos os partidos políticos, o que demonstra a impessoalidade de seus propósitos no interesse da população e afasta a alegação de obterem pessoalmente dividendos político-partidários, aliás em uma eleição com data incerta, tal a gravidade da crise. O adiamento do pleito, marcado para outubro, vem sendo cogitado devido à pandemia do novo coronavirus, segundo noticia a grande imprensa[2].
Deste modo, patenteia-se que as condutas do Presidente da Câmara e dos Vereadores não afetam, de modo algum, a impessoalidade, a isonomia ou a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, sendo de aplicar-se à hipótese vertente o previsto no “caput” do art. 73 da Lei 9.504/97:
“Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
De acordo com essa orientação, convém recordar o seguinte julgado do Tribunal Superior Eleitoral-TSE:
“1. Agravos regimentais. Recurso especial. Provimento. Decisão monocrática. Art. 36, § 7º, do Regimento Interno do TSE. Ampla defesa. Violação. Inexistência. O provimento de recurso especial, via decisão monocrática, nos termos do art. 36, § 7º, do RITSE, não implica violação ao princípio constitucional da ampla defesa. 2. Representação. Conduta vedada. Art. 73 da lei nº 9.504/97. Potencialidade de a conduta comprometer o resultado do pleito. Condição indispensável para configuração do ilícito eleitoral. Precedentes. A potencialidade de a conduta interferir no resultado das eleições, segundo posicionamento atual e dominante do TSE, é requisito essencial à caracterização do ilícito eleitoral previsto no art. 73 da lei nº 9.504/97. 3. Conduta vedada. Captação ilícita de sufrágio. Pressupostos de configuração. Equiparação. Impossibilidade”. ( TSE, RESPE 27197, Rel. Joaquim Benedito Barbosa, DJ de 11/09/2008)
De todo modo, haveria que se aplicar o art. 73, § 10, com proporcionalidade, tal como pacificamente se orienta o TSE, de que é exemplo o seguinte julgado, aplicando o mencionado art. 73:
“O dispositivo do art. 73, § 50, da Lei n° 9.504197, não determina que o infrator perca, automaticamente, o registro ou o diploma. Na aplicação desse dispositivo reserva-se ao magistrado o juízo de proporcionalidade. Vale dizer: se a multa cominada no § 40 é proporcional à gravidade do ilícito eleitoral, não se aplica a pena de cassação”.(TSE, Ag no 5.343/RJ, DJ de 4.3.2005, rei. Min. Humberto Gomes de Barros).
Mencione-se, ainda, trecho da decisão proferida pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes, afastando a incidência de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e mesmo da Lei de Diretrizes Orçamentárias no atual contexto Medida Cautelar na ADI 6.357 – DF, j. 29.03.2020):
“A pandemia de COVID-19 (Coronavírus) é uma ameaça real e iminente, que irá extenuar a capacidade operacional do sistema público de saúde, com consequências desastrosas para a população, caso não sejam adotadas medidas de efeito imediato, inclusive no tocante a garantia de subsistência, empregabilidade e manutenção sustentável das empresas.
A temporariedade da não incidência dos artigos 14, 16, 17 e 24 da LRF e 114, caput, in fine, e § 14, da LDO/2020 durante a manutenção do estado de calamidade pública; a proporcionalidade da medida que se aplicará, exclusivamente, para o combate aos efeitos da pandemia do COVID-19 e a finalidade maior de proteção à vida, à saúde e a subsistência de todos os brasileiros, com medidas sócio econômicas protetivas aos empregados e empregadores estão em absoluta consonância com o princípio da razoabilidade, pois, observadas as necessárias justiça e adequação entre o pedido e o interesse público”.
A par de todas essas considerações, convém ainda adentrar nas razões que ensejaram a Recomendação nº 1/2020-PJE 1ª Zona Eleitoral, e apontar a inconsistência jurídica da restrição que se quer impor a esta Casa de Leis, para o qual trago as ponderações a seguir.
III- CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS ACERCA DA APLICAÇÃO DAS RECOMENDAÇÕES AO PRESIDENTE DA CAMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
Como bem apontado nos CONSIDERANDO da Recomendação em apreço, representa conduta vedada a agentes públicos fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público, ficando proibida ainda, no ano em que se realizar a eleição, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública exceto em casos de calamidade pública, estado de emergência ou de programas sociais já em execução (art. 73, IV c/c/ art. 73, §10. da Lei 9.504/97).
Com efeito, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, estabelece normas para as eleições, sendo que o art. 73 estabelece diversas vedações de condutas ao agente político em ano eleitoral.
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
…
IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
….
- 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
Depreende-se do dispositivo em comento que a proibição de distribuição de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral visa assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos (“caput” do art. 73).
E admite três exceções: a) estado de emergência; b) estado de calamidade; e c) programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Em todos esses três casos o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
Parece-me evidente, porém, que nos casos de emergência e de calamidade pública, seria teratológico interpretação que permita concluir no sentido de que só seria possível a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública que se realizasse no bojo de programas sociais autorizados em lei E já em execução orçamentária já no exercício anterior . Princípios hermenêuticos elementares são suficientes para inferir da simples leitura do § 10 do art. 73, que, tanto em estado de emergência como em estado de calamidade, pode haver distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios mesmo em programas sem execução orçamentária no exercício anterior.
Até porque, caso contrário, isto é, se pudesse ser prevista obrigatoriamente com um ano de antecedência, não se configuraria a surpresa da situação da emergência e da calamidade, a exigir urgência para ser remediada, inclusive com a premente ajuda Estadual e Federal, além do empenho de pessoas físicas e de empresas do setor privado.
O estado de emergência somente ocorre quando uma situação, como a presente, atinge uma Cidade e provoca danos sérios, sendo que a capacidade local de resposta não tem condições de atender à dimensão do evento. Com iminentes danos ainda maiores, é decretado estado de calamidade pública (ECP), para que seja disponibilizada ajuda estadual e federal à localidade afetada. Como didaticamente leciona o site do Senado: “O estado de emergência se caracteriza pela iminência de danos à saúde e aos serviços públicos. Já o estado de calamidade pública é decretado quando essas situações se instalam. Cabe ao prefeito avaliar a situação e decretar emergência ou calamidade, casos em que há possibilidade de obtenção de recursos federais e estaduais facilitada [https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/defesa-civil/situacao-de-emergencia-e-estado-de-calamidade-publica].
Como se verifica, portanto, a Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo e a Promotoria Eleitoral o Ministério Público da 1ª Zona Eleitoral, com a devida vênia, no ponto em destaque das Recomendações apontadas, não interpretam adequadamente, a Lei 9.504/97, com afronta a princípios elementares de hermenêutica. Inibir iniciativas legislativas para o enfrentamento da pandemia, na atual situação de calamidade pública, viola abertamente o senso comum, haja vista sua gravidade, ceifando nesse momento a vida de centenas de pessoas no Estado, em sua maioria na Cidade de São Paulo, sendo iminente não só a morte de muitas mais, como também o agravamento da situação econômica para os mais vulneráveis, caso não haja prontas providências, por parte de toda a sociedade, inclusive por iniciativa da Câmara Municipal de São Paulo!
Sim: o D. Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Regional em São Paulo, através da Instrução PRE-SP nº 1, de 2 de abril de 2020, item 2, e do D. Promotor de Justiça Eleitoral que subscreve a Recomendação nº 1/2020-PJE/1ª Zona Eleitoral de São Paulo, recomendam ao Presidente desta Câmara que não dê prosseguimento e não coloque em votação no Plenário, no presente ano de 2020, projetos de lei que permitam a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios a pessoas físicas ou jurídicas! Ainda cominando sanções de ordem civil, penal e eleitoral se assim não proceder!
Ora, a recomendação constitui uma espécie de notificação que o Ministério Público faz ao agente público – para que este faça ou deixe de fazer algo em vista do interesse público.
Paulo de Bessa Antunes, ele mesmo egresso da Procuradoria da República, assinala:
“Qual a natureza da recomendação? Esta é uma questão bastante árdua, pois diz respeito à adoção por órgãos estranhos ao Ministério Público de medidas que, segundo a ótica do Ministério Público, são as mais adequadas para uma determinada situação. Aqui entra-se no delicado campo da separação de atribuições e de poderes, pois, em tese, o Parquet passou a ter ingerência direta na administração pública, não raras vezes, modificando decisões administrativas. É fato que, muitas vezes, decisões administrativas contrárias ao interesse público são revertidas pela ação ministerial. Penso, porém, que devemos examinar o assunto sob a ótica do papel das instituições em um regime democrático. A função do Ministério Público é, evidentemente, aquela estabelecida pela Constituição Federal. Na Lei Fundamental não existe qualquer previsão da figura da recomendação. Geralmente a recomendação é formulada pelo Parquet como resultado de um trabalho apuratório prévio. Em geral ela se origina de um inquérito civil ou das peças de informação. Ela deve ser vista como um instrumento de aperfeiçoamento da administração e de colaboração. Não há, evidentemente, qualquer obrigatoriedade de que o recomendado cumpra os termos da recomendação. Ela, na melhor das hipóteses, assemelha-se a uma notificação extrajudicial. Entretanto, observa-se que, em alguns casos, a recomendação tem sido utilizada como uma forma de coação contra o administrador público, forçando-o a tomar determinadas medidas que, frequentemente, resultam em prejuízo para terceiros. É claro que, sob a ameaça de se ver processado por improbidade administrativa, o administrador, dificilmente, deixará de atender à “recomendação”, que, no caso, passa a assumir foros de decisão judicial transitada em julgado. Do ponto de vista das instituições democráticas, a prática é extremamente condenável .e merece repúdio. Vale notar que ao Ministério Público compete a “defesa das instituições democráticas”.
Muito elucidativo, também, nesse sentido, o artigo publicado em Conjur, “Natureza, efeitos e vícios das recomendações do Ministério”, que recorda a lição de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, sobre tais recomendações “não tem função sancionatória. Mas investiga, analisa, pesquisa, colhe elementos suficientes para que o Judiciário exerça a sua função judicante. Na realidade, o Ministério Público participa do controle da Administração Pública na medida em que provoca o controle jurisdicional”.[http://www.arrudaalvimadvogados.com.br/natureza-e-efeitos-das-recomendacoes-do-ministerio-publico/]
O Ministério Público, nos termos do art. 127 da Constituição Federal, é instituição permanente de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.Por outro lado, a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, ao dispor sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, assinala:
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:.
…
XX – expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.
Reconhece-se, pois, ao Ministério Público a faculdade de expedir recomendações, ao ensejo de sua atuação na defesa da do regime democrático e dos interesses sociais.
Todavia, a hipótese ora versada colide diretamente com as prerrogativas do Poder Legislativo, igualmente de status constitucional.
Não se afigura razoável, proporcional e admissível que o Poder Legislativo sofra interferência em sua atividade-fim, sobre matérias passíveis ou não de serem discutidas e deliberadas. Ressalte-se o disposto no art. 29, VIII da Constitucional Federal assegura a VIII – inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município.
Naturalmente, a conduta do parlamentar seja na condução do processo legislativo seja na sua atuação pública e política está sujeita à fiscalização do Parquet e demais órgão de controle, inclusive internamente. Mas faz-se indispensável distinguir com clareza a prática de típico ato legislativo de hipotético ato de improbidade.
Ademais, é preciso ponderar que a Recomendação ora analisada pretende ser terminante: ela acena com a improbidade no só ato de o Presidente da Câmara dar prosseguimento e colocar em votação em Plenário, no presente ano de 2020 – quando o município e o país atravessam estado de calamidade pública e emergência, a exigirem medidas imediatas de diversas ordens – projetos de lei que permitam a distribuição de bens, valores e benefícios a pessoas físicas ou jurídicas, à expressa revelia do quando excepcionado na Lei nº 9.504/97, art. 73, § 10.
Reitere-se: não se exclui que o parlamentar, possa, em tese, praticar ato ímprobo. Mas é uma afronta a suas prerrogativas institucionais ameaçá-lo sob essa pecha por praticar atos inerentes à sua função. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro, aliás, enfrentou situação análoga, muito bem defendida por sua Procuradoria Geral [cfr. https://www.conjur.com.br/2019-out-15/mp-ameaca-vereadores-votacao-camara-aponta-ilegalidade].
Por fim, não se pode deixar de assinalar que, de acordo com o Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo, são atribuições do Presidente, além das que decorrem da natureza de suas funções e prerrogativas, quanto às sessões, abri-las, presidi-las, manter a ordem dos trabalhos, suspendê-las, encerrá-las, fazendo cumprir o Regimento (Resolução nº 2, de 26 de abril de 1991).
Ora, o Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo foi alterado por meio da Resolução nº 3, de 17 de março de 2020, para que, enquanto perdurar a situação emergencial de saúde pública do Covid-19, os projetos de lei do Executivo e do Legislativo que versassem sobre essa matéria tramitassem em regime de urgência, podendo ser deliberados por meio do sistema virtual, em sessões extraordinárias.
Exatamente por tratarem de situação de emergência e de calamidade pública, vigente no município de São Paulo por meio dos Decretos nº 59.283, de 16 de março de 2020 e nº 59.291, de 20 de março de 2020, leis tanto de iniciativa do Executivo como de iniciativa dos parlamentares estão sendo apresentadas, discutidas e eventualmente deliberadas.
Inadmissível tolher ou inibir a Presidência desta Casa a dar prosseguimento aos projetos de lei apresentados precisamente para o enfrentamento da situação de calamidade pública que ora assola o Município mais populosos do país. Lembre-se que a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (Constituição Federal, art. 29, VIII e art. 53, “caput”) representa instrumento vital destinado a viabilizar o exercício independente do mandato representativo e protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do ofício legislativo. (cfr. RTJ 131/1039 – RTJ 135/509 – RT 648/318).
A simples colocação em pauta pelo Presidente do Poder Legislativo Municipal, por óbvio, nos termos do Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo, ouvidas as Lideranças Partidárias, não implicará na obrigatoriedade de aprovação dos projetos, mas apenas permitirá aos Vereadores a discussão e eventual aprovação dos projetos, com possíveis substitutivos, emendas ou mesmo a sua rejeição, assegurando-se assim aos nobres Edis o livre, responsável e pleno exercício de seu mandato, colhidos os pareceres competentes das Comissões Permanentes respectivas e respeitada a soberania do Plenário ( arts. 17, I, “a” e “q”, 38, 39, 46, 101, 107, 109, 120, I, e 183 do Regimento Interno).
Quanto ao descabimento de responsabilização do parlamentar, registre-se a ementa do seguinte julgado.
(…)A Constituição Federal prevê no artigo 29, inciso VIII a imunidade material dos vereadores na tribuna da Câmara Municipal em relação às manifestações proferidas em virtude do mandato eletivo. A imunidade material afasta a responsabilidade civil e penal dos vereadores por opiniões, palavras e votos. O STF no julgamento do RE n.600.063/SP, em repercussão geral (Tema n. 469), pacificando a matéria, firmou o entendimento que: Nos limites da circunscrição do município e havendo pertinência com o exercício do mandato, garante-se a imunidade ao vereador. Apelado que se manifestou no exercício do mandato e na circunscrição do Município, não há como imputar a responsabilidade civil ao apelado. Ausência de ilícito a albergar o pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Os honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor atribuído à causa atendem ao comando do artigo 85 do CPC, quando não houver condenação e não for possível mensurar o proveito econômico. Pedido de redução que não pode ser acolhido. Não cabe a majoração a título de honorários recursais da verba honorária sucumbencial se os honorários já foram fixados no máximo legal. Conhecimento e desprovimento do recurso (22ª Camara Cível do TJ/RJ – Ap. Civ. nº 0003112-07.2018.8.19.0045, Rel. Des. Rogério de Oliveira Souza j. 16.07.2019)
De todo o exposto, com a brevidade requerida para o caso, além de enfatizar que a Recomendação do D. Ministério Público não tem caráter vinculante, e, no particular – inibição ao exercício do Poder Legislativo – não encontra, data máxima vênia, respaldo na ordem jurídica vigente, permito-me, em síntese, apontar que:
- A Recomendação no sentido de que o Presidente da Câmara Municipal não dê prosseguimento e não coloque em votação no Plenário, no presente ano de 2020, projetos de lei que permitam a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios a pessoas físicas ou jurídicas, sob pena de incorrer em improbidade administrativa, além de contrariar diretamente o § 10º do art. 73 da Lei nº 9.507/07 – que excepciona a situação de emergência e de calamidade pública – desafia abertamente o princípio constitucional de separação de poderes (art. 2º da Constituição Federal) e a inviolabilidade do parlamentar por suas opiniões, palavras ou votos (arts. 29, VIII e 53 da Constituição Federal).
- Apresentar, discutir e votar projetos de lei é prerrogativa inerente ao Poder Legislativo, relacionada à sua atividade-fim, exercida por seus representantes em nosso regime democrático, tal como assegurado pelos arts. 29, VIII e 53 da Constituição Federal.
- A criação de programas sociais em ano eleitoral, inclusive com previsão de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social, em situação de CALAMIDADE PÚBLICA, é expressamente admitida pelo § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/97, e, em sintonia com o caput do art. 73 da Lei n° 9.504/97, a vedação, quando é o caso, relaciona-se à atitude que possa afetar a igualdade de oportunidade de candidatos ao pleito eleitoral.
- A discussão e votação de projetos relacionados ao enfrentamento da calamidade pública, inclusive voltados à distribuição gratuita de bens ou serviços pode se afigurar imprescindível, até porque – releve-se a obviedade – os atos de natureza executória poderão exigir, conforme o caso, a devida autorização legal.
- No Município de São Paulo, no legítimo exercício de seu mandato, diversos Vereadores protocolaram projetos relacionados ao enfrentamento do Coronavírus, tendo sido deliberado, no Colegio de Líderes, pela sua consolidação em dois Projetos, de iniciativa de vários Vereadores de diversos partidos políticos. Trata-se de circunstância fática a corroborar a inexistência de ofensa, sequer remota, à impessoalidade, na apresentação, discussão e deliberação de tais projetos.
- Em consonância com todo o exposto, o Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, no uso de suas legítimas prerrogativas constitucionais, legais e regimentais, poderá pautar os projetos que repute prioritários diante da pandemia do Coronavírus, em sintonia com seus Pares, nos termos da Resolução nº 3 de 17 de março de 2020.
- Ressalte-se, por derradeiro, que a ameaça de ensejo à improbidade administrativa que se depreende dos termos da Recomendação – neste particular – não encontra respaldo na ordem jurídica pátria, nem tampouco é compatível com a jurisprudência em nosso país, sempre zelosa quanto ao princípio da harmonia e independência entre os Poderes e das prerrogativas do Poder Legislativo, indispensável no regime democrático, do qual o Ministério Público é institucionalmente legítimo defensor.
Essa á análise preliminar que respeitosamente submeto à apreciação de Vossa Excelência, sugerindo ofício de resposta ao Douto Procurador Geral de Justiça, dando-se ciência aos demais Nobres Vereadores desta Casa, em face do teor da Recomendação.
São Paulo, 8 de abril de 2020
MARIA NAZARÉ LINS BARBOSA
Procuradora Legislativa Chefe
OAB/SP 106.017
[1] Cfr. REINHOLD, Juliana Tongu. “A iniciativa parlamentar na formulação de “programas “ ou de “campanhas”: uma análise de casos. In Revista da Procuradoria da Câmara Municipal de São Paulo, v. 7., 2019, pg. 63-84.
[2](cfr. Jornal Folha de São Paulo, 6/04/20 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/proximo-presidente-do-tse-barroso-da-prazo-ate-junho-para-definir-eleicao-e-se-diz-contra-adia-la-para-2022.shtml