Parecer n° 121/2019

Parecer ADM 121/2019
TID 18651412
Assunto: Cidadão impedido de entrar na Edilidade – Protocolo Ouvidoria 6192

Sra. Procuradora Chefe:

Trata-se de consulta formulada via Ouvidoria por XXXXXXXXX em que esta solicita esclarecimentos sobre os motivos pelos quais seu filho, XXXXXXXXX, encontra-se impedido de entrar no prédio da Câmara Municipal de São Paulo.
Juntou ao e-mail cópia de ofício à Câmara Municipal de São Paulo elaborado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em que esta solicita esclarecimentos sobre os motivos pelos quais teria sido restringido o acesso do cidadão às dependências da Edilidade e que, não havendo motivo para impedir o acesso do cidadão, que este voltasse a ser permitido. Solicitou, ainda, que os motivos da negativa de acesso sejam formalizados por escrito e entregues ao cidadão.
Consta do expediente o Memorando nº 1151/ICAM/2019 em que o Comandante Regional em exercício informa o Sr. Chefe de Gabinete da Presidência que, na data de 16 de outubro de 2019, o XXXXXXXXXXXXXXXXXXX teria iniciado desentendimento e conduta inconveniente em face de estagiária da Casa, que teria noticiado ter sido alvo de ameaça por parte do munícipe. Segundo relatou, o assunto iniciado pelo munícipe teria se tornado desagradável, motivo pelo qual não mais lhe teria dirigido a palavra, o que teria irritado o cidadão, que teria começado a ameaçá-la. Relatou que ele teria dito as seguintes palavras: “Vou te enforcar”, “Quando eu te encontrar na rua vou te quebrar de pau” e “Você é uma cobra, fiona”. Ao final, o Comandante solicitou que SGA.34 fosse comunicada sobre a conduta do indivíduo e que, com a finalidade de prevenção, fosse o acesso do munícipe restringido.
Foi juntado Boletim de Ocorrência lavrado sobre os fatos ocorridos, do qual consta o endereço do munícipe.
De acordo com e-mail juntado ao expediente enviado por SGA.34 à ICAM, o Sr. Supervisor de SGA.34 relata que, haja vista brincadeiras inadequadas com algumas recepcionistas, o munícipe teria sido por ele orientado, na data de 04/09/2019, a não circular em determinados locais da Casa e que, paralelamente a isso, as estudantes teriam sido orientadas a evitar conversas com o cidadão em questão. Contudo, teria chegado a seu conhecimento que, na data de 15/10/2019, o munícipe teria ameaçado duas estudantes, mencionando que “praticaria feminicídio com ambas”. Naquele momento, o supervisor informou que não seria realizado bloqueio de acesso, mas que as estudantes teriam sido orientadas a avisar imediatamente os funcionários de SGA34, bem como o agente da GCM no andar térreo, assim que o cidadão entrasse na Edilidade.
O Sr. Secretário de Infraestrutura, ao considerar a gravidade dos fatos narrados e a preocupação com a integridade física das estagiárias, entendeu ser necessária a restrição de acesso do munícipe, solicitando a medida à Secretaria Geral Administrativa.
O Sr. Secretário Geral Administrativo, tendo em vista os fatos e circunstâncias, bem como a manifestação do Sr. Secretário de Infraestrutura, sugeriu à Presidência que fosse proibida a entrada do munícipe nas dependências da Câmara Municipal, de modo a se prevenir o acontecimento de incidentes mais graves.
A Chefia de Gabinete da Presidência, diante de todas as informações, encaminhou o expediente à Inspetoria para providenciar a proibição de acesso do Sr. Antonio Rubens Gonçalves às dependências do Legislativo.
É o relatório.
A munícipe solicitou, via Ouvidoria, informações sobre os motivos pelos quais seu filho estaria com acesso restringido à Edilidade. Entendo, contudo, que apenas teria legitimidade para solicitar este tipo de informação o próprio cidadão, cujo acesso está proibido, ou eventuais órgãos públicos, como Defensoria Pública ou Ministério Público, por exemplo. Isto porque, dada a natureza dos fatos, informar tais dados que se referem a conduta praticada pelo cidadão poderia vir a expor sua intimidade, vida privada, honra e imagem. Vejamos o que diz a Constituição Federal:
Art. 5º (…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(…)
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança do Estado e da sociedade;
(…)
Da leitura dos incisos do artigo, percebe-se que o constituinte resguardou a intimidade, vida privada honra e imagem das pessoas ao mesmo tempo em que conferiu a todas as pessoas o direito de obter dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral. Necessário, portanto, conciliar os dois bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
A Lei de Acesso à Informação veio trazer regramentos para o acesso às informações públicas. Vejamos o que diz a lei:
“Art. 4º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
(…)
I – informação: dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato;
(…)
IV – informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável; (…)

Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:
I – terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e
II – poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.
§ 2º Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.
§ 3º O consentimento referido no inciso II do § 1º não será exigido quando as informações forem necessárias:
I – à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico;
II – à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;
III – ao cumprimento de ordem judicial;
IV – à defesa de direitos humanos; ou
V – à proteção do interesse público e geral preponderante.
§ 4º A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância.
§ 5º Regulamento disporá sobre os procedimentos para tratamento de informação pessoal.

Nos termos constitucionais, entendo serem de interesse particular do cidadão os motivos pelos quais o seu acesso à Edilidade foi restringido, podendo ele próprio solicitar do Poder Público tal informação. Neste caso, a informação de interesse coletivo ou geral está relacionada apenas a se informar que determinada pessoa se encontra com acesso restrito.
No tocante à Lei de Acesso à Informação, entendo que a subsunção à norma se dá como se tratando de informação pessoal e sua divulgação a terceiros poderia vir a desrespeitar sua intimidade, vida privada, honra e imagem.
Entendo que basta aos demais cidadãos saber que o cidadão está impedido de entrar na Câmara, não lhes sendo devidos os motivos da restrição ao acesso. A própria lei de acesso dispôs que informações pessoais poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros mediante previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem. Apenas interessa ao próprio cidadão, à Edilidade e a órgãos públicos fiscais da lei ou que defendam cidadãos a ciência dos motivos pelos quais o acesso de determinada pessoa está restringido.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao analisar caso em que cidadão demandava determinado município do Estado solicitando a relação de bens do Prefeito, alegando que a informação era devida haja vista a Lei de Acesso à Informação, assim entendeu:
APELAÇÃO MANDADO DE SEGURANÇA PRETENSÃO INDIVIDUAL À IMEDIATA OBTENÇÃO DE CÓPIAS DE DECLARAÇÕES DE BENS DE PREFEITO MUNICIPAL, INVOCANDO-SE A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LAI)
Impetrante que requer divulgação de patrimônio privado, ainda que seu titular seja um agente político (Prefeito Municipal), cuja atividade está sujeita a controle social mais intenso. Embora os agentes públicos devam apresentar e atualizar suas declarações de bens, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa, os destinatários dos dados são os órgãos de fiscalização e sanção, internos e externos, para apuração de suspeitas fundadas de ilicitudes, sem prejuízo de direitos individuais de petição e de representação. Sentença denegatória mantida. Recurso desprovido.
(…)
Nada obstante, a pretensão de acesso à informação em repartições públicas deve ser ponderada no que possa interferir com o disposto no artigo 5º, inciso X, da Carta Magna (direito à intimidade e à vida privada).
Com efeito, de longa data, o Pretório Excelso teve oportunidade de assentar que o sigilo fiscal (abrangendo, por certo, a composição do patrimônio) é aspecto do direito do indivíduo à intimidade e à vida privada, inferindo-se que o primeiro deve prevalecer, exceto se houver razoáveis indícios do cometimento de ilicitudes, a serem apurados pelos órgãos públicos competentes, mesmo que o titular dos dados em questão seja um agente público. Nesse sentido, mutatis mutandis:
“O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política não se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às CPIs, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar. As CPIs, no entanto, para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV). […]” (MS 23452, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 16/09/1999, d.n.)
“[…] A decisão que determina a quebra de sigilo fiscal deve ser interpretada como atividade excepcional do Poder Judiciário, motivo pelo qual somente deve ser proferida quando comprovado nos autos a absoluta imprescindibilidade da medida. […]” (AI 856552 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, j. 25/03/2014.)
Na mesma linha, o C. Superior Tribunal de Justiça:
“[…] O STJ já firmou entendimento de que a proteção aos sigilos bancário e fiscal não é direito absoluto, podendo ser quebrados em casos excepcionais e em razão de decisão fundamentada, quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante ou de elementos aptos a indicar a possibilidade de prática delituosa. […]” (RMS 15364/SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Turma, j. 06/09/2005.)
Assim, embora os agentes públicos devam apresentar e atualizar suas declarações de bens, nos termos do artigo 13 da Lei de Improbidade Administrativa (nº 8.429/1992), os destinatários dos dados nelas constantes são os órgãos de fiscalização e sanção, internos e externos, que possam lançar mão de tais dados para a apuração de suspeitas fundadas de ilicitudes, sem prejuízo de direitos individuais de petição e de representação (Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”).
Para tais fins, note-se que, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Decreto 5.483/2005 regulamentou o artigo 13 da LIA, instituindo a denominada “sindicância patrimonial”, que consiste em procedimento administrativo sigiloso e meramente investigativo, sem caráter punitivo, diante de fundada notícia ou indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, o qual poderá ser arquivado ou convertido em procedimento administrativo disciplinar (artigos 8º e 9º).
Não é o que ocorre no caso, em que o impetrante requer divulgação de patrimônio privado, ainda que seu titular seja um agente político (Prefeito Municipal), cuja atividade está sujeita a controle social mais intenso.
A própria Lei 12.527/2011 (Acesso à Informação) faz essa ponderação:
“Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.”
“Art. 31 [caput]. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.”
Bem assim, o Decreto 7.724/2012, que a regulamenta:
“Art. 6º. O acesso à informação disciplinado neste Decreto não se aplica: I – às hipóteses de sigilo previstas na legislação, como fiscal, bancário, de operações e serviços no mercado de capitais, comercial, profissional, industrial e segredo de justiça; […]”
“Art. 13. Não serão atendidos pedidos de acesso à informação:
[…] II – desproporcionais ou desarrazoados;”
Evidentemente, a restrição não é oponível a eventual investigação pelo Poder Público, conforme previsto na LAI e no Decreto 7.724/2012, respectivamente:
“Art. 31. […] § 4º. A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância.
“Art. 58. A restrição de acesso a informações pessoais de que trata o art. 55 não poderá ser invocada:
I – com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades, conduzido pelo Poder Público, em que o titular das informações for parte ou interessado;
[…]”
Corroborando tal destinação da informação pretendida, há trabalho doutrinário que, analisando a cultura da informação, sua evolução, sua adoção pelo direito pátrio (principalmente com a Lei de Acesso à Informação), e sua imbricação com o combate à improbidade, conclui que “o agente público [“titular de uma privacidade mitigada”] não tem como invocar o direito fundamental à proteção de sua privacidade em face dos órgãos de controle da Administração Pública no tocante a informações ligadas à remuneração e subsídio por meio de verbas públicas, informações ligadas ao seu patrimônio e rendas ou operações financeiras suspeitas, tudo em razão da disciplina do combate à improbidade e da adoção pelo Brasil da cultura da informação.”
(Leandro Mitidieri Figueiredo, “Cultura da informação e improbidade privacidade mitigada do agente público”, Boletim Científico ESMPU nº 36, Brasília, 2011, p. 158). Apelação Cível nº 1001275-28.2017.8.26.0080 – Cabreúva – VOTO Nº 10223
Entendeu o Tribunal que deveriam ser compatibilizados os dois princípios constitucionais e, mesmo existindo comando legal que obriga os agentes públicos a apresentar e atualizar suas declarações de bens, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa, os destinatários dos dados são os órgãos de fiscalização e sanção, internos e externos, para apuração de suspeitas fundadas de ilicitudes, sem prejuízo de direitos individuais de petição e de representação. Apesar de não se tratar exatamente da mesma temática, fato é que o Tribunal sopesou no caso concreto os dois bens jurídicos constitucionalmente tutelados.
No caso concreto, mesmo sendo mãe do cidadão, a presunção que se faz é a de que ele é maior e capaz , não constando do expediente qualquer informação de que ele seria interditado e que sua mãe seria sua curadora, ou mesmo que tenha procuração por ele outorgada para agir em seu nome.
Assim sendo, sugiro seja a mãe do cidadão informada de que somente ele próprio ou eventual órgão público poderão ter acesso aos motivos pelos quais o cidadão está impedido de entrar na Edilidade, a fim de não o expor publicamente.
Esta é a minha manifestação, que submeto à apreciação de V.Sa.

São Paulo, 05 de novembro de 2019.

Érica Corrêa Bartalini de Araujo
PROCURADORA LEGISLATIVA SUPERVISORA – SETOR JURÍDICO-ADMINISTRATIVO
OAB/SP n° 257.354