Parecer n° 70-ADM/2020

TID n° 19009546 – Requerimento nº 305141

Assunto: Requerimento de cópias digitalizadas dos relatórios da Comissão de Estágio Probatório dos servidores do Concurso Público nº 01/2013 – servidor xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.

 

 

Parecer ADM n° 0070/2020

 

Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

Trata-se de petição apresentada pelo servidor xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, encaminhada a esta Procuradoria pela Secretaria Geral Administrativa, para análise e manifestação, a respeito da possibilidade jurídica do fornecimento de cópias digitalizadas das Avaliações Especiais de Desempenho Final realizadas pela Comissão de Estágio Probatório de todos os servidores do Concurso Público nº 01/2013.

É o breve relato do necessário. Passa-se a opinar.

O pedido do requerente, de obtenção de cópia digitalizada integral de todos os relatórios emitidos pela Comissão de Estágio Probatório para avaliação final de cada um dos servidores que ingressaram na Câmara Municipal pelo Concurso Público nº 01/2013, vem fundamentado nos princípios da imparcialidade, isonomia e publicidade.

Os citados princípios da imparcialidade e da isonomia não foram colocados dentro de um contexto fático, razão pela qual não se mostra possível analisar sua eventual relevância para o pedido em tela.

Já quanto ao princípio da publicidade, convém diferenciar a publicidade do caráter público de uma informação.

Nesse sentido, destaca CANHADAS[1]:

(…) como já advertido inicialmente, autores do mais alto gabarito confundem, ou ao menos não se preocupam em distinguir, publicidade de transparência (confusão essa que não acontece na maioria dos outros ordenamentos já verificados no tópico II.1. deste trabalho). Mas uma análise mais acurada do conteúdo jurídico de ambos não deixa dúvidas de que são princípios efetivamente distintos. Com algumas áreas de intersecção, é verdade, mas ainda assim inconfundíveis.

Vejamos primeiro, a publicidade. E para tanto, devemos examinar antes o significado do termo público, que é, como grande parte das palavras, polissêmico.

De fato, no léxico o termo público possui uma série de significados. Em uma dessas acepções, a expressão é empregada como o adjetivo que qualifica tudo aquilo que é relativo ou pertencente ao governo de um país, estado ou cidade, isto é, todas as coisas e ações que dizem respeito ao Estado. Assim, tudo, absolutamente tudo, que se referir ao Estado, poderá ser referido pelo termo público: administrador público, servidor público, bem público, concurso público etc.

Outra acepção, bastante distinta, é a do termo público no sentido de ser de conhecimento de todos, de ter sido objeto de divulgação pública. Contudo, em razão da polissemia, usamos a mesma palavra para designar objetos distintos: se queremos dizer que um determinado prédio de escritórios pertence ao Estado, dizemos tratar-se de repartição pública. Se, por outro lado, constatamos que determinada pessoa tornou-se famosa, também dizemos que agora é uma pessoa pública. Mas note-se a confusão: enquanto uma designa o fato de se pertencer ao Estado, a outro conota o fato de ser de conhecimento popular. Nada mais distinto.

Por outro lado, o vocábulo publicidade também padece de polissemia, conotando, dentre outras coisas, a qualidade daquilo que é público. Mas o público a que se refere o termo publicidade – e talvez aí resida a grande confusão – não é aquele termo que conota pertencer ao Estado, mas sim o seu outro significado, no sentido de ser conhecido ou divulgado. Assim, utilizamo-nos da expressão dar publicidade a algo na acepção de torna-lo conhecido, de divulgá-lo. Na linguagem jurídica é precisamente esse o sentido usualmente empregado, especialmente em Direito Público. Ao dizermos que deve ser dada publicidade a um determinado ato administrativo ou a uma informação detida pela Administração, isso significa que essa informação ou esse ato deve ser divulgado, tornando de conhecimento de todos algo que antes não o era. Perceba-se que, nessa acepção, a publicidade não tem relação com o Estado ou o Direito Administrativo. Ao afirmarmos que uma repartição é pública, não estamos com isso querendo dizer que ela tem publicidade, porque esse termo, publicidade, não designa o fato de pertencer ao Estado, apenas o de ser dado conhecimento a todos. Do mesmo modo, não dizemos que um servidor possui publicidade por ser público. Ele pode ser servidor público e ser um anônimo (por não ser uma figura pública no sentido de conhecimento de todos).

(…)

Eleita como um dos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública (artigo 37, caput), a publicidade é também mencionada de forma reiterada em diversos dispositivos da Carta magna, como é o caso das referencias feitas nos artigos 165, §3º, 225, §1º, inciso IV e 71, §3º do ADCT.

Contudo, para se evitar a confusão semântica que acabamos de apontar, é muito importante deixar claro que esse princípio determina, apenas e tão somente, o dever da Administração de dar publicidade aos atos por ela praticados e as informações por ela detidas, isto é, divulgar o seu conteúdo, de comunica-los a quem de direito. Assim, quando se diz que qualquer pessoa possui o direito de acessar os autos de qualquer ação judicial em razão da publicidade do processo, comete-se um equívoco no emprego da linguagem. Um erro muito comum, é verdade, mas um erro. Acessa-se o processo porque ele é um documento público (no sentido de pertencente ao Estado), e não porque ele deve ser comunicado ou divulgado a todos (significado de publicidade). Cometeria o mesmo erro quem dissesse que se tem o direito de adentrar a qualquer prédio público por conta do princípio da publicidade (e isso ninguém diz).

(…)

E aqui cabe um esclarecimento: uma das principais obrigações impostas à Administração Pública em decorrência de ela agir de acordo com o interesse público refere-se à obrigação de fazer registro de todos os seus atos, arquivar as informações e documentos a ele relativos e, finalmente, sempre que houver interessados, permitir o acesso a tais informações e documentos. Tudo isso está relacionado ao caráter público da Administração. Mas perceba-se, e isso é importante, que nada disso é motivo suficiente para, por si só, impor a ela – Administração – o dever de publicar, de fazer com que sejam divulgadas de ofício as informações, independentemente de prévia solicitação de acesso por parte de um interessado. E isso porque esse dever de divulgar não decorre apenas – decorre também, mas não apenas – do simples fato de ser público, mas sim do dever de dar publicidade a determinados atos e informações, o que é outra coisa. Dito de outra forma, o fato de algo ser público é uma condição necessária, porém não suficiente para se exigir que algo seja divulgado, além de esse algo ser público, é necessário que ao seu detentor seja imposto o dever de a ele dar publicidade.

Com efeito, como já dito acima, considerando-se a correta compreensão do termo publicidade na acepção jurídica do termo, podemos afirmar que dar publicidade a determinada informação é justamente divulgá-la, praticar uma ação comissiva, uma conduta positiva portanto, que terá por objeto a notificação, a intimação ou de qualquer outra forma a ciência a um determinado indivíduo ou mesmo a uma série indeterminada de pessoas acerca do conteúdo da informação. Nessa hipótese, a Administração age de ofício, independentemente de solicitação, seja porque a lei assim exige, seja porque é de sua conveniência fazê-lo. Assim, quando dizemos que a Administração possui o dever de divulgar as informações relativas, por exemplo, a um determinado ato administrativo, a um contrato administrativo ou ainda a um procedimento administrativo, estamos afirmando o dever da Administração de dar publicidade a referidas informações, atuando positivamente, na forma e pelos meios previstos em lei.

Especificamente em relação à publicidade, no sentido de tornar público, MARTINS JUNIOR[2] explica que nem sempre implica dar divulgação a todos, mas, a depender do ato, a um ou determinados interessados, por meio de ato de comunicação diverso da publicação:

Publicidade significa tornar público: é ato de comunicação, veiculando algo que, por exigência jurídica, não pode ficar na esfera da intimidade ou da reserva, para satisfação da pluralidade de seus fins. Ser público é a mais elementar regra da Administração Pública no Estado Democrático de Direito, na medida em que os poderes e as funções do aparelho estatal são utilizados para gestão do interesse público, coisa alheia que a todos pertence. A obrigação de publicidade dos atos administrativos abrange atos de efeito externo ou interno, promovendo a distinção das formas de cumprimento do dever de publicidade: publicação (atos externos) e comunicação ou notificação (atos internos) – salvo quanto a esta disposição normativa em sentido contrário.

Os documentos solicitados pelo requerente – relatórios das avaliações finais emitidas pela Comissão de Estágio Probatório – são pareceres elaborados para orientação da autoridade competente para aprovar ou reprovar os servidores ainda não efetivados no cargo, in casu a Mesa Diretora. Assim, são atos praticados dentro de um procedimento administrativo, que não possuem conteúdo decisório, razão pela qual, ao contrário dos atos declaratórios de aprovação ou reprovação dos servidores no estágio probatório emanados da Mesa da Câmara, não se exige sua publicação em Diário Oficial, mas tão somente sua comunicação ao servidor interessado, a fim de que possa exercer plenamente seus direitos à ampla defesa e ao contraditório.

Tal medida vai ao encontro do que dispõe a legislação que disciplina os procedimentos administrativos, isto é, tanto do artigo 2º, parágrafo único, inciso V, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999[3], como dos artigos 25 e 49, inciso III, da Lei Municipal nº 14.141, de 27 de março de 2006[4], resguardando-se a privacidade dos titulares das informações, como será mais bem abordado adiante.

O fato é que, tendo em vista o objeto do requerimento, o pleito não pode ser apreciado sob o argumento da publicidade, mas sim sob o aspecto do acesso à informação.

Como o requerente não especifica o escopo do seu pedido, são dois os contextos jurídicos sob os quais o acesso aos documentos solicitado pode ser analisado.

O primeiro insere-se no arcabouço jurídico que regula os processos administrativos.

Dispõe a Lei Federal nº 9.784/99:

Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem.

No mesmo sentido estabelece a Lei Municipal nº 14.141/06:

Art. 41. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os protegidos por sigilo, nos termos da Constituição Federal.

Como se observa, o acesso aos processos administrativos, a princípio, está limitado aos interessados, sempre se resguardando os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem.

No presente caso, o requerente não é diretamente interessado nos procedimentos administrativos cuja cópia requer, tampouco descreve eventual interesse indireto neles.

Inobstante, há de se levar em conta que os procedimentos indicados pelo requerente envolvem avaliação pessoal de outros servidores públicos, sob a ótica da aptidão para o cargo exercido durante o período de estágio probatório.

Dispõe o artigo 3º do Ato da Mesa nº 1.061, de 04 de maio de 2009, que disciplina a avaliação de estágio probatório no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo:

Art. 3º A avaliação especial de desempenho será realizada pela apreciação dos desenvolvimentos técnico e ético-interpessoal do funcionário, por meio dos seguintes critérios:

I – Área de Desenvolvimento Técnico: avaliado por meio de um conjunto de indicadores comuns a todos os cargos, de acordo com os seguintes critérios:

  1. a) Qualificação profissional – nível de conhecimento acerca dos fundamentos técnico-profissionais, atribuições, competências e funções relativas ao cargo ocupado;
  2. b) Qualidade e eficiência do trabalho realizado – grau de perfeição e de satisfatória apresentação do trabalho; de cumprimento de prazos determinados; de racionalidade na utilização dos recursos disponíveis para a realização do trabalho e de organização na realização das atribuições do cargo ocupado;
  3. c) Eficácia e assertividade no trabalho – resultados atingidos com o trabalho realizado, no tocante à efetivação dos objetivos e metas da unidade na qual está lotado; grau de iniciativa na apresentação de sugestões e na resolução de problemas de trabalho que favoreçam o aperfeiçoamento da unidade e do processo de trabalho;

II – Área de Desenvolvimento Ético-Interpessoal: avaliado por meio de um conjunto de indicadores comuns a todos os cargos, de acordo com os seguintes critérios:

  1. a) Conduta Profissional – qualidade que se expressa mediante os seguintes comportamentos: valorização e conservação de materiais e equipamentos de trabalho; disponibilidade quanto à delegação de responsabilidades, discernindo a forma adequada de efetivá-las, observando os deveres funcionais e normas disciplinares em vigência;
  2. b) Comunicação interpessoal – capacidade de manter e ampliar relacionamentos no trabalho, observando o princípio da urbanidade no trato com os colegas de trabalho, chefias e demais autoridades superiores, demonstrando capacidade para respeitar e lidar com as diferenças que envolvem o trabalho em equipe;
  3. c) Assiduidade e pontualidade – comparecimento regular ao trabalho, conforme demonstrado em registro oficial de frequência, observando adequadamente a carga horária estabelecida para seu cargo, conforme legislação vigente.

 

O anexo do referido Ato estabelece formulário a ser preenchido periodicamente pela chefia imediata dos servidores em estágio probatório e contém, notadamente sob o aspecto do chamado “Desenvolvimento Ético-Profissional”, critérios bastante pessoais:

  1. a) Conduta Profissional – qualidade que se expressa mediante os seguintes comportamentos: valorização e conservação de materiais e equipamentos de trabalho; disponibilidade quanto à delegação de responsabilidades, discernindo a forma adequada de efetivá-las, observando os deveres funcionais e normas disciplinares em vigência.

Indicadores:

  • Os colegas o consideraram como pessoa confiável?
  • Demonstrou ser ético no desempenho de suas tarefas e no relacionamento com a equipe?
  • Agiu de forma coerente com as normas disciplinares vigentes?
  • Dispensou cuidado na guarda, valorização e conservação de materiais e equipamentos de trabalho?
  • Foi displicente em relação ao uso dos equipamentos e materiais de trabalho?
  • Manteve sua área de trabalho organizada e limpa?
  • Respeitou as rotinas estabelecidas para execução das tarefas?
  • Atendeu às determinações que lhe foram feitas pela chefia?
  • Cumpriu as normas adotadas no setor?
  • Propôs alternativas para solução dos problemas que surgiram no trabalho?
  • Propôs ideias inovadoras para o desenvolvimento dos trabalhos?
  • Antecipou-se a possíveis problemas no seu trabalho, minimizando suas consequências?
  • Foi cuidadoso com informações sigilosas?

(…)

  1. b) Comunicação interpessoal – capacidade de manter e ampliar relacionamentos no trabalho, observando o princípio de urbanidade no trato com os colegas de trabalho, chefias e demais autoridades superiores, demonstrando capacidade para respeitar e lidar com as diferenças que envolvem o trabalho em equipe.

Indicadores:

  • Reconheceu os benefícios das diferenças individuais no trabalho em equipe?
  • Compartilhou conhecimentos, informações e sugestões para o trabalho dos colegas?
  • Demonstrou disposição para colaborar com os colegas, mesmo antes de solicitado?
  • Mostrou-se aberto a argumentação contrária à sua?
  • Adaptou-se a tarefas e situações novas.
  • Esforçou-se para integrar-se à equipe, ao trabalho e à missão da instituição?
  • Manteve boas relações no ambiente de trabalho?
  • Procurou compreender, na equipe, os pontos de vista diferentes do seu?
  • Foi cortês e respeitoso com as pessoas com as quais se relaciona no trabalho?
  • Sua postura refletiu prontidão e disponibilidade para o exercício de suas funções?
  • Apresentou-se ao trabalho em condições adequadas de higiene e convenientemente trajado, em conformidade com os padrões estabelecidos pelo setor?

 

Sendo assim, pode-se supor da simples leitura dos indicadores que compõem a avaliação periódica preenchida pelas chefias imediatas, que o relatório final elaborado pela Comissão de Estágio Probatório realiza uma avaliação contextualizada e conclusiva, inclusive, sobre aspectos que envolvem a personalidade e, eventualmente, a privacidade dos servidores públicos.

Em plena consonância com o que dispõe o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal[5], ficam resguardados do acesso aos procedimentos administrativos os dados e informações de cunho pessoal, que digam respeito à honra, à imagem e à privacidade de terceiros.

Nesse sentido, contendo os documentos solicitados pelo requerente juízos de valor que dizem respeito a aspectos íntimos e privados dos servidores públicos, segundo o que dispõem as leis que disciplinam os procedimentos administrativos, não há como deferir-se o pleito em tela.

De outro lado, sob a disciplina da Lei de Acesso à Informação (LAI) – Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o requerimento ora sob análise não recebe melhor sorte.

A literalidade dos artigos 8º e 10 da LAI demonstra que o acesso que a Lei visa facilitar é às informações de interesse público, coletivo ou geral.

SOUZA[6] disserta sobre as informações de interesse público, coletivo ou geral e discorre sobre a exceção legal atribuída aos dados pessoais:

No Brasil, a LAI distinguiu informação e documento. Considerou informação como os: “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato” e documento como a “unidade de registro e informações, qualquer que seja o suporte ou formato”. Para considerá-la pública exigiu-se a vinculação com o caráter público do órgão ou entidade do seu criador ou armazenador. A expressão informação pública seria resultado da conjugação do suporte material (sob qualquer forma e conteúdo) e da qualidade pública de quem a produz (órgão ou entidade pública).

O fato de uma informação ser considerada pública quando conjugado com o critério formal (suporte físico) e do sujeito criador ou armazenador (órgão ou ente público) não são suficientes para garantir a publicidade, em razão de seu condicionamento à ordem Constitucional. A informação para ser considerada pública deve atender ao critério do interesse coletivo ou geral, o que exclui aquela informação de interesse particular (informação pessoal ou nominativa vinculada ao direito fundamental à privacidade), e a informação sob a restrição constitucional do sigilo, considerado como imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (segredo de Estado, segredo de justiça, direitos do autor etc).

(…)

No Brasil, a proteção da informação pessoal na LAI tem um asseguramento genérico, reafirmando a regra constitucional do art. 5º, inciso X, ao referenciar no art. 31: “O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais”. O conceito normativo de informação pessoal é aberto e leva em conta um único parâmetro de estar abrangido pela intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas.

O objetivo do legislador foi o de reafirmar a necessidade de observar o direito fundamental à privacidade (sentido lato), no nítido propósito de delimitar o seu alcance em face da regra da publicidade da informação pública.

A legislação portuguesa de acesso à informação anteriormente a hoje vigente distinguia os documentos em nominativos e não-nominativos, de acordo com a presença de dados pessoais, descrevendo como documento nominativo aquele que continha “acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”[7].

Em comentário ao referido texto legal, José Renato Gonçalves[8] ponderava que as apreciações e juízos de valor importam naquelas que o são depreciativas ou negativas, porém não se pode excluir os de conotação positiva ou mesmo neutro, a depender de uma avaliação subjetiva. Já com relação aos dados abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada aproxima-se com temas relativos às “convicções pessoais, aos comportamentos sexuais, às características físicas e psicológicas e em geral a tudo aquilo que se depara e ocorre dentro de portas de cada indivíduo”.

Observa-se a ponderação acerca dos efeitos da divulgação, não só de características psicológicas de uma pessoa, mas de juízos de valor emitidos sobre ela, notadamente os negativos. Isso porque são informações subjetivas que podem influenciar a quem a elas tiver acesso na percepção sobre características da personalidade, imagem e honra da pessoa avaliada.

Nota-se que essa preocupação há muito permeia o entendimento esposado em legislação, doutrina e jurisprudência brasileiras, especialmente no âmbito trabalhista.

A título de exemplo, pode ser citado o artigo 29, §4º, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que estabelece que “é vedado ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social”.

Nas palavras de ALMEIDA[9]:

(…) eventualmente, determinados atos faltosos do empregado, exaustivamente declinados no art. 482 da CLT, podem ser objeto de punição por parte do empregador:  advertência, suspensão e, finalmente, dispensa por justa causa.

Tais punições, conquanto possam ser impostas ao empregado e a ele comunicadas por escrito, não podem, todavia, ser anotadas na Carteira Profissional, na medida em que venham a dificultar novo emprego. É de assinalar que anotações precipitadas podem ensejar, por parte do empregado, ação de indenização por dano moral, plenamente admitida no âmbito do Direito do Trabalho.

 

Naturalmente, pode-se fazer um paralelo desse entendimento com as considerações infirmadas nas avaliações de estágio probatório, o que reforça ainda mais a necessidade de negar acesso irrestrito a seu conteúdo a fim de resguardar a imagem, a honra e a privacidade dos servidores.

Tanto é assim que as informações pessoais são estabelecidas como exceção à regra de acesso no artigo 31 da Lei:

Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

  • 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:

I – terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e

II – poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

  • 2º Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.
  • 3º O consentimento referido no inciso II do § 1º não será exigido quando as informações forem necessárias:

I – à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico;

II – à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;

III – ao cumprimento de ordem judicial;

IV – à defesa de direitos humanos; ou

V – à proteção do interesse público e geral preponderante.

 

Igualmente dispõe o Ato da Mesa nº 1.231, de 25 de junho de 2013, que regulamenta a aplicação da LAI no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo:

Art. 9º O acesso a informações pessoais deverá respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bem como as liberdades e garantias individuais.

  • 1º Quando em risco os valores descritos no caput as informações pessoais serão de acesso restrito aos agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem, podendo ser autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.
  • 2º O consentimento de que trata o artigo anterior será dispensado nas hipóteses previstas na Lei nº 12.527/11, sem prejuízo de outras hipóteses previstas na legislação federal.

(…)

 

A respeito da exceção de acesso tratada no artigo 31 da LAI, e reproduzida no artigo 9º do Ato nº 1.231/13, pondera CANHADAS:

De qualquer forma, o que a LAI diz – e isso deve ser considerado – é que, por se tratarem de informações essencialmente privadas, em relação a elas não deve ser dado acesso, ao menos em princípio. Seriam nítidos casos, pois, de transparência proibida a priori, cujo status não pode ser alterado pela Administração, mas apenas pelo administrado titular da informação, se ele assim o desejar, com base em seus livres critérios de necessidade ou oportunidade.

(…)

De qualquer forma, o espírito do dispositivo é de se louvar, podendo ser assim sintetizado: serão divulgadas e/ou de acesso permitido as informações necessárias à proteção dos direitos fundamentais das próprias pessoas a quem tais informações digam respeito, bem como aquelas necessárias à proteção de interesses públicos, sempre por meio de decisões devidamente motivadas, propiciando-se o acesso e/ou divulgação até os limites necessários a referidas proteções.

(…)

O pedido de acesso às informações pessoais obedece aos procedimentos vistos acima para quaisquer pedidos de informação, devendo estar acompanhado da identificação do interessado, da comprovação do consentimento expresso do titular da informação, por meio de procuração (e acreditamos que deva haver poderes especificamente outorgados para este fim), bem como da comprovação acerca da configuração de uma das exceções à restrição adrede analisadas. O interessado deve assinar um termo de responsabilidade dispondo acerca da finalidade e da destinação que fundamentaram a autorização e das obrigações que devem ser respeitadas em relação às informações acessadas, cuja utilização fica vinculada às finalidades que justificaram o acesso.

 

Assim, sob o manto da disciplina da Lei de Acesso à Informação, o requerimento em análise também não pode ser deferido, uma vez que não está presente in casu qualquer das hipóteses autorizadoras do inciso II do §1º ou dos incisos I a V do §3º, ambos do artigo 31.

Por fim, há de se considerar que o pedido reúne condições de ser enquadrado na causa de indeferimento de acesso à informação prevista no artigo 13, inciso II, do Decreto Federal nº 7.724, de 16 de maio de 2012, que regulamenta a LAI, reproduzido no artigo 7º, parágrafo único, inciso II do Ato nº 1.231/13, que assim dispõem:

Art. 13. Não serão atendidos pedidos de acesso à informação:

(…)

II – desproporcionais ou desarrazoados

 

Art. 7º (…)

Parágrafo único. Não serão atendidos pedidos de acesso à informação:

(…)

II – desproporcionais ou desarrazoados

 

A respeito das hipóteses de negativa de atendimento a pedidos de acesso à informação, assim já se posicionou a Controladoria Geral da União, de maneira muito esclarecedora e orientadora da tramitação dos procedimentos relativos à LAI[10]:

(…)

Pedido desarrazoado

É aquele que não encontra amparo para a concessão de acesso solicitado nos objetivos da LAI e tampouco nos seus dispositivos legais, nem nas garantias fundamentais previstas na Constituição.

É um pedido que se caracteriza pela desconformidade com os interesses públicos do Estado em prol da sociedade, como a segurança pública, a celeridade e a economicidade da administração pública.

(…)

Pedido desproporcional

Primeiramente, deve-se ter em mente que o dispositivo do inciso II do artigo 13 do Decreto n° 7.724/12 diz respeito à proporcionalidade em sentido estrito, isto é, analisa-se a adequabilidade do pedido de modo que seu atendimento não comprometa significativamente a realização das atividades rotineiras da instituição requerida, acarretando prejuízo injustificado aos direitos de outros solicitantes.

(…)

 

Dessa feita, inobstante todas as razões expostas acima, o pedido de obtenção de cópia integral de todas as avaliações finais realizadas pela Comissão de Estágio Probatório de todos os servidores admitidos pelo Concurso Público nº 01/2013 também se configura pedido desarrazoado e desproporcional à luz dos regulamentos da Lei de Acesso à Informação em âmbito federal e parlamentar municipal.

Diante do exposto, considerando não se tratar de informações ou de procedimentos administrativos de publicidade/acesso irrestrito, à luz das Leis Federal nº 9.784/99 e Municipal nº 14.141/06; considerando que as informações contém dados pessoais resguardados constitucionalmente pela proteção da honra, imagem e privacidade; e considerando, por fim, que o pedido se mostra desarrazoado e desproporcional face ao disposto no Decreto Federal nº 7.724/12 e no Ato da Mesa nº 1.231/13, entende-se não haver amparo legal para o deferimento do requerimento nº 305141.

É o entendimento que se submete à apreciação superior.

São Paulo, 25 de agosto de 2020.

 

Djenane Ferreira Cardoso Zanlochi

Procuradora Legislativa – RF 11.418

OAB/SP nº 218.877

[1] CANHADAS, Fernando Augusto Martins. O Direito de Acesso à Informação Pública: o Princípio da Transparência Administrativa. 1. ed. Curitiba: Editora Appris, 2019. Paginação irregular.

[2] MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Transparência Administrativa: publicidade, motivação e participação popular. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 54 apud CANHADAS, Op.cit.

[3] “Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(…)

V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição”.

[4] “Art. 25. A comunicação dos despachos decisórios será feita ao interessado por publicação no Diário Oficial do Município”.

Art. 49. É admitido o uso de meio eletrônico para formação, instrução e decisão de processos administrativos, bem como para publicação de atos e comunicações, geração de documentos públicos e registro das informações e de documentos de processos encerrados, desde que assegurados:

(…)

III – sigilo de dados pessoais”.

 

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

[6] SOUZA, Anderson Batista de. Colisão de Direitos Fundamentais: acesso à informação pública e privacidade. Independently Published,13 janeiro 2020. Paginação irregular.

[7] Art.3º/1/b da LEI DE ACESSO AOS DOCUMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO (LADA) – Lei nº 65, de 26 de agosto de 1993, com a redação dada pela Lei nº 46, de 24 de agosto de 2007. Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=931&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=. Acesso em 25 de agosto de 2020.

[8][8] GONÇALVES, José Renato. Acesso à Informação das Entidades Públicas. Coimbra: Almedina, 2002. p.43 apud SOUZA, Op. cit.

[9] ALMEIDA, A. P. D. CLT COMENTADA. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Paginação irregular.

[10] Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal, Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, 2ª Edição, Revista, Atualização e Ampliada, 2006, páginas 33/37. Disponível em https://www.ouvidorias.gov.br/central-de-conteudos/biblioteca/arquivos/aplicacao-da-lai-em-recursos-a-cgu.pdf. Acesso em 10/06/2020.