Parecer ADM nº 0003/2020
TID 17566457
Interessado: xxxxxxxxxxxxxxxxx
Assunto: exclusão de verba do teto remuneratório
Dra. Procuradora Chefe,
Trata-se de requerimento formulado pelo servidor xxxxxxxxxxxxxxxxx relatando e requerendo o quanto a seguir:
O requerente relata que incorporou as vantagens do cargo de Diretor Geral e, dentre essas, incorporou a Gratificação de Função atribuída pela Lei nº 10.577/88. Posteriormente, passou a exercer a função de Secretário Geral Administrativo, passando a perceber em seus vencimentos apenas a diferença entre o valor da Função Gratificada e da Gratificação de função incorporada.
Sustenta que os legisladores consideraram ambas as gratificações citadas como sendo similares e de mesma natureza, haja vista a dicção do art. 26 da Lei nº 14.381/07. Requer, então, seja a Gratificação de função incorporada pelo cargo de Diretor Geral excluída do limite salarial previsto na Lei nº 12.477/1997.
É o relatório. Passo a opinar.
Em julho de 2016, o requerente apresentou requerimento visando à declaração de permanência da Função Gratificada – FG4, somando-se tempos de percepção de gratificação anteriores à Lei nº 13.637/03. O requerente contava com 01 ano e 04 dias de percepção da Função Gratificada instituída pela Lei nº 13.637/03, aos quais tencionava somar tempos de percepção de gratificação instituída por lei já revogada. Naquela oportunidade, a Procuradoria entendeu que apenas poderiam ser somados tempos de percepção de FG percebidas à luz da Lei 13.637/03, que instituiu a gratificação, e não quaisquer outras gratificações ou adicionais eventualmente percebidos e que seriam somados à FG. Entendeu-se, dessa maneira, que as gratificações não eram as mesmas, não podendo, portanto, serem somadas para fins de permanência. O servidor, ciente da impossibilidade de atendimento daquilo que foi requerido, desistiu do pedido formulado.
A meu ver, não poderia ter sido outro o entendimento. Vejamos.
Wallace Paiva Martins Junior discorre:
“É tradicional e histórica a cláusula constitucional brasileira de respeito ao princípio da legalidade em sua acepção mais restrita de reserva de lei na fixação e alteração dos vencimentos dos agentes públicos (art. 15, n. 17, da Constituição de 1824; arts. 34, n. 24, e 72, n. 32, da Constituição de 1891; art. 65, IV, da Constituição de 1946; arts. 43, V, e 57, II, da Constituição de 1967), salvo nos períodos ditatoriais de 1937 (art. 180) e de 1967 (art. 55, III) – esta última admitia decreto-lei de modo condicionado à inexistência de aumento de despesa.
A Constituição de 1988 perfilhou essa orientação no art. 37, X, ao referir que a remuneração e o subsídio “somente podem ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso”. (…)
(…)
A dimensão da reserva de lei abrange quaisquer espécies remuneratórias e, aliás, quaisquer estipêndios pagos pelo poder público sob qualquer rubrica, alcançando acréscimos e vantagens pecuniários, indenizações, auxílios, abonos, assim como sua incorporação que, à míngua de expressa previsão legal, não se presume.”
Ainda que superável fosse a barreira da reserva legal, não há como se dar guarida à alegação de que as vantagens recebidas pelo requerente a título de gratificação de função e de função gratificada possuem a mesma natureza.
Isso porque, como consta à fl. 06, as vantagens incorporadas pelo requerente, decorrentes do exercício do cargo de Diretor-Geral, embora denominada “gratificação de função”, nos termos literais do artigo 43 da Lei Municipal nº 10.430, de 29 de fevereiro de 1988, decorrem de verdadeiro exercício de cargo em comissão, não se confundindo com a natureza da função gratificada.
Com efeito, é firme na Doutrina a diferença entre o exercício de cargo em comissão e função gratificada:
Cabe uma diferenciação entre duas figuras jurídicas próximas. O cargo em comissão, também denominado cargo de confiança, não se confunde com a chamada “função de confiança”, que consiste na assunção de atribuições diferenciadas e de maior responsabilidade por parte do ocupante de um cargo de provimento efetivo, ao que corresponde o pagamento de uma remuneração adicional.
Portanto, determinadas tarefas diferenciadas e de grande relevo podem gerar a criação de cargos em comissão, mas também podem ser assumidas pelos ocupantes de cargos de provimento efetivo aos quais se atribui uma gratificação pecuniária – denominando-se esta última hipótese “função de confiança”.
Como se vê, a chamada “função de confiança” não consiste numa posição jurídica equivalente a um cargo público, mas na ampliação das atribuições e responsabilidades de um cargo de provimento efetivo, mediante uma gratificação pecuniária. Não se admite o conferimento de tal benefício ao ocupante de em comissão, na medida em que a remuneração correspondente abrange todas as responsabilidades e encargos possíveis. (JUSTEN FILHO, Marçal. “Curso de Direito Administrativo”. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 716/717).
Assim, ao ser editada a Lei nº 13.637/03, rompeu-se com o sistema anteriormente instituído para regulamentar o quadro de pessoal, com a respectiva remuneração dos servidores da Edilidade, dando-lhes a opção de migrar ou não para o novo regime instituído. Foram criadas novas carreiras, novos padrões de vencimento para as carreiras instituídas, novas gratificações e adicionais, que não guardam relação com o regime anterior. E diferentemente do sistema anterior, os servidores ingressam nos quadros da Edilidade em determinado cargo e nele permanecem por toda a sua vida funcional, podendo apenas eventualmente vir a exercer funções de confiança, mas nunca se ausentando de seu cargo de origem.
Entendeu-se, no parecer 246/2016, que não se tratava da mesma gratificação, motivo pelo qual os períodos não poderiam ser somados para fins de permanência. Se não poderiam ser somados para fins de permanência, também entendo não se sustentar a afirmação do requerente de que possuem a mesma natureza, haja vista que uma gratificação era percebida tendo em vista o exercício de cargo em comissão e a outra, função de confiança. Portanto, não procede a afirmação de que a gratificação instituída pela lei nº 10.430/1988 deveria restar excluída do limite salarial, visto que, apesar da nomenclatura similar, uma se refere ao exercício de um cargo em comissão e a outra, à designação para exercício de uma função de confiança.
Observo que o limite remuneratório constitucional é a regra, sendo que a exceção são as verbas a serem dele excluídas. O art. 37, Inciso XI da Constituição Federal, assim dispõe:
“XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
A exceção à regra do teto remuneratório veio prevista no §11 do mesmo artigo 37, que assim disciplina:
“§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.“
Coube ao legislador municipal disciplinar quais verbas restariam excluídas do abate-teto. Por meio do Ato nº 1.142/2011, posteriormente modificado, trouxe o administrador as parcelas que deveriam restar submetidas ao limite remuneratório e aquelas que deveriam restar excluídas desse limite. Da leitura do comando constitucional, verifica-se que a exclusão do limite remuneratório constitucional deva ser expressa, não cabendo interpretação para ampliar aquilo que não foi previsto expressamente.
Em conclusão, por terem as gratificações natureza distinta, uma se referindo ao exercício de cargo em comissão e a outra, ao exercício de função de confiança, entendo não poder ser dado o mesmo tratamento a ambas para fins de exclusão do limite remuneratório.
É a minha manifestação, que submeto ao juízo de Vossa Senhoria.
São Paulo, 10 de janeiro de 2020
Érica Corrêa Bartalini de Araujo
Procuradora Legislativa Supervisora – Setor Jurídico-Administrativo
OAB/SP 257.354