Parecer ADM nº 0036/2021
TID 19239532
Interessado: 17º GV – Vereador XXXXXXXXXXXXXXXXX
Assunto: Ressarcimento ao erário em razão de multas de trânsito obtidas por servidor do Gabinete
EMENTA.
Ressarcimento ao erário – multas de trânsito – avocação de responsabilidade pelo Chefe de Gabinete – possibilidade
Senhora Procuradora Chefe,
Trata-se de memorando encaminhado para SGA pelo Chefe de Gabinete, Sr. xxxxxxxxx, bem como pelo nobre Vereador XXXXXXXXXXXXXXX, em que relatam o seguinte:
O assessor XXXXXXXXXXXXXXX, lotado no Gabinete do Vereador XXXXXXXXXXXXXXX, possui dívida com a Edilidade proveniente de multas de trânsito atribuídas ao xxxx GV, haja vista o veículo à disposição do Gabinete estar sob sua responsabilidade.
Em razão disso, descontos mensais na folha de pagamento do servidor vêm sendo efetuados, em montante não superior a 10% de seus vencimentos, a fim de quitar referida dívida.
Segundo relatam os requerentes, as multas se originaram em razão do exercício de suas funções pelo servidor, em seu horário regular de trabalho. Preocupados com o ressarcimento ao erário, tendo em vista a exoneração próxima do servidor, que ocorrerá ao final deste mês de abril, indagam sobre a possibilidade de transferência da responsabilidade pelo pagamento dos valores ainda pendentes de quitação ao Sr. Chefe de Gabinete.
A fim de instruir o presente, foi oferecido, por SGA.31, relatório de todas as multas relacionadas ao xxxx GV, detalhando-se motorista infrator, data da infração, valor, pontos, local, veículo e motivo da infração. Observa-se que a responsabilidade por todas as multas recaem sobre o Sr. XXXXXXXXXXXXXXX, RF: XXXXXXXXXXXXXXX, conforme indicação do Gabinete e assinatura do próprio condutor infrator. Observa-se, ainda, existirem multas cujo reembolso até o momento não foi solicitado pela empresa locadora de veículos, ou seja, que não estão incluídas no montante discriminado pelo Setor Folha de Pagamentos.
Foi oferecido, por SGA.12, relatório detalhado com o montante total devido, que em abril de 2021 chega a R$ 21.356,57 (vinte e um mil, trezentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e sete centavos).
Diante do panorama apresentado, SGA indaga esta Procuradoria sobre a viabilidade jurídica do quanto pretendido, “levando-se em conta que se trata de alteração de responsabilidade apenas no que tange à quitação dos valores das multas e também que, nos termos do art. 4º, Parágrafo único, do Ato nº 1.365/2017, na hipótese de não existir Termo de Responsabilidade assinado por servidor do Gabinete na data da infração, a responsabilização pela infração cometida recairia subsidiariamente sobre o Chefe de Gabinete. Finalmente, importante informar que a solução apresentada pelo Sr. Chefe de Gabinete, apenas no aspecto de gestão administrativa, apresenta maior segurança à Edilidade, haja vista que a manutenção da responsabilidade a um servidor ainda ativo nos quadros da CMSP permite que o parcelamento consignado das multas permaneça reduzindo, e muito, o risco de inadimplemento e necessidade de ajuizamento de cobrança administrativa ou judicial”.
É o relatório. Passo a opinar.
O tema objeto de consulta é tratado no Ato nº 1365/2017, que institui termo de responsabilidade do condutor para o servidor que receber as chaves de veículo próprio da Câmara ou por ela alugado. O artigo 1º do ato assim dispõe:
Art. 1º As chaves de veículo de propriedade da Edilidade ou por esta alugado, colocado à disposição do Gabinete de Vereador, serão entregues ao respectivo Chefe de Gabinete, ficando este responsável pela guarda do veículo e infrações às leis de trânsito que vierem a ser cometidas, nos termos do Anexo I deste Ato.
- 1º Na hipótese da ausência de Chefe de Gabinete lotado no Gabinete do Vereador, ou ainda na hipótese em que o Chefe de Gabinete esteja impedido de dirigir veículos automotores por não ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou por ela estar vencida ou suspensa, condição que deverá ser atestada em termo constante do Anexo IIIdeste Ato, o termo de responsabilidade de que trata o caput deste artigo será assinado pelo Vereador ou por um dos 3 (três) servidores lotados em seu Gabinete por ele indicados, na forma do Anexo I, observada a ordem de prioridade estabelecida pelo próprio Vereador constante do Anexo IV.(Incluído pelo Ato nº 1378/17)
- 2º. O servidor lotado no Gabinete de Vereador somente receberá as chaves, por parte do Chefe de Gabinete, de veículo colocado à disposição do respectivo Gabinete, mediante assinatura no Termo de Responsabilidade do Condutor, devidamente preenchido, constante do Anexo IIdeste Ato, ficando responsável pelas infrações às leis de trânsito que vierem a ser cometidas quando de posse de referidas chaves.(Renumerado do parágrafo único pelo Ato nº 1378/17)
A partir da leitura do caput do artigo 1º, verifica-se que a opção da Administração foi a de deixar a responsabilidade da guarda do veículo e de infrações de trânsito, em primeiro lugar, aos Chefes de Gabinete e, subsidiariamente, a outros servidores lotados no Gabinete ou ao Vereador.
Quando do recebimento das chaves por servidor lotado no Gabinete, faz-se necessário assinatura do Termo de Responsabilidade respectivo, ficando o servidor responsável pelas infrações às leis de trânsito que vierem a serem cometidas no período.
Ou seja, para que o Gabinete tenha à sua disposição veículo, o Chefe de Gabinete deverá preencher termo de responsabilidade pela guarda e infrações de trânsito. Para transferir a responsabilidade de eventuais multas a outro servidor, deverá colher sua assinatura nos termos do Anexo II do Ato.
O artigo 2º assim dispõe:
Art. 2º No caso de infração de trânsito cometida durante o período em que o veículo se encontrava sob a guarda de servidor lotado no Gabinete de Vereador, conforme Termo de Responsabilidade, constante do Anexo II deste Ato, constitui obrigação funcional do servidor que conduzir veículo próprio ou alugado da Câmara Municipal de São Paulo assinar o Formulário de Identificação de Condutor, conforme o modelo existente no sítio do Detran/SP na internet ou órgão de trânsito responsável pela imposição da multa, sempre que notificado pelo Chefe de Gabinete responsável pelo veículo, incorrendo a sua recusa em descumprimento de dever funcional, nos termos do inciso XI do artigo 178 da Lei 8.989/1979 (Estatuto dos Funcionários do Município de São Paulo).
Parágrafo único. Quando do recebimento da correspondência relativa à infração de trânsito cometida, cabe à SGA31 fazer a identificação do Gabinete a que se refere o veículo autuado, para encaminhamento do auto de infração para adoção de providências por parte do Chefe de Gabinete respectivo.
Segundo consta do expediente, a questão em relação ao Formulário de Indicação do Condutor, tratada neste artigo, já se encontra resolvida, ao menos em relação àquelas cujo valor já foi apurado, tendo a Câmara repassado o valor das multas à empresa locadora.
O Parágrafo único do art. 4º do mesmo ato assim dispõe:
Art. 4º Se o condutor do veículo indicado no Termo de Responsabilidade constante do Anexo II não puder, ou recusar-se a assinar o Formulário de Indicação do Condutor, no prazo assinalado pelo Gabinete, o Formulário, devidamente preenchido e acompanhado de ofício identificando o condutor, de cópia do Termo de Responsabilidade assinado pelo servidor que retirou o veículo e da cópia da CNH do servidor que constar do Termo, deverão ser encaminhados ao órgão de trânsito, no caso de veículo próprio, ou à empresa locadora no caso de veículo alugado, sem a sua assinatura.
Parágrafo único. Na hipótese de não existir Termo de Responsabilidade assinado por servidor do Gabinete na data da infração, a responsabilidade pela infração cometida recairá sobre o Chefe de Gabinete, nos termos do artigo 1º e Anexo I deste Ato.
Percebe-se, portanto, que de fato a Administração atribui ao Chefe de Gabinete eventual responsabilidade subsidiária pelo ressarcimento ao erário.
Pois bem. A questão aqui posta está relacionada única e exclusivamente ao ressarcimento ao erário em razão do repasse dos valores relativos a infrações de trânsito à empresa locadora.
Em princípio, a responsabilidade pelo pagamento dos valores, nos termos do Ato, recai sobre o servidor que estava na posse do veículo e que havia assinado o termo de responsabilidade. No caso em apreço, recairia sobre o servidor XXXXXXXXXXXXXXX, haja vista que, segundo informado, era o servidor que constava como responsável pelo veículo, já estando inclusive os débitos sendo descontados de seus vencimentos mensalmente.
Ocorre que a opção da Administração foi a de colocar o Chefe de Gabinete como responsável principal pela obrigação, já que cabe a ele, como regra, receber as chaves do veículo e transferi-las a outro servidor a ele subordinado, mediante assinatura de Termo de Responsabilidade. E subsidiária, no caso de não haver assinatura de Termo de Responsabilidade pelo servidor que receber as chaves.
Na sistemática atual de ressarcimento ao erário, o servidor autoriza o desconto mensal em sua folha de pagamento, observando-se o limite máximo de 10% de seus vencimentos. Extinto o vínculo funcional, o servidor é notificado a pagar o débito eventualmente existente e, não sendo efetuada a quitação, o processo é remetido à Procuradoria Geral do Município para ajuizamento de ação. Trata-se, portanto, de processo custoso e cujo ressarcimento pode restar infrutífero.
A análise do presente caso envolve o princípio da indisponibilidade do interesse público, da razoabilidade e competência conjugada com responsabilidade.
José dos Santos Carvalho Filho disserta sobre o princípio da indisponibilidade do interesse público,
“A administração não tem a livre disposição dos bens e interesses públicos, porque atua em nome de terceiros. Por essa razão é que os bens públicos só podem ser alienados na forma em que a lei dispuser. Da mesma forma, os contratos administrativos reclamam, como regra, que se realize licitação para encontrar quem possa executar obras e serviços de modo mais vantajoso para a Administração.
O princípio parte, afinal, da premissa de que todos os cuidados exigidos para os bens e interesses públicos trazem benefícios para a própria coletividade.”[1]
Já o princípio da razoabilidade, nas palavras do mesmo autor:
“Razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. Ora, o que é totalmente razoável para uns pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos standards de aceitabilidade. Dentro desse quadro, não pode o juiz controlar a conduta do administrador sob a mera alegação de que não a entendeu razoável. Não lhe é lícito substituir o juízo de valor do administrador pelo seu próprio, porque a isso se coloca o óbice da separação de funções, que rege as atividades estatais. Poderá, isto sim, e até mesmo deverá, controlar os aspectos relativos à legalidade da conduta, ou seja, verificar se estão presentes os requisitos que a lei exige para a validade dos atos administrativos. Esse é o sentido que os Tribunais têm emprestado ao controle”.[2]
Assim, como bem colocado pelo ilustre Secretário Geral Administrativo, é mais vantajoso para a Edilidade contar com a garantia de ressarcimento, procedendo ao desconto dos valores em holerite de servidor que continua com vínculo funcional com a Câmara. Há que se ressaltar que há valores que sequer foram contabilizados até o momento, haja vista que a empresa locadora não informou à Edilidade o montante e que, portanto, não poderiam ser abatidos de eventuais verbas rescisórias a serem recebidas pelo servidor.
Esta interpretação atende, portanto, a ambos os princípios supracitados.
Quanto à competência para recebimento das chaves e consequente guarda e responsabilização por infrações cometidas, como já exposto acima, ela é do Chefe de Gabinete, como regra. Caso não possa recebê-las pelos motivos expostos no §1º do art. 1º, serão responsáveis os demais previstos no mesmo parágrafo.
A responsabilidade pode, ainda, ser delegada a outro funcionário do Gabinete, mediante assinatura do termo respectivo.
Assim sendo, a meu ver, por ser do Chefe de Gabinete a responsabilidade principal e primeira, e por se encontrar na posição de superior hierárquico em relação aos demais servidores no Gabinete em que se encontra lotado, havendo sua concordância expressa quanto à assunção de responsabilidade pelo ressarcimento ao erário de todas as multas listadas por SGA.31, inclusive aquelas que ainda não têm o valor informado pela empresa locadora, não vejo óbice legal ao atendimento do quanto indagado. Apenas observo que, como não há notícia no expediente de eventual indicação de condutor quanto às multas cujo valor ainda não foi apurado, deverá se responsabilizar pelos valores respectivos, bem como pelos demais encargos por ventura em aberto, como, por exemplo, indicação de condutor e pontuação na carteira.
Caso SGA assim entenda, minuta de Ato poderá ser ofertada oportunamente a fim de contemplar no Ato nº 1365/2017 a interpretação aqui apresentada.
São Paulo, 29 de abril de 2021.
Érica Corrêa Bartalini de Araújo
OAB/SP nº 257.354
Procuradora Supervisora do Setor Jurídico-Administrativo
[1] Manual de Direito Administrativo, 23ª edição, rev., ampl., atual., p. 37 Ed. Lumen Juris, RJ, 2010.
[2] Op. Cit. P-42.