Parecer n° 25-ADM/2020

TID nº 18766463

Ref.                 PA nº 21/2020 – XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Assunto:        Permanência de função gratificada

 

Parecer ADM nº 25/2020

 

Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

Trata-se de requerimento formulado pelo servidor XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX no sentido de ter declarada a permanência da função gratificada correspondente à função de Supervisor de Equipe – FG-2, com fundamento no artigo 19 da Lei Municipal nº 13.637/2003.

Por SGA.15 foi informado que o servidor completou 05 (cinco) anos de exercício na função gratificada em 13/01/2020.

O Sr. Secretário de Recursos Humanos, então, solicita manifestação desta Procuradoria acerca dos efeitos do artigo 1º da Emenda Constitucional nº 103/2019, que acresceu o §9º ao artigo 39 da Constituição Federal, impondo vedação à “incorporação” de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

É o breve relato do necessário. Passo a opinar.

Dispõe os termos da vedação imposta na novel redação incluída no §9º do artigo 39 da Carta Magna:

É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

Por seu turno, o artigo 19 da Lei Municipal nº 13.637, de 04 de setembro de 2003, com a redação dada pela Lei Municipal nº 14.381, de 07 de maio de 2007, estabelece:

Art. 19 – Os servidores efetivos integrados nas Escalas de Vencimentos Básicos, previstos nesta lei, quando designados para o exercício das funções gratificadas previstas no artigo 14 desta lei, farão jus ao vencimento básico de seu cargo efetivo, acrescido do valor correspondente à respectiva função, constante da Tabela B do Anexo IV, desta lei.

  • O valor atribuído às funções gratificadas não constitui base de incidência de cálculo para qualquer outra vantagem pecuniária. (Redação dada pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)
  • 2º A Função Gratificada fica excluída do limite salarial previsto na Lei nº 12.477, de 22 de setembro de 1997. (Redação dada pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)
  • Os valores atribuídos às funções gratificadas tornar-se-ão permanentes aos vencimentos e proventos do servidor, bem assim à pensão por morte, após a percepção por um período mínimo de cinco anos, nas seguintes condições: (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

I – poderão ser somados períodos contínuos ou descontínuos de percepção de uma ou mais funções gratificadas; (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

II – em sendo exercida mais de uma função gratificada: (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

  1. a) a permanência dar-se-á pelo maior valor percebido por período não inferior a um ano; (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)
  2. b) se o maior valor for percebido por período inferior a um ano, a permanência dar-se-á em relação àquele imediatamente inferior cuja percepção, somada à do maior, perfaça, no mínimo, um ano. (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

III – declarada a permanência, se o servidor vier a perceber valor superior de função gratificada, receberá somente a diferença; (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

IV – poderá ser tornada permanente a diferença entre o valor já tornado permanente e novo valor de função gratificada que venha a ser percebido por um período mínimo de um ano; (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

V – os tempos de percepção só poderão ser computados uma única vez. (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007) – destaques nossos.

Observa-se que a norma não faz menção à incorporação, mas sim ao instituto da permanência, fenômenos esses diferentes entre si, como se denota em toda a legislação municipal.

Como exemplo pode-se citar o artigo 18[1] do Decreto nº 46.861/2005 que, em consonância com o que dispõe o artigo 1º, §§ 1º e 2º, da Lei Municipal nº 13.973/2005, faz distinção entre os institutos da incorporação e da permanência de vantagens à remuneração dos servidores.

Doutrinariamente a distinção entre os institutos nasce justamente das características inerentes à incorporação:

Para que essas vantagens passem a integrar os vencimentos, é necessário que a lei assim preveja: é a incorporação, mediante a qual a vantagem adere ao vencimento, não podendo ser suprimida dos vencimentos, salvo opção explícita do servidor. A lei poderá determinar a incorporação automática, como ocorre com o adicional por tempo de serviço; ou exigir tempo de percepção ou prever a incorporação progressiva, proporcional ao tempo de percepção. Se, no decurso da vida funcional, a mesma vantagem é recebida em diversos percentuais, a lei que permite a incorporação deverá definir o respectivo percentual. Os acréscimos pecuniários percebidos pelo servidor não podem ser computados nem acumulados para fins de atribuição de acréscimos ulteriores (CF, art. 37, XIV). (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 281)

(…) “É ainda de Hely Lopes Meirelles a advertência denotando a existência de ‘vantagens irretiráveis’ (que assumem especial relevância para o debate sobre a irredutibilidade e o teto) adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto) ou pelo transcurso do tempo (ex facto temporis) em cujo núcleo se excluem as dependentes de trabalho a ser feito (pro labore faciendo), de um serviço a ser prestado em determinadas condições (ex facto officci) ou de sua anormalidade (propter laborem) ou em razão das condições individuais do servidor (propter personam)” (MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 86/87, n. 10)

Alguns estatutos funcionais preveem o denominado sistema de incorporação, pelo qual o servidor agrega ao vencimento-base de seu cargo efetivo determinado valor normalmente derivado da percepção contínua, por período preestabelecido, de certa vantagem pecuniária ou decorrente do provimento de cargo em comissão. Exemplifique-se com a hipótese em que o servidor incorpora o valor correspondente a 50% do vencimento de cargo em comissão, se nele permanecer dez anos ininterruptamente. Ou com a incorporação do valor correspondente a certa gratificação funcional se esta for percebida no mínimo por cinco anos. Seja como for, esse valor incorporado terá a natureza jurídica de vantagem pecuniária, por ser diverso da importância percebida em razão do cargo, mas, em última análise, reflete verdadeiro acréscimo na remuneração do servidor por seu caráter de permanência. Consumado o fato que a lei definiu como gerador da incorporação, o valor incorporado constituirá direito adquirido do servidor, sendo, portanto, insuscetível de supressão posterior pela Administração. O necessário, sem dúvida, é que a lei funcional demarque, com exatidão e em cada caso, qual a situação fática que, consumada, vai propiciar a incorporação; ocorrida a situação, o servidor faz jus à agregação do valor a seu vencimento-base. (…)

As vantagens pecuniárias devem ser acrescidas tomando como base o vencimento do cargo. Não podem os acréscimos pecuniários ser computados nem acumulados para o efeito de percepção de outros acréscimos. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª Edição, São Paulo: Atlas, 2012, p. 733/734)

Aliás, no âmbito desta Municipalidade, há muito se faz tal distinção, tendo surgido com o advento da Lei Municipal nº 10.442/1988, como bem explanado nos Pareceres desta Procuradoria de nº 088/2001 e nº 086/2002, ambos de autoria do Professor e Procurador Legislativo Dr. Antonio Rodrigues de Freitas Jr.:

Anteriormente ao advento da Lei 10.442/88, a única modalidade de indenização ficta conhecida por lei como veículo para ocasionar a insusceptibilidade de revogação de gratificações discricionárias consistia no instituto da incorporação. Como se sabe, ou se de deveria saber, a ocorrência da incorporação fazia incidir a parcela incorporada sobre o padrão do vencimento, de sorte não apenas que a gratificação incorporada tornava-se insusceptível de supressão como, no mesmo ato, que ao repercutir no padrão ensejava majoração do produto final da remuneração.

Foi precisamente colimando oferecer tratamento mais parcimonioso que se deu o advento da Lei 10.442/88. Daí a razão pela qual a proibição da incidência constar de parágrafo (nem preciso reiterar qual a função normativa de um parágrafo), e de parágrafo único do artigo que instituiu justamente a permanência, como instituto inovador no Direito Municipal de São Paulo. Diga-se de passagem: instituto originariamente restrito à figura da Gratificação de Gabinete e para essa idealizado.

Do exposto, evidencia-se, na boa fé interpretativa, que ao vedar “sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária”, o endereço do verbo, vale dizer, seu objeto direto consiste na Gratificação “tornada permanente”. Aliás, permito-me esse desnecessário truísmo na intenção de enfatizar que a proibição do referido parágrafo único evitou conferir, ao ato de reconhecimento da permanência, os efeitos majoratórios até então ínsitos ao ato concessivo da incorporação desde aí já não mais aplicável à Gratificação de Gabinete. (Parecer nº 088/2001) – destaques nossos.

Em minha percepção, o problema resolveu-se não por via do art. 1º, parágrafo único, da Lei 10.442/88, mas em virtude do tratamento legal conferido às demais vantagens. Tenhamos presente que a dicção desse preceito objetivou, como acertadamente afirma o Anexo do Relatório GV, evitar que o ato declaratório de permanência viesse a ser tratado de igual modo que a incorporação. Assim sendo, a decisão do E. TCM, ao contrário do que se possa supor por uma leitura apressada, não determinou que a GG, ao se tornar permanente, viesse aderir ao padrão e a repercutir sobre todas as demais vantagens que sobre ele se calculassem. Considerando a autonomia legislativa da Câmara para dispor sobre suas gratificações, o Parecer que embasa a decisão do C. TCM ocupou-se de interpretar a forma de cálculo dessas últimas e houve por concluir o que determinou como correta fórmula de cálculo dos servidores do Legislativo (e TCM), sem qualquer distinção entre GG de todos aqueles servidores, com ou sem direito à permanência. Por sinal, não houvesse a figura da permanência, isso em nada alteraria as premissas por ele esposadas. O que fundamentou a decisão do C. TCM foram as normas destinadas a outras vantagens, diversas daquelas concedidas aos demais servidores do Executivo. (Parecer nº 086/2002) – destaque nosso.

Em outros pareceres desta Procuradoria também se pontuou a diferença entre os dois fenômenos no sistema remuneratório dos servidores do Município:

Consequentemente, vemos que ambos os benefícios – a incorporação prevista no art. 33 da Lei nº 9.296/81, e a permanência disciplinada pela Lei nº 10.442/88 e Resolução nº 06/93 – são legalmente previstos, sendo passíveis de serem obtidos pelos servidores deste Legislativo, desde que preenchidos os respectivos requisitos legais. Tratam-se de dois benefícios legalmente previstos, com objetos, critérios e requisitos distintos, mas com semelhante efeito em relação a cada respectivo objeto. Este efeito, como já visto, pode ser assim traduzido: a respectiva vantagem (na permanência, uma gratificação; na incorporação, o conjunto de vantagens próprias de um cargo) passa a integrar em definitivo a remuneração do funcionário. (Parecer nº 031/2003, de autoria do Procurador Legislativo Sebastião Rocha) – destaque nosso.

Ambos os benefícios, a incorporação prevista no art. 33 da Lei nº 9.296/81 (em que são incorporadas todas as vantagens do cargo) e a permanência, disciplinada pela Lei nº 10.442/88 (em que uma vantagem específica é tornada permanente) coexistem e são passíveis de serem adquiridos pelo funcionário do QPL, desde que preenchidos os requisitos próprios estabelecidos nas respectivas leis, não havendo incompatibilidade entre eles. (Parecer nº 9002/2003, de autoria do Procurador Legislativo Mário Sérgio Maschietto) – destaque nosso.

Observe-se, ainda, que a distinção entre os institutos foi reconhecida pelo E. Tribunal de Contas do Município, no TC nº 72.002.911.02-25, em ocasião na qual, entendendo não ser mais possível a incorporação da Gratificação de Gabinete após 05/06/1998 (EC nº 19/98), passou a recomendar a readequação da gratificação ao fenômeno da permanência “previsto pela Lei 10.442/88, inclusive com relação a não constituir base de cálculo de nenhum outro benefício”.

Ora, o artigo 19 da Lei Municipal nº 13.637/2003 expressamente estabelece[2], em distinção ao que ocorre com a incorporação, que o valor atribuído às funções gratificadas não constitui base de incidência de cálculo para qualquer outra vantagem pecuniária.

Resta claro, portanto, a existência de diferença conceitual e de tratamento quanto à incorporação e à permanência.

Passemos, então, à análise do alcance da norma inserida no §9º do artigo 39 da Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

Transcrevamos novamente o teor da norma:

É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

Sabe-se que a lei não contem palavras inúteis e que a exegese literal deve observar algumas cautelas, como brilhantemente, há muito, destacado pelo mestre da hermenêutica Carlos Maximiliano[3]:

Cada palavra pode ter mais de um sentido; (…) em regra, só do complexo das palavras empregadas se deduz a verdadeira acepção de cada uma, bem como a ideia inserta no dispositivo.

(…)

Notam-se na linguagem duas tendências, opostas, exercidas simultaneamente sobre palavras diversas, ou sobre a mesma e em épocas diferentes: para generalizar e especializar o sentido respectivo, o qual vai mudando à proporção que se verifica o mencionado fenômeno de Linguística. Precisa, portanto, o hermeneuta conhecer o desenvolvimento evolutivo, a história de um vocábulo, a fim de apurar o que este foi chamado a exprimir.

(…)

Presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas; devem todas ser entendidas como escritas adrede, para influir no sentido da frase respectiva.

No caso em tela a norma cita expressamente o termo “incorporação”.

A referendar, ainda, a menção ao termo “incorporação” em seu sentido técnico, a regra faz menção à integração de “vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo”.

Observa-se da leitura da norma que o intuito do legislador foi vedar, e parcialmente, o fenômeno da incorporação em sentido estrito e técnico, isto é, a integração de vantagens ao vencimento padrão do cargo, a fim de se constituir base para outras vantagens pecuniárias, não se confundindo com a permanência da percepção da vantagem em si, após preenchidos os requisitos legais.

Na legislação geral e na Doutrina é clara a diferença entre vencimentos e remuneração, sendo certo que o primeiro termo é o que se aplica à contraprestação pelo exercício de um cargo, enquanto o segundo diz respeito ao conjunto de valores (vencimento + vantagens) recebidos por um servidor.

A Lei Federal nº 8.112, 11 de dezembro de 1990 estabelece distinção entre os dois conceitos:

Art. 40. Vencimento é a retribuição pecuniária pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei.

Parágrafo único. Nenhum servidor receberá, a título de vencimento, importância inferior ao salário-mínimo.

Art. 41. Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei.

A Doutrina, igualmente, é uníssona quanto à diferenciação:

Os autores têm distinguido, nessa matéria, vencimento, vencimentos, remuneração e subsídio. Vencimento e vencimentos são expressões próprias do regime estatutário e sempre estão referidas a cargo. Vencimento tem acepção estrita e corresponde à retribuição pecuniária a que faz jus o servidor pelo efetivo exercício do cargo. É igual ao padrão ou valor de referência do cargo fixado em lei. Nesse sentido, a retribuição é sempre indicada por essa palavra (vencimento), grafada no singular. Vencimentos tem sentido lato e corresponde à retribuição pecuniária a que tem direito o servidor pelo efetivo exercício do cargo, acrescida pelas vantagens pecuniárias (adicionais e gratificações) que lhe são incidentes. Compreende o padrão e as vantagens pecuniárias: as do cargo ou as pessoais. Nesse sentido, a retribuição é sempre indicada pelo vocábulo em apreço, escrito no plural (vencimentos), muito embora essas regras não sejam absolutas. A Constituição Federal em nenhum momento utilizou a expressão “vencimento”, como aqui entendida. Às vezes que a usou, o fez para indicar o transcurso de um prazo, como ocorre no art. 46 do ADCT. Na segunda acepção aparece no texto da Lei Maior em vários dispositivos, a exemplo do art. 37, XII. A locução “remuneração” já não tem o seu antigo significado, ou seja, de retribuição composta por uma parte fixa, quase sempre igual a dois terços do padrão, e uma parte variável (quotas ou percentagens da sucumbência ou das multas arrecadadas) paga em razão da produtividade. Atualmente significa o somatório de todos os valores percebidos pelo servidor, quer sejam pecuniários, quer não. Assim, abrange o vencimento, as vantagens e as quotas de produtividade. (…) (GASPARINI, Diógenes. “Direito Administrativo”. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 244) – destaques nossos.

Remuneração é o montante percebido pelo servidor público a título de vencimentos e de vantagens pecuniárias. É, portanto, o somatório das várias parcelas pecuniárias a que faz jus, em decorrência de sua situação funcional.

(…)

Vencimento é a retribuição pecuniária que o servidor percebe pelo exercício de seu cargo, conforme a correta conceituação prevista no estatuto funcional federal (art. 40, Lei nº 8.112/1990). Emprega-se, ainda, no mesmo sentido vencimento-base ou vencimento-padrão. Essa retribuição se relaciona diretamente com o cargo ocupado pelo servidor: todo cargo tem seu vencimento previamente estipulado. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. “Manual de Direito Administrativo”. 25ª Edição, São Paulo: Atlas, 2012, p. 729) – destaques nossos.

5.4.3 Vencimentos – Vencimentos (no plural) é espécie de remuneração e corresponde à soma do vencimento e das vantagens pecuniárias, constituindo a retribuição pecuniária devida ao servidor pelo exercício do cargo público. Assim, o vencimento (no singular) correspondente ao padrão do cargo público fixado em lei, os vencimentos são representados pelo padrão do cargo (vencimento) acrescido dos demais componentes do sistema remuneratório do servidor público da Administração direta, autárquica e fundacional. Esses conceitos resultam, hoje, da própria Carta Magna, como se depreende do art. 39, § 1º, I, c/c o art. 37, X, XI, XII e XV. Quando o legislador pretender restringir o conceito ao padrão do cargo do servidor, deverá empregar o vocábulo no singular – vencimento; quando quiser abranger também as vantagens conferidas ao servidor, deverá usar o termo no plural – vencimentos. (MEIRELLES, Hely Lopes, “Direito Administrativo Brasileiro”, 30ª ed., Malheiros Editora, 2005, São Paulo, p. 464)

A legislação ordinária emprega, com sentidos precisos, os vocábulos vencimento e remuneração, usados indiferentemente na Constituição. Na lei federal, vencimento é a retribuição pecuniária pelo efetivo exercício do cargo, correspondente ao padrão fixado em lei (art. 40 da Lei n.º 8.112/90) e remuneração é o vencimento mais as vantagens pecuniárias atribuídas em lei (art. 41). Provento é a retribuição pecuniária a que faz jus o aposentado. E pensão é o benefício pago aos dependentes do servidor falecido. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, “Direito Administrativo”, 14ª ed, Ed. Atlas, 2002, p. 492)  – destaques nossos.

Pode-se dizer, assim, que o vencimento refere-se ao cargo e a remuneração refere-se à pessoa e que os termos utilizados ao longo do texto constitucional não necessariamente guardam fidelidade técnica.

Daí porque se conclui que, a despeito do termo “remuneração” ter sido utilizado na norma inserida no §9º do artigo 39 da Constituição Federal, como a norma faz referência à vedação da integração de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à contraprestação de cargo efetivo, não há outra interpretação a fazer que não seja a de que está vedada apenas a incorporação dessas vantagens ao vencimento-padrão do cargo, isto é, tais vantagens não podem integrar a base de cálculo utilizada para quaisquer outras vantagens.

Partilho do entendimento, portanto, de que a norma constitucional não veda o instituto da permanência, previsto no ordenamento jurídico municipal.

Tal entendimento, inclusive, é o que mais se coaduna com a repartição de competências estabelecida pela própria Constituição Federal, dentro do sistema federativo por ela adotado.

Nesse sentido, destaca-se o quanto disposto no artigo 37, inciso X, da Lei Maior:

“a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

No mesmo sentido trecho do seguinte acórdão do E. Tribunal Bandeirante:

“Incorporação. Diferença de Chefia. Cargo de Fiscal de Obras e de Chefe de Divisão. A pretensão do autor deve ser analisada à luz da legislação municipal, que rege por completo a matéria ora discutida; não há que se cogitar em aplicação das disposições previstas aos servidores públicos estaduais, dentre as quais o art. 133 da Constituição Estadual, sob a pena de ofender o poder de auto-organização e autogoverno do município. A discussão no caso concreto se refere ao preenchimento dos requisitos necessários à incorporação.” (TJSP, Apelação nº 0006819-21.2014.8.26.0338, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. TORRES DE CARVALHO, j. 24/07/2017)

Persiste, assim, em norma constitucional de igual envergadura, a autonomia municipal, respeitada a iniciativa de cada Poder, para fixar e regular a remuneração de seus servidores.

No caso concreto, a legislação municipal, como já exposto acima, faz expressa distinção entre os institutos da incorporação e da permanência, razão pela qual, pelo entendimento que ora se expõe, remanesce a possibilidade jurídica de declaração de permanência de vantagens vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão, isto é, da continuidade de sua percepção no tempo, após preenchidos os requisitos legais, sem que se integre ao vencimento do cargo efetivo e, portanto, sem que possa integrar a base de cálculo de outras vantagens pecuniárias.

Outrossim, há de se ressaltar que, integrantes do mesmo regime jurídico, a Prefeitura Municipal de São Paulo e o Tribunal de Contas do Município continuam a reconhecer o direito de permanência das vantagens relativas às funções gratificadas mesmo após o advento da Emenda Constitucional nº 103/2019, como demonstram exemplificativamente as publicações anexas.

Por todo o exposto, conclui-se que há amparo jurídico para o deferimento do pleito do servidor requerente.

S.m.j., é o entendimento que se submete à apreciação superior.

São Paulo, 11 de março de 2020.

Djenane Ferreira Cardoso Zanlochi

Procuradora Legislativa – RF 11.418

OAB/SP nº 218.877

[1] Art. 18. A partir de 11 de agosto de 2005, os servidores que não implementarem as condições estabelecidas na legislação específica para incorporação ou permanência, na atividade, de vantagens que constituem a base de cálculo da contribuição social de que trata a Lei nº 13.973, de 12 de maio de 2005, e que integram a base de contribuição na forma do Decreto nº 46.860, de 27 de dezembro de 2005, terão direito, por ocasião da aposentadoria ou pensão, a que as remunerações a elas correspondentes sejam consideradas mediante cálculo, segundo média aritmética simples, na conformidade da regra estabelecida no artigo 16.

[2] Art. 19, §1º, Lei Municipal nº 13.637/2003: “O valor atribuído às funções gratificadas não constitui base de incidência de cálculo para qualquer outra vantagem pecuniária”.

[3] In “Hemenêutica e Aplicação do Direito”, 2ª edição, Livraria do Globo: Porto Alegre, 1933, p. 124/125.