Parecer ADM nº 64/2019
TID 18437097
Ref.: Memo. SGA.15 nº 37/2019
Assunto: Concessão de férias – Ato nº 1099/2009, com redação dada pelo Ato nº 1408/2018 – Períodos fracionados e sucessivos
Dra. Procuradora Legislativa Chefe,
Trata-se o presente expediente de questionamento sobre a possibilidade de fracionar as férias e usufruí-las em períodos sucessivos, sem intervalo de dias trabalhados.
Para tanto, necessário se faz interpretar o disposto pelo Ato nº 1.099/2009, com redação dada pelo Ato nº 1.408/2018, cuja redação é a seguinte:
§ 3º As férias deverão ser usufruídas no próprio exercício a que se referirem, podendo seu gozo dar-se da seguinte forma:
I – para os servidores efetivos e servidores afastados de outros órgãos, poderão ser divididas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a 14 (quatorze) dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a 5 (cinco) dias corridos, cada um.
II – para os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, as férias serão usufruídas da forma que esta dispuser.
As férias dos servidores desta Casa, portanto, nos termos do Ato vigente, podem ser divididas em até 3 períodos, sendo um deles necessariamente de 14 dias e os dois restantes devem ser divididos de modo que não haja período inferior a 5 dias.
Importa esclarecer que da leitura do art. 132 da Lei nº 8.989/1979 extrai-se que os 30 dias de férias do servidor público municipal são “corridos”, ou seja, sem exclusão dos finais de semana e feriados .
Desde 2009 há previsão no âmbito da Câmara Municipal para fracionamento dos períodos de férias. Inicialmente, o Ato previa a possibilidade de fracionamento tal como o Decreto nº 50.687/2009 da Prefeitura Municipal, ou seja, em dois períodos (15 e 15 dias ou 10 e vinte dias). Tendo em vista que na Câmara Municipal de São Paulo há servidores efetivos e servidores celetistas, a fim de uniformizar a aplicação das normas atinentes a férias, ante as novas disposições da Consolidação das Leis do Trabalho, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, em 2018 foi proposta a nova redação do § 3º do art. 1º do Ato 1099, de 2009, a qual vigora atualmente, possibilitando a divisão em até 3 períodos.
Evidentemente, o fracionamento, tal como previsto no Ato em vigor, traz a possibilidade de uma melhor composição entre os interesses da Administração e do servidor.
Ocorre que o deferimento do parcelamento de férias dos servidores públicos deve ser analisado tendo como norte o interesse público.
Ao fracionar as férias, tal como previsto no Ato da Câmara Municipal, e pretender agendá-las em períodos sucessivos, há o desvirtuamento do objetivo da norma.
De fato, a possibilidade de fracionamento do período de férias pressupõe que haja, entre tais períodos, um período de trabalho. De outra forma, não se trataria de fracionamento das férias, mas sim de concessão de feriados e finais de semana não computáveis no período de férias.
Ainda que o Ato não seja expresso sobre a impossibilidade de atender ao pleito do servidor, há de ser interpretado à luz dos princípios norteadores da Administração Pública.
É cediço que para o preenchimento de eventuais lacunas na norma jurídica o operador do Direito deve valer-se dos princípios gerais. Ensina a professora Maria Helena Diniz que “o princípio geral do direito é uma diretriz para a integração das lacunas estabelecidas pelo próprio legislador, mas é vago em sua expressão, reveste-se de caráter impreciso, uma vez que o elaborador da norma não diz o que se deve entender por princípio” (Maria Helena Diniz, in Compendio de Introdução à Ciência do Direito, Saraiva, 2008, 19ª edição, pág 468).
Assim, o fracionamento de férias e o consequente imediato aglutinamento dos períodos fracionados não encontra respaldo nos princípios estabelecidos pelo art. 37, caput, da Constituição Federal, especialmente o princípio da eficiência, sendo possível questionar, inclusive, a adequação ao princípio da moralidade.
Não bastasse, a hermenêutica jurídica possui diversos métodos, sendo o teleológico um dos processos possíveis de interpretação das normas. Por esse processo, a interpretação da norma dá-se a partir do fim social a que ela se destina. A esse respeito, confira-se o ensinamento do doutrinador Miguel Reale (Lições preliminares de Direito: Saraiva, 2002, pág. 289/290):
“Interpretar uma lei importa, previamente, em compreendê-la na plenitude de seus fins sociais, a fim de poder-se, desse modo, determinar o sentido de cada um de seus dispositivos. Somente assim ela é aplicável a todos os casos que correspondam àqueles objetivos.
Como se vê, o primeiro cuidado do hermeneuta contemporâneo consiste em saber qual a finalidade social da lei, no seu todo, pois é o fim que possibilita penetrar na estrutura de suas significações particulares. O que se quer atingir é uma correlação coerente entre “o todo da lei” e as “partes” representadas por seus artigos e preceitos, à luz dos objetivos visados.
(…)
Fim da lei é sempre um valor, cuja preservação ou atualização o legislador teve em vista garantir, armando-o de sanções, assim como também pode ser fim da lei impedir que ocorra um desvalor. Ora, os valores não se explicam segundo nexos de causalidade, mas só podem ser objeto de um processo compreensivo que se realiza através do confronto das partes com o todo e vice-versa, iluminando-se e esclarecendo-se reciprocamente, como é próprio do estudo de qualquer estrutura social.”
A intenção do servidor, no caso concreto, ao pretender gozar um período de 10 e outro de 5 dias de férias – o que não é a mesma coisa de 15 dias corridos, uma vez que entre os períodos fracionados, conforme desejado, haverá repouso remunerado e nenhum dia de trabalho –, afasta-se da finalidade pretendida pela norma, qual seja, a possibilidade de haver até 3 períodos de gozo de férias no decorrer do ano, intermeados por períodos de trabalho.
Se fosse permitido fracionar e gozar férias em períodos consecutivos, a norma não obrigaria ao empregador a concessão de 14 dias corridos em um dos períodos.
Destarte, norteada pelos princípios constitucionais da moralidade e da eficiência, bem como diante da interpretação do disposto no Ato nº 1.099/2009, a Administração Pública pode indeferir a pretensão do servidor para gozo de férias em períodos fracionados porém sucessivos, tendo em vista que a exclusão dos finais de semana e dos feriados no meio dos períodos seguidos e sucessivos não encontra amparo no ordenamento jurídico, seja pelo art. 132 do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo, seja pelos princípios norteadores da Administração Pública estabelecidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.
Cabe neste ponto ressaltar uma exceção: s.m.j., na hipótese de restar saldo de férias de período aquisitivo anterior, não haveria afronta aos princípios supracitados caso o servidor pleiteasse que os períodos concessivos fossem sucessivos.
Isso porque, nessa hipótese, não estaria o servidor fracionando as férias com o objetivo de evitar o cômputo dos períodos de repouso já previstos, de modo que, pela interpretação teleológica do disposto pelo Ato nº 1.099/90, não haveria óbices legais a tal requisição de férias.
A toda evidência, ainda neste caso, o deferimento dependeria da análise de conveniência e oportunidade pela Administração Pública.
Esta é a minha manifestação, que submeto para apreciação de V.Sa.
São Paulo, 26 de junho de 2019
Lilian Vargas Pereira Poças
Procuradora Legislativa
OAB/SP 184.138