Parecer n° 9/2021

Ref.                 SGA-Ouvidoria CMSP (Protocolo Nº: 10604) – Manifestante: xxxxxxxxxxxxxxxxxx

Assunto:        Lei de Acesso à Informação – Solicitação sobre valores e beneficiários da gratificação prevista no Ato da Mesa nº 974, de 31 de maio de 2007 cf. art. 37 da Lei Municipal nº 13.637, de 04 de setembro de 2003 c/c art.28 da Lei Municipal nº 14.381, de 10 de maio de 2007 e art. 100, inc. III, da Lei Municipal nº 8.989, de 29/10/1979, nos meses de janeiro, julho e dezembro desde 2015.

 

 

Parecer ADM nº 0009/2021

 

 

LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO – Solicitação de nome de servidores beneficiados e valores relativos a gratificação – Informações de interesse público – LAI e LGPD – Possibilidade hipotética de atendimento – Ressalvas acerca de pedido desproporcional, informações parciais e necessidade de prorrogação de prazo para atendimento, a depender das circunstâncias fáticas – Reiteração de sugestão de adoção de formulário sugerido no Parecer ADM nº 0045/2020.

 

 

Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

 

Trata-se de pedido de análise e manifestação pela Secretaria Geral Administrativa sobre a viabilidade jurídica de atender pedido de informações formulado junto à Ouvidoria, a fim de se obter relação de servidores beneficiados e valores pagos a título da gratificação prevista no art. 28 da Lei Municipal nº 14.381, 10 de maio de 2007, nos meses de janeiro, julho e dezembro desde 2015.

É o relato do necessário. Passa-se a opinar.

O pedido formulado, baseado na Lei de Acesso à Informação, contém identificação pessoal, especificação, de forma clara e precisa, da informação requerida e endereço eletrônico para o envio das informações solicitadas, o que atende aos requisitos impostos pelo artigo 7º do Ato da Mesa nº 1.231, de 25 de junho de 2013, que regulamenta a Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, Lei de Acesso a Informação (LAI).

O objeto do pedido também se enquadra na proteção da Lei. Vejamos.

Estabelece o art. 31, caput, da LAI:

Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

O mesmo teor contém o art. 9º, caput, do Ato nº 1.231/2013[1].

Discutiu-se há algum tempo sobre ser o nome do servidor público um dado íntimo, que só pudesse ser divulgado mediante consentimento.

Em 2015 o E. Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no julgamento do ARE 652.777/SP, firmando a seguinte tese de repercussão geral:

483 – É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias.

Do teor do acórdão se extrai o seguinte trecho, transcrito da decisão de Suspensão de Liminar que antecedeu o julgamento do mérito do recurso:

  1. (…) A situação dos agravantes cai sob a regência da 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade.
  2. No tema, sinta-se que não cabe sequer falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo “nessa qualidade” (§ 6º do art. 37).

No mais, assim concluiu o v. acórdão:

  1. Cumpre referir que, mais recentemente, foi editada a Lei Federal de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), com aplicação também aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal (art. 1º), com a finalidade de disciplinar o acesso a informações mantidas pelos órgãos públicos. Mesmo sem dispor expressamente sobre a obrigatoriedade da divulgação da remuneração pessoal dos servidores, a lei impõe à Administração o dever de promover a divulgação, independente de requerimento, “no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidos ou custodiados” (art. 8º). É certo que a definição de interesse coletivo ou geral, como todo conceito aberto, comporta preenchimento valorativo nem sempre insuscetível de questionamentos. Todavia, no caso, a cláusula legal deve ser interpretada segundo a orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no precedente antes citado (…).

O advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, não parece ter mudado esse cenário.

Assim estabelece a Lei em seus artigos:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

I – dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;

(…)

X – tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração;

(…)

Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:

(…)

II – para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;

(…)

  • O tratamento de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização.

(…)

Art. 23. O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que:

I – sejam informadas as hipóteses em que, no exercício de suas competências, realizam o tratamento de dados pessoais, fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos;

(…)

Art. 27. A comunicação ou o uso compartilhado de dados pessoais de pessoa jurídica de direito público a pessoa de direito privado será informado à autoridade nacional e dependerá de consentimento do titular, exceto:

I – nas hipóteses de dispensa de consentimento previstas nesta Lei;

II – nos casos de uso compartilhado de dados, em que será dada publicidade nos termos do inciso I do caput do art. 23 desta Lei; ou

(…) – sem destaques no original.

Como se vê, a LAI e a LGPD não conflitam no que se refere ao conceito de dados pessoais tidos como de interesse público, cuja divulgação, como pacificado em sede de repercussão geral pelo E. STF, não viola a privacidade, a intimidade ou a honra de seu titular, como é o caso do nome dos servidores públicos.

Por outro lado, é notório que a remuneração dos servidores públicos é informação de interesse público a ser prestada por meio de transparência ativa (art. 7º, VI, e art. 8º, §1º, III, LAI), o que é devidamente observado pela Edilidade em seu Portal da Transparência[2].

No entanto, o pedido do requerente implica a identificação e a extração de parcela específica da remuneração de alguns servidores da Casa (não todos) e abarca 5 (cinco) anos de levantamento, o que pode, a depender do sistema utilizado pela Equipe de Folha de Pagamentos, exigir deslocamento de pessoal para depuração da informação, maior tempo para atendimento ou, ainda, acarretar o fornecimento parcial da informação.

Dispõe o artigo 7º do Ato, em seu parágrafo único:

Parágrafo único. Não serão atendidos pedidos de acesso à informação:

I – genéricos;

II – desproporcionais ou desarrazoados; ou

III – que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência da Câmara Municipal de São Paulo, devendo neste caso, se de seu conhecimento, indicar o local onde se encontram as informações a partir das quais o requerente poderá realizar a interpretação, consolidação ou tratamento de dados. (sublinhei)

O teor do dispositivo guarda semelhança com o que dispõe o artigo 13 do Decreto Federal nº 7.724, de 16 de maio de 2012:

Art. 13. Não serão atendidos pedidos de acesso à informação:

I – genéricos;

II – desproporcionais ou desarrazoados; ou

III – que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência do órgão ou entidade.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso III do caput, o órgão ou entidade deverá, caso tenha conhecimento, indicar o local onde se encontram as informações a partir das quais o requerente poderá realizar a interpretação, consolidação ou tratamento de dados. (sublinhei)

A respeito das hipóteses de negativa de atendimento a pedidos de acesso à informação, assim já se posicionou a Controladoria Geral da União, de maneira muito esclarecedora e orientadora da tramitação dos procedimentos relativos à LAI[3]:

Pedido desproporcional

Primeiramente, deve-se ter em mente que o dispositivo do inciso II do artigo 13 do Decreto n° 7.724/12 diz respeito à proporcionalidade em sentido estrito, isto é, analisa-se a adequabilidade do pedido de modo que seu atendimento não comprometa significativamente a realização das atividades rotineiras da instituição requerida, acarretando prejuízo injustificado aos direitos de outros solicitantes.

(…)

Assim, a informação pode ser, eventualmente, negada ao requerente, se acarretar comprometimento significativo da realização das atividades rotineiras atestado pelo setor competente pelo tratamento dos dados.

Pode ocorrer, ainda, dada a especificidade do pedido, de somente ser possível fornecer parcialmente as informações, nos termos do que dispõe o art. 11, §1º, inc. III, LAI e do já citado art. 11, inc. V, do Ato nº 1.231/2013, caso em que deverá a Ouvidoria informar ao requerente as razões da negativa parcial do acesso aos dados solicitados.

Há, por fim, a possibilidade de prorrogação do prazo de atendimento da solicitação por mais 10 (dez) dias, conforme dispõe o art. 13 do Ato nº 1.231/2013, no caso de impossibilidade de atender o pedido no prazo legal inicial de 20 (vinte) dias, devendo haver a devida justificativa ao solicitante.

Pelo exposto, conclui-se que o pedido é formalmente regular e a informação solicitada é de interesse público, abarcada pela LAI, cuja divulgação não é vedada pela LGPD, devendo, em regra, ser fornecida pela Ouvidoria, somente podendo ser negada ao requerente na hipótese de comprometimento significativo da realização das atividades rotineiras do setor competente pelo tratamento dos dados (declarado pelo setor responsável). Há, ainda, nos termos expostos acima, desde que devidamente justificado, a possibilidade de atendimento parcial do pedido e/ou de prorrogação do prazo de atendimento.

Por fim, a fim de orientar outros procedimentos semelhantes que vêm à análise desta Procuradoria e idealmente devem vir instruídos com as informações essenciais à avaliação de forma e das hipóteses de negativa de atendimento, reitera-se a sugestão feita no Parecer ADM nº 0049/2020 de adoção de formulário pela Ouvidoria, a ser por ela preenchido, primeiramente com o preenchimento dos requisitos do artigo 7º, caput, do Ato nº 1.231/2013 e, posteriormente, encaminhado à unidade detentora das informações solicitadas pela LAI para preenchimento das demais informações.

É a manifestação que se submete à apreciação superior.

São Paulo, 25 de fevereiro de 2021.

Djenane Ferreira Cardoso Zanlochi

Procuradora Legislativa

OAB/SP nº 218.877

[1] Art. 9º O acesso a informações pessoais deverá respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bem como as liberdades e garantias individuais.

[2] https://www.saopaulo.sp.leg.br/transparencia/salarios-abertos/

[3] Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal, Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, 2ª Edição, Revista, Atualização e Ampliada, 2006, páginas 33/37. Disponível em https://www.ouvidorias.gov.br/central-de-conteudos/biblioteca/arquivos/aplicacao-da-lai-em-recursos-a-cgu.pdf. Acesso em 10/06/2020.