Parecer n° 05-ASS/2021

Ref. .Of. Sindilex nº 003/2021

TID 19169160

Assunto: Parecer jurídico sobre o direito à permanência das Funções Gratificadas

 

Parecer ASS nº 005/2021

 

Senhora Procuradora Chefe,

 

 

 

O Sindicato dos Servidores da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo− SINDILEX, por meio do Ofício em epígrafe dirigido ao Presidente da Edilidade, após sustentar, em síntese, que V.Sa., Procuradora Chefe, em razão da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019, que deu nova redação ao artigo 39, § 9º, da Constituição Federal, exarou parecer contrário ao entendimento anterior da Procuradoria desta Casa, que havia sido favorável ao reconhecimento da permanência da Função Gratificada com fundamento no art. 19, § 3º da Lei 13.637/2003, com a redação dada pela Lei 14.381/07, a servidor que cumpriu o requisito legal em janeiro de 2020, contrário a posicionamentos desta Procuradoria dos anos de 2001, 2002 e 2003, e contrário inclusive a parecer do Tribunal de Contas do Município após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019, com base no qual foram concedidas permanências a servidores naquele Órgão de Contas, encaminha solicitação acompanhada de douto parecer do jurista Márcio Cammarosano, pleiteando, in verbis : “que seja apreciado o parecer do eminente Professor e que, por fim, seja reconhecido e mantido o direito à permanência de funções gratificadas, em prol do Princípio Constitucional da Estabilidade Financeira e em coerência com os vários precedentes históricos da nossa Douta Procuradoria, bem como em respeito ao quadro de funcionários dessa Egrégia Edilidade”.

 

No parecer referido pelo SINDILEX, anexado ao presente Expediente, o eminente Professor e jurista Márcio Cammarosano foi chamado a responder as seguintes três indagações formuladas pelo Sindicato consulente:

 

  1. Existem diferenças entre os institutos jurídicos da incorporação e da permanência, tendo em vista a sua aparente semelhança à luz do Princípio Constitucional da Estabilidade Financeira?
  2. O instituto da incorporação (“in corpore”) tem como uma das características a de fazer uma vantagem servir de base para incidência de outras vantagens. A Emenda Constitucional nº 19/1998 vetaria essa característica típica da incorporação devido à vedação do chamado efeito repique? Em caso positivo, isso tornaria o instituto incorporação equivalente ao da permanência?
  3. A Emenda Constitucional nº 103/2019, que alterou o sistema de previdência social, acresceu o § 9º do artigo 39 da Constituição Federal de 1988, estabelece o fim da incorporação para as “vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão”. Esta vedação constitucional também afetaria o instituto jurídico da permanência, previsto, dentre outros diplomas legais, pelo artigo 19, § 3º da Lei Municipal n. 14.381/207, para os valores atribuídos às funções gratificadas exercidas pelos servidores da Câmara Municipal de São Paulo? Referida Emenda teria abolido o princípio constitucional da Estabilidade Financeira?

 

O parecerista iniciou a sua alentada manifestação, às fls. 3/4, entendendo que “as respostas a serem dadas hão de ter por núcleo, fundamentalmente, o conceito jurídico de incorporação de vantagens asseguradas por lei a servidores titulares de cargos públicos de provimento em caráter efetivo, conceito esse cuja extensão ou limite denotativo é passível de controvérsias. E passível de controvérsias em razão de dizer respeito a acréscimos remuneratórios a que servidor público possa, em tese, fazer jus, uma vez implementadas as condições legais para tanto necessárias, mas cuja razão de ser se justifica por imperativos de estabilidade financeira em favor de servidores públicos”. Aduz que, “ainda mais, controvérsia ensejada pela constatação de que, a nível de normas infraconstitucionais, construiu-se duas espécies de acréscimos remuneratórios destinados a assegurar estabilidade financeira, quais sejam, incorporação e permanência, sendo que a Constituição da República não se vale da palavra permanência, mas apenas do termo incorporação, ao dispor a respeito da remuneração de servidores”. Daí, no seu entender, é preciso enfrentar a “questão fulcral”, “que condiciona outras mais”, consistente em saber se a Constituição da República, ao vedar, no artigo 39, § 9º, a incorporação de vantagens a que se refere, “veda apenas a incorporação no sentido estrito do termo, ou também o acréscimo denominado permanência, considerada a distinção infraconstitucional entre ambas as espécies de acréscimos remuneratórios, ensejadoras de permanência” (fls. 3/4).

 

Para enfrentar tal “questão fulcral”, o Professor passa a desenvolver duas premissas.

 

A primeira delas, desenvolvida no item 1, às fls. 4/5 do seu parecer, é a de que “1- Dúvida não pode haver quanto à produção de leis que passaram a contemplar, com relação a acréscimos remuneratórios, os denominados institutos incorporação e permanência.”. Salienta que “ambos os institutos têm por finalidade assegurar ao servidor público a continuidade da percepção da diferença de remuneração entre o cargo que titulariza em caráter efetivo, e a devida em face do exercício de função de confiança ou de cargo em comissão, uma vez retornando ao exercício do cargo efetivo. Uma vez atendidas as exigências legais, o direito à continuidade da percepção da diferença remuneratória passa a integrar o patrimônio jurídico do servidor, como direito adquirido, insusceptível de lhe ser retirado”. Salienta serem a incorporação e a permanência espécies de um mesmo gênero de acréscimos remuneratórios, diferenciando-se, no entanto, “no que concerne aos seguintes efeitos: a incorporação do valor correspondente à diferença remuneratória passa a integrar a base de cálculo para outros acréscimos remuneratórios, que, por força da lei que os institui, devam ser calculados tendo como base o padrão de vencimento do servidor”, enquanto que, no caso da permanência, o servidor quando faz jus à “percepção do valor correspondente à diferença remuneratória referida, esse valor não integra a base de cálculo para outras vantagens pecuniárias, não se incorpora ao padrão do cargo que titularia em caráter efetivo, não repercutindo sobre aquelas.” Refere, a seguir, legislação do Município de São Paulo que reconhece as espécies incorporação e permanência como institutos do mesmo gênero, como leis 9.296/81 e 10.442/88, também mencionadas no Parecer TCM nº 21.673/2019, a respeito da matéria, com deferimento publicado no DOC em 14/02/2020.

 

A seguir, assevera o I. Jurista, no item 2, fls. 6/11 de seu parecer, que a segunda premissa consiste na solução da questão da “subsistência ou não da distinção entre os institutos da incorporação e da permanência em face do advento da Emenda Constitucional nº 19/98 que, ao dar nova redação ao artigo 37, XIV da nossa Lei Maior, prescreveu: ‘os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores’”. Asseverou que doutrina e jurisprudência passaram a referir-se a tal inciso “como norma proibitiva do efeito repique ou cascata, que consistia inserir na base de cálculo de uma vantagem remuneratória outra gratificação ou adicional, e assim sucessivamente. Em outras palavras, por força da Emenda Constitucional nº 19/98, acréscimo pecuniário algum poderia ter como base de cálculo a resultante do acréscimo do valor de outro acréscimo anteriormente concedido. Proibido restou, a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, que qualquer acréscimo remuneratório passasse a integrar o vencimento básico do cargo, seu padrão, para fins de cálculo de acréscimos ulteriores de qualquer espécie”. No seu entender, tal vedação, obviamente, “não implicou qualquer proibição ao legislador ordinário, de quaisquer esferas de governo, de manter ou criar vantagens, gratificações ou adicionais, a serem percebidos pelos servidores a que a elas tivessem ou viessem a fazer jus, nos termos das leis que decidissem produzir, no exercício de suas respectivas autonomias, respeitadas as disposições constitucionais aplicáveis”, inclusive, a de “acréscimos pecuniários devidos pelo exercício de função de confiança ou de cargo em comissão, uma vez cessado esse exercício, passem a integrar, em caráter permanente, a remuneração do servidor titular de cargo de provimento em caráter efetivo, como direito adquirido, em homenagem ao princípio da estabilidade financeira”.  Para o Professor, após recordar os precedentes do STF na ADI 1264, rel. Min. Carmen Lúcia, RE 533965, rel. Min. Carmen Lúcia, e AI 675.287-SGR, rel. Min. Roberto Barroso, bem como do TJSP, na Ap. 7888.115.5/0-00, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Torres de Carvalho, o princípio da estabilidade financeira se manifesta nas disposições que asseguram a irredutibilidade de vencimentos de servidores públicos ( artigo 37, inciso XV, da CF), tanto no que se refere às incorporações como à permanência de vantagens pecuniárias. A Emenda Constitucional nº 19/98 limitou-se a proibir o efeito cascata, mas não a incorporação ou permanência, sendo que somente a incorporação foi vedada com a Emenda constitucional 103/19. Pergunta-se o Professor: “Seria então de se acolher a tese de que estaria vedada a aprovação de Lei que assegurasse a servidor efetivo até mesmo a singela continuidade da percepção do valor correspondente à vantagem de caráter temporário ou vinculada ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão? E as leis pretéritas que tivessem instituído esse direito, teriam sido revogadas tacitamente?” No seu entender, não. A exegese da Emenda Constitucional 103/2019, por se tratar de Emenda, e não de nova Constituição, manifestação do poder constituinte originário, há de ser levada a efeito de maneira a serem respeitadas as denominadas cláusulas pétreas e os princípios constitucionais relevantes.

 

Fixadas as premissas, passa o culto Professor a abordar, a partir daí, no item 3 de seu parecer, às fls. 11/19, as questões relativas à exegese da Emenda Constitucional nº 103/2019, no tocante à continuidade da percepção do valor correspondente à vantagem vinculada ao exercício de função de confiança (permanência). Sublinha, em primeiro lugar, que a exegese de tal Emenda Constitucional necessita respeitar a autonomia municipal, em face do disposto no artigo 34, inciso VII, c, da Lei Maior, não podendo ser objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, conforme art. 60, § 4º, I, da CF: “Ora, em sendo dotado de autonomia, o Município compõe o modelo federativo do Estado brasileiro, modelo esse, repita-se, delineado nos termos decididos pelo constituinte originário (…) Seria admissível, por exemplo, proposta de Emenda constitucional que dispusesse a respeito de todas as matérias e questões pertinentes a regime jurídico de pessoal, de Estados, Municípios e Distrito Federal, a ponto de assim usurpar a competência de cada qual de legislar para si, elaborando seus estatutos de servidores públicos civis? é evidente que não, pois estar-se-ia esvaziando, nessa matéria, a competência das referidas entidades(…). Entende que seria “absolutamente desarrazoada emenda que instituísse prescrições minudenciando organização de carreiras, detalhando sistemas remuneratórios quanto a vantagens pecuniárias a que servidores poderiam ou não fazer jus, e sob quais condições. Nessa ordem de raciocínio, não faz sentido algum dar ao § 9º do art. 39 da Constituição da República, acrescentado pela EC nº 103/19, interpretação prejudicial ao instituto da permanência, que subsiste”.

 

Apresenta neste mesmo item 3, às fls. 14/15, um segundo argumento um argumento que reforçaria a tese por ele esposada, quanto à exegese da Emenda Constitucional, no sentido de se orientar no sentido de vedar apenas a incorporação, mas não a permanência. Aduz que a vedação dos acréscimos remuneratórios se aplicaria apenas ao regime dos subsídios dos servidores públicos, conforme o disposto no § 8º do artigo 39 da Constituição Federal, cumulado com o § 4º do mesmo artigo, e que “em não se tratando de sistema remuneratório mediante subsídios, não há vedação a acréscimos remuneratórios a servidores públicos, nos termos da lei, nem proibição do estabelecimento de condições ou requisitos para a continuidade de sua percepção uma vez cessada a causa de início de pagamentos desses acréscimos”.

 

Neste mesmo item 3, após recordar o que já havia afirmado em suas premissas, no sentido de que a Emenda Constitucional nº 19/98 vedou apenas “o efeito cascata simplesmente, mas não a incorporação de acréscimos pecuniários ao padrão de vencimento”, e que com o advento da Emenda 103 restou vedada “a incorporação para quaisquer efeitos,  mas não a continuidade da percepção de acréscimos pecuniários, o que é exatamente o que se denomina permanência do direito à percepção singela de acréscimos a que o servidor tenha feito jus nos termos da lei”, pondera o parecerista “a Constituição não veda acréscimos pecuniários de caráter remuneratório em favor de servidores públicos, nem que acréscimos a que tenham feito jus continuem sendo percebidos, mesmo cessada a situação ou causa que tenha ensejado o início de sua percepção, desde que essa continuidade de percepção seja assegurada por lei(…).Segundo Márcio Cammarosano:  “O que está vedado agora com a EC nº 103 é a incorporação de vantagens a que se refere o § 9º do art. 39 para quaisquer outros efeitos remuneratórios, e não apenas para o efeito cascata (…)E nem se diga que vedada estaria também simples permanência de acréscimos porque o termo incorporação está na letra do dispositivo, relacionado à palavra remuneração, e não vencimento ou padrão de vencimento, pois a palavra remuneração, nesse dispositivo, diz respeito a sistema remuneratório vencimentos, inconfundível com o sistema remuneratório subsídios, e não como conceito mais amplo do que que vencimento ou padrão de vencimento. Tanto é verdade que o dispositivo fala em ‘remuneração do cargo efetivo’ e não ‘remuneração do servidor’. Ora, remuneração do cargo significa, em que pesa a ausência de maior adequação terminológica, a importância correspondente ao padrão de vencimentos do cargo. Destarte, o § 9º do artigo 39 veda incorporação das vantagens a que faz referência, vedação essa que não alcança singela permanência, nos termos de lei, de acréscimos pecuniários que, assim, não se incorporam ao padrão de vencimento do cargo efeito para quaisquer outros efeitos”.

 

Sustenta, portanto, finalizando o item 3 (fls. 11/19), dever prevalecer a interpretação por ele adotada do dispositivo constitucional, porquanto “Dentre as duas interpretações aparentemente comportadas pela letra do § 9º do artigo 39, há de prevalecer aquela que prestigia princípios constitucionais maiores, quais sejam: princípios da autonomia dos entes federados, da estabilidade financeira, da vedação do retrocesso, bem como do postulado hermenêutico que veda a interpretação extensiva de norma restritiva de direitos”.

 

Responde, em sequência, a título de Conclusões, às fls. 19/20 de seu parecer, após todos os argumentos tecidos, às indagações formuladas pelo SINDILEX consulente:

 

1.Os institutos da incorporação e da permanência são igualmente projeções do princípio da estabilidade financeira, mas inconfundíveis. São espécies distintas de um mesmo gênero, submetidas cada qual a regimes jurídicos parcialmente diferenciados.

 

2.A Emenda Constitucional nº 19/1998 vedou apenas o denominado efeito repique ou cascata de incorporações a padrão de vencimento. O efeito cascata, um dos efeitos da incorporação, é que ficou proibido, não a incorporação mesma, da qual aquele era um dos efeitos. Portanto, continuaram a existir, juridicamente os institutos incorporação e permanência, inconfundíveis entre si.

 

3.A Emenda Constitucional nº 103/2019, ao acrescentar ao artigo 39 da Constituição o § 9º, veda incorporações ao padrão de vencimento de cargos públicos das vantagens pecuniárias nele referidas. Essa vedação não implica proibição de permanência de acréscimos remuneratórios instituídos por leis e, consequentemente, não afeta, nesse particular, a vigência das mesmas.

 

Chamado a manifestar-me sobre o bem elaborado parecer do I. Márcio Cammarosano, passo a expor minhas considerações.

 

O parecer exarado pelo I. Jurista, com a devida vênia, embora extenso e fruto de doutas reflexões, não resiste a uma análise mais profunda e ponderada, padecendo de equívocos não apenas lógicos, mas também, com o máximo respeito, de deficiências doutrinárias e hermenêuticas. Insuficiente, portanto, para afastar os sólidos fundamentos do Parecer Chefia 004/2020, e embasar a E. Mesa na solução do caso concreto levado à sua decisão, atinente ao direito à permanência da Função Gratificada dos servidores da Edilidade paulistana, nos termos do art. 19, § 3º, da Lei 13.637/03, com a redação dada pela Lei 14.381/07, em face da Emenda Constitucional nº 103/19.

 

Em primeiro lugar, o alentado parecer não leva em conta a consagrada lição de Carlos Maximiliano, na esteira de Ferrara, de que o Direito é primariamente uma ciência normativa ou finalística: por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.151/152).

 

Como salienta ainda Carlos Maximiliano, “as prescrições de ordem pública, em ordenando ou vedando, colimam um objetivo: estabelecer e salvaguardar o equilíbrio social( Ibidem, p.. 223). Daí que:A interpretação das leis é obra de raciocínio e de lógica, mas também de discernimento e bom senso, de sabedoria e experiência( Ibidem, p. 100). Eis por que interpretar um texto normativo, sobretudo no âmbito do Direito Público, não é uma tarefa de simples compreensão lógica das frases, como a meu ver notadamente intentou proceder em seu parecer o Prof. Márcio Cammarosano, mas consiste em procurar descobrir o sentido e alcance de suas expressões no contexto social, ou seja, de seu espírito.

 

Já Celso, no Direito Romano dizia agir contra a lei aquele que “ressalvadas as palavras da lei, desatende ao seu espírito” (Paulo, no Digesto, liv.1, tít.3, frag. 29). “Interpretar uma lei” – recorda  Miguel Reale −“consiste em compreendê-la na plenitude de seus fins sociais, a fim de poder-se, desse modo, determinar o sentido de cada um de seus dispositivos” ( (REALE. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2009, p.289).

 

A interpretação da lei exige, portanto, em primeiro lugar, a sua compreensão finalística, ou seja, a interpretação teleológica, tão referida e desenvolvida pelo jurista Rudolf von Ihering. Contudo, reconhece-se hoje que o fim da lei sempre é um valor, cuja preservação ou atualização o legislador teve em vista garantir. Nesse sentido, a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, dispõe, em seu art. 5º que, na “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

 

O Direito, como se sabe, não consiste somente na lei formal, mas também nos princípios e nos valores que o integram, na sua finalidade social, e somente por meio desses elementos que compõem o seu conteúdo é possível compreender o seu verdadeiro sentido e alcance.

 

Nesse sentido, impõe-se, para a compreensão do art. 39, § 9º da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 103/19, levar em consideração a ampla análise e compreensão do conteúdo do dispositivo, e a segurança quanto à legitimidade do Ato Administrativo decorrente dessa interpretação, o que não foi ponderado devidamente pelo Professor Márcio Cammarosano. A expressão “legitimidade”, consagrada pela doutrina e pela jurisprudência, está prevista em nossa ordem constitucional. Com razão assevera Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “a lei é uma expressão positiva do Direito, mas não o esgota, pois a proteção dos valores inerentes ao homem despassa de muito o que se possa conter na legalidade estrita. Por esta razão, o conceito de Estado Democrático de Direito não pode prescindir da legitimidade e da licitude na atuação dos agentes e órgãos do Estado, que lhe conferirão juridicidade plena. Pela mesma razão, a própria lei, entendida como produto das casas legislativas, é insuficiente para regrar toda a complexidade da vida humana nas sociedades contemporâneas” (Juridicidade, pluralidade normativa, democracia e controle social in ÁVILA, Humberto, Coord. Fundamentos do Estado de Direito. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p.112)

 

Manuel Gonçalves Ferreira Filho, dissertando sobre o art. 70 da Constituição brasileira, no sentido de que o Tribunal de Contas efetuará a fiscalização dos atos do Executivo quanto à sua “legalidade e legitimidade”, salienta que se a Constituição Federal “distingue legitimidade de legalidade é exatamente para sublinhar que aquela concerne à substância do ato. O ato legítimo não observa apenas as formas prescritas ou não defesas pela lei, mas também em sua substância se ajusta a esta, assim como aos princípios não-jurídicos da boa administração (Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1992, vol. 2, p. 125-126). Lúcia Valle Figueiredo, na mesma orientação, afirma que, diante da cópula “e” entre legalidade e legitimidade, do mesmo dispositivo, a Constituição Federal pretendeu “significar algo mais”, ou seja, que o controle deve se exercer não apenas sobre a legalidade em sentido estrito, porém levando em consideração o Direito em sua plenitude, ou seja, também toda a principiologia constitucional, e acrescenta: “Quando se fala em ‘legitimidade do Estado’, se está a afirmar a legitimidade como um consenso do povo, que dá razão de existência àquele Estado, e que, realmente, transcende a legalidade. Tem um aspecto valorativo” ( Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores1994, p. 236).

 

Não atentou ainda o parecerista, por fim, na exegese que empresta ao texto constitucional, ao princípio da supremacia do interesse público, inafastável na hipótese vertente. Como leciona Hely Lopes Meirelles:

 

Com efeito, enquanto o Direito Privado repousa sobre a igualdade das partes na relação jurídica, o Direito Público assenta em princípio, inverso, qual seja, o da supremacia do Poder Público sobre os cidadãos, dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais. Dessa desigualdade originária entre a Administração e os particulares resultam inegáveis privilégios e prerrogativas para o Poder Público, privilégios e prerrogativas que não podem ser desconhecidos nem considerados pelo intérprete ou aplicador das regras e princípios desse ramo do Direito. Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, uma vez que o objetivo primacial da Administração é o bem comum. As leis administrativas visam, geralmente, a assegurar essa supremacia do Poder Público sobre os indivíduos, enquanto necessária à consecução dos fins da Administração. Ao aplicador da lei compete interpretá-la de modo a estabelecer o equilíbrio entre os privilégios estatais e os direitos individuais, sem perder de vista aquela supremacia” (Direito Administrativo Brasileiro, 39ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 50, destaque nosso).

 

Ora, o I. Professor, em seus intrincados e bem elaborados raciocínios, em nenhum momento mencionou as finalidades públicas e sociais nem tampouco o contexto econômicas e histórico que ensejaram a edição  da Emenda Constitucional nº 103/2019, que acrescentou o § 9º ao art. 39 da Constituição Federal, objeto da consulta em exame. Tal elemento teleológico, que leva em conta a finalidade social e pública, bem como os contextos econômicos e históricos, tendo em conta a precária situação da Previdência Social brasileira, que ensejaram a edição da Emenda Constitucional em questão, são relevantíssimos e inafastáveis para o intérprete compreender e a autoridade administrativa aplicar a matéria relativa à possibilidade da permanência ou incorporação da função gratificada, conforme previsão do art. 39,§ 9º da Constituição, tal como agora postulado pelos servidores da Edilidade, matéria a ser decidida pela E. Mesa.

 

De acordo com a melhor hermenêutica pátria, a Emenda Constitucional em análise não consiste em um mero jogo de palavras do legislador, perante as quais a simples análise dedutiva, por meio de premissas e articulações lógicas (embora tal análise seja indispensável, evidentemente) poderá possibilitar sua aplicação, sobretudo considerando a grave responsabilidade que o Administrador Público assumirá diante dos atos decorrentes dessa interpretação, que acarretará enorme dispêndio aos cofres públicos, e estará submetida ao crivo quanto à sua legalidade e legitimidade pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas. A título exemplificativo, conforme Exposição de Motivos à PEC que recebeu o nº 6/2019, EM nº 00029/2019 ME, de 20 de fevereiro de 2019, apresentada por Paulo Roberto Nunes Guedes, Ministro da Economia, PEC que, aprovada, veio a converter-se na Emenda Constitucional nº 103/2019:A presente proposta estabelece nova lógica mais sustentável e justa de funcionamento para a previdência social, regras de transição, disposições transitórias e dá outras providências. A adoção de tais medidas mostra-se imprescindível para garantir, de forma gradual, a sustentabilidade do sistema atual, evitando custos excessivos para as futuras gerações e comprometimento do pagamento dos benefícios dos aposentados e pensionistas, e permitindo a construção de um novo modelo que fortaleça a poupança e o desenvolvimento no futuro”. Somente diante de tal desideratum de garantia da sustentabilidade do sistema previdenciário, em contexto social e econômico concreto, é que exsurge a “mens legis” da Emenda Constitucional, que baliza o Administrador na aplicação do texto normativo, de maneira a gerir-se adequadamente, nos termos constitucionais, a despesa pública.

 

Nesse sentido, a interpretação de tal Emenda Constitucional nº103/2019 pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público Estadual e Federal, pelos Poderes Legislativos e Executivos de diversas esferas federadas, a começar pelo Poder Legislativo e Executivo no âmbito do Município de São Paulo, e o posicionamento doutrinário a respeito da matéria, transcorridos 13 (treze) meses de sua promulgação, seriam elementos importantes para respaldar a correção do entendimento esposado pelo I. parecerista, como sendo o mais adequado e seguro.

 

Porém, o parecer do I. Professor não se fez acompanhar de nenhum entendimento adicional que corroborasse a conclusão por ele alcançada, apesar de transcorrido um prazo temporal relativo longo, superior a 1 (um) ano, que assegurasse o verdadeiro conteúdo e finalidade pública do art. 39, § 9 da Constituição Federal, de acordo com a Emenda nº 103/2019. Assim, restou tal conclusão, data venia, isolada e destituída de respaldo jurídico na experiência prática, sem condições, portanto, de sustentar devidamente a relevante e difícil decisão da E. Mesa sobre a matéria em questão.

 

Ainda que assim não fosse, mesmo do ponto de vista formal, o mencionado parecer do Prof. Márcio Cammarosano, venia concessa, embora extremamente bem articulado e fruto de grande esforço, padece de equívocos lógicos, que contaminam toda a sequência das deduções por ele tecidas.

 

Inicialmente, como já salientado, afirma o parecerista, no iter de suas ponderações, que para elaborar as respostas às consultas formuladas pelo SINDILEX, há uma “questão fulcral” consistente em saber se a Constituição da República, ao vedar incorporação de vantagens, no artigo 39, § 9º, com redação da nova Emenda Constitucional, “veda apenas a incorporação no sentido estrito do termo, ou também o acréscimo denominado permanência, considerada a distinção infraconstitucional entre ambas as espécies de acréscimos remuneratórios, ensejadoras de permanência” (fls. 3/4). E, para resolver tal “questão fulcral”, estabelece duas premissas, que seriam a base de todos os seus raciocínios posteriores.

 

Como se sabe, as premissas em um raciocínio consistem no seu ponto de apoio, a partir do qual todo o edifício do silogismo se edificará. Porém, a primeira premissa apresentada pelo Professor já padece de incompletude e confusão, que se revestem de claro equívoco do ponto de vista lógico.

 

Inicia a primeira premissa, no item 1, às fls. 4/5 de seu parecer, sustentando do modo categórico, que a incorporação e a permanência são espécies de um mesmo gênero de acréscimos remuneratórios, diferenciando-se, no entanto, “no que concerne aos seguintes efeitos: a incorporação do valor correspondente à diferença remuneratória passa a integrar a base de cálculo para outros acréscimos remuneratórios, que, por força da lei que os institui, devam ser calculados tendo como base o padrão de vencimento do servidor”, enquanto que, no caso da permanência, o servidor quando faz jus à “percepção do valor correspondente à diferença remuneratória referida, esse valor não integra a base de cálculo para outras vantagens pecuniárias, não se incorpora ao padrão do cargo que titularia em caráter efetivo, não repercutindo sobre aquelas.”. E, a seguir, menciona as leis municipais onde tais critérios são aplicáveis, 9.296/81 e 10.442/88, também referidas no Parecer TCM nº 21.673/2019, primeiro sobre a matéria após a EC 103/19.

 

Porém, não explica suficientemente na primeira premissa qual o critério de distinção dos institutos − o que no meu entender seria indispensável. Asseverou ele haver distinção quanto aos efeitos nos institutos: na incorporação, a vantagem pecuniária adere ao padrão de vencimento, servindo de cálculo para outros acréscimos; e na permanência, não há essa aderência ao padrão para outros acréscimos, mas o simples direito na continuidade do recebimento da vantagem, de modo singelo. A pergunta que se formula, no entanto, é a seguinte: por qual motivo se justifica a distinção entre os efeitos da permanência e da incorporação, por ele alegada? Qual a razão que justifica essa distinção de efeitos? Menciona o I. Professor apenas a previsão em leis infraconstitucionais, e pareceres jurídicos que amparam a previsão da permanência e da incorporação, a justificar tal distinção. Porém, toda a legislação mencionada, que ampara tal distinção, é anterior à Emenda Constitucional nº 19/98, Emenda essa que passou a proibir o efeito cascata, também denominado repique, que é justamente a possibilidade de incorporar-se uma vantagem ao padrão para acréscimos ulteriores

 

Deveria o parecerista, s.m.j., ter esclarecido nessa primeira premissa, até por rigor lógico, que o critério de distinção entre incorporação e permanência vigorou apenas até a Emenda nº 19/98, na linha de raciocínio que parece adotar. Se a Emenda Constitucional nº 19/98 vedou o efeito cascata da incorporação (ou, como alega o Professor às fls. 8 de seu parecer que a Emenda 19/98: “Proibiu-lhe o efeito cascata, pura e simplesmente”), o que resta da incorporação para diferenciar-se da permanência, após tal Emenda? Indispensável seria, em todo caso, que nessa premissa o Professor aprofundasse e aclarasse exatamente em que medida os institutos se diferenciariam na prática, após a Emenda 19/98, além do efeito cascata

 

Como se sabe, do ponto de vista lógico, para se realizar a distinção entre conceitos, é preciso obedecer, dentre outros princípios, ao mais elementar deles: o da não contradição. Daí ser necessário estabelecer um claro e preciso critério de distinção, que explique suficientemente o porquê de um conceito ser distinto de outro, de maneira que um não possa se confundir com o outro.

 

Contudo, evidentemente, essa explicação deveria estar na própria premissa, de maneira a ser suficiente para sustentar-se por si mesma, pois na fundamentação dela irão apoiar-se as deduções futuras. Porém, nada justifica, sob a minha ótica, quanto à continuidade do critério de distinção entre os institutos após a Emenda nº 19/98, e o parecerista, no entanto, insiste nessa distinção como prevalente até  dezembro de 2020, data de seu parecer, e apenas menciona a previsão legal em ambos os caso, e o amparo em pareceres jurídicos antigos. E previsões legais e pareceres mencionados pelo pareceristas nada explicam sobre a distinção entre permanência e incorporação após a Emenda 19/98, exceto, evidentemente, no que tange aos direitos já adquiridos até então.

 

Saliente-se que o próprio Márcio Cammarosano reconhece a incompletude da distinção entre incorporação e permanência por ele mesmo estabelecida na primeira premissa, porque, no item 2 de seu parecer, às fls. 8, ao explicitar a segunda premissa, reitera que “A Emenda Constitucionou nº 19/98, ao dar nova redação ao inciso XIV do artigo 37 da Constituição, limitou-se a proibir o efeito cascata, e nada mais” ( fls. 8). Ora, a distinção entre incorporação e permanência conferida pelo douto professor na primeira premissa, deveria inequivocamente, até por rigor lógico, deixar claro que se tratava de distinção vigorante apenas até a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, ou seja, há quase 25 anos atrás! Após 1998, tal distinção não teria razão de ser, e outra distinção deveria ser procurada…

 

Por outro lado, não se pode deixar de ressaltar que inclusive antes de 1998 o próprio conceito dos institutos de permanência e incorporação utilizado por Márcio Carammosano na primeira premissa, encontra-se em contradição com a legislação infraconstitucional e a constitucional, e não encontra respaldo nos textos legais ( nem mesmo nas Leis por ele mencionadas na primeira premissa, Leis Municipais nº 9.296/81 e 10.442/88!), na doutrina e na jurisprudência pátrias, que apontam em sentido inteiramente diverso ao por ele sustentado. De acordo com a legislação infraconstitucional das entidades federativas, como na União ( arts. 62 da Lei 8.112/90, por exemplo), e no Município de São Paulo, os institutos e da permanência, desde que foram criados, não tiveram a finalidade a de “a de assegurar ao servidor público a continuidade da percepção da diferença de remuneração entre o cargo que titulariza em caráter efetivo, e a devida em face do exercício de função de confiança ou de cargo em comissão, uma vez retornando ao cargo efetivo”, como de modo equivocado pressupõe o douto Professor às fls. 4 em seu Parecer. No âmbito do Município de São Paulo, a finalidade dos institutos da incorporação e da permanência, sobretudo até a Emenda Constitucional nº 19/98, foi sobretudo a de assegurar ao servidor público a continuidade, como direito adquirido, no percebimento da própria vantagem em si: se incorporada ao padrão, teria reflexos em ulteriores vantagens: adicionais, quinquênios, sexta parte, etc.; se apenas tornada permanente, asseguraria ao servidor o recebimento da continuidade da gratificação singelamente, sem ulteriores reflexos nos demais itens de sua remuneração. Mencionem-se, nesse sentido, exemplificativamente, no âmbito do Município de São Paulo e da Câmara Municipal, os arts. 4º e 5º da Lei nº 7.747/72, o art. 1º da Lei nº 7840/73, o art. 3º da Lei nº 8.097/74, o art 44 da Lei nº 8.184/74, o art. 27 da Lei nº 8217/75; os arts. 100, inciso I, 112 e 114 da Lei nº 8.989/79, o art. 13 da Lei nº 9.170/80, o art. 33 da Lei nº 9.296/81, o art. 10 da Lei nº 10.430/88, os arts. 1º e 7º da Lei nº 10.442/88, os arts. 30, 116 e 141 da Lei nº 11.511/94 e o art. 23 da Lei nº17.224/19; bem como as  Resoluções da Câmara Municipal de São Paulo, com força normativa, nºs  8/59, 2/68, 8/90, 9/92, 6/93, 2/94 e 8/95. Não se tratava de uma questão apenas de diferença de remuneração, de valores econômicos, mas da vantagem em si mesma: a lei assegurava a continuidade no percebimento da própria gratificação ou do próprio adicional! Ademais, em nenhum momento o texto constitucional menciona a expressão “incorporar ao padrão” do servidor…

 

A expressão incorporar aos vencimentos consiste em mera expressão de legislação infraconstitucional, para cômputo em ulteriores vantagens, antes da Emenda Constitucional nº 19/98, e consistia normalmente na incorporação da própria gratificação ou adicional, tal como disposto no art. 114 da Lei 8989/79: “O adicional por tempo de serviço previsto no artigo 112 incorpora-se ao vencimento para todos os efeitos legais, observada a forma e o cálculo nele determinados”.

 

Ainda, a título de mero exemplo, dentre muitíssimos outros constantes da legislação acima mencionada, quanto à incorporação da própria vantagem do cargo, e não da diferença da remuneração decorrente, como sustentado por Márcio Cammarosano, mencione-se o caput do art. 33 da Lei 9.296/81 que disciplinava a remuneração do Quadro dos servidores da Câmara Municipal de São Paulo até o advento da Lei 13.637/13:

 

Art. 33 – Ao servidor do QPL que, há mais de cinco anos, sem interrupção ou dez descontínuos, tenha exercido, em caráter efetivo, em comissão ou em substituição, cargo de direção, chefia, assistência ou assessoramento, ou função gratificada, ficam incorporadas as vantagens decorrentes desse exercício.

 

No mesmo sentido, também convém fazer-se referência ao art. 1º da Lei 10.442/88, já revogada:

 

Art. 1º A gratificação a que se refere o inciso I do artigo 100 da Lei nº 8989, de 29 de outubro de 1979, tem caráter de indenização, e se torna permanente, desde que tenha sido percebida, ou venha a sê-lo, por período mínimo de 5 anos.

Parágrafo Único – Sobre a gratificação, tornada permanente em razão desta lei, não incidirá qualquer vantagem a que faça jus o servidor, vedada, assim, sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária.

 

Em igual sentido previa o art. 141 da Lei 11.511/94

 

Ao servidor público municipal, titular de cargo efetivo, fica assegurada a contagem de tempo de exercício de cargo de provimento em comissão da Câmara Municipal de São Paulo, anterior à data da publicação desta Lei, para os efeitos da permanência da Gratificação de Função ou incorporação do Adicional de Função, previstas pela legislação específica.

 

Não é adequada, pois, de modo algum, a conceituação dos institutos incorporação e permanência, como se ambos consistem em um direito à diferença de valores econômicos, como procedeu o Prof. Márcio Cammarosano, sem justificar adequadamente a sua conceituação, e de acordo com as próprias leis municipais por ele indicadas em sua primeira premissa!

 

Certo é que o ente federado poderia dispor de modo distinto, como passou a Câmara Municipal a prever com relação à permanência da Função Gratificada, conforme art. 19, § 3º da Lei 13.637/03(posteriormente à Emenda Constitucional 19/98):

 

  • Os valores atribuídos às funções gratificadas tornar-se-ão permanentes aos vencimentos e proventos do servidor, bem assim à pensão por morte, após a percepção por um período mínimo de cinco anos, nas seguintes condições:

 

Porém, do ponto de vista lógico, como se sabe, na definição de um conceito há que se delimitar a sua essência, os seus traços mais característicos, e, portanto, não poderia o Pofessor Márcio Cammarosano se basear apenas na Lei 13.637/03 para definir o conceito de permanência. Não restou claro, por outro lado, com base em que fundamento definiu o conceito de incorporação em termos de diferença de valores econômicos. Mas, de todo modo, não levou certamente em conta o I. Professor, em tais definições não esclarecidas por ele, toda a infinidade e teia de leis que regem tais institutos tanto no Município de São Paulo como nas mais diversas esferas federadas do País, especialmente na União!

 

Patentes, pois, com a devida vênia, o equívoco e a insuficiência das ponderações elaboradas pelo I. Professor a respeito da incorporação e da permanência na primeira premissa.

 

De todo modo, a Procuradora Chefe teve oportunidade de expor em seu Parecer Chefia nº 004/2020, que, a partir da Emenda Constitucional 19/98, deixou de haver a possibilidade de ocorrer na remuneração do servidor o denominado efeito cascata ou repique, e, portanto, de haver distinção entre a natureza das vantagens da incorporação e da permanência, que permaneceram a partir de então apenas com os seus “nomen juris” distintos, mas significando em sua natureza e efeitos as mesmas vantagens, o mesmo instituto.

 

“27. Ou seja: a incorporação, admitida legalmente, até a Emenda 19/98 decorria de duas características simultâneas: (1) trazia ideia de permanência, continuidade, prolongamento = tornar permanente; e (2) servia de base para outras vantagens, daí a ideia de ‘in corpore’, de ‘um só corpo = fazer computável. Após a Emenda nº 19/98, esse segundo aspecto foi vedado. Consequentemente, a impossibilidade de “repique” ou “efeito cascata” nas vantagens transitórias incorporadas, por permissivo legal em cada caso, após a Emenda Constitucional nº 19/98 tornou equivalentes os conceitos permanência e incorporação.

  1. PERMANÊNCIA E INCORPORAÇÃO, portanto, passaram a ser conceitos com igual significado e idêntico conteúdo normativo após a Emenda 19/98, quando fazem referência a vantagem recebida pelo servidor no decurso no tempo e não mais podem ser retiradas do seu patrimônio, por consistirem em direito adquirido nos termos da legislação ordinária, obedecidos os limites constitucionais: não terem efeito cascata e não serem a “qualquer título”.

 

No mesmo Parecer Chefia nº 004/ 2021, teve a Procuradora Chefe a oportunidade de fazer extensas ponderações a respeito do art. 133 da Constituição do Estado de São Paulo, cuja constitucionalidade foi enfrentada após a edição da Emenda Constitucional nº 19/98 no Recurso Extraordinário nº 219.934, recurso provido pelo Supremo Tribunal Federal (Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13.10.2004). Nos Embargos de Declaração oferecidos contra tal acórdão do STF, que reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “a qualquer título” contida no art. 133 da Constituição Estadual, ficou assentado que a finalidade da incorporação é garantir a estabilidade financeira “que decorre da situação perfeitamente regular de um funcionário efetivo exercer um cargo em comissão e dar-se estabilidade financeira em virtude dessa legítima razão” (fl. 442 daqueles autos).

 

Também teve a Procuradora Chefe, no mesmo Parecer Chefia, a ocasião de mencionar a análise e julgamento, em sede de ADIn, da específica expressão permanência prevista em Lei da Edilidade paulistana, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no ano de 2012, utilizando de modo equivalente as expressões permanência e incorporação, apesar de consistirem em nomen juris distintos, por corresponderem à mesma natureza e finalidade. Vale à pena transcrever as ponderações então feitas no Parecer Chefia nº 004/2020:

 

“29. Cite-se, com tal orientação, o acórdão prolatado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que entendeu, à época, como inconstitucional o § 5º do art. 29 da Lei nº 14.381/07 relativo à possibilidade de permanência da gratificação. A lei não emprega o termo incorporação, todavia, o acórdão está assim ementado (ADIN N°. 9048208-81.2008.8.26.0000, j. 12.09.12; Rel. Cauduro Padin, v.u.):

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 29 da Lei municipal n°. 14.381/07 que instituiu a gratificação legislativa de incentivo à especialização e produtividade (GLIEP). Requisitos legais objetivos e concretos. Atendimento ao princípio da eficiência. Precedente do Órgão Especial. Vício de iniciativa. Inocorrência. Gratificação devida. Incorporação afastada. Ação julgada procedente em parte para afastar a incorporação”

 

  1. Observo que a decisão apontou que a GLIEP, ostentando caráter temporário, seria vantagem pessoal, concedida mediante avaliação anual de desempenho; assim, a possibilidade de torná-la permanente seria inconstitucional, por caracterizar disfarçado aumento de remuneração. Em voto vencido, o Relator, usando indistintamente os termos permanência e incorporação – ao justificar seu posicionamento – chamou a atenção para o instituto da estabilidade financeira, sedimentado no âmbito do Supremo Federal:

No tocante à incorporação foi ela afastada pela maioria do Plenário contra o entendimento deste Relator sorteado que a concedia em razão dos seguintes fundamentos: A lei impugnada torna permanente a gratificação após a percepção por um período mínimo de cinco anos, preenchidas algumas condições (§ 5o).Tal previsão legal encontra-se em consonância com as disposições da Constituição Estadual. “Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço. Art. 133 – O servidor, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos.”. Assim, bem ponderou o SINDILEX “é importante que tal gratificação de desempenho seja incorporada após certo tempo aos vencimentos, porque a melhor qualificação do servidor também se incorpora permanentemente ao exercício cotidiano de suas funções. Vale dizer: o servidor ao se qualificar, se qualifica para sempre. Assim, nada mais justo que sua GLIEP se incorpore após 05 anos.” (fl. 691). Vê-se, portanto, que não há qualquer inconstitucionalidade na referida previsão legal, instituída a gratificação em atendimento ao interesse público e às exigências do serviço, além de fixar prazo mínimo razoável para a sua incorporação e outras condições.  Incide aqui a denominada “estabilidade financeira” que é admitida pelo C. STF e é “prevista legalmente para  os casos de servidores que, por terem exercido funções ou cargos em comissão por determinado lapso temporal, incorporaram aos seus vencimentos, como vantagem pessoal, parcelas da remuneração daqueles cargos ou funções” (Cf. ADI 1.264-9/SC). No caso, a referida gratificação, vantagem pessoal, obtida em razão da especialização e da produtividade do servidor público pode, preenchidos os requisitos legais, ser incorporada aos seus vencimentos.” Entretanto, a maioria diante do caráter temporário da gratificação e vislumbrando meio indevido e disfarçado de aumento de vencimento, manteve a gratificação sem a incorporação prevista no § 5o do art. 29 da Lei n°. 14.381/2007”.

 

Acrescento, apenas a título ilustrativo, um outro Acórdão (além do já mencionado relativo à GLIEP) do Tribunal de Justiça de São Paulo, prolatado pela sua 6 ª Câmara de Direito Público, relatado pela eminente Desembargadora Silvia Meirelles, na Apelação nº 0030330-64.2013.8.26.0053, j. 13/03/2017, em que se verifica que as expressões incorporação e permanência da função gratificada são igualmente utilizadas como equivalentes, por terem ambas a mesma natureza e os mesmos efeitos, embora “nomen juris” distintos. O Acórdão, especificamente, interpreta o art. 20 da Lei do Município de São Paulo nº n. 13.877/04, com redação dada pela Lei Municipal n. 14.706/08, que versa sobre a “permanência de função gratificada”:

 

APELAÇÃO Ação declaratória c/c condenatória – Servidores Públicos do Tribunal de Contas da Municipalidade de São Paulo Gratificação de Função, prevista na LM n. 10.430/88, já incorporada aos vencimentos dos autores. Função Gratificada, criada pela LM n. 13.877/04 – Alegação de que o art. 20, § 3º, da LM n. 13.877/04, com redação dada pela LM n. 14.706/08, possibilitou aos autores a opção pela gratificação mais vantajosa Inadmissibilidade – A opção não é automática, tendo os autores que preencher os requisitos do § 5º – Sentença mantida, nos termos do art. 252, do RITJSP – Recurso improvido.

 

“Trata-se de ação declaratória c/c condenatória, na qual os autores alegam ser servidores municipais, lotados no Tribunal de Contas do Município, que incorporaram aos seus vencimentos a Gratificação de Função.(…)

Quanto ao mérito propriamente dito, com o advento da Lei Municipal n. 13.877/04, com redação dada pela Lei Municipal n. 14.706/08, houve a possibilidade de optar pela Função Gratificada, nos termos do art. 20, § 3º, da lei supracitada.

É fato incontroverso que os apelantes tiveram incorporada, aos seus vencimentos, a Gratificação de Função, prevista no art. 10, da Lei Municipal n. 10.430/88, a qual reorganizou o Quadro de Pessoal da Municipalidade de São Paulo e do Tribunal de Contas do Município.Com o advento da Emenda Constitucional n. 19/98,que deu nova redação ao art. 37, inciso V, da Constituição Federal, esta trouxe nova disposição sobre as funções de confiança e os cargos em comissão e, por este motivo, foi editada a Lei Municipal n. 13.877/04, para se adequar à nova realidade constitucional.

Assim, seu art. 10 dispôs sobre o Quadro de Pessoal do Tribunal de Contas, o qual passou a ser composto por cargos de provimento efetivo, de cargos de provimento em comissão e de funções gratificadas. Por sua vez, o art. 12 dispôs que as funções gratificadas e os cargos em comissão passariam a ser de atribuição de direção, de chefia e de assessoramento, sendo que o provimento da primeira era reservado, exclusivamente aos servidores efetivos, e os cargos em comissão, poderiam ser ocupados ou não por eles. O art. 20, §§ 3º e 5º, da Lei Municipal n. 13.877/04 dispõem que:

Art. 20 Os servidores efetivos integrados nas escalas de vencimentos básicos, previstos nesta lei, quando designados para o exercício das funções gratificadas prevista no art. 12desta lei, farão jus ao vencimento básico de seu cargo efetivo, acrescido do valor correspondente à respectiva função, constante da Tabela B do Anexo V, desta lei.

[…]

  • O valor relativo à função gratificada é incompatível com a gratificação de função instituída pela Lei n. 10.430, de 29 de fevereiro de 1988, e alterações posteriores, podendo o servidor que tornou permanente a referida gratificação optar pela percepção do benefício mais vantajoso, enquanto no exercício da referida função.
  • Os valores atribuídos às funções gratificadas tornar-se-ão permanentes aos vencimentos e proventos do servidor,bem assim à pensão por morte, após a percepção por um período mínimo de 5 (cinco) anos, nas seguintes condições:[…]’(g.m.)

Conjugando-se os parágrafos supracitados, vê-se que a opção pleiteada pelos apelantes depende do preenchimento dos requisitos do § 5º.

Ou seja, o servidor efetivo do Tribunal de Contas que tenha a gratificação de função incorporada aos vencimentos, quando designado para uma função gratificada ou quando nomeado para um cargo em comissão, deverá optar pela percepção do benefício mais vantajoso. Cessando a designação ou na hipótese de exoneração do cargo em comissão, o servidor o servidor que não tenha permanecido na função gratificada pelo período mínimo de cinco (5) anos, voltará a receber a gratificação de função já incorporada.

Assim, não há como acolher a pretensão inicial, pois a opção pelo valor da função gratificada depende da designação para o exercício de função gratificada ou nomeação em cargo em comissão, bem como o preenchimento dos requisitos do § 5º do art. 20 da Lei Municipal n. 13.877/04.Pelos documentos juntados aos autos, os apelantes não comprovaram o preenchimentos dos requisitos supra mencionados, sendo a improcedência da ação de rigor”

 

Importante observar que a incorporação a que se refere o Acordão, relativa ao art. 20 da Lei 13.877/04, na realidade consta da lei como permanência. E, de igual modo, a incorporação mencionada pelo Acórdão como direito assegurado aos servidores como fato incontroverso, com fundamento no art. 10 da Lei 10.430/88, igualmente consta do texto legal apenas como direito à permanência da vantagem. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, portanto, não existe, após a Emenda Constitucional 19/98, a “distinção infraconstitucional de espécies remuneratórias”, como sustentado para a sua articulação lógica o Ilustre Prof. Márcio Cammarosano,. Oportuno, nesse passo, transcrever o art. 10 da Lei 10.430/88 (a Lei em questão foi revogada pela Lei 17.224/19, às vésperas da Emenda Constitucional nº 103/19):

 

Art. 10 – Pelo exercício de cargos de provimento em comissão, cuja natureza corresponda a encarregatura, chefia, direção, assistência ou assessoramento técnico, os integrantes do Quadro Geral do Pessoal – Tabela II (PP-II), Tabela III (PP-III) e Parte Suplementar (PS) – e do Quadro de Fiscalização Tributária, bem como os integrantes do Quadro Geral do Tribunal de Contas do Município de São Paulo – Grupos II a V – farão jus a uma gratificação de função, de conformidade com os Anexos a cada escala de vencimentos, assegurado o direito de opção pela remuneração a eles devida.

  • 1º – A gratificação a que se refere este artigo, desde que percebida por 5 (cinco) anos, adquire caráter de permanência, computando-se, para tal finalidade, o tempo de exercício, anterior a esta lei, em cargos de provimento em comissão ou função gratificada transformada em cargo, da Administração Direta, do Tribunal de Contas e das Autarquias, exercidos durante a permanência na carreira ou no cargo efetivo. Ato Relacionado § 4° do art. 16 da Lei n° 9.480/1982
  • 2º – Quando mais de um cargo tenha sido exercido, tornar-se-á permanente a gratificação de maior valor, desde que lhe corresponda uma percepção mínima de 1 (um) ano.
  • 3º – Nas hipóteses em que o funcionário, já alcançada a permanência da gratificação, venha a exercer outro cargo, pelo qual faça jus, àquele título, a percentual maior, perceberá ele apenas a respectiva diferença, até que, pelo decurso do prazo previsto no parágrafo anterior, este último se torne permanente.
  • 4º – O funcionário que já tenha alcançado a permanência da gratificação e esteja exercendo outro cargo, a que corresponda gratificação menor, perceberá apenas aquela já permanente.
  • 5º – Para o cálculo dos proventos de aposentadoria por invalidez ou compulsória, e da pensão devida por morte em atividade , considerar-se-á permanente, de imediato, a gratificação correspondente ao maior valor recebido, independentemente de prazo de percepção.
  • 6º – É vedada a percepção cumulativa da gratificação de função, e, bem assim, a de gratificação de função com o padrão de cargo em comissão, ressalvada a situação dos atuais titulares efetivos de cargos de chefia e encarregatura do Quadro Geral do Pessoal e do Quadro de Fiscalização Tributária, bem como o disposto no parágrafo 3º deste artigo.
  • 7º – Os integrantes do Quadro de Fiscalização Tributária que, nos termos do parágrafo 1º deste artigo, já tenham alcançado a permanência da gratificação de função, e venham a exercer cargo de hierarquia inferior na carreira, farão jus à gratificação de produtividade fiscal relativa a este último, calculada na forma as legislação vigente e corrigida pelos índices constantes do Anexo II – Gratificação de Função – Fiscalização Tributária. Ato Relacionado § 3º do art. 31 da Lei nº 12.477/1997
  • 8º – Sobre a gratificação de função, tornada permanente em razão desta lei, não incidirá vantagem alguma que faça jus o funcionário, vedada, assim, sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária.

 

Relevante salientar também que no Parecer Chefia nº 004/2021, em seu item 72, recordou a Procuradora Chefe “a edição da Lei municipal nº 17.224/19. Esta lei, publicada no dia 1º de novembro de 2019 – dias antes da publicação da EC 103/19 -, extinguiu a permanência ou incorporação de vantagens associadas ao exercício de função de confiança das leis municipais que especificou, conforme art. 23”. Muito oportuna a transcrição desse art.23 da recente Lei Municipal nº 17.224, de 31 de outubro de 2019:

 

Art. 23. A partir da publicação desta Lei, fica extinta a incorporação ou permanência:

I – da função gratificada, nos termos do art. 39 da Lei nº 8.183, de 20 de dezembro de 1974;

II – do adicional de função, nos termos do art. 15 da Lei nº 10.182, de 30 de outubro de 1986;

III – da gratificação de função, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.430, de 29 de fevereiro de 1988;

IV – da gratificação de gabinete, nos termos da Lei nº 10.442, de 4 de março de 1988;

V – da gratificação de comando, nos termos do art. 5º da Lei nº 15.365, de 25 de março de 2011.

  • 1º É assegurado o direito à incorporação ou permanência das verbas mencionadas nos incisos I a V do caput deste artigo, aos servidores que, até a véspera da data da publicação desta Lei, cumpriram todos os requisitos para seu deferimento, nos termos das respectivas legislações de regência.
  • A importância atualmente paga em razão da incorporação ou permanência das verbas mencionadas nos incisos I a V do caput deste artigo ou deferida nos termos do § 1º deste artigo constituirão vantagem pessoal nominalmente identificada.
  • Aos servidores que se encontravam submetidos ao regime de incorporação ou permanência ora extinto e, na data da publicação desta Lei, estiverem no exercício de função gratificada, função de confiança, gratificação de função ou função gratificada prevista na Lei nº 15.365, de 2011, ou recebendo, com fundamento no art. 100, inciso I, da Lei nº 8.989, de 1979, gratificação de gabinete, e que não tenham alcançado o tempo mínimo necessário à obtenção da respectiva incorporação ou permanência das verbas mencionadas nos incisos I a V do caput deste artigo, fica assegurada a percepção de vantagem pessoal nominalmente identificada, de acordo com o tempo de recebimento da gratificação ou adicional e percentuais, na seguinte conformidade:

I – de 1 (um) ano até a véspera do implemento de 2 (dois) anos: 20% (vinte por cento);

II – de 2 (dois) anos até a véspera do implemento de 3 (três) anos: 40% (quarenta por cento);

III – de 3 (três) anos até a véspera do implemento de 4 (quatro) anos: 60% (sessenta por cento);

IV- de 4 (quatro) anos até a véspera do implemento de 5 (cinco) anos: 80% (oitenta por cento).

  • 4º O cálculo da vantagem pessoal nominalmente identificada, nos percentuais definidos no § 3º deste artigo, terá como base:

I – a referência remuneratória de maior valor percebida, desde que auferida por um período igual ou superior a 1 (um) ano ou, quando não atingido ao menos 1 (um) ano em quaisquer dos interregnos, o de maior período de recebimento;

II – na hipótese de exercício de mais de uma função gratificada, de função de confiança, de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada prevista na Lei nº 15.365, de 2011, por períodos idênticos, menores que 1 (um) ano, a referência de maior valor.

  • 5º As vantagens pessoais nominalmente identificadas de que tratam os §§ 2º e 3º deste artigo serão reajustadas nas mesmas datas e no mesmo percentual da revisão geral anual dos servidores municipais, na forma da legislação específica, e integrarão a base de cálculo da contribuição para o Regime Próprio de Previdência Social do Município de São Paulo – RPPS e para o Regime de Previdência Complementar – RPC, instituídos respectivamente pelas Leis nº 13.973, de 2005, e nº 17.020, de 2018.

 

Patente o mesmo tratamento que se dá à incorporação e à permanência pela recente Lei do Município de São Paulo, sem qualquer distinção entre ambas, editada às vésperas da aprovação da Emenda Constitucional nº 103/2019, que não distinguiu a natureza ou de efeitos dos institutos em questão, transformando-os em vantagem pessoal nominalmente identificada– em atenção ao princípio da estabilidade financeira, reconhecido em sede de Repercussão Geral, Tese de Repercussão Geral nº 41 do STF e de modo similar ao art. 62-A da Lei Federal 8.112/90.

 

Como se extrai dos elementos de tal legislação municipal citada, referida nos Acórdãos mencionados, e dos abundantes argumentos acima expostos, em verdade é possível concluir, na esteira da Procuradora Chefe, que após a Emenda Constitucional nº 19/98, correspondência entre as expressões incorporação e permanência, por não se poder falar de modo algum em “incorporação” no sentido de “incorporação de vantagem ao padrão do servidor, para acréscimos ulteriores” como singelamente, como pretendeu expor o douto Professor na primeira premissa, sem qualquer aclaramento, como se não houvesse obstáculos instransponíveis nessa afirmação. Como visto no julgamento do RE nº 219.934, assim como em inúmeros outros que versavam à época sobre a mesma matéria relativa ao tema da incorporação de vantagens, a incorporação passou a partir da Emenda Constitucional nº 19/98  a corresponder a uma simples permanência da vantagem, visando assegurar ao servidor a “estabilidade financeira”.

 

Demonstrada, pois, à saciedade, a incompletude e a perplexidade lógica da primeira premissa, tanto na definição dos institutos, como em seus efeitos, passemos então a analisar a segunda premissa estabelecida pelo douto Professor, no item 2, fls. 6/11 de seu parecer, para verificar se de fato a nova premissa esclarece em algum ponto a primeira.

 

Aduziu ele, na segunda premissa, que embora tenha sido proibido, a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, “que qualquer acréscimo remuneratório passasse a integrar o vencimento básico do cargo, seu padrão, para fins de cálculo de acréscimos ulteriores de qualquer espécie”, no entanto tal vedação “não implicou qualquer proibição ao legislador ordinário, de quaisquer esferas de governo, de manter ou criar vantagens, gratificações ou adicionais, a serem percebidos pelos servidores a que a elas tivessem ou viessem a fazer jus, nos termos das leis que decidissem produzir, no exercício de suas respectivas autonomias, respeitadas as disposições constitucionais aplicáveis”, inclusive, a de “acréscimos pecuniários devidos pelo exercício de função de confiança ou de cargo em comissão, uma vez cessado esse exercício, passem a integrar, em caráter permanente, a remuneração do servidor titular de cargo de provimento em caráter efetivo, como direito adquirido, em homenagem ao princípio da estabilidade financeira”.  Para ele, com base nos precedentes judiciais que menciona, o princípio da estabilidade financeira se manifesta nas disposições que asseguram a irredutibilidade de vencimentos de servidores públicos ( artigo 37, inciso XV, da CF), tanto no que se refere às incorporações como à permanência de vantagens pecuniárias. A Emenda Constitucional nº 19/98 teria se limitado a proibir o efeito cascata, mas não a incorporação ou permanência, sendo que somente a incorporação foi vedada com a Emenda constitucional 103/19.

 

Porém, como vimos, a distinção entre os institutos da permanência de incorporação e permanência somente passou a existir, a partir da emenda Constitucional nº 19/98, como nomen juris e não quanto aos seus efeitos ou natureza.

 

Aliás, saliente-se que a permanência da Função Gratificada em questão, conforme o art.19, § 3º, da Lei 13.637/2003, direito que o Sindicato consulente pretende ver assegurado mesmo após a Emenda Constitucional nº 103/19, jamais teve o efeito denominado cascata ou repique, em razão do disposto no § 1º do mesmo art. 19, que dispõe: “§ 1º O valor atribuído às funções gratificadas não constitui base de incidência de cálculo para qualquer outra vantagem pecuniária”. Igualmente, a permanência da gratificação de gabinete no âmbito municipal, jamais teve tal efeito denominado cascata ou repique, em razão do disposto no Parágrafo único do art. 1º da Lei 10.442/88 (revogada em 2019), que estabelecia: “Parágrafo Único – Sobre a gratificação, tornada permanente em razão desta lei, não incidirá qualquer vantagem a que faça jus o servidor, vedada, assim, sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária”.

 

Como se pode constatar, de modo patente, desde que foi criada, a permanência de vantagens no âmbito do Município de São Paulo em nenhum momento veio a se distinguir da incorporação quanto aos seus efeitos após a Emenda Constitucional nº 19/98, como alegado pelo I. Professor, na dimensão apontada por ele como crucial na segunda premissa de seu parecer: sua utilização para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária”.

 

Para aprofundarmos na análise dos argumentos aduzidos pelo douto Professor nessa segunda premissa, convém, neste passo, trazer à colação as balizas do conceito de “estabilidade financeira”, fixadas pela jurisprudência pátria, a fim de que não se dê margem a equívocos e ambiguidades. Ponderou a Procuradora Chefe em seu Parecer Chefia 004/2020:

 

“31. O direito adquirido à incorporação e à permanência é também chamado pela jurisprudência de “estabilidade financeira”, ou “apostilamento”. De fato, a chamada estabilidade financeira do servidor foi prestigiada pela Corte Suprema em diversas oportunidades. No RE 563.965-7 – RN, j. 11.02.2009, Rel. Min. Carmen Lucia, o acórdão restou assim ementado:

“DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DA REMUNERAÇÃO: AUSÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N. 203/2001 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: CONSTITUCIONALIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre a ausência de direito adquirido a regime jurídico. 2. Nesta linha, a Lei Complementar n. 203/2001, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou a forma de cálculo de gratificações e, consequentemente, a composição da remuneração de servidores públicos, não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da irredutibilidade da remuneração. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento”.

 

  1. No voto condutor do acórdão acima ementado, que originou a Tese de Repercussão Geral nº 41 do STF, a I. Ministra Carmen Lucia, pontuou a evolução histórica do instituto da estabilidade financeira, assinalando que esta “consiste em previsão legal que não iguala ou equipara vencimentos, apenas reconhece o direito daqueles que exercem cargos ou funções comissionadas por certo período de tempo em continuar percebendo esses valores como vantagem pessoal”.

 

  1. Inúmeros julgados recentes do STF confirmaram essa possibilidade de os Estados ou Municípios preverem em suas legislações locais a incorporação (ou permanência, ou “estabilidade financeira”, ou “apostilamento” de vantagens temporárias tal como a gratificação de função), desde que obedecidos os limites da Emenda 19/98 sem o “efeito cascata”, tais como: “A estabilidade financeira garante ao servidor efetivo, após certo tempo de exercício de cargo em comissão ou assemelhado, a continuidade da percepção da diferença entre os vencimentos desse cargo e o do seu cargo efetivo”.(STF,1ª T., Ag.Reg. no RE 687.276/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 04/12/2012).“O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre a ausência de direito adquirido a regime jurídico” (STF, Pleno, RE n.º 226.462/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 25/05/2001); “Realmente, a vocação dos enunciados legais é regular o futuro, atribuindo consequências jurídicas a fatos ocorridos após a sua vigência(…).Para o caso em apreço, releva destacar que a possibilidade de incorporação de valores recebidos em razão do exercício de cargo ou função de confiança é compatível com a Constituição na medida em que promova a valorização e profissionalização do servidor público e evite decessos remuneratórios que comprometam o padrão de vida do servidor e de sua família ao fim do exercício da função”( ADIn 5441/MC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 26/06/2017) “Configurada situação de pagamento de vantagem pessoal, na qual se enquadra o princípio da ‘estabilidade financeira’, e não da proibição constitucional de vinculação de espécies remuneratórias vedada pelo art. 37, inc. XIII, da Constituição da República. 2. Previsão legal que não iguala ou equipara vencimentos, apenas reconhece o direito dos que exerceram cargos ou funções comissionadas por certo período de tempo em continuar percebendo esses valores como vantagem pessoal. Precedentes. (ADI 1.264/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ de 15/2/2008) . No mesmo sentido: RE 1.255.093/AM, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23/04/2020.  RE 69.8242 AgReg./MS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 18/12/2012, DJe 19/02/2013”.

 

Oportuno, nesse passo, o relato histórico do instituto, feito pela Ministra Cármen Lúcia, no mencionado RE 563.965/RN: (DJ de 20/3/2009):

 

“Trata-se de instituto apelidado pela jurisprudência de estabilidade financeira, adotada pelo direito administrativo antes mesmo do sistema constitucional de 1988. Entretanto, apenas com o advento deste é que passou a ser objeto de discussões judiciais, sob alegação de choque entre a vedação de vinculação entre acréscimos pecuniários à remuneração de servidores públicos e a garantia da irredutibilidade da remuneração, conforme, respectivamente, os incisos XIV e XV do art. 37 da Constituição da República.

Este Supremo Tribunal inicialmente examinou a estabilidade financeira tendo em vista o extinto instituto da agregação (também chamado apostilamento em algumas legislações), que consistia na manutenção dos valores devidos a servidor que exercia, por determinado período, cargo em comissão. Mesmo após a saída deste cargo, mantinha ele tais valores que se somavam aos que lhe eram devidos por força de provimento de cargo efetivo. Quer dizer: o servidor continuava a perceber valores remuneratórios que lhe eram devidos por ter exercido, durante certo período, o cargo em comissão, e não o que lhe corresponderia pelo cargo de provimento efetivo de que era titular. (…)

A União, o Distrito Federal e a grande maioria dos Estados e Municípios acolhem aquele instituto em suas respectivas legislações.

Esse quadro foi alterado apenas à medida que o número de servidores públicos beneficiários do instituto aumentou em excesso, como resultado de fatores diversos, dentre eles interpretações que surgiram facilitando a incorporação de parcelas e as várias distorções no serviço público, como, por exemplo, rodízios anuais de funções e cargos comissionados, de modo a que todos os servidores lotados em determinado órgão administrativo tivessem a oportunidade de incorporar uma parcela, ao menos, a suas respectivas remunerações.

A estabilidade financeira, portanto, foi extinta na União e em outras unidades federadas, embora em momentos distintos, havendo apenas os efeitos financeiros decorrentes daquele instituto.

Na União, a extinção da estabilidade financeira não gerou maiores transtornos pela transformação das parcelas incorporadas em vantagem pessoal, desvinculando-as, portanto, da função ou cargo comissionado ocupado anteriormente pelo servidor público. Tal tranquilidade não se repetiu, entretanto, nos Estados-membros. (…)

No caso dos autos, apesar de não se tratar de modificação da forma de cálculo de parcelas de funções ou cargos comissionados incorporados por servidores públicos, tem plena aplicação a jurisprudência construída pelo Supremo Tribunal Federal sobre a estabilidade financeira, que consiste, basicamente, na ausência de direito adquirido à forma de cálculo da remuneração, desde que respeitado o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos”.

 

A estabilidade financeira atende a objetivos de valorização e profissionalização do serviço público, sob o pressuposto de incentivar e premiar a assunção de maiores responsabilidades pelo servidor e com a preocupação de evitar um grave decesso remuneratório ao fim do exercício do cargo ou função. A realidade do serviço público brasileiro, em que a prática contraria esses legítimos propósitos, justificou, em muitos casos, como ocorreu na União, a revogação da possibilidade de incorporação da função gratificada, respeitado apenas o direito adquirido às parcelas já incorporadas e a irredutibilidade nominal dos vencimentos.

 

Não se trata tal estabilidade, portanto, de um princípio constitucional que venha assegurar ao servidor a incorporação ou permanência da própria gratificação de função− em nenhum momento tal vantagem, própria do regime jurídico, restou assegurada!−, já que o direito à incorporação ou permanência da gratificação de função poderia e inclusive deveria ser revogado por lei pelo ente federado, quando se constatava a ocorrência de distorções − embora os efeitos financeiros decorrentes desse instituto deveriam permanecer, como direito adquirido à vantagem econômica decorrente. Foi o que ocorreu com a União, como relatado pela Ministra Carmen Lucia, no RE 563.965/RN. O Ministro Alexandre de Moraes, ao relatar a ADIn 4.441/SC, referindo-se ao instituto da estabilidade financeira no Estado de Santa Catarina, manifestou-se no sentido de que “A realidade do serviço público brasileiro, em que a prática contrariava esses legítimos propósitos, justificou a revogação do instituto, respeitado o direito adquirido às parcelas já incorporadas e a irredutibilidade nominal dos vencimentos”.

 

Tampouco a estabilidade financeira é um gênero das espécies incorporação ou permanência. Irrazoável chegar-se a esta conclusão. Ela apenas assegura que os direitos econômicos decorrentes, tanto da incorporação, como da permanência, continuem a ser percebidos pelo servidor, como vantagem pessoal, na hipótese de revogação da lei que assegurava tal direito ao servidor.

 

Nesse sentido, importante salientar que, na União, a Lei 9.527, de 10 de dezembro de 1997, alterando a redação do art. 62 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, já havia revogado o dispositivo que permitia a incorporação da gratificação de função aos funcionários efetivos, na proporção de 1/5 (um quinto) por ano. Oportuno, para a compreensão do alcance da estabilidade financeira, transcrevermos a redação atual do art. 62 da Lei 8.112, de 1990, bem como do art. 62-A da mesma lei, inserido este por meio da Medida Provisória nº 2.225-45, de 4 de setembro de 2001, que assegurou a vantagem econômica àqueles servidores que já tinham o direito adquirido como VPNI:

 

Art. 62. Ao servidor ocupante de cargo efetivo investido em função de direção, chefia ou assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de Natureza Especial é devida retribuição pelo seu exercício.

Parágrafo único. Lei específica estabelecerá a remuneração dos cargos em comissão de que trata o inciso II do art. 9o.

Art. 62-A. Fica transformada em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada – VPNI a incorporação da retribuição pelo exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de Natureza Especial a que se referem os arts. 3º e10 da Lei no 8.911, de 11 de julho de 1994, e o art. 3oda Lei no9.624, de 2 de abril de 1998. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

 

Assim, em resumo, a estabilidade financeira, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Tese de Repercussão Geral nº 41 do STF no ano de 2009 e outros inúmeros julgados acima citados ( todos após a Emenda Constitucional nº 19/98) foi consagrado e fixado pela Jurisprudência (após a Emenda Constitucional nº 19/98), em respeito ao princípio constitucional da irredutibilidade da remuneração (ausente o direito adquirido ao regime jurídico, ou seja à própria continuidade no recebimento da gratificação de função), e consiste apenas em uma vantagem pessoal do servidor, após certo tempo de exercício de cargo em comissão ou função gratificada, por meio da qual tem assegurada a continuidade da percepção dos valores pecuniários, correspondentes à diferença entre os vencimentos desse cargo ou função e os do seu cargo efetivo. Apenas isso: com a Estabilidade Financeira reconhecida, o servidor passa a ter o direito a um valor pecuniário acrescentado ao seu cargo efetivo, que se constitui em uma vantagem pessoal, por ter exercido, nos termos legais, durante certo tempo, cargo em comissão ou função gratificada,  incorporando ou tornando permanente em seus vencimentos esse valor pecuniário, sem possibilidade de cômputo dessa vantagem pessoal para ulteriores vantagens, uma vez que isso restou vedado pela própria Emenda Constitucional nº 19/98.

 

Como visto, pois, por meio da estabilidade financeira, como a própria expressão “financeira” indica, reconhecida pelo STF por meio da Tese de Repercussão Geral nº 41 do STF em 2009, o servidor, de acordo com a lei do ente federado, não incorpora nem torna permanente o cargo nem a função gratificada em si mesma, mas apenas o valor pecuniário correspondente, que passa a constituir em seus vencimentos uma vantagem pessoal, que não pode ter efeito cascata em ulteriores vantagens. Em decorrência, os institutos da incorporação ou da permanência passaram na prática a ter a mesma natureza a partir da Emenda 19/98, porque os efeitos desses institutos passaram a ser os mesmos desde então.

 

O fato de permanecerem em vigor após a Emenda nº 19/98 as normas municipais anteriores a ela, editadas com o fim de assegurar a incorporação ou a permanência da função gratificada (como aliás, nesse aspecto de continuarem em vigor após tal Emenda, foi muito bem ressaltado pelo I. Professor no item 1 de seu parecer, às fls. 6, último parágrafo, e fls. 7, primeiro parágrafo), não altera em nada as ponderações no sentido de identidade de natureza e de efeitos entre tais institutos da incorporação e permanência, pois, de todo modo, o efeito denominado cascata ou repique passou a ser vedado a partir da mesma Emenda nº 19/98, obrigatório para todas as esferas federadas. Aliás, a interpretação dada ao art. 133 da Constituição Estadual pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, já salientada, bem como os Acórdãos do TJ mencionados neste Parecer ASS, são suficientes para demonstrar a correção do entendimento da Procuradora Chefe no Parecer 004/2021 nesse sentido.

 

À luz do instituto da estabilidade financeira, portanto, nenhum esclarecimento à segunda premissa o Professor Márcio Cammarosano acrescenta para a distinção entre a permanência e a incorporação, em relação aos elementos por ele estabelecidos na primeira premissa de seu parecer, e ambas premissas continuam incompletas.

 

Igualmente, tampouco as considerações em torno da autonomia municipal para legislar sobre servidor público, tecidas pelo douto Professor, teriam o condão de demonstrar que continuariam em vigor no âmbito infraconstitucional ambos institutos, o da permanência e o da incorporação, após a Emenda Constitucional nº 19/98, “à luz do princípio constitucional da Estabilidade Financeira”, pois tais considerações já haviam sido afastadas à saciedade pela Procuradora Chefe em seu Parecer Chefia nº 004/2020, na esteira de abundante jurisprudência pátria, já que conforme entendimento pacífico, como por ela salientado, que a competência no Município sobre a matéria jamais poderia ser absoluta.

 

“50. Certo é que decorre da própria Constituição Federal a competência dos Municípios para tratarem das questões de interesse local, administrando-os e legislando sobre o regime jurídico dos servidores públicos (art. 30, I, CF). Por regime jurídico dos servidores públicos deve-se compreender o “conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes” (STF, ADI MC 766-RS,Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 03-09-1992, RTJ 157/460), dentre as quais as que versam sobre vencimentos” e aos “direitos e às vantagens de ordem pecuniária” dos servidores públicos” (STF, Pleno, ADI-MC 766-RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 03-09-1992,DJ 27-05-94). No entanto, estão os Municípios, ao legislar sobre o regime jurídico de seus servidores, adstritos obrigatoriamente aos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual ( arts. 25, “caput” e 29, “caput”).

 

  1. Eis a razão pela qual a previsão de “incorporação de quantias aos vencimentos dos servidores municipais”se enquadra perfeitamente como sendo de interesse local, podendo constar dos atos administrativos e de suas respectivas leis” (TJESP, 10ª Câmara de Direito Público, Arguição de Inconstitucionalidade nº 0047340-76.2019.8.26.0000 Rel. Des. Álvaro Passos, j. 19/02/2020). “Não se discute a idoneidade da instituição de vantagem para remuneração do exercício de cargo de provimento em comissão ou função de confiança por servidor público titular de cargo de provimento efetivo. Essa vantagem está de acordo com o interesse público e as exigências do serviço público previstos no artigo 128 da Constituição Estadual, bem como aos princípios da Administração Pública relacionados no art. 111 da referida Constituição. (….). No caso em apreço, a incorporação, por si só, não é inconstitucional” (TJESP, Órgão Especial, ADIn 0133699-39.2013.8.26.0000. Lei do Município de Analândia, Rel. Guerrieri Rezende, j. 12/02/2014). Mencione-se, por fim, recente Acórdão prolatado pelo C. Órgão Especial em 27/05/2020, na ADIn 2211942-50.2019.8.26.0000, relatado pelo Des. Jacob Valente, tendo por objeto Lei do Município de Itaquaquecetuba, no sentido de que a função de confiança consiste “na ampliação das atribuições e responsabilidades de um cargo de provimento efetivo, mediante uma gratificação pecuniária que pode ser objeto de incorporação temporal aos vencimentos, ou não”.

 

  1. Por outro lado, como vimos no item III deste parecer, a incorporação e a permanência das gratificações temporárias exigem, desde a Emenda Constitucional nº 19/1998, a correspondente contribuição previdenciária, que versa sobre matéria constitucional de competência concorrente ( art. 24, inciso XII, da Constituição Federal). Não se admite a concessão da vantagem remuneratória, e a sua incorporação, sem a correspondente contribuição previdenciária.

 

  1. Tratando-se a disciplina relativa à contribuição previdenciária matéria de competência legislativa concorrente, o Município, além de atender às normas e aos princípios da Constituição Federal e Estadual (arts. 24, inciso XII, 25, “caput”, 29, “caput”, e arts. 31, incisos I e II,da Constituição Federal), deve também atender às normas gerais da União ( art. 24, § 1º, da Constituição Federal).Neste sentido, confira-se julgado do Pleno do STF citando diversos precedentes:

“Já se firmou na jurisprudência desta Corte que, entre os princípios de observância obrigatória pela Constituição e pelas leis dos Estados-membros, se encontram os contidos no art. 40 da Carta Magna Federal (assim, nas ADI 101,ADI 178 e ADI 755).[ADI 369, rel. min. Moreira Alves, j. 9-12-1998, P, DJ de 12-3-1999.] (STF, Pleno , ADIn 4.698 MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 1º/12/2011,DJe 25/4/2012). E que “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente, sobre previdência social, nos termos do disposto no art. 24 da Constituição Federal, hipótese em que a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, de acordo com o disposto no art. 24, § 1º, da CF.” STF, Pleno, ACO 2.821-AgR ,Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 22/3/2018; ACO 1.062-ED-ED-AgR,Rel. Min. EDSON FACHIN, Plenário, DJe de 21/6/2017; AgReg na ACO 2.607/TO, Re. Min. Alexandre de Moraes, j. 31/05/2019, DJe 13/6/2019)”.

 

  1. Daí que, embora detenha o Município autonomia para legislar sobre a matéria relativa à incorporação e permanência de servidores, essa autonomia não é absoluta, por estar delimitada por normas e princípios constitucionais, bem como às normas gerais previdenciárias da União.

 

Precisa, sobre a questão, em acréscimo, a doutrina de Hely Lopes Meirelles, quanto à necessidade de o Município obedecer aos princípios constitucionais e aos preceitos das leis nacionais de caráter nacional, especialmente no caso em questão, em que se está a se tratar também de matéria previdenciária:

 

“A competência para organizar o serviço público é da entidade estatal a que pertence o respectivo serviço. Sobre esta matéria as competências são estanques e incomunicáveis. (….) Cada entidade estatal é autônoma para organizar seus serviços e compor seu pessoal. Atendidos os princípios constitucionais e os preceitos das leis nacionais de caráter complementar, as unidades federativas instituirão seus regimes jurídicos, segundo suas conveniências administrativas e as forças de seus erários (CF, arts. 39 e 169)” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Editora Malheiros, 44ª edição, 2020, p. 458).

 

Ademais, é pacífico no Direito pátrio que o exercício das competências dos entes federados deve respeitar a interdependência entre as competências, que é traço nuclear do Estado Federal, decorrente dos princípios da solidariedade e cooperação que deve imperar entre os entes federados para a consecução dos objetivos comuns. Aplica-se, assim, pois, no tocante à exegese da Emenda nº 103/2019, que versa sobre Previdência Social, razões invocadas pelo Ministro Alexandre Moraes, acolhidas por unanimidade pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento em 15 de março de 2021 da Ação Direta nº 6447/DF, tendo por objeto a Lei Complementar nº 173/2020, que trata do controle e do equilíbrio fiscal dos entes federados durante a Pandemia:

 

“O princípio geral que norteia a repartição de competência entre os entes componentes do Estado Federal brasileiro, portanto, e o princípio da predominância do interesse, tanto para as matérias cuja definição foi preestabelecida pelo texto constitucional, quanto em termos de interpretação em hipótese que envolvem várias e diversas matérias.

A própria Constituição Federal, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder na própria União, ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios.

Essa opção inicial do legislador constituinte não afastou da Constituição de 1988 os princípios básicos de nossa tradição republicana federalista, que gravita em torno do princípio da autonomia, da participação politica e da existência de competências legislativas próprias dos Estados/Distrito Federal e dos Municípios, indicando ao intérprete a necessidade de aplicá-los como vetores principais em cada hipótese concreta em que haja a necessidade de análise da predominância do interesse, para que se garanta a manutenção, o fortalecimento e, principalmente, o equilíbrio federativo (GERALDO ATALIBA. República e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 10), que se caracteriza pelo respeito as diversidades locais, como bem salientado por MICHAEL J. MALBIN, ao apontar que “a intenção dos elaboradores da Carta Constitucional Americana foi justamente estimular e incentivar a diversidade, transcendendo as facções e trabalhando pelo bem comum” (A ordem constitucional americana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987, p. 144), consagrando, ainda, a pluralidade de centros locais de poder, com autonomia de autogoverno e de autoadministração, para que se reforçasse a ideia de preservação da autonomia na elaboração do federalismo, como salientado por ALEXIS DE TOCQUEVILLE, ao comentar a formação da nação americana (Democracia na América: leis e costumes. São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 37 e ss.), que serviu de modelo a nossa Primeira Constituição Republicana em 1891.

Nos regimes federalistas, respeitadas as opções realizadas pelo legislador constituinte e previamente estabelecidas no próprio texto constitucional, quando surgem duvidas sobre a distribuição de competências e, consequentemente, a necessidade de definição do ente federativo competente para legislar sobre determinado e especifico assunto, que engloba uma ou várias matérias com previsão ou reflexos em diversos ramos do Direito, caberá ao intérprete priorizar o fortalecimento dos preceitos básicos de convívio no Estado Federal, que garantam o imprescindível equilíbrio federativo (JUAN FERRANDO BADIA. El estado unitário: El federal y El estado regional. Madri: Tecnos, 1978, p. 77; MANOEL GONCALVES FERREIRA FILHO. O Estado federal brasileiro na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo, 179, p. 1; RAUL MACHADO HORTA. Tendências atuais da federação brasileira. Cadernos de direito constitucional e ciência política, n. 16, p. 17;(…)

A previsão de estratégias de harmonização no texto constitucional com a finalidade de garantir o imprescindível equilíbrio federativo, na presente hipótese, também encontra explicação em razões econômicas, que deram ensejo ao denominado Federalismo Fiscal.

 

Assim, em síntese, a predominância do interesse da matéria relativa a servidor público não justifica jamais a conclusão de tratar-se de matéria de exclusiva competência do Município, já que o Município está subordinado, inequivocamente, no exercício de tal competência, a princípios e normas constitucionais, bem como, no caso do art. 39, § 9º da CF, por acarretar consequências previdenciárias, às normas gerais previdenciárias da União. E, como salientado, o intérprete da Constituição Federal deve priorizar o fortalecimento dos preceitos básicos de convívio e interdependência do Município no Estado Federal, que garanta o imprescindível equilíbrio federativo e permita a consecução dos objetivos comuns dos entes federados, em um clima de solidariedade e cooperação mútua− notadamente, diante dos elevados riscos de sobrevivência do regime próprio previdenciário e da Previdência Social como um todo.

 

A adequada hermenêutica constitucional jamais se compadeceria com a prevalência dos efeitos de lei municipal eventualmente vigente, se contrários aos expressos termos expressos constitucionais; na hipótese presente, estabelecidos claramente pelo art. 39, § 9, da Constituição da República, ainda que a lei municipal utilize, em vez da expressão “incorporação”, outra expressão equivalente, que, com outro nomen juris, pretenda alcançar por via oblíqua exatamente os mesmos efeitos vedados expressamente pelo texto constitucional, tais como as denominações permanência, apostilamento, estabilidade financeira, etc.− não fica vedada, evidentemente, vantagem adquirida nos termos da lei municipal após a Emenda Constitucional 103/19, caso se trate, nos termos do art. 13 da própria Emenda, de direito adquirido anteriormente à sua publicação.

 

Destituída de amparo jurídico, consequentemente, a afirmação do I. Professor, de que “absolutamente desarrazoada emenda que instituísse prescrições minudenciando organização de carreiras, detalhando sistemas remuneratórios quanto a vantagens pecuniárias a que servidores poderiam ou não fazer jus, e sob quais condições. Nessa ordem de raciocínio, não faz sentido algum dar ao § 9º do art. 39 da Constituição da República, acrescentado pela EC nº 103/19, interpretação prejudicial ao instituto da permanência, que subsiste”. Ao invés, por todos os motivos acima expostos, quanto à inexistência de competência municipal exclusiva sobre a matéria a Emenda Constitucional 103/2019, que há de ser interpretada no sentido de impedir a subsistência dos institutos da permanência ou da incorporação adquiridos nos termos legais somente após a sua vigência. Não por ter tal Emenda disciplinado de maneira minuciosa temas de exclusiva competência municipal relativas a servidor municipal, evidentemente, mas por ter estabelecido um princípio e critério básico relevante para as contas públicas relativo aos servidores públicos e para o regime previdenciário nacional: ser vedado expressamente o acréscimo permanente (independentemente da denominação dada a esse acréscimo pelo ente federativo, adquirido nos termos legais após a sua vigência) de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo do servidor público. Simples assim. A Constituição estabelece diversas disposições a todos os servidores públicos das esferas federadas sem que se possa falar em violação à competência municipal, tais como as que estabelecem a obrigatoriedade de pagamento de 13º salário, terço (1/3) adicional de férias, as relativas aos critérios de aposentadoria, etc.

 

No tocante à alegação do I. Professor, de que a vedação dos acréscimos remuneratórios, prevista pela Emenda Constitucional 103/2019, aplicar-se-ia apenas ao regime dos subsídios dos servidores públicos, conforme o disposto no § 8º do artigo 39 da Constituição Federal, cumulado com o § 4º do mesmo artigo, e que “em não se tratando de sistema remuneratório mediante subsídios, não há vedação a acréscimos remuneratórios a servidores públicos, nos termos da lei, nem proibição do estabelecimento de condições ou requisitos para a continuidade de sua percepção uma vez cessada a causa de início de pagamentos desses acréscimos”, parece-me  tratar-se de argumento sem a menor razão de ser, data venia.

 

Tanto em sua origem − uma Emenda Constitucional que trata de Previdência em um contexto histórico e econômico dramático para a própria sobrevivência do regime próprio aos servidores públicos− como em sua localização no texto constitucional, o parágrafo 9º do art. 39 indica tratar-se uma disposição independente, aplicável a todos os servidores públicos, vedando em qualquer hipótese a incorporação das vantagens que indica na remuneração, tomada em seu sentido amplo, e não apenas na hipótese de servidor que recebe subsídio. Pretender o I. Professor estabelecer um requisito extremamente restrito – remuneração mediante subsídio− que Emenda Constitucional 103/2019 claramente não quis estabelecer, não se compadece com as melhores regras de exegese. Certo é que, como leciona Vicente Rao, o parágrafo “indica a disposição secundária de um artigo, ou texto de lei, que, de qualquer modo, completa ou altera a disposição principal, a que se subordina”. Mas o consagrado professor ressalva também que, em sentido lógico, o parágrafoforma um sentido completo e independente” (O Direito e a Vida dos Direitos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª edição, 1999, pág. 299). Raciocínio diverso, querendo restringir o alcance do § 9º a apenas a outros dois parágrafos do artigo 39, os §§ 8º e 4º, não se coadunaria com patente mens legis da Emenda Constitucional nº 103/2019, que, como vimos, não é extraída apenas de modo cerebrino, por mero raciocínios formais, mas há de atentar à finalidade social, histórica  e econômica em que foi editada a norma, à supremacia do interesse público, e há de estar também de acordo com a conhecida regra de hermenêutica, bem sintetizada por Carlos Maximiliano:“As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 1998, 18ª edição, pág. 250). Esvaziar-se-ia o conteúdo do § 9º do art. 39, caso se acompanhe a hermenêutica propugnada pelo douto Professor. Além disso, como se sabe, no Direito Público é sempre preferível a interpretação que propicia uma maior concretude à norma constitucional, critério que o Ilustre Professor parece não ter em consideração, sem ter se dignado a apresentar qualquer justificativa para fundamentar a sua exegese que torna quase inócua a previsão constitucional. Oportuno, nesse passo, recordar o postulado da “maior efetividade possível do texto constitucional”, ensinado por Celso Ribeiro Bastos: “sempre que possível, o dispositivo constitucional deverá ser interpretado no sentido que lhe atribua maior eficácia – a lei não emprega palavras inúteis” (Hermenêutica e interpretação constitucional, São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p.95). Afasta-se, assim, tal restrição suscitada pelo Ilustre parecerista Márcio Cammarosano ao § 9º, do art. 39, da Constituição Federal, parágrafo que, no meu entender, não deve se aplicar apenas ao servidor que recebe subsídio, mas sim ao servidor que recebe remuneração, em seu sentido amplo, tal como o dispositivo expressamente prevê, sem qualquer distinção, e há de prevalecer, portanto, nesse tópico, a interpretação constante do Parecer Chefia nº 004/2020.

 

Ora, como se verifica, em toda a sua extensa e intrincada argumentação formal, o I. parecerista Márcio Cammarosano não logrou tampouco por meio dessa segunda premissa por ele fixada, dar a resposta à pergunta que seria indispensável, e que não foi explicada devidamente na primeira premissa: ainda que a estabilidade financeira não vede mesmo após a Emenda Constitucional 103/2019 ao ente federado, Município ou Estado, prever a permanência de vantagem ao servidor, qual seria a real distinção de natureza e de efeitos entre a permanência e a incorporação, após a Emenda Constitucional nº 19/18? Na prática, que diferentes efeitos teriam um e outro instituto, após a Emenda nº 19/98, mesmo à luz da Estabilidade Financeira? Silente ficou o parecerista a respeito, um silêncio eloquente, embora tenha tecido uma quantidade muito grande de argumentos e proposições lógicas na primeira e na segunda premissas, que, no meu entender, não se sustentam, porquanto não se baseiam na realidade da legislação em vigor, nem no posicionamento doutrinário ou jurisprudencial.

 

Em verdade, restou demonstrado, no Parecer Chefia nº 004/2021, sob todos os ângulos, que ao vedar o efeito cascata, a Emenda Constitucional nº 19/98, igualou, em sua natureza e em seus efeitos, embora não em seu nomen juris, os institutos da incorporação e da permanência. E que o instituto da estabilidade financeira, de acordo com as balizas fixadas pelo STF no Tema nº 41 de Repercussão Geral, em 2009, corrobora tal interpretação. Tais sólidas razões não foram afastadas pelo I. Professor.

 

Como visto, a meu ver, a primeira premissa apresentada no parecer do Prof. Márcio Cammarosano é claramente incompleta: aponta critério de distinção de institutos equivocado e que já não tem mais razão de ser há quase 25 (vinte e cinco anos). Igualmente insuficiente o esclarecimento prestado pela segunda premissa, apontando abrangência da estabilidade financeira que não alcança a finalidade que pretende, sem igualmente fundamentar adequadamente o critério de distinção entre os institutos, após a Emenda Constitucional nº 19/98. Ambas premissas parecem ter sido elaboradas apenas com o fim de que o parecerista pudesse chegar à pretensa isenta conclusão de que a Emenda Constitucional 103/19 vedaria apenas o instituto da incorporação e não o da permanência…

 

Porém, penso que, infelizmente, com os elementos até agora alcançados, pode-se inclusive afirmar talvez que tanto a primeira premissa como a segunda foram construídas unicamente em face da conclusão. Contêm em si mesmas os principais elementos para se chegar à conclusão que o parecerista pretende alcançar: a de que, por ocasião da Emenda Constitucional nº 103/2019, o instituto da permanência, distinto da incorporação quanto aos efeitos, continuava em vigor – afirmação que demonstrou-se não ser verdadeira.

 

Equivocado, assim, indo ainda mais além, o problema da  “questão fulcral”, de onde adviriam tais premissas. Segundo o Professor, que tal “questão fulcral”, consistente no conceito de incorporação, ensejaria controvérsia, “ainda mais, controvérsia ensejada pela constatação de que, a nível de normas infraconstitucionais, construiu-se duas espécies de acréscimos remuneratórios destinados a assegurar estabilidade financeira, quais sejam, incorporação e permanência, sendo que a Constituição da República não se vale da palavra permanência, mas apenas do termo incorporação”. Porém, como vimos, tanto a incorporação como a permanência não foram destinadas a assegurar a estabilidade financeira do servidor, não são espécies do mesmo gênero estabilidade financeira, mas sim, sobretudo até a Emenda Constitucional nº 19/98, são institutos destinados a assegurar a própria vantagem em si mesma, e não um valor econômico. Toda a construção do douto Professor quanto a tal “questão fulcral” rui por terra por esse motivo, porquanto, ao que tudo indica, construída artificialmente.

 

Em resumo, não ajudam em nada suas equivocadas ponderações para a solução do que ele denominou “questão fulcral”, às fls. 3/4 do seu parecer, consistente em saber se a Constituição da República, ao vedar, no artigo 39, § 9º, a incorporação de vantagens a que se refere, “veda apenas a incorporação no sentido estrito do termo, ou também o acréscimo denominado permanência, considerada a distinção infraconstitucional entre ambas as espécies de acréscimos remuneratórios, ensejadoras de permanência”. Porém, como vimos, pode-se falar que a incorporação, com repique ou cascata, somente veio a existir antes de 1998 − e continuou eventualmente após, para aqueles pouquíssimos servidores que, antes da entrada em vigor da Emenda 19/98 já tinham direito adquirido a tal efeito em sua remuneração, se é que se pode falar em direito adquirido nesse caso. E que, após tal Emenda de 1998, tanto o instituto da incorporação como da permanência passaram a ter os mesmos efeitos, sendo inexistente a “questão fulcral” suscitada sem fundamento justificável.

 

Daí que, diante do que tive a oportunidade de ponderar exaustivamente, verifica-se que, em princípio, encontram-se despidas de qualquer amparo lógico a “questão fulcral” e as duas premissas formuladas pelo I. Professor e, portanto, as conclusões por ele deduzidas às fls 19/20.

 

Detenhamo-nos com vagar nessas conclusões por ele alcançadas.

1. Os institutos da incorporação e da permanência são igualmente projeções do princípio da estabilidade financeira, mas inconfundíveis. São espécies distintas de um mesmo gênero, submetidas cada qual a regimes jurídicos parcialmente diferenciados.

  1. A Emenda Constitucional nº 19/1998 vedou apenas o denominado efeito repique ou cascata de incorporações a padrão de vencimento. O efeito cascata, um dos efeitos da incorporação, é que ficou proibido, não a incorporação mesma, da qual aquele era um dos efeitos. Portanto, continuaram a existir, juridicamente os institutos incorporação e permanência, inconfundíveis entre si.
  2. A Emenda Constitucional nº 103/2019, ao acrescentar ao artigo 39 da Constituição o § 9º, veda incorporações ao padrão de vencimento de cargos públicos das vantagens pecuniárias nele referidas. Essa vedação não implica proibição de permanência de acréscimos remuneratórios instituídos por leis e, consequentemente, não afeta, nesse particular, a vigência das mesmas” .

 

A Conclusão nº 1 é claramente equivocada, com o devido respeito. Não há a menor razoabilidade na afirmação de que os institutos da incorporação e da permanência seriam projeções do princípio da estabilidade financeira, como já demonstrado. Os institutos da incorporação e da permanência asseguraram, de acordo com a legislação, a continuidade no percebimento do próprio adicional ou gratificação ao servidor, sobretudo até 1998, quando foi editada a Emenda nº 19, e não ao percebimento da diferença econômica, como alegado pelo I. Professor. Por outro lado, após a Emenda 19/98, o STF, por meio do Tema 41, assegurou ao servidor, por meio do instituto da estabilidade financeira, tanto no caso da incorporação como no caso da permanência, caso a lei infraconstitucional que assegurasse tal continuidade fosse revogada, como vantagem pessoal que assegura o direito aos valores econômicos, e sem que se pudesse falar em direito adquirido a regime jurídico. Não há nexo lógico na afirmação de que a incorporação e a permanência são espécies do mesmo gênero, a estabilidade financeira.

 

Quanto à Conclusão 2., correta a conclusão do parecerista no sentido de que tanto a incorporação como a permanência continuaram a prevalecer após a Emenda Constitucional nº 19/98,. Equivocada, no entanto, a afirmação de que seriam “inconfundíveis entre si”. Pelo contrário, passaram ambos a ter os mesmos efeitos após a Emenda nº 19/98, e, portanto, a ser inteiramente equivalentes entre si, como demonstrado no Parecer Chefia 004/2020.

 

A Conclusão 3 de Márcio Cammarosano, de acordo com os elementos já alinhavados, carece de sentido, sob a minha ótica. Como o parecerista, em todo o seu arrazoado, e particularmente em suas premissas, não logrou diferenciar os efeitos da incorporação e da permanência após a Emenda Constitucional nº 19/98, e considerando que o instituto da estabilidade financeira apenas assegura os direitos adquiridos até a entrada em vigor a Emenda Constitucional 103/2019, nos termos de seu art. 13, em verdade a exegese do art. 39, § 9º, na redação da Emenda Constitucional nº 103/2019 conferida pelo Professor não se sustenta, e não se compadece com a lógica racional-dedutiva.

 

Com a devida vênia, pois, percebe-se que a Conclusão 3 alcançada pelo I. Jurista seu parecer (fls 19/20), referindo-se à vedação do art. 39, § 9º da CF, com a redação da Emenda 103/19 (em suas palavras: “Essa vedação não implica proibição de permanência de acréscimos remuneratórios instituídos por leis e, consequentemente, não afeta, nesse particular, a vigência das mesmas”), não se compadece com pacífica orientação doutrinária e jurisprudencial referente aos efeitos das leis municipais, uma vez que, como se sabe, e muito bem exposto no Parecer Chefia nº 004/2020, em seu item 7, deixam tais efeitos de prevalecer, não são recepcionados ou são considerados revogados, caso entre em vigor disposição constitucional posterior contrária, em face do princípio da hierarquia das leis, do qual se extraem os princípios da constitucionalidade e da legalidade, como ocorreu in casu:

 

“7. Em face desse princípio, que faz com que a lei infraconstitucional encontre seu fundamento de validade na Constituição, toda legislação municipal que afrontar a Constituição, ou a Emenda Constitucional nº 103/2019, deixa de ter validade e eficácia, e é considerada revogada, nos termos de pacífica jurisprudência:

“A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. (…) Nestes termos, ficou assentado que não cabe a ação direta quando a norma atacada for anterior à Constituição, já que, se for com ela incompatível, é tida como revogada, e, caso contrário, como recebida. E o mesmo raciocínio há de ser aplicado em relação às emendas constitucionais, que passam a integrar a ordem jurídica com o mesmo ‘status’ dos preceitos originários. Vale dizer, todo ato legislativo que contenha disposição incompatível com a ordem instaurada pela emenda à Constituição deve ser considerado revogado. Nesse sentido, a observação do Ministro Celso de Mello, ao dispor que: ‘(…) Torna-se necessário enfatizar, no entanto, que a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal– tratando-se de fiscalização abstrata de constitucionalidade– apenas admite como objeto idôneo de controle concentrado as leis e os atos normativos, que, emanados da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal, tenham sido editados sob a égide de texto constitucional ainda vigente.”(ADI 2.971, DJ de 18-5-2004). (ADI 1.717-MC, DJ de 25-2-2000; ADI 2.197, DJ de 2-4-2004; ADI 2.531-AgR, DJ de 12-9-2003; ADI 1.691, DJ de 4-4-2003; ADI 1.143, DJ de 6-9-2001 e ADI 799, DJ de 17-9-02).” (ADI 888, rel. min. Eros Grau,  j.6/62005,DJ de 10-6-2005.).

Por esse motivo, a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo fez publicar o seguinte Enunciado (Diário Oficial do Estado, Poder Executivo, 4 de abril de 2020, pg. 48):

Enunciado 124 – “CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. INCORPORAÇÃO DE VANTAGENS TRANSITÓRIAS. DESCABIMENTO. O § 9º do art. 39 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda n. 103/19, revogou todas as normas infraconstitucionais em sentido contrário ao vedar a incorporação de vantagens (a) de caráter temporário ou (b) vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo, descabendo a promoção de ação direta de inconstitucionalidade em face de anterior legislação estadual ou municipal”.

 

Em verdade, ao que tudo indica, tais Conclusões alcançadas pelo douto parecerista, em especial a sua Conclusão 3, apenas foram possíveis de serem atingidas porque estavam embutidas, embora de modo disfarçado, nas duas primeiras premissas incompletas por ele mesmo fixadas, e mais ainda, na inexistente “questão fulcral” por ele mesmo suscitada.

 

Ora, caso de fato seja assim, a própria lógica formal condena tal tipo construção equivocada de raciocínio, denominada pelos doutos de “falácia” do tipo “petição de princípio”:

 

“Petitio principii” Ao tentar estabelecer a verdade de uma proposição, uma pessoa põe-se, muitas vezes, à procura de premissas aceitáveis donde a proposição em questão possa ser deduzida como conclusão. Se for adotada como premissa para seu argumento, a própria conclusão que a pessoa tenta provar, a falácia cometida é a de tipo petitio principii, ou petição do princípio. Se a proposição a ser estabelecida for formulada, exatamente, nas mesmas palavras como premissa e como conclusão, o erro seria tão visível que não enganaria ninguém. Frequentemente, porém, as duas formulações podem ser diferentes para obscurecer o fato de que uma única proposição ocorre como premissa e conclusão. Esta situação é ilustrada pelo seguinte exemplo dado por Whately: “ Permitir a todos os homens uma liberdade de expressão deve ser sempre, de modo geral, vantajoso para o Estado; pois é altamente propício para os interesses da comunidade que cada indivíduo desfrute de liberdade, perfeitamente ilimitada, para expressar seus sentimentos (…) Por vezes, uma cadeia de numerosos argumentos é utilizada na tentativa de estabelecer uma conclusão. Assim, uma pessoa pode argumentar que Shakespeare é maior escritor do que Spillane, porque as pessoas com bom gosto literário preferem Shakespeare. E se lhe for perguntado como é que se definem as pessoas com bom gosto literário, a resposta será que tais pessoas se identificam pelo fato de preferirem Shakespeare a Spillane”( Copi, Irving M. Introdução à Logica, 2ª ed. São Paulo: Editora Mestre Jou, trad. Álvaro Cabral, 1978, p.84, destaque nosso)

 

Por fim, ainda que, para argumentar, as deduções lógicas do I. parecerista fossem técnica e corretamente articuladas, e não uma falácia do tipo petição de princípio, mesmo assim seriam frágeis e insuficientes para embasar a decisão da E. Mesa sobre a matéria.

 

Como já afirmado, o parecer do I. Professor não menciona nenhum entendimento exarado pelo Poder Judiciário (STF, STJ, Tribunal de Justiça), pelo Ministério Público Estadual ou Federal, pelos Poderes Legislativos e Executivos de diversas esferas federativas (Procuradorias do Executivo), e nenhum posicionamento doutrinário a respeito da distinção entre incorporação e permanência, mas apenas leis municipais antigas, anteriores à Emenda Constitucional nº 19/98, e pareceres jurídicos sobre essas leis antigas; e não levou em conta a finalidade econômica e social da Emenda Constitucional nº 103/19, relativa a Previdência social e à necessidade de sobrevivência econômica do regime próprio dos servidores públicos, nem considerou o princípio administrativo da supremacia do interesse público. Sequer utilizou como fundamento de seu parecer as razões invocadas pelo Tribunal de Contas do Município, em seu parecer recente, aliás muito bem recordado pelo SINDILEX em sua consulta – razões esses, aliás, ampla e abundantemente afastadas pela Procuradora Chefe em seu Parecer Chefia nº 004/2020.

 

Nunca é demais sublinhar que tais elementos e pesquisas  adicionais, relativos à jurisprudência, às leis em vigor, à prática administrativa nas diversas entidades federativas, ao entendimento dado pelo Ministério Público e pela doutrina, etc., corroboram no sentido de busca da finalidade econômica e social da Emenda Constitucional 103/19 e dos demais aspectos relativos ao interesse público, e são importantíssimos para a boa interpretação do Direito, e sobretudo de sua correta aplicação pelo Administrador público, pois, como já asseveramos, a hermenêutica do texto constitucional não é uma tarefa apenas de raciocínio, mas também de bom senso, de sabedoria e experiência, a fim de se compreender o conteúdo e a finalidade da lei, e da segurança quanto à legalidade e legitimidade do Ato Administrativo que a aplicará.

 

Miguel Reale, com razão, recorda a doutrina de Bobbio, no sentido de que “o jurista não pode compreender o significado de uma proposição normativa, sem remontar à realidade social, da qual esta proposição tirou não só a sua razão de ser, mas também as noções de que é composta” ( Teoria dela scieza del diritto, Turim, 1950, p. 176, apud REALE, Miguel. Direito como experiência, São Paulo: Saraiva, 1968, p.257), e que inúmeras doutrinas jurídicas mais recentes, como a teoria tridimensional, da “concreção jurídica”, de Karl Engisch, de Josef Esser, de Karl Larenz e outros; o experiencialismo de Wendel Holmes ou Roscoe Pound; o neorrealismo norte-americano; a “teoria egológica” de Carlos Cossio; o rácio-vitalismo de Recaséns Siches; a teoria da argumentação de Perelman; ou a compreensão integral do Direito de Luigi Bagolini ou de Tullio Ascarelli, demonstram à saciedade que a aplicação do Direito não se reduz a uma questão de lógica formal. É antes uma questão complexa, na qual fatores lógicos, axiológicos e fáticos se correlacionam, segundo exigências de uma unidade dialética, desenvolvida ao nível da experiência, à luz dos fatos e de sua prova. E conclui o renomado Mestre:

 

“Ora, essas considerações aplicam-se, em linhas gerais, às outras formas de aplicação do Direito, como ocorre quando um administrador tem de dar execução à lei para realizar os fins da administração. Também a “atualização da lei” através de resoluções e atos administrativos não é redutível a uma simples subordinação da autoridade à diretriz legal. Esta é também por ele valorada, posta em cotejo com os fatos, dependendo de razões de conveniência e oportunidade, da necessária adequação entre os fins da norma e os meios e instrumentos indispensáveis à sua consecução.

Não é uma frase convencional a de Holmes quando nos adverte que o Direito tem sido e há de ser cada vez mais experiência, o que começa a ser reconhecido também pelo legislador, conforme se depreende do art. 335 do novo Código de Processo Civil, segundo o qual, no caso de inexistirem normas jurídicas particulares, o juiz aplicará “as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”.

Isto não quer dizer, porém, que nos caiba optar, ou pela Lógica, ou pela experiência. Não tem sentido essa alternativa, porquanto seria inútil e nociva, no mundo jurídico, qualquer concepção lógica divorciada da experiência social e histórica. (Lições Preliminares de Direito.27ª ed. São Paulo: Saraiva., 2002, p. 323)

 

 

Em face de todas essas considerações ora tecidas, e sempre com o maior respeito, entendo que não apenas do ponto de vista lógico o parecer do I. jurista Márcio Cammarosano, apesar de seu esforço e empenho inegáveis, padece de lacunas e equívocos. Mas, sobretudo, o parecer contém fragilidade hermenêutica, por carecer de elementos fáticos e valorativos que seriam indispensáveis, a meu ver, para embasar a E. Mesa em sua difícil decisão sobre a matéria relativa à permanência da função gratificada após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019, de grande responsabilidade para o Administrador, por acarretar elevado ônus ao Erário.

 

Mais prudente e adequado prevalecer, no meu entendimento, as corretas conclusões alcançadas pela Procuradora Chefe em seu Parecer Chefia nº 004/2021, particularmente as contidas nos itens 80 a 82 desse Parecer Chefia, in verbis:

 

“80.  De acordo com o § 9º do art. 39 da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 103/19, as vantagens temporárias decorrentes do exercício de função de confiança, mesmo que previstas em lei, doravante não poderão ser incorporadas na remuneração do servidor titular do cargo efetivo. A remuneração na sistemática constitucional, de acordo com a orientação da doutrina e da jurisprudência pátrias, inclusive fixada em Súmula do STF em hipótese específica, diz respeito à totalidade dos vencimentos e valores recebidos pelo servidor como contraprestação pecuniária pelo desempenho de seu cargo ou função, independentemente da sua espécie, natureza ou denominação, a qualquer título. Não há como se entender de modo diverso no presente caso, portanto, pois caso o dispositivo constitucional pretendesse restringir o conceito de remuneração, deveria fazê-lo de modo expresso (Item II deste Parecer).

 

  1. A incorporação, admitida legalmente, até a Emenda 19/98 decorria de duas características simultâneas: (1) trazia ideia de permanência, continuidade, prolongamento = tornar permanente; e (2) servia de base para outras vantagens, daí a ideia de ‘in corpore’, de ‘um só corpo = fazer computável. Após a Emenda nº 19/98, esse segundo aspecto foi vedado. A doutrina e a jurisprudência, como fartamente demonstrado, são unânimes quanto a este aspecto. Ora, é à luz do sistema constitucional que se interpreta a legislação local, e não o inverso. Admitir que a Emenda Constitucional – cujos princípios reitores não se presumem inócuos – não alcança a “permanência”, mas tão somente a “incorporação” (entendida como possibilidade de “efeito cascata” de vantagens integradas permanentemente à remuneração) seria reduzi-la, no ponto, à inutilidade[1]. A novidade da Emenda 103/19, nesta matéria, é precisamente vedar a incorporação ou permanência de vantagens temporárias, como a gratificação de função, impedindo-se a despesa correspondente, seja na atividade, seja na inatividade, quando cessada a causa de sua concessão (Item III deste Parecer). Ressalto apenas o disposto pelo art. 13 da Emenda Constitucional nº 103/19, respeitado o princípio constitucional do direito adquirido, “clausula pétrea”, no sentido de não se aplicar o § 9º do art. 39 da Constituição Federal a parcelas remuneratórias decorrentes de incorporação de vantagens vinculadas ao exercício de função de confiança até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, o que ocorreu no dia 13 de novembro de 2019, dia da sua publicação.

 

  1. Assim, também no âmbito local, não há mais possibilidade de se admitir a incorporação ou permanência mencionadas, tendo sido retirado o fundamento de validade de toda legislação infraconstitucional municipal que afronte a nova vedação constitucional (Item IV e Introdutório deste Parecer). Não se alegue, por outro lado, como argumento a amparar a continuidade de tal permanência, a autonomia plena do município em matéria remuneratória. Embora, como vimos, detenha o Município autonomia para legislar sobre a matéria relativa à incorporação e permanência de vantagens remuneratórias a seus servidores, essa autonomia de modo algum é absoluta, por estar delimitada por normas e princípios constitucionais, bem como às normas gerais previdenciárias da União”.

 

 

Contudo, evidentemente, caberá à E. Mesa decidir sobre a questão, tendo V.Sa. ressaltado no Parecer nº 004/2021, que “Em sentido diverso, segue o Parecer ADM nº 25/2020 (fss. 10-15v), que entende plausível o deferimento da permanência da gratificação em comento mesmo após a EC 103/19, fazendo-se acompanhar de despacho nesse sentido do Sr. Subsecretário Administrativo Substituto do Tribunal de Contas do Município”.

 

 

Em sentido igualmente diverso ao entendimento deste Procurador e de V.Sa., segue também agora o alentado parecer do I. Jurista Márcio Cammarosano, elaborado a pedido do Sindicato dos Servidores da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo− SINDILEX, que poderá eventualmente vir igualmente a subsidiar a E. Mesa em sua decisão.

 

É o meu parecer, s.m.j.

 

 

São Paulo, 22 de março de 2021.

 

 

 

JOSÉ LUIZ LEVY

Procurador Assessor da Chefia – RF 11.012

OAB/SP n° 67.816

 

 

[1] Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade, in Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 20ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2014, pg. 203.

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Parecer Chefia n° 5/2021 (Encaminha parecer ASS nº 05/2021)

Ref.: Of. Sindilex nº 003/2021 – TID 19169160

Assunto: Parecer jurídico sobre o direito à permanência das Funções Gratificadas após à Emenda Constitucional nº 103 de 2019

 

 

À Presidência

Exmo. Sr. Chefe de Gabinete

 

O Sindicato dos Servidores da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo encaminhou à Presidência, por meio do Ofício de referência, Parecer Jurídico da lavra do I. Prof. Dr. Marcio Cammarosano, mediante o qual requer “seja reconhecido e mantido o direito à permanência de funções gratificadas” após a edição da Emenda Constitucional nº 103 de 12 de novembro de 2019. Com efeito, antes da publicação desta Emenda, não há controvérsia quanto ao direito ao deferimento de permanência de gratificações se adimplidas as condições constantes do § 3º do art. 19 da Lei nº 13.637 de 4 de setembro de 2003 (com a redação dada pelo art. 8º da  Lei nº 14.381 de 7 de maio de 2007).

 

Em que pese o meritório parecer, avalizo, em sentido contrário, o culto Parecer ASS nº 5/2021 desta Procuradoria, da lavra do dr. José Luiz Levy, que acompanha o entendimento por mim assentado no Parecer Chefia nº 04/2020 (PA 21/2020), ora contestado.

 

Trata-se de matéria relevante, com notável impacto orçamentário, financeiro e previdenciário, uma vez que o § 9º do art. 39 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 103 de 2019 (reforma da Previdência) está assim vazado:

 

§ 9º É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo”.          

 

A Lei nº 13.637 de 2003, assim dispõe no art.19 (com a redação dada pela Lei nº 14.381 de 2007):

            “3º Os valores atribuídos às funções gratificadas tornar-se-ão permanentes aos vencimentos e proventos do servidor, bem assim à pensão por morte, após a percepção por um período mínimo de cinco anos, nas seguintes condições:..”

 

Em tal cenário normativo, os servidores da Câmara que hajam preenchido as condições para obtenção da permanência da vantagem pelo exercício de função de confiança até o advento da Emenda nº 103 de 2019 fazem jus à mesma; após essa data, parece-me evidente a incidência da vedação constitucional.

 

São muitas e consistentes as razões que embasam esse entendimento, conforme Parecer Chefia nº 4/2020 (anexo). Aqui limito-me a indicá-las:

 

1) A norma infraconstitucional contrária à Emenda Constitucional é considerada como revogada ou não recepcionada pelo novo ordenamento jurídico;

 

2) Nesse sentido, a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo fez publicar o Enunciado 124 assim ementado: “CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. INCORPORAÇÃO DE VANTAGENS TRANSITÓRIAS. DESCABIMENTO. O § 9º do art. 39 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda n. 103/19, revogou todas as normas infraconstitucionais em sentido contrário ao vedar a incorporação de vantagens (a) de caráter temporário ou (b) vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo, descabendo a promoção de ação direta de inconstitucionalidade em face de anterior legislação estadual ou municipal” (Diário Oficial do Estado, Poder Executivo, 4 de abril de 2020, pg. 48).

 

3) A legislação do município de São Paulo assim  distinguia  incorporação e permanência:

Nomem iuris Efeito pecuniário Efeito previdenciário
Permanência

(Lei nº 10.442 de 1988, art. 1º, parágrafo único) – revogada pela Lei nº 17.224 de 2019, art. 43, inc.I )

A gratificação é tornada permanente, com continuidade nos vencimentos do servidor vedada a incidência cumulativa sobre outras vantagens. Incide contribuição previdenciária
Nomem iuris Efeito pecuniário Efeito previdenciário
Incorporação (Lei nº 8.097 de 12 de agosto de 1974; Lei 9.296 de 10 de julho de 1981, art. 33). Etc. A gratificação incorpora-se aos vencimentos  com incidência cumulativa sobre outras vantagens. Incide contribuição  previdenciária

 

4) A incorporação aos vencimentos com a incidência cumulativa sobre outras vantagens passou a ser expressamente vedada desde a Emenda Constitucional nº 19 de 1998, que inseriu o inc. XIV no art. 37 da Constituição Federal. Desde então incide a vedação a que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público sejam acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores, isto é, deixou de haver a possibilidade de “repique” ou “efeito cascata” nas vantagens transitórias incorporadas, o que tornou equivalentes a permanência e a incorporação da legislação local.

 

5) A equivalência entre os termos permanência e incorporação é patente em julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que julgaram leis incidentes sobre servidores desta Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. O § 5º do art. 29 da Lei nº 14.381 de 2007, refere-se à “permanência” de gratificação concedida a servidores deste Legislativo, mas o acórdão a ele referente utiliza o termo “incorporação” (ADIN N°. 9048208-81.2008.8.26.0000, j. 12.09.12; Rel. Cauduro Padin). A Lei nº 14.706 de 2008, aplicável a servidores do Tribunal de Contas do Município, versa sobre a “permanência de função gratificada”, mas o acórdão utiliza o termo “incorporação” (Ap. 0030330-64.2013.8.26.00053, j. 13.03.2017, Des. Silvia Meirelles).

 

Parece-me útil ressaltar nesse ponto que “para interpretar, temos que decodificar os símbolos no seu uso” (Tércio Sampaio Ferraz Junior, in Introdução ao Estudo do Direito, 10ª ed. rev., atual., São Paulo, Atlas, 2018, pg. 217; o grifo consta no original).  E aduz:

 

O senso comum jurídico tende a aceitar a distinção entre as chamadas definições reais e nominais. (…) Deste sentido da palavra definir faz uso a jurisprudência: “Definir é explicar o significado de um termo, estabelecendo seu valor semântico. É, ainda, colocar em destaque os atributos próprios de um ente, para torna-lo inconfundível com qualquer outro” (STJ, Recurso em Mandado de segurança nº 3889-0-RN, Ministro Humberto de Barros, relator). (op.cit., pg. 242).

 

Parece-me evidente que a distinção entre “permanência” e “incorporação” constante da legislação local editada antes da Emenda Constitucional nº 19 de 1998 deixou de ter efeito prático após esta Emenda, preservado naturalmente o direito adquirido à incorporação sob a égide da sistemática constitucional anterior. Essa indistinção real é patente não só nos julgados supra transcritos como também na interpretação “conforme à Constituição” dada pelo Supremo Tribunal Federal à incorporação prevista no art. 133 da Constituição do Estado de São Paulo, como tive oportunidade de explanar no Parecer Chefia nº 4/2020.

 

6) Também se me afigura induvidoso que o  “nomem iuris” utilizado na legislação local não é o paradigma para inferir o sentido e o alcance do texto constitucional.  É o problema da estrutura do ordenamento como um sistema hierárquico e unitário. Ensina o Professor Tércio Sampaio Ferraz Junior:

 

“A distinção entre norma-origem e norma-derivada funda-se na subordinação e possibilita a hierarquia. Sua importância é decisiva para resolver problemas resultantes do conflito de normas, ao podermos verificar que estão em posição hierárquica diferente. Assim, as normas constitucionais são normas-origem para as normas legais, pois a constituição subordina hierarquicamente as leis ordinárias: havendo contradição entre elas, prevaleceria aquela sobre estas” (op.cit., pg. 94).

 

Na verdade, é à luz da jurisprudência sedimentada nos tribunais superiores, notadamente no Supremo Tribunal Federal, bem como da abalizada doutrina, que se deve inferir o sentido e alcance do texto constitucional. Por outro lado, a autonomia do Município para legislar sobre a remuneração seus servidores está delimitada por normas e princípios constitucionais, bem como às normas gerais previdenciárias da União.

 

7) A novidade da Emenda Constitucional 103/19, no ponto tratado, é que esta vedou a continuidade da majoração na remuneração do servidor obtida por meio de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança uma vez cessada a causa de sua concessão. Isto é o que corresponde à noção de incorporação no sentido em que admitida após a Emenda nº 19 de 1998 pela doutrina e pela jurisprudência, e também à noção de “estabilidade financeira” e de “permanência”, ou “apostilamento”, admitida em legislações locais. E isso, precisamente, é que o passa a estar vedado.

 

8) Cabe destacar que, no Município de São Paulo,  a Lei nº 17.224 de 31 de outubro de 2019, publicada no Diário Oficial  da Cidade de 1º de novembro de 2019, doze dias antes da publicação da Emenda Constitucional nº 103 de 2019 extinguiu os regimes de permanência ou incorporação na legislação atinente a servidores da Prefeitura (art.23), tratando-os indistintamente. Mas, de modo tempestivo, assegurou aos servidores que se encontravam no exercício de função de confiança, e que não tivessem alcançado o tempo mínimo necessário à obtenção da respectiva incorporação ou permanência, a permanência em valor proporcional ao tempo já implementado (art. 23, §3º). Indo além, tendo em conta os reflexos previdenciários inerentes à matéria, assegurou aos servidores que não incorporaram ou tornaram permanente a vantagem a opção de incluir ou não tal vantagem da base de cálculo de sua contribuição à previdência (art. 24 § 3º).

 

9) A Lei nº 17.224 de 2019 não alude ao § 3º do art. 19 da Lei nº 13.637 de 2003, aplicável somente aos servidores da Câmara Municipal de São Paulo, tampouco revogado por lei municipal posterior. Parece-me claro, todavia, que a Emenda Constitucional nº 103 de 12 de novembro de 2019 retirou do ordenamento jurídico seu fundamento de validade, por direta incompatibilidade. Daí a importante e extremamente oportuna previsão da Lei nº 17.224, ao assegurar a permanência em valor proporcional ao tempo já adimplido nas gratificações ali referidas, dias antes da extinção dessa possibilidade por força da reforma constitucional.  No Parecer Chefia nº 4/2020 discorri sobre as adequações que me parecem pertinentes nos atos regulamentares vigentes nesta Casa, em especial quanto ao caráter facultativo da contribuição à previdência aos servidores que não tornaram permanente a vantagem associada exercício de função de confiança.

 

10) O I. Prof. Dr. Marcio Cammarosano, no Parecer jurídico ora apresentado pelo Sindilex, discorre em sentido contrário. Em sua apreciação, nas interpretações comportadas “pela letra do § 9º do artigo 39, há de prevalecer aquela que prestigia princípios constitucionais maiores, quais sejam: princípio da autonomia dos entes federados, da estabilidade financeira, da vedação do retrocesso, bem como do postulado hermenêutico que veda a interpretação de norma restritiva de direitos”.

 

11) A meritória argumentação do I. Professor não resiste, data venia, à respeitosa, porém contundente, culta e criteriosa análise levada a efeito dr. José Luiz Levy, no parecer ASS nº 5/2021, que ora avalizo, posto que, dentre outras razões:

 

  1. a) a inserção do § 9º no art. 39 da Constituição Federal deu-se no bojo da reforma previdenciária, atraindo os princípios dos fins sociais a que ela se dirige e a supremacia do interesse público na interpretação da norma. Todavia, o parecer carece de uma interpretação teleológica; ignora a finalidade e o contexto de sua inserção na Constituição Federal;
  2. b) O parecer orienta o Administrador a agir a partir da presunção de “legalidade” do 3º do art. 19 da Lei nº 13.637 de 2003 (inserido pela Lei nº 14.381 de 2007) mesmo após a edição da Emenda nº 103 de 2019. Todavia, a legitimidade dessa atuação não parece suficientemente justificada;
  3. c) Ao apresentar a distinção entre incorporação e permanência o parecer não informa que a distinção foi criada em lei anterior à Emenda Constitucional nº 19 de 1998 e que após essa Emenda acórdão específico relativo à lei que ora se pretende aplicar no âmbito da Câmara (Lei 14.381 de 2007, que alterou a Lei nº 13.637 de 2003) usa os termos permanência e incorporação indistintamente. Também nada diz sobre a extinção de ambas – permanência e incorporação – na Lei municipal nº 17.224 de 2019, editada nos dias anteriores à publicação da Emenda Constitucional nº 103 de 2019.
  4. d) O parecer do I. Professor afirma – acertadamente – que a Emenda Constitucional nº 19 de 1998 vedou apenas o efeito repique, mas não vedou a estabilidade financeira. Efetivamente, o instituto da incorporação (sem efeito repique) continuou existindo. Porém, o fato de as normas municipais editadas antes da Emenda nº 19 de 1998 permanecerem em vigor em nada altera as ponderações no sentido de identidade de natureza e de efeitos entre incorporação e permanência a partir de então. Na verdade, a interpretação “conforme à Constituição” dada ao art. 133 da Constituição Estadual pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Supremo Tribunal Federal é suficiente para demonstrá-lo, como apontado no Parecer Chefia nº 4/2020.
  5. e) a estabilidade financeira reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na Tese de Repercussão Geral nº 41 em 2009, assegurou ao servidor, como o nome indica, o acréscimo apenas financeiro correspondente à diferença entre os valores recebidos pelo servidor, em decorrência do exercício do cargo em comissão ou função de confiança, e os valores percebidos pelo mesmo servidor, em seu cargo efetivo, atendidas as condições previstas na legislação do ente federado para a sua incorporação, ou seja, mesmo cessado o exercício pelo servidor do cargo ou função de confiança. Porém, a Emenda Constitucional nº 103, de 2019 vedou expressamente a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança. Tal se compreende no contexto da reforma previdenciária, já que o incremento da remuneração de modo permanente em um número maior de servidores que se rodiziam no exercício dessas funções tem reflexos orçamentários e previdenciários.
  6. f) O alcance da vedação constitucional não é limitado pela dicção – nomem iuris – constante da legislação local, seja prevendo incorporação ou permanência (termos equivalentes), já que a lei local não poderia, desde a Emenda Constitucional 19 de 1998, permitir incorporação de vantagens ao padrão do servidor que ensejasse o denominado efeito cascata ou repique. De outro lado, a autonomia do município para legislar sobre a remuneração de seus servidores e sobre matéria previdenciária não é absoluta, estando adstrita às normas e princípios constitucionais, conforme arts. 24, inc. XII, 25 “caput”, 29 “caput”, 31, inc. I e II da Constituição Federal.
  7. g) Mesmo que a aplicação do Direito fosse tão somente um exercício de lógica formal o parecer do I. Professor careceria de fundamentação robusta. De maneira simplista, o silogismo seria assim construído: primeira premissa (incorporação é distinta de permanência); segunda premissa (a Emenda 103 só tratou de incorporação); logo (conclusão) a Emenda não afeta a permanência. Pois bem, o raciocínio parte de dois pressupostos implícitos falaciosos, quais sejam: 1) A Emenda Constitucional nº 19 de 1998 em nada afetou a distinção entre incorporação e permanência, que constava na legislação local anteriormente a ela; e 2) o termo utilizado na legislação local, por força da autonomia do ente federado, seria paradigma para interpretar o alcance do texto constitucional.
  8. h) Se além da lógica formal, utilizarmos critérios hermenêuticos mais amplos tendo em vista ser o Direito não apenas ciência, mas também experiência, fica ainda mais evidente a fragilidade da argumentação desenvolvida.

 

12) Em sintonia com o Parecer ASS nº 5/2021, entendo, pois,  que o Administrador, após a publicação da Emenda 103/19, assegurados os direitos adquiridos – tal como previsto na própria Emenda mencionada – , não pode autorizar pagamentos aos servidores a título dessa diferença, de modo permanente, pelo exercício do cargo em comissão ou função de confiança, ainda que a legislação do ente federado, não revogada expressamente,  aparentemente o ampare. A Administração, ao autorizar pagamento da espécie, estaria agindo em direto confronto ao art. 39, § 9º, da Constituição Federal, incorrendo em severos consectários administrativos e penais, haja vista os prejuízos financeiros e previdenciários implicados na matéria.

 

E, analisando a consulta do Sindilex ao I. Professor, a resposta do parecerista, bem como as doutas ponderações do dr. José Luiz Levy no Parecer ASS nº 5/2021, entendo o quanto segue.

 

13) Quanto à primeira pergunta e respectiva resposta: 1. Existem diferenças entre os institutos jurídicos da incorporação e da permanência, tendo em vista a sua aparente semelhança à luz do Princípio Constitucional da Estabilidade Financeira?

 

A pergunta padece de equívoco ao erigir a estabilidade financeira em “princípio constitucional”. Como tive oportunidade de apontar no Parecer Chefia nº 04/2020, no acórdão que originou a Tese de Repercussão Geral nº 41 do STF, e em julgados posteriores, a estabilidade financeira garante ao servidor efetivo, após certo lapso de tempo de exercício de cargo em comissão ou assemelhado, a continuidade da percepção da diferença entre os vencimentos desse cargo e o de seu cargo efetivo. (STF, 1ª T., Ag.Reg. no RE 687.276/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 04/12/2012).

 

Uma vez pontuado que a estabilidade financeira não é um princípio constitucional, mas uma garantia quanto às diferenças financeiras, assegurada pelo Supremo Tribunal Federal, a questão em comento indaga sobre eventuais diferenças entre os institutos jurídicos da incorporação e permanência.

 

O ilustre parecerista responde:  “1. Os institutos da incorporação e da permanência são igualmente projeções do princípio da estabilidade financeira, mas inconfundíveis. São espécies distintas de um mesmo gênero, submetidas cada qual a regimes jurídicos parcialmente diferenciados”.

 

A resposta, data venia, carece de fundamento sólido, pois as leis que instituíram no município de São Paulo a incorporação ou permanência são independentes do instituto da estabilidade financeira. Como minuciosamente apontou o dr. José Luiz Levy, as leis, em regra, antes da Emenda nº 19 de 1998,  não asseguravam diferença de remuneração, de valores econômicos, mas sim admitiam a incorporação ou permanência da  vantagem em si mesma, isto é da própria gratificação ou do próprio adicional. E, após a Emenda nº 19 de 1998, as leis que asseguravam a incorporação ou a permanência em muitos casos foram revogadas, assegurado o direito adquirido decorrente até então.

 

Já a Lei municipal nº 17.224 de 2019 serviu-se do instituto da estabilidade financeira ao extinguir a incorporação e a permanência nas leis que especificou dias antes da publicação da Emenda Constitucional nº 103 de 2019. Dispôs, assim, que “fica assegurada a percepção de vantagem pessoal nominalmente identificada, de acordo com o tempo de recebimento da gratificação ou adicional e percentuais…” (art. 23, §3º).

 

Tem-se, pois, que a incorporação e a permanência não são “projeções” da estabilidade financeira; nem esta é um princípio constitucional. A estabilidade financeira é um instituto que assegura ao servidor ser vedado ao ente federado revogar a lei que assegurava a incorporação ou permanência da vantagem (tanto faz se a lei revogada incorporava ou tornava permanente a própria vantagem em si mesma ou os valores econômicos decorrentes da diferença), sem assegurar o direito adquirido à diferença econômica àqueles servidores que faziam jus à mesma até a data da revogação. Se a lei não assegurar isso, o Judiciário a assegurará, aplicando a Tese de Repercussão Geral nº 41 do STF.

 

  1. Quanto à segunda pergunta e respectiva resposta: 2. O instituto da incorporação (“in corpore”) tem como uma das características a de fazer uma vantagem servir de base para incidência de outras vantagens. A Emenda Constitucional nº 19/1998 vetaria essa característica típica da incorporação devido à vedação do chamado efeito repique? Em caso positivo, isso tornaria o instituto incorporação equivalente ao da permanência?

 

O I. Parecerista responde, com propriedade que: A Emenda Constitucional nº 19/1998 vedou apenas o denominado efeito repique ou cascata de incorporações a padrão de vencimento. O efeito cascata, um dos efeitos da incorporação, é que ficou proibido, não a incorporação mesma, da qual aquele era um dos efeitos.

 

Não há dúvida, com efeito, quanto à continuidade da incorporação – se desprovida de efeito cascata – após a Emenda Constitucional nº 19 de 1998. É paradigmático, quanto ao ponto, a interpretação conforme à Constituição dada ao art. 133 da Constituição do Estado de São Paulo pelo Supremo Tribunal Federal (RE 219.934-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13.10.2004).

 

Surpreende, todavia, a inferência do i. Parecerista:  Portanto, continuaram a existir, juridicamente os institutos incorporação e permanência, inconfundíveis entre si.

 

A inferência lógica seria diversa: Portanto, continuou a existir o instituto da incorporação sem efeito cascata. Como este era o ponto que o diferenciava da permanência, após a Emenda Constitucional nº 19 de 1998 os institutos se confundem. Não por acaso, os acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo que analisaram a “permanência” de gratificações nas leis locais promulgadas após a Emenda nº 19 de 1998 incidentes sobre servidores da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município a mencionam como “incorporação”.

 

15) Quanto à terceira pergunta e respectiva resposta 3. A Emenda Constitucional nº 103/2019, que alterou o sistema de previdência social, acresceu o § 9º do artigo 39 da Constituição Federal de 1988, estabelece o fim da incorporação para as “vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão”. Esta vedação constitucional também afetaria o instituto jurídico da permanência, previsto, dentre outros diplomas legais, pelo artigo 19, § 3º da Lei Municipal n. 14.381/2007, para os valores atribuídos às funções gratificadas exercidas pelos servidores da Câmara Municipal de São Paulo? Referida Emenda teria abolido o princípio constitucional da Estabilidade Financeira?

Responde o I. Parecerista:  3. A Emenda Constitucional nº 103/2019, ao acrescentar ao artigo 39 da Constituição o § 9º, veda incorporações ao padrão de vencimento de cargos públicos das vantagens pecuniárias nele referidas. Essa vedação não implica proibição de permanência de acréscimos remuneratórios instituídos por leis e, consequentemente, não afeta, nesse particular, a vigência das mesmas.

 

O I. Parecerista afirma que o § 9º do art. 39 “veda incorporações ao padrão de vencimento de cargos públicos das vantagens pecuniárias nele referidas”.

 

Com o máximo respeito, parece-me artificiosa tal afirmação. O § 9º do art. 39 veda a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo. Parece-me que veda a incorporação de vantagens à remuneração do servidor titular do cargo efetivo, que é o sujeito da remuneração. Em abono a esta leitura, lembre-se a Súmula Vinculante nº 16 do STF, que alude ao significado do termo remuneração no § 3º do mesmo art. 39 da Constituição Federal: “Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público.” (Tese definida no RE 582.019 QO-RG, Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13-11-2008, DJE, 30/02/2009, Tema 142).

 

Caso pretendesse restringir o significado de remuneração ao “padrão” do cargo, a Emenda Constitucional nº 103 de 2019 deveria fazê-lo de modo expresso, haja vista estar o termo remuneração sedimentado na doutrina e na jurisprudência, inclusive mediante a súmula vinculante citada.

 

Na sequencia, conclui o parecerista que “essa vedação não implica proibição de permanência de acréscimos remuneratórios instituídos por leis e, consequentemente, não afeta, nesse particular, a vigência das mesmas”.

 

Nesse ponto, reporto-me aos itens 1 a 9 anteriores, suficientes para apontar as razões pelas quais entendo que o art. 19 § 3º da Lei nº 13.637 de 2003 (com a redação dada pela Lei nº 14.381 de 2007) não prevalece em face do § 9º do art. 39 da Constituição Federal, inserido pela Emenda nº 103 de 2019. Reporto-me ainda ao Parecer Chefia nº 4/2020, no qual exponho as implicações de ordem previdenciária que a matéria encerra, recomendando a adequação dos atos regulamentares vigentes nesta Casa.

 

Ao que tudo indica, para o I. parecerista sustenta que a inserção do § 9º no art. 39 da Constituição federal  por meio da Emenda 103 de 2019, tem modestíssimo alcance, posto que: a) o constituinte empregou erroneamente o termo remuneração (teria querido dizer “padrão do cargo”); b) a vedação ora inserta afetaria tão somente servidores que são remunerados mediante subsídio, já que a incorporação ao padrão, com efeito cascata, já é vedada desde a Emenda 19 de 1998.

 

Permito-me observar, nesse ponto, que após a Emenda Constitucional 103 de 2019, a Constituição do Estado de São Paulo recebeu a Emenda nº 49, de 6 de março de 2020 que, além de revogar seu art. 133, acrescentou parágrafo único a seu art. 129, assim redigido:

 

Artigo 129 – Ao servidor público estadual é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo por quinquênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no artigo 115, XVI, desta Constituição.

                   Parágrafo único – O disposto no “caput” não se aplica aos servidores remunerados por subsídio, na forma da lei. (NR). Parágrafo único acrescentado pela Emenda Constitucional nº 49, de 06/03/2020.

 

Assim, os servidores remunerados mediante subsídio, no Estado, não têm direito a quinquênio ou sexta parte. Porém a vedação à incorporação de vantagem decorrente do exercício de cargo ou de função de confiança atinge indistintamente a servidores remunerados ou não mediante subsídio, como se depreende da expressa revogação do art. 133 da Constituição do Estado de São Paulo operada pela Emenda nº 49 de 2020[1].

Logo, também à luz da experiência – como ponderado pelo Dr. José Luiz Levy, no Parecer ASS nº 5/2021 -, revela-se frágil a interpretação pretendida.

 

Em resumo, segundo o I. parecerista, a inserção do § 9º no art. 39 da Constituição Federal teria tido como objetivo apenas impedir que servidores das entidades federadas que sejam remunerados por subsídios incorporem ao padrão de vencimentos do seu cargo vantagem de natureza temporária percebida em razão do exercício de função de confiança ou de cargo em comissão, mas tal não se aplica se a legislação local utilizar outro termo que não incorporação (e sim outro que atinja os mesmos efeitos, como permanência ou apostilamento). Nessa toada, a inserção em comento é pouco menos que inócua, e a interpretação, data venia, insustentável, uma vez que: 1) Não seria necessária Emenda Constitucional para tanto – bastaria lei da entidade federada; 2) Já existe há anos lei da União e recentemente lei do Município de São Paulo que vedam a incorporação e permanência de vantagem decorrente do exercício de função de confiança ou de cargo em comissão[2]; 3) Alheia-se aos textos legais atuais das esferas federadas, que concretizam tal dispositivo constitucional em seu âmbito, a exemplo do parágrafo único inserto no art. 129 da Constituição do Estado de São Paulo; 4) Afasta-se do postulado da “maior efetividade possível do texto constitucional”.

 

16) Cabe pontuar, de resto, que os 9 (nove) deferimentos de permanência mencionados pelo Sindicato requerente, no âmbito do Tribunal de Contas do Município, foram objeto de despacho do Subsecretário Geral Administrativo Substituto ou do Subsecretário Geral Administrativo (cópias anexas). Não consta que a matéria haja sido deliberada pelo Presidente ou Plenário do Tribunal, o que há de ser feito, oportunamente, de acordo com o Regimento Interno do TCM.

 

17) Devo esclarecer, finalmente, que o histórico de Pareceres da Procuradoria, citados pelo Sindicato requerente, que distinguem o instituto da incorporação e permanência tinham em vista casos de servidores que teriam direito adquirido à incorporação antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 19 de 1998. Para citar apenas um dos pareceres – mais antigo – mencionado na inicial, transcrevo trecho do Parecer nº 88/ 2001, da lavra do Dr. Antonio Rodrigo de Freitas Jr, então Assessor Chefe, que não diverge do meu entendimento:

 

Consoante o que já tive ocasião de externar, ao exarar o parecer 11/2001 cujo teor tomo a liberdade de juntar, em cópia, a estes autos, o advento da E.C. nº 19, em 04 de junho de 1998, pôs termo à possibilidade de que “acréscimos percebidos por servidor público  (sejam ) computados ou acumulados para fim de concessão de acréscimos ulteriores” (XIV do art.37 da C.R.).

                   (..)

                   Anteriormente ao advento da Lei 10.442/88 a única modalidade de indenização ficta reconhecida por lei como veículo para ocasionar a insusceptibilidade de revogação de gratificações discricionárias consistia no instituto da incorporação. Como se sabe, ou se deveria saber, a ocorrência da incorporação fazia incidir a parcela incorporada sobre o padrão do vencimento, de sorte não apenas que a gratificação incorporada tornava-se insusceptível de supressão como, no mesmo ato, que ao repercutir no padrão ensejava majoração do produto final da remuneração.

                   Foi precisamente colimando oferecer tratamento mais parcimonioso que se deu o advento da Lei 10.442/88. Daí a razão pela qual a proibição da incidência constar de parágrafo (nem preciso reiterar qual a função normativa de um parágrafo),  e de parágrafo único do artigo que instituiu justamente a permanência, como instituto inovador no Direito Municipal de São Paulo.

 

Já o Parecer ADM nº 25 de 2020 (cópia anexa), por mim não avalizado, e o parecer da Assessoria Técnica do E. TCM (cópia anexa), que embasou os despachos de deferimento do Subsecretário Geral Administrativo e do Subsecretário Geral Administrativo Substituto do TCM, vêem-se robustecidos com a linha argumentativa do parecer do I. Professor Márcio Cammarosano. A. E. Mesa, se assim entender pertinente, poderá louvar-se nos mesmos para deferir a permanência dos servidores que hajam implementado as condições previstas no § 3º do art. 19 da Lei nº 13.637 de 2003, com a redação dada pelo art. 8º da Lei nº 14.381 de 2007, mesmo APÓS a Emenda nª 103 de 2019.

 

Cabe-me reconhecer o esforço do Sindilex com vistas a preservar a expectativa de manutenção da possibilidade de permanência da gratificação de função, que sempre me pareceu salutar, sob muitos ângulos, não só para os servidores como também para a gestão pública. Desde 1998, sucessivas Emendas Constitucionais vêm estreitando as prerrogativas do funcionalismo público, amesquinhando o sistema estatutário, de forma continuada e inquietante.

 

Todavia, não vislumbrando respaldo jurídico para o pleito, e em face das graves consequências orçamentárias, financeiras e previdenciárias que a matéria encerra, comprometendo o erário, sinto-me constrangida a alertar, por dever de ofício, para as cominações constantes da Lei nº 8.429 de 2 de junho de 1992 (improbidade administrativa). Ressalvo, assim, meu ponto de vista pessoal, ratificando o Parecer Chefia nº 4/2020, por seus próprios e jurídicos fundamentos, e avalizo o Parecer ASS nº 5/2021, da lavra do dr. José Luiz Levy, que reforça o quanto por mim explanado.

 

Finalmente, entendo que em relação à matéria faz-se aconselhável uma decisão da E. Mesa em caráter normativo, posto haver diversos requerimentos de servidores pleiteando a permanência de gratificação de função tendo adimplido os requisitos para tanto após a Emenda nº 103 de 2019 (PA 21/2020; TID nº 18766463; PA nº 10/2021, TID nº 19128552; PA 14/2021 – TID 19128558; PA 15/2021 – TID 19128560; PA 17/2021 – TID 19128562; PA 62/2021 – TID 19194854).

 

São as ponderações que respeitosamente elevo à consideração de V.Exa., para submissão à E.Mesa, junto ao Parecer ASS 05/2021, da lavra do dr. José Luiz Levy, que avalizo.

 

São Paulo, 24 de março de 2021.

 

Maria Nazaré Lins Barbosa

Procuradora Legislativa Chefe

OAB/SP  106.017

[1] O servidor, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, [a qualquer título], cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos.

[2] Como bem observado no Parecer ASS nº 5/2021, da lavra do dr. José Luiz Levy: (no âmbito federal, Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, que alterou a redação do art. 62 da Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990, posteriormente alterado pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001; no âmbito municipal, Lei nº 17.224 de 2019.