Parecer n° 037/2020

Parecer ADM n° 0037/2020
Assunto: adesão da Câmara Municipal ao programa Cidade Solidária, programa de cooperação entre o poder público municipal, o setor privado e o terceiro setor, instituído para prover ajuda humanitária às pessoas mais atingidas pela crise econômico-social causada pela pandemia do coronavírus durante o estado de calamidade pública.
Ref.: Memorando 016/2020 – 36º GV

Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

Trata-se de Memorando originário do 36º Gabinete, subscrito pelo Nobre Vereador José Police Neto endereçado ao Senhor Presidente da Câmara Municipal, no qual solicita a adesão da Câmara Municipal ao programa Cidade Solidária, programa de cooperação entre o poder público municipal, o setor privado e o terceiro setor, instituído para prover ajuda humanitária às pessoas mais atingidas pela crise econômico-social causada pela pandemia do coronavírus durante o estado de calamidade pública.
Segundo o Nobre Edil, o objetivo da ação seria a contribuição da Câmara Municipal a este programa para torná-lo ainda mais eficiente, e garantir a destinação adequada dos recursos captados pela Câmara, gabinetes e iniciativas individuais ligadas ao parlamento.
É o breve relato do necessário. Passa-se a opinar.

O programa Cidade Solidária foi criado pelo Decreto nº 59.337, publicado em 08 de abril de 2020, cujos delineamentos se encontram descritos nos dispositivos a seguir:

Art. 1º Fica instituído no Município de São Paulo o programa de cooperação entre o poder público municipal, o setor privado e o terceiro setor denominado Cidade Solidária, que passa a ser regulado conforme as disposições deste decreto.
§ 1º O objetivo do programa Cidade Solidária é organizar, durante o estado de calamidade pública, a conjunção de esforços públicos e privados para otimizar o esforço comum de buscar a segurança alimentar e de saudabilidade básica da população carente.
§ 2º O programa consiste no estabelecimento de ações excepcionais, ágeis e desburocratizadas para o recebimento de doações pelo Município e o direcionamento racional de recursos para a aquisição e a distribuição de gêneros de primeira necessidade à população mais necessitada.
§ 3º A aquisição de bens ou serviços necessários para o cumprimento dos objetivos do programa Cidade Solidária poderá ser feita com recursos públicos, no âmbito dos vários programas assistenciais existentes, ou com recursos privados a serem doados por pessoas físicas ou jurídicas de qualquer natureza.
§ 4º O programa Cidade Solidária terá sua duração limitada à duração do estado de calamidade pública na cidade de São Paulo, e não substitui, prejudica ou interfere nos outros programas sociais já desenvolvidos atualmente pela Administração Municipal.
Art. 3º O Cidade Solidária será coordenado, excepcionalmente e apenas durante o estado de calamidade pública, pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, que deverá utilizar sua própria estrutura, física, gerencial e jurídica para apoiar a boa execução do programa.
Art. 4º O programa será custeado majoritariamente por doações ou subvenções de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, que deverão ser depositadas na conta corrente número 2020-6, Agência 1897-X, do Banco do Brasil (001) – PMSP/SMDU-Cidade Solidária – CNPJ 46.395.000/0001-39.
§ 1º Os recursos privados serão recebidos por doações, por meio de depósito na conta corrente indicada no “caput” deste artigo, de forma simples e direta, sem necessidade de formalização de qualquer instrumento de doação ou congênere.
§ 2º Os recursos que compuserem a conta Cidade Solidária deverão ser utilizados exclusivamente para execução das ações do programa, especificamente para aquisição de bens ou serviços de primeira necessidade, armazenagem, transporte e distribuição de tais bens.
§ 3º Os recursos que forem aportados na conta Cidade Solidária serão objeto de prestação de contas específica e todas as receitas e despesas deverão ser publicadas em portal do Programa na internet.
§ 4º A execução orçamentária e financeira dos recursos do Cidade Solidária será efetivada pelas Secretarias Municipais no que se refere às suas respectivas dotações.

Como se observa, trata-se de programa instituído pelo Poder Executivo, por meio de decreto, no âmbito da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, para o recebimento de doações pelo Município e o direcionamento racional de recursos para a aquisição e a distribuição de gêneros de primeira necessidade à população mais necessitada. Portanto, é uma medida de caráter essencialmente administrativa, afeta ao âmbito do Poder Executivo. A instituição de programas deve ser feita, como regra, por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo, ou mesmo por meio de decreto, quando não implicar em aumento de despesa e nem em criação ou extinção de cargos públicos, como é o caso do programa Cidade Solidária, que será custeado com doações da iniciativa privada e recursos públicos de programas assistenciais já existentes. Observe-se a previsão da Constituição Federal:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
II – disponham sobre:
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
VI – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

Assim, percebe-se que, ao menos de acordo com as informações que constam do memorando, não se vislumbra de possibilidade de adesão da Câmara Municipal no programa, seja por não deter competências neste sentido, reservadas ao Poder Executivo, seja por não captar recursos autonomamente, já que recebe repasses através de duodécimos orçamentários. A participação do Poder Legislativo na execução do programa Cidade Solidária, ao que nos parece, deve se dar através da função fiscalizatória, apenas, já que não há no decreto, como nem poderia ser diferente, menção à participação da Câmara Municipal na execução do programa, limitado ao âmbito do Poder Executivo. Para isto, haveria necessidade de norma, seja através lei de iniciativa do Legislativo, decreto legislativo, ou instrumento congênere.
Do exposto, com o intuito de garantir a observância das atribuições institucionais do Poder Legislativo, de natureza essencialmente legislativa e fiscalizatória, no que tange à execução do programa Cidade Solidária, entendemos, s.m.j., que a Câmara Municipal de São Paulo poderá fiscalizar a execução do programa, apenas.
É a minha manifestação, que submeto à elevada apreciação de V. Sa.

São Paulo, 17 de abril de 2020.
Cíntia Laís Corrêa Brosso
Procuradora Legislativa

OAB/SP 319.729

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Ref.: Memorando 016/2020 – 36º GV
Parecer ADM n° 0037/2020
Assunto: Adesão da Câmara Municipal ao programa Cidade Solidária – programa de cooperação entre o poder público municipal, o setor privado e o terceiro setor, instituído para prover ajuda humanitária às pessoas mais atingidas pela crise econômico-social causada pela pandemia do coronavírus durante o estado de calamidade pública.

À Presidência
Exmo. Sr. Chefe de Gabinete

O Nobre Vereador José Police Neto propõe a adesão da Câmara Municipal ao Programa Cidade Solidária, instituído pelo Poder Executivo mediante o Decreto nº 59.337, publicado em 08 de abril de 2020. Este programa propõe a cooperação entre o poder público municipal, o setor privado e o terceiro setor para prover ajuda humanitária às pessoas mais atingidas pela crise econômico-social causada pela pandemia do Coronavírus.
O Programa Cidade Solidária foi instituído pelo Poder Executivo, por meio de decreto, no âmbito da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, para o recebimento de doações pelo Município e o direcionamento racional de recursos para a aquisição e a distribuição de gêneros de primeira necessidade à população mais necessitada.
Segundo o memorando, a adesão da Câmara ao Programa Cidade Solidária visaria tornar as ações ainda mais eficientes, além de garantir uma destinação adequada dos recursos captados pela Câmara, gabinetes e iniciativas individuais ligadas ao Parlamento.
Ao que consta, a Câmara propriamente dita não está captando recursos ou gêneros de primeira necessidade à população mais necessitada, de vez que o acesso do público à Edilidade está vedado, conforme Ato nº 1.461, de 12 de março de 2020. Isto é, não há, na Câmara, iniciativa tendente à recepção de doações, alimentos, materiais de higiene, etc. Todavia é possível que os Gabinetes de vereadores, ou os parlamentares, por meio de iniciativas individuais, promovam ações ou engajamentos dessa natureza. A proposta, então, pelo que se pode depreender, seria a Câmara aderir ao Programa Cidade Solidária para tornar tais ações mais eficientes e garantir sua adequada destinação.
Como pondera o Parecer ADM nº 37/2020, o Programa Cidade Solidária trata de execução de medidas de caráter essencialmente administrativo, afetas ao âmbito do Poder Executivo. A Câmara Municipal, enquanto Poder Legislativo independente, não poderá adentrar na execução do Programa, mas deverá atuar, certamente, em seu acompanhamento e fiscalização. Todavia, nada obsta que iniciativas individuais de parlamentares se unam aos esforços da sociedade civil.
Por outro lado, cabe registrar que a louvável união de esforços entre os Poderes, em suas respectivas esferas de competência, durante o estado de calamidade pública, tem sido objeto de diversas iniciativas, como espelha o Decreto nº 59.313, de 27 de março de 2020, que oficializou a Câmara de Integração Institucional, com o objetivo de integrar os representantes dos Poderes Constituídos e minimizar os impactos decorrentes da pandemia do Covid-19 na cidade. É de se destacar ainda a instituição pelo Ato da Mesa n° 1.465, de 25 de março de 2020, do Comitê Parlamentar de Acompanhamento da Emergência de Saúde Pública em decorrência do Coronavírus. Segundo o art. 2º deste Ato, compete a esse Comitê monitorar as medidas adotadas para enfrentamento da pandemia decorrente do Coronavírus, apresentar sugestões, e auxiliar na articulação da ação governamental.
Sublinhe-se, ainda, a aprovação por este Legislativo da Lei nº 17.338, de 14 de abril de 2020, que destinou recursos do Fundo de Despesas da Câmara a ações de saúde e assistência na cidade, em função da pandemia, bem como a aprovação da Lei relativa à destinação de recursos do Fundo do Tribunal de Contas do Município para o mesmo fim, recursos que somados atingem a elevada cifra de quase R$ 50 milhões de reais. O acompanhamento da aplicação de tais recursos há de ser feito pela Câmara Municipal, possivelmente por meio de sua Comissão de Finanças e Orçamentos, a quem compete regimentalmente exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária (art. 47, II, b da Resolução nº 2, de 27 de abril de 1991).
Note-se que a circunstância de calamidade pública vem expressa na Lei Federal nº 9.504 de 30 de setembro de 1997, art. 73, § 10 como apta a excluir a vedação, em ano eleitoral, à distribuição de bens, valores e benefícios à população (que não estejam em execução, com a devida previsão orçamentária, desde o ano anterior). Todavia, a Instrução da Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo nº 1, de 2 de abril de 2020 recomenda aos Prefeitos e Secretários que, havendo a necessidade de socorro à população, devido à calamidade, com a distribuição de benefícios diretos à população, esta se faça mediante critérios objetivos e impessoais, com a oportuna informação à Promotoria Eleitoral.
Em suma: a fiscalização da Câmara, a par da que será exercida pela Promotoria Eleitoral, seja em relação à execução do Programa Cidade Solidária, seja em relação a recursos repassados pelo Poder Legislativo ao Tesouro Municipal para ações de saúde e assistência é necessária e afim às suas prerrogativas institucionais. Além disso, a Câmara de Integração Institucional e o Comitê Parlamentar de Acompanhamento da Emergência de Saúde Pública em decorrência do Coronavírus poderão acompanhar tais ações. Todavia, a estrita adesão da Câmara Municipal de São Paulo ao Programa Cidade Solidária encontra óbice constitucional, sem prejuízo das meritórias iniciativas individuais de parlamentares ou de gabinetes de Vereadores como colaboradores, com as devidas cautelas legais.
É a manifestação que submeto à apreciação superior, junto ao parecer ADM nº 37/2020, que avalizo.

São Paulo, 20 de abril de 2020

MARIA NAZARÉ LINS BARBOSA
Procuradora Legislativa Chefe
OAB/SP 106.017