Parecer ADM nº 50/2019
Ref.: Processo nº 208/2019
TID nº 18173378
Interessado: XXXXXXXXXXX
Assunto: Averbação de tempo de serviço
Senhora Procuradora Legislativa Supervisora,
Cuidam os autos de averbação de tempo de contribuição do servidor XXXXXXX. Segundo a SGA.15, a Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) emitida pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) apresenta concessão de benefícios previdenciários nos períodos de 15/07/1994 a 31/12/1996 e de 01/01/1997 a 09/01/2005 e há nos autos uma carta que declara cessação da aposentadoria por invalidez em 04/02/2011.
Vêm os autos a esta Procuradoria para análise.
É o relatório. Opino.
A contagem recíproca de tempo de serviço ou contribuição entre os regimes previdenciários é um direito assegurado pelo art. 201, § 9º, da Constituição Federal, exercido com frequência por servidores públicos, já que é muito comum o servidor ter tempo de serviço no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ou em Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) diverso daquele que irá se aposentar. Em linhas gerais, para que o tempo de contribuição/serviço de um regime seja computado no outro, o órgão de origem deverá emitir uma CTC com detalhes necessários para a averbação no órgão de destino. O instituto é disciplinado pela Lei Federal 8.213/1991 e regulamentado pelo Decreto Federal 3.048/1999; as rotinas e procedimentos foram especificados, no âmbito do RGPS, pela Instrução Normativa INSS/PRES 77/2015 e, no RPPS, pela Portaria MPS 154/2008.
No caso em apreço, a CTC foi emitida pelo INSS de forma fracionada, para o período de 02/04/1976 a 09/04/2005, no qual consta que o servidor gozou de benefício previdenciário entre 15/07/1994 e 31/12/1996, quando fez jus ao auxílio-saúde, e entre 01/01/1997 e 09/01/2005, quando esteve na inatividade em decorrência da aposentadoria por invalidez. Consta nos autos também um extrato previdenciário que indica que ao servidor foram concedidos novamente auxílio-doença em 21/07/2005 a 10/05/2006 e aposentadoria por invalidez em 11/05/2006 a 16/01/2011.
De acordo com a Constituição Federal, o RGPS deve prestar, nos termos da lei, a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; a proteção à maternidade, especialmente à gestante; a proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; o salário-família e o auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; e a pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes. Nos termos da Lei Federal 8.213/1991, a proteção previdenciária, em situação de incapacidade laboral, abrange os seguintes benefícios:
a) auxílio-doença: é um benefício devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos. O benefício não é devido ao segurado que, antes de sua filiação ao RGPS, já era portador da doença ou da lesão invocada, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. A lei confere tratamento distinto ao auxílio-doença decorrente de acidente de trabalho em relação àquele decorrente de qualquer outra causa.
b) aposentadoria por invalidez: é devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. A incapacidade que resulta na insuscetibilidade de reabilitação pode ser constatada de plano em algumas oportunidades, mas nem sempre é passível de verificação imediata; daí é comum que se conceda inicialmente ao segurado o benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) e, posteriormente, concluindo-se pela impossibilidade de retorno à atividade laborativa, transforma-se o benefício inicial em aposentadoria por invalidez . Sua concessão não é em caráter irrevogável, pois, como a incapacidade para o trabalho pode deixar de existir, a lei prevê a cessação de pagamento quando ocorrer o retorno ao trabalho. Tal qual o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez é submetida a regras especiais se decorrente de acidente de trabalho.
c) auxílio-acidente: é concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. Não se confunde com auxílio-doença, pois este somente é devido enquanto o segurado se encontra incapaz temporariamente para o trabalho, ao passo que o auxílio-acidente tem lugar após a chamada “alta médica” do segurado, porém, com capacidade de trabalho reduzida.
Importam para o presente parecer o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, dos quais o servidor gozou no tempo de contribuição considerado na CTC. Na expressão do Decreto Federal 3.048/1999, considera-se tempo de contribuição o tempo, contado de data a data, desde o início até a data do requerimento ou do desligamento de atividade abrangida pela previdência social, descontados os períodos legalmente estabelecidos como de suspensão de contrato de trabalho, de interrupção de exercício e de desligamento da atividade (art. 59). Entretanto, ainda que o contrato de trabalho reste suspenso, a Lei Federal 8.213/1991 estabelece que o auxílio doença ou a aposentadoria por invalidez serão considerados como tempo de contribuição se intercalados com atividade, ou seja, com contribuições antes e depois do recebimento do benefício.
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
[…]
II – o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez;
Importante observar que o “tempo de serviço” mencionado no dispositivo legal requer interpretação conforme regras constitucionais supervenientes. É que, “com a Emenda Constitucional 20/1998, passou a valer o tempo de contribuição efetivo para a Previdência Social para o cálculo dos benefícios e não mais o tempo de serviço. Entretanto, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição, exceto o tempo de serviço ou contribuição em dobro ou qualquer outra contagem de tempo fictício.”
Cabe esclarecer também que a vedação à contagem de tempo de contribuição fictício, insculpida no art. 40, § 10, da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional 20/1998, não se confunde com o dispositivo legal em foco. O princípio constitucional proíbe autorizações legais de contagem de tempo em dobro para fins de aposentadoria a servidores que não fruem direitos, como férias e licença-prêmio. O desiderato do constituinte reformador é preservar o equilíbrio atuarial do sistema previdenciário, e não que os períodos de licença remunerada, quando fruídos, não sejam computados como tempo de contribuição.
Outra observação relevante é que o cômputo do tempo dos citados benefícios previdenciários somente se dá se houver “tempo intercalado”, isto é, intercalado com atividade ou contribuições. Se os benefícios decorrerem de acidente de trabalho, computam-se os períodos como tempo de contribuição, ainda que não estejam intercalados com períodos de atividade. Por fim, é vedado o cômputo do tempo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez como tempo especial, salvo quando decorrentes de acidente de trabalho. O Decreto Federal 3.048/1999 confere mais clareza ao ponto:
Art. 60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros:
[…]
III – o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, entre períodos de atividade;
[…]
IX – o período em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade por acidente do trabalho, intercalado ou não;
[…]
Art. 61. Observado o disposto no art. 19, são contados como tempo de contribuição, para efeito do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 56:
[…]
II – o de recebimento de benefício por incapacidade, entre períodos de atividade; e
III – o de benefício por incapacidade decorrente de acidente do trabalho, intercalado ou não.
[…]
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68.
Havia antigamente uma discussão se o período em que o segurado gozava de benefícios poderia ser considerado como tempo de carência, além da contribuição. No entanto, o art. 29 § 5º, da Lei Federal 8.213/1991 considera para cálculo do salário de benefício o período em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade como salário-de-contribuição; logo, sua intenção é utilizar o período para os demais fins previdenciários, não sendo coerente que se desconsidere o período apenas para fins de carência e tempo de contribuição. A questão foi resolvida pela alteração da Instrução Normativa INSS/PRES 77/2015 e pela edição da Súmula 73 da Turma Nacional de Uniformização:
O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social.
Na jurisprudência dos tribunais superiores, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal já se posicionaram da seguinte forma:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ EM APOSENTADORIA POR IDADE. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 8.213/1991. DESCABIMENTO. CÔMPUTO DO TEMPO PARA FINS DE CARÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO EM PERÍODO INTERCALADO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A Lei 8.213/1991 não contemplou a conversão de aposentadoria por invalidez em aposentadoria por idade. 2. É possível a consideração dos períodos em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez como carência para a concessão de aposentadoria por idade, se intercalados com períodos contributivos. 3. Na hipótese dos autos, como não houve retorno do segurado ao exercício de atividade remunerada, não é possível a utilização do tempo respectivo. 4. Recurso especial não provido. (STJ, 2ª Turma, REsp 1.422081/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 24.04.2014)
Agravo regimental no recurso extraordinário. Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Cômputo do tempo de gozo de auxílio-doença para fins de carência. Possibilidade. Precedentes. 1. O Supremo Tribunal Federal decidiu, nos autos do RE nº 583.834/PR-RG, com repercussão geral reconhecida, que devem ser computados, para fins de concessão de aposentadoria por invalidez, os períodos em que o segurado tenha usufruído do benefício de auxílio-doença, desde que intercalados com atividade laborativa. 2. A Suprema Corte vem-se pronunciando no sentido de que o referido entendimento se aplica, inclusive, para fins de cômputo da carência, e não apenas para cálculo do tempo de contribuição. Precedentes: ARE 802.877/RS, Min. Teori Zavascki, DJe de 1/4/14; ARE 771.133/RS, Min. Luiz Fux, DJe de 21/2/2014; ARE 824.328/SC, Min. Gilmar Mendes, DJe de 8/8/14; e ARE 822.483/RS, Min. Cármem Lúcia, DJe de 8/8/14. 3. Agravo regimental não provido. (STF, 1ª Turma, RE 771577 AgR/SC, rel. Min. Dias Toffoli, j. 17.08.2014).
Se até para fins de carência a jurisprudência é consolidada, não resta qualquer dúvida de que o tempo em que o segurado fez jus ao auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez, desde que intercalado com períodos de atividade, é computado como de contribuição. É o que ocorre no presente caso.
O que pretende o servidor, por meio da averbação da CTC emitida pelo INSS, é exercer o direito à contagem recíproca do tempo de contribuição, como mencionado alhures, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensam financeiramente, isto é, distribui-se o ônus do pagamento do benefício entre cada um dos regimes, cujo tempo de filiação foi considerado na concessão do referido benefício. A Lei Federal 9.796/1999 possibilitou a compensação financeira entre RGPS e RPPS e dispõe que o valor da compensação não considera o montante das contribuições que foram recolhidas, pelo segurado, para o regime de origem, mas a proporcionalidade do benefício que foi efetivamente implantado. A quantia a ser transferida é uma proporção ideal do valor do benefício correspondente ao período em que o indivíduo esteve vinculado ao regime de origem.
No caso do servidor interessado, uma vez que o RGPS é o regime de origem e o RPPS o regime instituidor, a lei estabelece que este deve apresentar àquele dados referentes a cada benefício concedido com o cômputo de tempo de contribuição no âmbito do RGPS e este, por sua vez, calculará qual seria a renda mensal inicial segundo suas normas (art. 4º, §§ 1º e 2º). A compensação financeira devida pelo RGPS será calculada, então, com base na renda mensal do benefício por ele calculada ou no valor do benefício pago pelo RPPS, o que for menor (§ 3º), e corresponderá à multiplicação do montante especificado pelo percentual correspondente ao tempo de contribuição ao RGPS no tempo de serviço total do servidor público (§ 4º).
Assim, no caso do servidor em referência, entendemos que, com base na CTC emitida pelo INSS e para fins de futura obtenção de benefício previdenciário instituído pelo RPPS, considerar-se-á para o seu cálculo, durante sua filiação ao RGPS, os períodos em que fez jus ao auxílio-doença (15/07/1994 a 31/12/1996) e à aposentadoria por invalidez (01/01/1997 a 09/01/2005) como tempo de contribuição.
É o parecer que submeto ao elevado descortino de Vossa Senhoria.
São Paulo, 23 de maio de 2019.
Renato Takashi Igarashi
Procurador Legislativo
OAB/SP 222.048