Parecer n° 007-ASS/2021

Ref. Denúncia formulada por Sociedade Civil do Município de São Paulo

Protocolo Nº: 10597 – Ouvidoria

 

 

Parecer ASS nº 007/2021

 

 

Senhora Procuradora Chefe,

 

 

Trata-se de Denúncia, formulada pela Sociedade Civil do Município de São Paulo, perante a Ouvidoria da Câmara, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal c/c artigo 2º, inciso I, da Lei Municipal de São o Paulo n. 15.507/2011, em face do Vereador XXXXXXXXXXXXXXX, sustentando, em síntese, que “muito embora a Constituição Federal (art. 54, II, “c”)e a Lei Orgânica do Município de São Paulo (art. 17, II, “c”) vedem o patrocínio de causas por parlamentares, a partir da posse, em processos em que sejam interessadas pessoas jurídicas de direito público, e o Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) considere o exercício da advocacia, contra ou a favor de pessoas jurídicas de direito público, incompatível com os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis (art. 30, II), o referido parlamentar exerceu e vem exercendo irregularmente a advocacia nesses casos, contemplando, em sua maioria, ações populares em face da Prefeitura do Município de São Paulo e da Fazenda Pública do Estado de São Paulo”.

 

A entidade denunciante assevera que, após efetuar “rápida pesquisa no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo”, constatou diversas ações judiciais movidas pelo Vereador XXXXXXXXXXXXXXX, como advogado da causa, notadamente ações populares em face do Estado de São Paulo e contra o Município de São Paulo, conforme pesquisa que anexa (Doc.2), nas que “não poderia o parlamentar ter atuado ou, ao menos, deveria ter renunciado ao seu patrocínio a partir da posse”. Juntou a carteira da OAB/SP do Vereador (Doc. 1) e peças referente a um único processo, Autos 1005898-80.2021.8.26.0053, que tramita perante a 4ª Vara da Fazenda Pública, em que o Vereador teria peticionado em 21 de janeiro de 2021 (Doc.3)

 

Sustenta a entidade denunciante, que “o próprio Estatuto da OAB considera nulo qualquer ato privativo de advogado praticado por causídico impedido (art. 4º, Parágrafo único), o que traz à tona a irregularidade sobre todos esses atos praticados pelo parlamentar nos referidos processos, a partir do momento de sua posse”, e que o exercício de advocacia em tais ações judiciais por parte do Vereador configurou infração político-administrativa, por tratar-se de atividade proibida aos parlamentares após a sua posse, sendo “certo que tanto a Constituição Federal quanto a própria Lei Orgânica do Município de São Paulo prevêem a perda do mandato como sanção ao agente político que desrespeitar as incompatibilidades previstas, o que demonstra a gravidade da medida”. Em consequência, postula:

 

“(i) Seja instaurado, no âmbito desta Câmara Municipal, procedimento para investigação do parlamentar XXXXXXXXXXXXXXX em função do cometimento reiterado da infração prevista no art. 54, II, “c” da Constituição Federal, art. 17, II, “c” da Lei Orgânica do Município de Sa o Paulo, além do art. 30, II, do Estatuto da OAB, em virtude de patrocinar, no curso do mandato parlamentar, causa em face de pessoa jurídica de direito público.

 

(ii) Seja, ao final do procedimento, cassado o mandato parlamentar de XXXXXXXXXXXXXXX, com fulcro no art. 55, I, da Constituição Federal, e art. 18, I, da Lei Orgânica do Município de Sa o Paulo.

 

Chamado a manifestar-me, passo a dar o meu parecer.

 

Conforme entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, no tocante às infrações político-administrativas atribuídas aos Vereadores, não hão de aplicar-se os artigos 4º a 8º do Decreto-lei 201, de 27 de fevereiro de 1967, que “dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências”, e sobre o “processo de cassação de mandato de Vereador”, pois não prevalecem tais artigos em face dos artigos 29 e 30 da Constituição Federal de 1988, “devendo a matéria ser regulada pela lei orgânica do Município” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.702). O processo e o julgamento das infrações político-administrativas competem exclusivamente à Câmara de Vereadores, na forma prevista na lei municipal pertinente, e os trâmites processuais devem atender às normas regimentais da corporação, para validade da deliberação do plenário” ( STF, 2ª T., Ag. Reg. no RE 1.159.353/ MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13/12/2019; TJESP, 5ª Câmara de Direito Público, Apelação nº1007221-53.2019.8.26.0292, Rel. Des. Fermino Magnani Filho, j. 8/06/2020). A Súmula Vinculante nº 46, no sentido de aplicar-se o Decreto-lei 201, de 1967, diz respeito aos crimes de responsabilidade (Nesse sentido: STF, 2ªT AgR -Rcl 37075,  Rel. Min.Edson Fachin,  DJe 03/06/2020; e STF, AGR- RCL 43707 / MG, Min. Rosa Weber, j. 24/11/2020), hipótese que não se aplica ao caso vertente.

 

A Constituição Federal, em seu art. 29, prevê que o Município será regido por Lei orgânica, que dentre outros preceitos, estabelecerá: IX – proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembleia Legislativa”. Eis por que as incompatibilidades para o exercício do mandato de Vereador são similares às incompatibilidades dos Deputados Federais e Senadores, estabelecidas no art. 54 da Constituição Federal, e às dos Deputados Estaduais.

 

De acordo com tal competência fixada pelo art. 29, IX, da Constituição Federal, a Lei Orgânica do Município de São Paulo estabeleceu, em seu art. 17, as incompatibilidades no exercício da Vereança. Os processos disciplinares contra os Vereadores podem acarretar inclusive a sanção de perda de seu mandato, conforme o art. 18, I, da mesma Lei Orgânica e a disciplina estabelecida na Resolução nº 7, de 29 de maio de 2003.

 

Convém, nesse passo, recordar a importante distinção elaborada por José Afonso da Silva, quanto a tais incompatibilidades. O I. Professor as classifica em funcionais, negociais, políticas e profissionais (Manual do Vereador. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 60). As incompatibilidades funcionais, segundo acrescenta o autor, são aquelas que se referem ao exercício, pelo Vereador, desde sua diplomação, de cargo, função ou emprego remunerado demissíveis ad nutum, na Administração direta e indireta, e em empresa concessionária de serviço público (art. 54, II, b). As incompatibilidades negociais são aquelas que dizem respeito ao impedimento do Vereador, desde sua diplomação, de “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de Direito Público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” (art. 54, I, a, CF). A incompatibilidade política refere-se à impossibilidade de acúmulo de cargos ou de mandatos públicos eletivos pelo parlamentar. (art. 54, II, “d”, CF).

 

Na lição de José Afonso da Silva, “As incompatibilidades profissionais dizem respeito à impossibilidade do Vereador de: 1) patrocinar causa em que seja interessada pessoa jurídica de direito público, autarquia, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público (art. 54, II, c, CF), e 2) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada (art. 54, II, a, CF).” (Ibidem, p. 71).

 

Estabelece a Constituição Federal que a incompatibilidade profissional, indicada em “1)”, consiste em que os Deputados ou Senadores não poderão, desde a posse, patrocinar causa em que seja interessada pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes (art. 54, II, “c”, da CF).

 

E o art. 17, II, “c”, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, no mesmo sentido, prevê que o Vereador não poderá, desde a posse, patrocinar causa em que sejam interessados órgãos da administração direta, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, fundação instituída ou mantida pelo Poder Público, ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer à cláusulas uniformes.

 

Daí ser necessário verificar se existe na Denúncia formulada os elementos objetivos e subjetivos que permitirão o prosseguimento de sua tramitação. Ou seja, se existe a possibilidade, mesmo em tese, de o Vereador XXXXXXXXXXXXXXX ter infringido a incompatibilidade profissional prevista no art. 17, II, “c”, da Lei Orgânica do Município, em razão das ações populares por ele movidas, conforme demandas relatadas pela empresa denunciante (Docs. 2 e 3), a ponto de ter o seu mandato cassado, conforme art. 18, I, da mesma LOM.

 

Entendo, primeiramente, que não se constata a presença do elemento objetivo na presente Denúncia.

 

A única ação popular cujo teor foi anexado em parte na Denúncia (Doc. 3), que tramita perante a 4ª Vara da Fazenda Pública, em face do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e de Conselheiro do Tribunal de Contas, Autos nº 1005898-80.2021.8.26.0053, foi movida em 21 de janeiro de 2021, logo após a posse do Vereador. Mas logo depois, em 19 de fevereiro, embora a empresa denunciante tenha omitido o fato, o Vereador substabeleceu os seus poderes a outro advogado (Doc. A, anexo). Providencio, por minha própria conta, a juntada em anexo do substabelecimento das três outras ações populares que constam no início da relação juntada pela empresa denunciante (Doc. 2), também com data de 19 de fevereiro (Docs. B, C e D, anexos), embora não tenha me detido na análise de tais ações.

 

Observo que, embora seria ônus da empresa denunciante apresentar os indícios de irregularidades graves cometidas pelo Vereador, suficientes para dar ensejo ao processo de cassação, desse ônus ela não se desincumbiu. Somente apresentou o indício de exercício de advocacia no ingresso pelo Vereador, após a sua posse, de uma única ação popular, nada mais. De todo modo, em uma rápida análise por iniciativa própria, não logrei localizar da relação anexada pela empresa denunciante em seu Doc.2, em algumas ações populares analisadas, petição subscrita pelo Vereador após o início dos trabalhos legislativos da Edilidade, em 1º de fevereiro de 2020, e observo que, nessa breve análise realizada por iniciativa própria, nas ações constantes de Doc.2 que não são ação populares, inexiste petição jurídica do Vereador após a sua posse.

 

Ora, quanto à ação popular juntada pela empresa denunciante, Autos nº 1005898-80.2021.8.26.0053, o Vereador não ingressou na demanda para “patrocinar interesses” do órgão ou entidade pública, como exige a tipificação da incompatibilidade, nos termos legais, mas para anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa”.

 

Os “interesses” referidos na tipificação legal do art. 17, II, “c” da LOM são subjetivos do próprio órgão público, e visam ao benefício econômico ou da própria instituição, enquanto que a ação popular movida pelo Vereador visa fins diversos do interesse meramente subjetivo ou econômico da entidade pública: a preservação da ordem jurídica e a defesa da sociedade e do Erário Público. Ademais, tal “patrocínio de interesses” de órgão ou entidade pública, somente pode ser alcançado, a rigor, nos termos da legislação específica da advocacia, Lei 8.906/94, por Procurador do órgão ou entidade pública, ou por advogado particular que recebe procuração outorgada pelos representantes legais da entidade ou órgão público, o que não ocorreu in casu com o Vereador XXXXXXXXXXXXXXX.

 

Como se sabe, de acordo com o Direito pátrio, as infrações político-administrativas, em especial as que ensejarão a sanção máxima de cassação de mandato, reguladas conforme a legislação municipal, “devem ser interpretadas restritivamente e aplicadas tão-só aos fatos típicos de sua incidência” ( Hely Lopes Meirelles, op. cit. p. 703).

 

Impossível verificar-se, na hipótese vertente, pois a incompatibilidade profissional prevista no art. 17, II, “c”, da Lei Orgânica do Município de São Paulo. Mesmo porque a finalidade da incompatibilidade profissional do dispositivo é claramente a de coibir o conflito de interesse do exercício da advocacia com a atuação como parlamentar, conflito que não ocorreu no caso, pelos motivos já expostos.

 

Nesse sentido, é fato notório que o Vereador em questão exerceu a advocacia em inúmeras ações populares desde que fundou o Movimento Brasil Livre- MBL em 2014, não se enquadrando a demanda popular mencionada na Denúncia (Doc.3), assim como as outras referidas no Doc. 2, de todo modo, de modo claro, a meu ver, em “exercício da advocacia para patrocinar interesses dos órgãos públicos estaduais ou municipais” tal como está tipificado no art. 17, II, “c”, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

 

O interesse público buscado pelo Vereador denunciado nas ações populares após a sua posse, a rigor, em tese, não conflita abertamente com o mandato parlamentar, pois são interesses que confluem e estão de acordo, em princípio, com os de seu próprio do mandato parlamentar, e que inclusive, por sobrepairarem nitidamente os da entidade pública, já que a preservação da ordem jurídica e do Erário interessam à sociedade como um todo. Eis a razão pela qual, na ação popular, os interesses do autor poderem coincidir com os interesses da pessoa pública Ré, como se constata no § 3º do art. 6º da Lei 4.717, de 29 de maio de 1965:

 

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

……………………………………………………………………………………………

  • 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente

 

A rigor, pode-se talvez afirmar que os “interesses” do autor na demanda popular muito se assemelham com os interesses do Ministério Público, a quem incumbe, nos termos do art. 127 da Constituição Federal, “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais”. Tanto é assim que estabelece o art. 9º da Lei da Ação Popular, Lei 4.717/65:

 

Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.

 

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que: A não observância do disposto no art. 9º da Lei 4.717/65 resulta em prejuízo à sociedade e ao MP, como órgão garantidor da ordem jurídica, uma vez que não lhes foi dado suceder o autor popular desistente no prosseguimento do feito” (STJ, 2ª T. REsp 771.859, Min. Eliana Calmon, j.15/08/06)

 

Por tais motivos, muito duvidosa é a tese sustentada pela entidade denunciante, de que, em sede de ação popular, estaria o Vereador advogando nos termos do impedimento previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, em seu art. 30, inciso II ( “Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia: II os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público..”.), porque, como asseverado, o objetivo da atuação do Vereador em questão na ação popular não foi a de “ser contra ou a favor” ou da pessoa jurídica de direito público,  mas sim o de resguardar a ordem jurídica e preservar o Erário Público e os interesses da sociedade. Importante salientar, nesse sentido, que não são as pessoas jurídicas de direito público que outorgaram procuração ao Vereador autor, nem será o Vereador beneficiado com o resultado da ação− no caso concreto, até porque já substabeleceu os seus poderes a outro advogado.

 

De todo modo, trata-se, ainda assim, a eventual afronta ao art. 30, II, da Lei 8.906/94 pelo Vereador XXXXXXXXXXXXXXX, nesse um mês e meio em que exerceu a advocacia, movendo algumas ações populares,  de questão que poderá interessar à Comissão de Ética da OAB/SP, mas não à Edilidade paulistana, na análise da presente Denúncia, relativa a eventual processo de cassação de mandato.

 

Certo é, quanto a esse tópico, que os atos do Vereador nos processos judiciais, ao contrário do alegado pela entidade denunciante, mesmo que sendo considerados realizados por advogado impedido pela OAB, o que para argumentar se admite, jamais serão considerados como atos nulos pelo Poder Judiciário, conforme jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça: “Embora o art. 4.° do Estatuto da OAB disponha que são nulos os atos praticados por pessoa não inscrita na OAB ou por advogado impedido, suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia; o defeito de representação processual não acarreta, de imediato, a nulidade absoluta do ato processual ou mesmo de todo o processo, porquanto tal defeito é sanável nos termos dos arts. 13 e 36 do CPC. Primeiro, porque isso não compromete o ordenamento jurídico; segundo, porque não prejudica nenhum interesse público, nem o interesse da outra parte; e, terceiro, porque o direito da parte representada não pode ser prejudicado por esse tipo de falha do seu advogado. A nulidade só advirá se, cabendo à parte reparar o defeito ou suprir a omissão, não o fizer no prazo marcado” (STJ, 3ª T., REsp 833.342, Min. Nancy Andrighi, j. 25.09.06; No mesmo sentido: STJ, 4ª T. REsp 1.317.835, Min. Luis Felipe Salomão, j.25.9.12). Com efeito, nos termos do atual Código de Processo Civil, caso constatada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício” (art. 76, caput), cabendo ao Juiz “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vistos processuais” (art. 139, inciso IX, do CPC). Orienta-se ainda a jurisprudência: Não se decreta a nulidade dos atos praticados por advogado afastado do exercício profissional, se foram ratificados por novo procurador constituído nos autos e da irregularidade da representação processual não adveio prejuízo a qualquer das partes” ( STJ, 2ª T, REsp 449.627, Rel. Eliana Calmon, j.18/05/04); “Estando o advogado impedido de advogar contra a parte adversa, ficam sanados os atos por ele praticados, desde que ratificados atempadamente, a teor do disposto no art. 13, I, do CPC, sobretudo quando o patrocinado não sabia do impedimento – até porque sem registro na carteira profissional de seu patrono – e o defeito não foi alegado desde quando deveria” ( RSTJ, 87/83, STJ-RT 725/172, STJ-Bol.AASP 1.930/405).

 

De qualquer forma, importante salientar que o Vereador em questão, que advogou em grande número de ações populares similares ao menos desde que fundou o MBL em 2014, e eventual irregularidade teria ocorrido apenas durante cerca de um mês e meio, enquanto parlamentar, se é que peticionou após a sua posse nessas ações populares relacionadas no Doc. 2 ( o que não restou demonstrado, exceto na ação mencionada em Doc. 3) − presumivelmente apenas por desconhecer a incompatibilidade referida, não estando a incompatibilidade sendo anotada na sua carteira da OAB (Doc.1). Tão logo teve ciência da eventual incompatibilidade, em seu primeiro mandato parlamentar, imediatamente providenciou vários substalecimentos que ora se juntam, efetivados sempre em 19 de fevereiro (Docs. A B, C e D), por amostragem, em brevíssima análise feita por este Procurador, quanto às quatro primeiras ações populares constantes de Doc.2 da Denúncia.

 

Não se vislumbra, diante da ação popular mencionada em Doc. 3, ou mesmo nas demais ações populares constantes de Doc. 2, caso se constate petição após a posse, o propósito do Vereador XXXXXXXXXXXXXXX afrontar consciente e voluntariamente a incompatibilidade profissional prevista na Lei Orgânica do Município, com má fé ou desvio das finalidades almejadas pelo Constituinte Municipal. Evidentemente, somente seria aplicar a sanção máxima a um Vereador, de cassação de seu mandato (art. 18, I, da LOM), assim como a cassação do Deputado ou Senador (art. 55, inciso I, da CF), se a infração foi cometida com o elemento subjetivo de consciente e deliberada finalidade de patrocínio de interesses dos órgãos ou entidades públicas, em conflito com a sua atuação parlamentar, o que não se demonstrou ter ocorrido nas ações populares apresentadas em Doc. 2 e Doc. 3 da Denúncia, sob qualquer ângulo que se analise a matéria.

 

De acordo com o Direito brasileiro, para a Câmara Municipal concluir que um parlamentar infringiu uma proibição legal, e que, portanto, estará sujeito a sanção máxima da perda de mandato, não basta a simples subsunção do seu comportamento à norma, mas é preciso que reste caracterizado o descumprimento consciente e deliberado pelo parlamentar da lei com má fé, ou seja, deverá ser constatado o dolo, que não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico.

 

Mesmo em tese, pois, para que possa ser aplicada a um Vereador a pena máxima de cassação de mandato, há a necessidade da presença do elemento subjetivo do dolo, por analogia às penas da Lei de Improbidade Administrativa. Conforme entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas prescrições da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10” (STJ, 2ª T., REspn.1737004/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 04/09/2018). Exigência de dolo para subsunção da conduta ao art. 11, da Lei n.º 8.429/92. Entendimento pacificado perante a 1ª Seção do STJ. Réus que, no caso, possuíam absoluta ciência de que suas condutas infringiam os princípios a que submetida a Administração Pública.(…).Caracteriza ato de improbidade administrativa a conduta do agente que, intencionalmente, atente contra os princípios da administração pública (art. 11 da L. 8.429/92). O elemento subjetivo caracterizador do comportamento doloso exigido do agente nessa hipótese encontra-se na intenção e consciência de descumprir a legislação regente, mediante violação daqueles princípios, ou seja, no dolo eventual” (Apelação 9133497-45.2009.8.26.0000, Rel. Desembargador Rui Stoco, julgado em 12.9.2011).

 

A presente denúncia, portanto, como demonstrado suficientemente, é destituída de seus elementos objetivo e subjetivo, elementos indispensáveis para a continuidade de sua tramitação visando à pretendida cassação do Vereador XXXXXXXXXXXXXXX.

 

Por fim, verifico a ausência de legitimidade processual da entidade denunciante, Sociedade Civil do Município de São Paulo. Com efeito, a denunciante não juntou cópia do contrato social de sua constituição, nem a Ata por meio da qual nomeou a sua Diretoria, apta a formular a Denúncia. Observo, aliás, que a Denúncia sequer é subscrita pelo Representante legal da entidade. Evidente, pois, a ilegitimidade processual da entidade postulante para formular a sua Denúncia.

 

Não detém competência legal a Câmara Municipal, por outro lado, para alterar a legitimidade ativa de pedido formulado por entidade civil, como se fosse formulado por meio de denúncia anônima, sem desvirtuar princípios básicos do processo administrativo. Ademais, caberá oportunamente à entidade civil denunciante regularizar a sua legitimidade processual, com os documentos hábeis e assinatura indispensável, e, se assim desejar e entender cabível, renovar o seu pedido personalíssimo de cassação do Vereador em questão.

 

Constatado, portanto, que a Denúncia formulada pela Sociedade Civil do Município de São Paulo em face do Vereador XXXXXXXXXXXXXXX é claramente inepta, porquanto destituída de elementos objetivos e subjetivos que seriam indispensáveis para caracterizar a infração pelo Vereador da incompatibilidade profissional prevista no art. 17, II, “c”, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que ensejaria, segundo postulado, a cassação de seu mandato, nos termos do art. 18, I, da mesma Lei Orgânica, e por não deter a entidade denunciante legitimidade processual para formular o pedido de cassação, entendo que a Mesa da Câmara deverá arquivar a presente Denúncia.

 

Quanto à competência da Mesa da Câmara para decidir sobre à matéria, saliento que o STF tem entendido reiteradamente que a Mesa Diretora do Poder Legislativo tem competência para arquivar de plano representações ineptas contra parlamentares visando à cassação de mandato. Confira-se, a título ilustrativo, o despacho de indeferimento de liminar no MS nº 26.869/DF, prolatado pelo Ministro Gilmar Mendes em 24/09/2007, no que invoca outro precedente, Acórdão do Pleno do STF no MS nº 20.941, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 31/08/92:

 

 “Argumenta o Impetrante que “(…) a Mesa do Senado não pode arquivar, de ofício e sem o contraditório, a Representação para Investigação da Quebra de Decoro Parlamentar que o impetrante – Partido Político com representação no Congresso Nacional – apresentou contra o senador (…) .

   Foram prestadas as informações, no sentido de que “cabe à Mesa do Senado verificar se a petição apresentada por Partido Político reúne os pressupostos de admissibilidade para que possa vir a ser conhecida e processada como representação por quebra de decoro parlamentar, nos termos da Resolução do Senado nº 20, de 1993, que dispõe sobre o Código de Ética e Decoro Parlamentar.”(fl. 137)

   Passo a decidir tão-somente o pedido liminar.

  Muito embora venha reconhecendo situações que não se enquadram no âmbito próprio da administração ou organização interna das deliberações legislativas (portanto, que refogem à doutrina das questões interna corporis), o caso dos autos, em uma primeira análise, parece estar entre aqueles que, por interpretação sistemática das normas regimentais, se encerram na competência exclusiva da Mesa Diretora da Casa Legislativa para avaliar as mínimas condições de processamento da representação por quebra de decoro parlamentar.

   Há manifestação deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que a competência da Casa Legislativa “não se reduz à verificação das formalidades extrínsecas e da legitimidade de denunciantes e denunciados, mas se pode estender (…) à rejeição imediata de acusação patentemente inepta” (STF-MS-20.941, Relator para o acórdão: Min. Sepúlveda Pertence, plenário, DJ 31/08/92).

   Ora, sem adentrar no mérito da discussão acerca dos argumentos que fundamentam a representação por quebra de decoro parlamentar, não vislumbro a presença dos requisitos autorizadores para a concessão de medida liminar, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora.

   Diante do exposto, sem prejuízo de melhor análise da questão quando do julgamento de mérito, indefiro o pedido de liminar.”

 

Em razão de todos os motivos expostos, entendo que a Denúncia em epígrafe, formulada pela Sociedade Civil do Município de São Paulo perante a Câmara Municipal de São Paulo, através de sua Ouvidoria, consiste em Denúncia claramente inepta, merecendo, em consequência, ser de plano arquivada pela Mesa Diretora, por meio de Decisão a ser publicada no Diário Oficial da Cidade, assegurando-se à entidade denunciante o direito de apresentar recurso, no prazo de 15 (quinze) dias corridos.

 

É o meu parecer, s.m.j.

 

São Paulo, 20 de abril de 2021.

 

 

 

JOSÉ LUIZ LEVY

Procurador Assessor da Chefia – RF 11.012

OAB/SP n° 67.816

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Ref. Denúncia formulada por Sociedade Civil do Município de São Paulo

Protocolo Nº: 10597 – Ouvidoria

Parecer ASS nº 007/2021

 

À Presidência

Exmo. Sr. Chefe de Gabinete

 

 

Trata-se de denúncia formulada por “Sociedade Civil do Município de São Paulo”, requerendo a adoção de medidas tendentes à cassação do mandato do Nobre Vereador XXXXXXXXXX. Na denúncia, todavia, não estão presentes os elementos objetivos e subjetivos necessários para prosseguimento, como bem apontado no criterioso Parecer ASS nº 7/2021, da lavra do Procurador Assessor dr. José Luiz Levy, que avalizo.

A denúncia, com efeito, limita-se a apontar que o Nobre Vereador XXXXXXXXXX atuou, após sua posse, como advogado e autor em ações, notadamente ações populares, em face do Município e da Fazenda Pública estadual, indicando peças referente a um único processo: Ação Popular nº 1005898-80.2021.8.26.0053, que tramita perante a 4ª Vara da Fazenda Pública.

Ora, o art. 17, inc. II, alínea c  da Lei Orgânica Municipal, em simetria com o art. 54, inc. II, alínea c da Constituição Federal, veda ao Vereador, desde a posse,  “patrocinar causa” em que sejam interessados órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta ali especificados. Ora, na ação popular juntada pela denunciante, o Vereador não ingressou na demanda para “patrocinar interesse” de órgão ou entidade pública, mas para “anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe ou à moralidade administrativa”. Os “interesses” referidos na tipificação legal do art. 17, II, “c” da LOM são subjetivos do próprio órgão público, e visam ao benefício econômico ou de defesa da instituição. Já a ação popular visa fim diverso do interesse meramente subjetivo ou econômico. Ademais, tal “patrocínio de interesses” de órgão ou entidade pública somente pode ser alcançado, nos termos da legislação específica da advocacia, por Procurador do órgão ou entidade pública, ou por advogado particular que recebe procuração outorgada pelos representantes legais da entidade ou órgão público, o que não é o caso.

Por outro lado, o Estatuto da Ordem dos Advogados, em seu art. 30, inc. II dispõe que os membros do Poder Legislativo estão impedidos de exercer a advocacia, em seus diferentes níveis, contra ou a favor da pessoa jurídica de direito público. Em face desse dispositivo, o denunciando substabeleceu a representação da ação em comento a outro causídico, em 19 de fevereiro p.p., como se constata dos respetivos autos, sem prejuízo à validade dos atos até então praticados. É até mesmo discutível – como apontado no parecer ora avalizado – o impedimento do parlamentar em atuar como advogado em se tratando de ações como a da espécie. Todavia, o debate quanto a tal impedimento há de ser travado em face do órgão de classe que regulamenta o exercício da profissão de advogado, sem qualquer relação com o cometimento de infrações “político-administrativas” aptas a ensejar a cassação de mandato. Ausente, pois, materialidade na conduta atribuída ao parlamentar tendente a tal desdobramento.

Quanto aos aspectos processuais, a Denúncia se apresenta como formulada por Sociedade Civil do Município de São Paulo, porém sem os documentos necessários para comprovar sua legitimidade processual, (Contrato social ou Estatuto e respectiva Ata de eleição de Diretoria), e sem aposição de assinatura. A Câmara Municipal, por sua vez, não detém competência para alterar a legitimidade ativa da entidade denunciante, a fim de receber o pedido como “denuncia anônima” que pleiteia cassação de mandato, sob pena de violar princípios elementares que regem o processo administrativo.

Deste modo, a documentação já colacionada permite comprovar a ausência de elementos objetivos e subjetivos que admitam o prosseguimento da denúncia em apreço, eis que inepta sob qualquer ângulo.

Ora, conforme reiterados entendimentos do Supremo Tribunal Federal, a Mesa da Câmara detém competência para arquivar de plano representações ineptas contra parlamentares visando à cassação de mandato (cfr. MS nº 26.869/DF, Rel. Min.  Gilmar Mendes, j. 24.09.2007; MS nº 20.941, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, STF Pleno, DJ 31.08.92), sendo, pois nesse sentido a recomendação para o caso.

Com essas ponderações, encaminho a V.Exa. o bem fundamentado Parecer ASS nº 07/2021, da lavra do dr. José Luiz Levy,  com o meu aval, a fim de submetê-lo ao elevado crivo do Exmo. Sr. Presidente e da E. Mesa Diretora.

 

São Paulo, 22 de abril de 2021.

 

 

MARIA NAZARÉ LINS BARBOSA

Procuradora Legislativa Chefe

OAB/SP 106.017