Parecer ADM n° 0010/2021

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Parecer n° 10/2021

Ref.: E-mail GV

Interessado: Vereador XXXXXXXXXXXXXXX

Assunto: Consulta sobre prerrogativas parlamentares – Acesso a prédios públicos – Captação e Divulgação de Imagens

 

Parecer ADM n° 0010/2021

PRERROGATIVAS PARLAMENTARES – ACESSO A PRÉDIOS PÚBLICOS – CAPTAÇÃO E DIVULGAÇÃO DE IMAGENS – Interpretação conforme a Constituição Federal – Limites ao acesso de parlamentar a prédios e documentos públicos – Exegese da Separação e Harmonia entre os Poderes – Direito de imagem – Limites e exceções segundo a ponderação entre regras constitucionais.

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,

Trata-se de solicitação feita pelo Vereador XXXXXXXXXXXXXXX no sentido de obter manifestação desta Procuradoria acerca das prerrogativas gozadas pelos Vereadores para fiscalização in loco de prédios públicos, eventuais restrições, bem como sobre a possibilidade de captação e divulgação de imagens dela decorrentes.

Solicita, em suma, sejam abordados os seguintes pontos:

  • Se o Vereador durante sua atividade de fiscalização precisa de autorização para visitar equipamentos públicos;
  • Se é preciso autorização expressa e acompanhamento de membros da Secretaria responsável pelo equipamento para realizar registros fotográficos e audiovisuais;
  • Se as imagens podem ser veiculadas em redes sociais.
  • Se as prerrogativas para o Vereador em relação a visita de unidades e os registros mencionados, caso existam, se estendem a sua assessoria.

Foram acostados ao presente expediente cópia do Memorando Circular nº 006/2012 – SME/G contendo o Ofício Circular nº 639/2012-SGM/GAB, cópia do Parecer nº 280/2011 desta Procuradoria, bem como o teor da Tese de Repercussão Geral nº 832 editada pelo Supremo Tribunal Federal.

É o breve relato do necessário. Passa-se a opinar.

A solicitação de manifestação versa sobre pontos diversos ligados à prerrogativa parlamentar de fiscalização sobre as atividades do Poder Executivo, que serão abordados individualmente, como a seguir.

 

  1. Do acesso dos vereadores a repartições e documentos públicos

O acesso livre dos Vereadores a repartições e documentos públicos é matéria tratada na Lei Orgânica do Município de São Paulo assim estabeleceu:

Art. 23 — No exercício de seu mandato, o Vereador terá livre acesso às repartições públicas municipais, podendo diligenciar pessoalmente junto aos órgãos da administração direta e indireta, inclusive junto ao Tribunal de Contas do Município, devendo ser atendido pelos respectivos responsáveis, na forma da lei. (sublinhei)

Em decorrência, foi editada a Lei Municipal nº 11.949, de 8 de dezembro de 1995, com o seguinte teor:

Art. 1º No exercício de seu mandato o Vereador terá livre acesso às repartições públicas, podendo diligenciar pessoalmente junto aos órgãos da administração direta e indireta, devendo ser atendido pelos respectivos responsáveis.

Art. 2º O Vereador poderá entrar, livremente, em qualquer dependência do órgão ou repartição pública, e terá acesso imediato a todo e qualquer documento, expediente e arquivo, podendo examinar, vistoriar e copiar no próprio local.

Art. 3º No caso do responsável não estar presente no momento da diligência, o Vereador deverá ser atendido por quem, respondendo pelo órgão, puder tornar viáveis os objetivos do parlamentar.

Art. 4º A diligência pretendida pelo Vereador não poderá ser dificultada ou impedida em nenhuma hipótese, nem mesmo sob a alegação de ausência do responsável ou de outro servidor do órgão ou repartição.

Art. 5º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Referida Lei foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 32.040-0/1, na qual foi concedida liminar suspendendo sua aplicação em 23/01/1996, sendo posteriormente confirmada pela unanimidade do Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de acórdão que julgou procedente a demanda (D.O.E. de 04.09.98), vindo a transitar em julgado, segundo informações da própria Procuradoria[1].

O acórdão de julgamento da ação restou assim ementado:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Afronta a preceitos da CE. Competência do Tribunal de Justiça. Livre acesso de vereador a órgãos e repartições municipais. Violação do princípio da independência e harmonia dos Poderes. Ação procedente.

Os fundamentos do entendimento foram bem delimitados:

Por aí se vê que foram concedidos ao vereador poderes amplíssimos para fiscalizar diretamente qualquer órgão ou repartição municipal, com acesso imediato a qualquer documento e arquivo, ainda mesmo quando o chefe da repartição não esteja presente.

Não se duvida de que cabe fiscalização do Executivo por parte do Legislativo. Trata-se de fiscalização externa que se realiza em função e em obediência ao princípio da independência e harmonia dos Poderes. Ou seja, a fiscalização se faz em homenagem a tal princípio, não podendo portanto a fiscalização operar-se de forma a violá-lo.

A fiscalização externa é feita pela Câmara, com auxílio do Tribunal de Contas. Como se sabe, o vereador, isoladamente, não representa a Câmara e não pode exercer a fiscalização direta de órgãos e repartições. Aliás, nem mesmo a Câmara pode entrar na intimidade da Administração como fez a Lei n. 11.949/95.

Ao dizer que o vereador tem acesso livre a quaisquer locais e documentos e ao estabelecer comportamentos aos funcionários, a lei adotou forma de fiscalização autoritária, à moda hierárquica ou patronal, esquecendo-se de que o fiscalizado é um outro e independente Poder.

Nem mesmo a fiscalização de pagamento de tributos se faz com a amplitude que foi outorgada ao vereador.

Assim, a matéria é objeto de coisa julgada envolvendo a Câmara Municipal de São Paulo.

No mesmo sentido do referido julgado, os debates sobre a matéria tomaram corpo e se pacificaram ao longo dos anos na Jurisprudência pátria.

O E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 3046/SP em face da Lei do Estado de São Paulo nº 10.869/01, acabou por sedimentar as circunstâncias em que a fiscalização legislativa da ação administrativa pode ocorrer, utilizando-se da interpretação conforme a Constituição:

EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a) e representação por inconstitucionalidade estadual (CF, art. 125, § 2º).

A eventual reprodução ou imitação, na Constituição do Estado-membro, de princípio ou regras constitucionais federais não impede a argüição imediata perante o Supremo Tribunal da incompatibilidade direta da lei local com a Constituição da República; ao contrário, a propositura aqui da ação direta é que bloqueia o curso simultâneo no Tribunal de Justiça de representação lastreada no desrespeito, pelo mesmo ato normativo, de normas constitucionais locais: precedentes.

  1. Separação e independência dos Poderes: pesos e contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal.
  2. Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí constituir em traço marcante de todas as suas formulações positivas os “pesos e contrapesos” adotados.
  3. A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar.
  4. Do relevo primacial dos “pesos e contrapesos” no paradigma de divisão dos poderes, segue-se que à norma infraconstitucional – aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos Estados-membros -, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República.
  5. O poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembléia Legislativa, no dos Estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão.

III. Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição. (ADI 3046, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2004, DJ 28-05-2004 PP-00003 EMENT VOL-02153-03 PP-00017 RTJ   VOL-00191-02 PP-00510)

Destaque-se que a Lei Estadual em comento possuía teor similar à Lei Municipal nº 11.949/1995:

Artigo 1.º – Para o exercício do poder de fiscalização e controle do Poder Executivo, o Deputado terá livre acesso aos órgãos públicos da administração direta e indireta.

Artigo 2.º – Durante a realização da diligência, o Deputado será atendido pelo responsável pelo órgão, organização ou entidade visitada.

Parágrafo único – Na ausência do responsável, os servidores presentes deverão atendê-lo, responsabilizando-se por fazer cumprir os objetivos da diligência.

Artigo 3.º – O Deputado terá livre acesso a qualquer dependência das entidades mencionadas no Artigo 1.° e poderá examinar de imediato todo e qualquer procedimento, processo, documento, arquivo ou expediente, podendo requisitar cópia e requerer informações a respeito dos mesmos.

  • 1.º – Se requisitadas cópias dos documentos mencionados no “caput”, as mesmas deverão ser entregues ao Deputado de imediato
  • 2.º – Na impossibilidade justificada de entrega imediata, o responsável pelo órgão deverá fazer chegar as cópias requisitadas às mãos do Deputado, em até quarenta e oito horas.

Artigo 4.º – A realização de diligências para o exercício do poder constitucional de fiscalização e controle não poderá ser obstada ou dificultada sob nenhuma hipótese.

Artigo 5.º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Assim ponderou a E. Suprema Corte, por meio do voto do Exmo. Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

  1. Quando se cuida, porém, dos verdadeiros princípios centrais da Constituição da República, a sua observância pelos ordenamentos da Constituição da República, a sua observância pelos ordenamentos estaduais é imperativa.
  2. É o que se passa com o cânone da separação e independência dos Poderes, que, como já observado (v.g., ADIn 98, 7.8.97, Pertence, DJ 31.10.97), não tem por conteúdo “uma fórmula universal apriorística e completa: por isso, quando erigido, no ordenamento brasileiro, em dogma constitucional de observância compulsória pelos Estados-membros, o que a estes se há de impor como padrão não são concepções abstratas ou experiências concretas de outros países, mas sim o modelo brasileiro vigente de separação e independência dos Poderes, como concebido e desenvolvido na Constituição da República”.
  3. Sem embargo, entretanto, da diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades básicas.
  4. Daí constituir traço marcante de todas as suas formulações positivas os “pesos e contrapesos” adotados.
  5. É lícito generalizar, por isso mesmo, a observação de Lawrence Tribe de que é antes a interdependência institucional do que a independência funcional que melhor sintetiza a ideia americana de proteção da liberdade pela fragmentação do poder.
  6. A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo, não há dúvida, é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar.
  7. Desse relevo primacial dos “pesos e contrapesos” no paradigma de divisão dos poderes segue-se – como acentuei em outro julgamento – que “à norma infraconstitucional – aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos Estados-membros, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro, que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República”.
  8. Ora, a petição inicial, de fina lavra, demonstra com precisão que às Casas do Poder Legislativo (CF, art. 49, X) – e, assim, no Estado-membro, exclusivamente à Assembleia Legislativa –, e às respectivas comissões (v.g. CF, arts. 58, §2º, III, IV, V, e §3º) é que se conferiu poder de fiscalização da administração direta ou indireta do Poder Executivo.
  9. É poder outorgado, em qualquer hipótese, aos órgãos colegiados, totais ou parciais, da câmara respectiva, nunca aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão.

(…)

  1. A fórmula, contudo, não parece adequada ao caso: a evidência de que a lei questionada visou a converter cada integrante da Assembleia Legislativa em fiscal solitário e independente da Administração Pública embarga a “interpretação conforme”, que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição.
  2. Julgo procedente a ação direta e declaro a inconstitucionalidade da L. 10869, de 10.9.2001, do Estado de São Paulo: é o meu voto.

Passados quase quinze anos de tal julgamento, a E. Suprema Corte viu-se diante novamente do tema afeto à prerrogativa parlamentar, desta feita concluindo que o mesmo raciocínio não se aplica a direitos que se estendem a todo e qualquer cidadão, como o de pedir informações:

Direito Constitucional. Direito fundamental de acesso à informação de interesse coletivo ou geral. Recurso extraordinário que se funda na violação do art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. Pedido de vereador, como parlamentar e cidadão, formulado diretamente ao chefe do Poder Executivo solicitando informações e documentos sobre a gestão municipal. Pleito indeferido. Invocação do direito fundamental de acesso à informação, do dever do poder público de transparência e dos princípios republicano e da publicidade. Tese da municipalidade fundada na separação dos poderes e na diferença entre prerrogativas da casa legislativa e dos parlamentares. Repercussão geral reconhecida.

  1. O tribunal de origem acolheu a tese de que o pedido do vereador para que informações e documentos fossem requisitados pela Casa Legislativa foi, de fato, analisado e negado por decisão do colegiado do parlamento.
  2. O jogo político há de ser jogado coletivamente, devendo suas regras ser respeitadas, sob pena de se violar a institucionalidade das relações e o princípio previsto no art. 2º da Carta da República. Entretanto, o controle político não pode ser resultado apenas da decisão da maioria.
  3. O parlamentar não se despe de sua condição de cidadão no exercício do direito de acesso a informações de interesse pessoal ou coletivo. Não há como se autorizar que seja o parlamentar transformado em cidadão de segunda categoria.
  4. Distinguishing em relação ao caso julgado na ADI nº 3.046, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence.
  5. Fixada a seguinte tese de repercussão geral: o parlamentar, na condição de cidadão, pode exercer plenamente seu direito fundamental de acesso a informações de interesse pessoal ou coletivo, nos termos do art. 5º, inciso XXXIII, da CF e das normas de regência desse direito.
  6. Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 865401, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 25/04/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-223 DIVULG 18-10-2018 PUBLIC 19-10-2018)

O v. acórdão estabeleceu a diferença de condições para o acesso de vereadores a informações e a repartições públicas:

Não se desconhece o que restou decidido na ADI nº 3.046, de que foi Relator o eminente Ministro Sepúlveda Pertence. No referido julgamento, entendeu-se que deveria ser prestigiado o locus jurídico dos princípios da colegialidade e da separação de Poderes ao se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei estadual paulista nº 10.869/2001, que autorizava os deputados a fiscalizar, individualmente, órgãos públicos da administração direta e indireta, examinando todo e qualquer procedimento, processo, documento, arquivo ou expediente; requisitar cópias e buscar informações que julgassem pertinentes (trânsito em julgado em 14/6/04).

Penso, no entanto, que esse caso se distingue da hipótese aqui julgada, pelos seguintes motivos: i) em primeiro lugar, porque, naquele caso concreto, a lei estadual inquinada como inconstitucional ampliava por demais o poder do parlamentar ao dispor que a competência para fiscalizar lhe dava livre acesso, sem qualquer restrição, aos órgãos públicos da administração, além de poder para realizar diligências nas instalações, com livre acesso a qualquer dependência das entidades públicas e para requisitar todos os documentos que estivessem no local fiscalizado, violando o princípio da proporcionalidade; ii) a lei estadual paulista também estava viciada porque não guardava a adequada compatibilidade com as regras de competência dos entes federados, fixados na Constituição Federal; iii) porque a referida lei paulista entabulou direitos aos parlamentares, de forma individualizada, para além daqueles atribuídos aos mandatários pela Constituição Federal, e regulamentou isso em desfavor do colegiado do próprio parlamento, concedendo àqueles gama de direitos que ultrapassavam os direitos outorgados às autoridades legitimamente competentes e aos cidadãos comuns; iv) e, por fim, porque, por óbvio, ainda não estava em vigor a Lei de Acesso às Informações (Lei nº 12.527/11).

De todo modo, o fato é que não há como se autorizar que seja o parlamentar transformado em cidadão de segunda categoria.

Pelo contrário, não há que se olvidar que o parlamentar eleito é agente que exerce um poder político e, assim, como um cidadão qualificado pelas nobres funções que lhe foram atribuídas constitucionalmente para representar, na Casa Legislativa, os interesses de seus eleitores, de seu partido e da sociedade, há de ter garantido todos os seus direitos, de modo que cumpra, com eficiência, seu mandato. O fato de ser parlamentar não o despe de seus direitos de cidadão.

Não tendo sido atendida a pretensão de buscar informações de órgãos e de entes públicos pela via do parlamento, o legislador, na condição também de cidadão terá, a toda evidência, o direito fundamental de acesso à informação previsto nos arts. 5º, inciso XXXIII; 37, § 3º, inciso II; e 216, § 2º, da CF, com a aplicação das regras previstas na Lei de Acesso à Informação. – sublinhei

Assim resta pacificado que a função fiscalizatória própria dos entes legislativos, como a realização de diligências e vistorias in loco somente cabe aos órgãos colegiados do Poder Legislativo de cada esfera federativa, podendo o parlamentar realizá-la individualmente apenas na condição de representante ou presentante da Casa ou Comissão que integra.

Delineado o panorama legal e jurisprudencial do assunto posto, é importante salientar que a prerrogativa estabelecida no art. 23 da Lei Orgânica do Município encerra norma de eficácia contida[2].

Vale dizer, é norma de aplicação direta e imediata, mas poderá ter seu alcance limitado por legislação infra-orgânica, que poderá disciplinar os termos em que referida prerrogativa pode ser exercida.

A primeira tentativa de disciplina da matéria, pela Lei Municipal nº 11.949/1995, não logrou êxito, sendo declarada inconstitucional pela Corte Paulista. No entanto, com o referido pronunciamento judiciário, aliado à Jurisprudência que se consolidou sobre o tema, algumas balizas já foram traçadas.

Assim, até para que se evite judicialização de insurgências contra atos fiscalizatórios do Poder Legislativo municipal, pode ser conveniente a edição de lei municipal que procure disciplinar os meios de exercício da prerrogativa parlamentar em questão, incorporando-se, inclusive, os entendimentos já consolidados na Jurisprudência.

Inobstante, no contexto de orientação da atuação parlamentar, parece-nos que o entendimento externado no Parecer nº 280/2011 desta Procuradoria permanece inalterado quanto às circunstâncias em que pode ser exercida a atividade fiscalizatória da Edilidade in loco.

Pede-se vênia para transcrever trechos que as bem sintetizam:

Especificamente no tocante ao exercício da função fiscalizadora, prevê a Constituição Federal, em seu art. 58, § 2º, que podem as Comissões convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes às suas atribuições (inciso III); receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas (inciso IV); solicitar o depoimento de qualquer autoridade ou cidadão (inciso V); apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer (inciso V).

A Lei Orgânica de São Paulo, por sua vez, ao disciplinar a matéria no âmbito do Município reproduz os dispositivos constitucionais referidos e confere maior detalhamento ao tema, com vistas ao melhor aparelhamento do Poder Legislativo para o exercício de sua competência fiscalizadora, conforme se verifica no art. 32, § 2º, II:

“Art. 32 – A Câmara terá Comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo Regimento ou no ato de que resultar a sua criação.

  • 1º Às Comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

II – fiscalizar, inclusive efetuando diligências, vistorias e levantamentos ‘in loco’, os atos da administração direta e indireta, nos termos da legislação pertinente, em especial para verificar a regularidade, a eficiência e a eficácia dos seus órgãos no cumprimento dos objetivos institucionais, recorrendo ao auxílio do Tribunal de Contas, sempre que necessário;”

Neste ponto, cabem algumas ponderações acerca da necessária correlação que deve haver entre o regramento traçado pelos Estados, Distrito Federal e Municípios em matéria de função fiscalizadora do Poder Legislativo e as normas contidas na Constituição Federal sobre o mesmo tema.

O controle externo conferido ao Poder Legislativo deve ser exercido de acordo com os parâmetros traçados na Constituição Federal e não pode ser confundido com o controle interno, de incumbência do próprio Poder, no caso do Poder Executivo. Deste modo, não podem os entes federados quando disciplinam tal matéria se apartar e nem contrariar as disposições constitucionais. Com efeito, tratando-se de matéria de natureza política, incidente sobre a estruturação e funcionamento do Estado e intrinsecamente ligada à preservação da harmonia e equilíbrio entre os Poderes, impõe-se uma disciplina uniforme no plano federativo de modo a assegurar a essência do regramento traçado na Carta Magna.

(…)

Diante do quanto até aqui exposto, conclui-se que é possível a realização de diligências pelos membros das Comissões da Câmara Municipal, como instrumento para o exercício da função de fiscalização, de controle das políticas públicas pelo Poder Legislativo.

Note-se que embora se vislumbre pertinência na utilização de tal via com mais clareza quando se tem em mira uma Comissão Parlamentar de Inquérito, indubitavelmente, não é só neste âmbito que ocorre o exercício da função fiscalizadora pelo Poder Legislativo. Nas demais Comissões, em especial nas permanentes, também ocorre a fiscalização, revestindo-se tal função de extrema importância para o controle das políticas públicas municipais.(…)

Não obstante, para que seja possível o exercício da prerrogativa prevista no art. 32, § 2º, II, da Lei Orgânica do Município, no sentido de efetuar diligências, vistorias e levantamentos “in loco” é imperiosa a observância dos seguintes requisitos:

  1. i) pertinência entre a matéria de competência da Comissão e as atividades desempenhadas pelo órgão objeto das diligências, vistorias e levantamentos;
  2. ii) prévia deliberação fundamentada da Comissão, a fim de demonstrar que, de fato, corresponde à expressão da vontade da Casa Legislativa, representada por seu órgão fracionário;

iii)      não comprometimento do serviço público prestado pelo órgão objeto das diligências, vistorias e levantamentos, atentando-se especialmente para as normas protetoras da intimidade e de prerrogativas profissionais.

(…)

Igualmente, se faz oportuno observar que a aceitação pelo Poder Executivo da atuação das Comissões por meio da realização de diligências, vistorias e levantamentos junto a órgãos públicos por certo dependerá não apenas do preenchimento dos requisitos já mencionados como condição para sua realização, mas, também, e em grande parte, da forma de abordagem utilizada. Vale dizer, ainda que no plano abstrato a realização da diligência esteja devidamente respaldada, é possível que no momento de efetivação da medida se não guardadas as devidas cautelas ocorra a violação do princípio da harmonia e independência entre os Poderes.

(…)

Diante das considerações supra, na hipótese de omissão do Poder Executivo que caracterize óbice ao exercício da função de fiscalização da Câmara Municipal, entendemos que poderão ser adotadas as seguintes providências:

  1. i) ingresso com medida judicial para resguardar o regular exercício das funções da instituição;
  2. ii) instauração de processo para apuração de infração político-administrativa do Prefeito, com base no art. 4º, III, do Decreto-Lei nº 201/67;

iii)      expedição de ofício ao Ministério Público para averiguação da possível ocorrência de ato de improbidade administrativa por parte daqueles que adotaram a conduta omissiva, incluindo o Prefeito, com fulcro no art. 11 da Lei Federal nº 8.429/92.

Importante observar que a adoção de medida judicial compete ao Presidente da Câmara e quando requerida por Comissão não está sujeita à análise discricionária. Com efeito, como espera-se ter demonstrado com ênfase, em tal hipótese a decisão da Comissão equivale à decisão do plenário, posto que tomada com base na competência que lhe foi delegada, sendo que tal providência somente não pode ser adotada diretamente pelas Comissões em razão do disposto no art. 17, VI, b do Regimento Interno, o qual confere ao Presidente a competência para agir judicialmente em nome da Câmara.

A instauração de processo para apuração de infração político-administrativa, por sua vez, deve observar o rito próprio previsto no art. 390 do Regimento Interno.

Assim, pela Jurisprudência consolidada e nos termos da coisa julgada que alcança a Edilidade paulistana com a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 11.949/1995, não é dado ao Vereador, individualmente, exercer a fiscalização in loco em qualquer equipamento ou repartição pública, a menos que esteja amparado por prévia deliberação de Comissão cujas atribuições estejam ligadas às atividades fiscalizadas.

Igualmente, o acesso aos equipamentos e repartições públicas não é exercível de maneira livre, irrestrita e vertical, não podendo comprometer as atividades neles exercidas, nem violar o princípio da separação e harmonia entre os Poderes.

Isso não significa que a diligência tenha que ser previamente avisada ou agendada com o órgão fiscalizado, o que, como bem apontado pelo Nobre Edil consulente, pode interferir na efetividade da ação fiscalizatória, mas que, havendo resistência na efetivação dos atos, a atuação do Poder Legislativo não pode ser imperativo sobre o Poder Executivo de modo a macular o princípio da harmonia e separação entre eles.

Por óbvio, o acesso não poderá ser obstaculizado de qualquer forma pelo órgão fiscalizado, socorrendo aos parlamentares as ferramentas dispostas no ordenamento jurídico para fazer valer sua função fiscalizatória, como também bem abordado no Parecer nº 280/2011, conforme o caso, como imputação de crime de responsabilidade (art. 4º, inc. II, Decreto-Lei nº 201/67) ou de ato de improbidade administrativa (art. 11, Lei Federal nº 8.429/92) e propositura de medidas judiciais.

  1. Da captação e divulgação de imagens e sons em repartições públicas

O Nobre Vereador consulente suscita dúvidas a respeito da captação e divulgação de imagens feitas em equipamento público – no caso, uma unidade escolar, destacando que não foram coletadas imagens de crianças ou servidores. Questiona se um ato como o Ofício Circular nº 639/2012-SGM/GAB, que exige autorização prévia para captação de imagens em bens públicos, é aplicável aos vereadores em atividade fiscalizatória, ponderando que a surpresa é um elemento importante para o êxito da fiscalização.

Vejamos. O Ofício Circular nº 639/2012/SGM-GAB recomenda, em suma, que a captação de imagens internas em bens públicos (exceto de uso comum do povo) e demais equipamentos públicos nos quais ocorra a prestação de serviço público deve ser autorizada previamente, mediante formulação de requerimento escrito dirigido ao responsável direto pela administração do bem ou equipamento, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas da data pretendida, com cópia ao Gabinete da Secretaria Executiva de Comunicação.

Observa-se que a comunicação contém apenas uma recomendação.

Ocorre que, respaldada no art. 37 da Constituição Federal, cujo caput estabelece a observância do princípio da eficiência, o que se coaduna com a intenção de se organizar os acessos aos bens e equipamentos públicos, de modo a não comprometer suas atividades normais, a Secretaria Municipal de Educação, por meio do Memorando Circular nº 006/2012-SME/G, solicitou a adoção imediata das providências arroladas no Ofício Circular nº 639/2012-SGM/GAB.

Pelo princípio da hierarquia e fundamentado no princípio da eficiência, é lícito à Secretaria de Educação, no âmbito de sua pasta, determinar a observância de procedimentos que regulem melhor suas atividades, evitando interrupções ou prejuízos por visitas não agendadas.

Especificamente quanto a unidades escolares, há de se lembrar que são bens afetados a destinação específica, cujo acesso, em geral, não é livre e irrestrito, notadamente porque abarca a responsabilidade do poder público por crianças e adolescentes que estejam sob seus cuidados.

Assim, de modo geral, o regramento interno para captação de imagens nas unidades escolares, tal e como colocado no Ofício Circular nº 639/2012-SGM/GAB, não extrapola as competências do Poder Executivo.

Sua aplicação aos membros do Poder Legislativo, à luz do entendimento firmado pela Jurisprudência pátria, também não parece, por si só, impedir o exercício da atividade parlamentar, nos casos em que a visita a unidades escolares não se der com escopo fiscalizatório.

De outro lado, para se entender em quais circunstâncias, eventualmente, não necessitará o Vereador solicitar autorização para captar imagens, cabe tecer algumas ponderações importantes.

O ordenamento jurídico preocupou-se com proteção à imagem, enquanto direito de personalidade, consagrado em nosso ordenamento jurídico nos artigos 5º, incisos V e X, da Constituição Federal e 20, caput, do Código Civil:

Art. 5º (…)

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (destaques nossos)

Observa-se que a proteção diz respeito ao aspecto material da imagem, isto é, à concretização da imagem para o mundo exterior, por meio de fotografias ou vídeos, por exemplo:

Ao se definir a imagem como um direito da personalidade, cuidou-se de evidenciar, com respaldo na lição de Walter Moraes, que ela ‘constitui o sinal sensível da personalidade’, porque ‘traduz para o mundo exterior o ser imaterial da personalidade, delineia-a, dá-lhe forma’.

(…)

Enquanto a imagem pensada corresponde ao aspecto imaterial da pessoa, a imagem concretizada por algum meio de comunicação (pintura, fotografia, etc.) equivale ao seu aspecto material, sendo que, nesta condição, além de autônoma e distinta daquela, passa a revelar interesse de proteção pelo direito.

(…)

Assim, se no convívio social ninguém pode impedir que outras pessoas tenham a visão da sua figura, que constitui a imagem pensada (aspecto imaterial), na medida em que esta venha a ser captada ou reproduzida por outrem, através de qualquer meio artístico ou mecânico, que representa a imagem pintada (aspecto material), caberá ao respectivo titular o direito de opor-se à divulgação, ressalvadas as hipóteses legais de limitação desse direito.

Em suma, o fundamento do direito à imagem consiste na faculdade que o indivíduo tem de se expor ou de se ocultar, conforme a sua vontade, possuindo a livre disponibilidade de impedir que outros se apropriem indevidamente da sua imagem, conferindo-lhe divulgação não desejada pelo retratado. [3]

“A imagem não deve ser compreendida tão somente como a representação de uma pessoa, mas também como a forma pela qual ela é vista pela coletividade”[4].

Pode-se concluir, assim, que o ordenamento, desde o patamar constitucional, preocupou-se em resguardar o direito das pessoas quanto à sua imagem, sendo a regra sua inviolabilidade e a exceção sua publicação, exposição ou utilização quando autorizadas pelo titular ou necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, ou, ainda, quando em conflito com outro direito ou garantia de igual importância constitucional.

Nesse sentido, faz bem o consulente em não captar imagens de crianças e servidores, sem prévio consentimento do titular ou de pessoa que o represente.

Já quanto a coisas (desde que não configurem propriedade intelectual de uma pessoa), o ordenamento jurídico não cuidou expressamente de regrar a captação de imagens.

Mas, tomando-se como base a própria legislação e jurisprudência sobre o direito de imagem das pessoas, sabe-se que que este comporta mitigações e não se impõe, por exemplo, sobre o direito de informação, notadamente de interesse público.

O direito à informação está estabelecido no artigo 5º, inciso IX, da Carta Magna:

“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Nesse sentido, estando o direito à informação também dentre os direitos fundamentais, como regra, ponderando-se-o diante da proteção à imagem segundo o princípio da concordância prática[5], a Jurisprudência pátria tem se posicionado sobre a prevalência do direito à informação de interesse público, restrito, obviamente, ao limite da não-ofensa ou dano material ou moral ao titular da imagem:

Indenização – Danos morais e à imagem – Abuso à liberdade de informação jornalística – Inocorrência – Se os fatos desagradáveis são verídicos, não há como impedir que a imprensa os divulgue ou seja responsabilizada por ter noticiado o que infelizmente ocorreu, porque, assim procedendo, não estará praticando nenhum abuso, pois não age com culpa – Pertinência da matéria jornalística divulgada com a pessoa cuja imagem é reproduzida na ilustração do noticiário – Recurso provido” (TJSP, Apelação n. 92.669-4/5, Rel. Guimarães e Souza, j. 22.02.2000) – grifos nossos.

Recurso redistribuído com base na Resolução n.º 542/2011. Meta 2 observância do princípio da duração razoável do processo – Indenização por danos morais. Apelante ingeriu bebida alcoólica, bem como conduzia veículo. Situação fática demonstra a ocorrência de atropelamento. Matéria narrada se limita exclusivamente ao episódio. Fotografia do recorrente originária de local público, apenas dá ênfase à reportagem. Ausência de afronta ao direito de imagem. Interesse público se faz presente. Susceptibilidade exacerbada do apelante não dá suporte à sua pretensão. Apelo desprovido. (TJSP 0052518-94.2005.8.26.0000, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Data de Julgamento: 04/08/2011, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/08/2011) – grifos nossos.

Como se vê, entre civis já há uma prevalência do direito à informação sobre o direito de imagem.

Inobstante, em relação a crianças e adolescentes, referida mitigação não é aceita, situação em que, mesmo diante de informação de interesse público, sua imagem deve ser protegida e resguardada, recomendando-se, conforme o caso, sua ocultação no bojo geral da informação a ser divulgada, em prevalência da proteção integral da criança e do adolescente.

Assim entende o Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, Mário Luiz Ramidoff[6]:

A “transparência pública” deve ceder lugar à proteção integral da criança e do adolescente que se envolveram num evento infracional, haja vista que a sua vulnerabilidade material decorrente da condição peculiar de desenvolvimento se acentua com o próprio cometimento de condutas conflitantes com a lei […].

E nesse sentido optou o legislador:

ECA:

Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.

Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.

Igualmente, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça[7]:

ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)– PICHAÇÃO – NOTÍCIA EM JORNAL ENVOLVENDO MENORES COMO AGENTES DE CONDUTAS ILÍCITAS – AUTORIZAÇÃO DO JUIZ DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – INEXISTÊNCIA – SANÇÃO ADMINISTRATIVA – LEI 8.069/90, ART. 247 – PRECEDENTES STJ. – É vedado aos órgãos de comunicação social a divulgação total, ou parcial, de atos ou fatos denominados infracionais atribuídos a criança ou adolescente, sem a devida autorização do MM. Juiz da Infância e da Juventude. – Sendo de conhecimento da imprensa a existência de representação da Curadora contra os menores, por danos ao patrimônio público, descabe a alegação de inocorrência de ato infracional a justificar a conduta do recorrente. – “A criança e o adolescente têm direito ao resguardo da imagem e intimidade. Vedado, por isso, aos órgãos de comunicação social narrar fatos, denominados infracionais, de modo a identificá-los.” (REsp. 55.168/RJ, DJ de 9.10.1995). – Recurso especial não conhecido.

No caso da consulta, tratando-se o Vereador de autoridade investida em poder fiscalizatório (obedecidas as premissas explanadas no item anterior), parece ser inerente à função, independentemente de prévia autorização do órgão fiscalizado, que, no caso de se constatar irregularidade ou ilicitude in loco, que deva ser objeto de investigação, lícito será seu registro, por meio de captação de imagens e sons, desde que resguardado o direito de imagem de crianças, adolescentes e quaisquer pessoas, incluindo servidores, não anuentes e não envolvidos em conduta ilícita ou irregular.

Partindo-se da existência das mesmas premissas supra expostas de regular exercício da atividade fiscalizatória, não há óbice para a divulgação das imagens captadas, desde que configurem registro de irregularidade ou ilicitude (e só no que a elas se refiram) e que não contenham imagem de crianças, adolescentes ou outras pessoas não anuentes ou não envolvidas em conduta ilícita ou irregular.

  1. Conclusão

Por todo o exposto, respondendo as indagações do Nobre Edil consulente:

  • Se o Vereador durante sua atividade de fiscalização precisa de autorização para visitar equipamentos públicos;
  • Se as prerrogativas para o Vereador em relação a visita de unidades e os registros mencionados, caso existam, se estendem a sua assessoria.

R.: Nos termos da Jurisprudência pátria e da coisa julgada existente para a Edilidade em relação à Lei Municipal nº 11.949/1995, o vereador, isoladamente, não representa a Câmara e não pode exercer a fiscalização direta de órgãos e repartições, devendo, desde que haja pertinência entre a matéria de competência da Comissão que integra e as atividades desempenhadas pelo órgão fiscalizado, ser antecedida de deliberação fundamentada do colegiado, bem como não comprometer o serviço público prestado ou impor a presença de maneira prejudicial, resguardando-se sempre o princípio da separação e harmonia entre os Poderes.

Seguindo o mesmo raciocínio, como a assessoria dos Edis não dispõe de poderes de representação ou presentação das Comissões, somente aos parlamentares, em caso de deliberação do colegiado, será possível a efetivação da diligência fiscalizatória, podendo, é claro, a seu juízo, fazerem-se acompanhar de seus assessores no ato.

  • Se é preciso autorização expressa e acompanhamento de membros da Secretaria responsável pelo equipamento para realizar registros fotográficos e audiovisuais;

R.: Além das condições descritas na resposta supra, a comunicação e o agendamento prévios junto ao órgão fiscalizado, bem como o acompanhamento de membros desse órgão para realização de registros fotográficos, encontram-se inseridos nas providências destinadas a evitar o comprometimento das atividades administrativas e a obedecer ao princípio da separação e harmonia entre os Poderes.

No entanto, se durante a visita, vistoria ou diligência in loco constatar-se irregularidade ou ilicitude que mereça investigação e/ou providências, desde que resguardado o direito de imagem de crianças, adolescentes e quaisquer pessoas não anuentes e não envolvidos no fato, o registro de imagens não precisa ter sido autorizado previamente, haja vista estar o Vereador investido da autoridade fiscalizatória e tratar-se de informação de interesse público.

Tanto no caso da primeira resposta, quanto desta, restam à mão dos parlamentares, em caso de obstaculização de sua atividade fiscalizatória, medidas judiciais e procedimentos administrativos que visem resguardar suas prerrogativas, tais como apuração de crime de responsabilidade ou de ato de improbidade administrativa, como descrito na parte final do item 1 do presente parecer.

  • Se as imagens podem ser veiculadas em redes sociais.

Na mesma esteira da resposta anterior, se o registro das imagens contém fatos de interesse público, que devam ser objeto de investigação e/ou providências, desde que resguardado o direito de imagem de crianças, adolescentes e quaisquer pessoas, incluindo servidores, não anuentes e não envolvidos nos fatos, não há óbice à divulgação de tais imagens nas redes sociais.

Ressalte-se que, diante da ausência de lei que melhor regulamente a prerrogativa parlamentar de fiscalização do Executivo, a presente manifestação é expedida com base no estudo de diretrizes encontradas na Jurisprudência pátria.

É o entendimento que se submete à apreciação superior.

São Paulo, 04 de março de 2021.

Djenane Ferreira Cardoso Zanlochi

Procuradora Legislativa

OAB/SP nº 218.877

[1] https://www.saopaulo.sp.leg.br/assessoria_juridica/adin-032-040-01-2001/

[2] “A peculiaridade das normas de eficácia contida configura-se nos seguintes pontos:

I – são normas que, em regra, solicitam a intervenção do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura; mas o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia, regulamentando os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidadãos, indivíduos ou grupos;

II – enquanto o legislador não expedir a norma restritiva, sua eficácia será plena; nisso também diferem das normas de eficácia limitada, de vez que a interferência do legislador ordinário, em relação a estas, tem o escopo de lhes conferir plena eficácia e aplicabilidade concreta e positiva;

III – são de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria de que cogitam;

IV – algumas dessas normas já contém um conceito ético juridicizado (bons costumes, ordem pública, etc.), como valor societário ou político a preservar, que implica a limitação de sua eficácia;

V – sua eficácia pode ainda ser afastada pela incidência de outras normas constitucionais, se ocorrerem certos pressupostos de fato (estado de sítio, por exemplo).” (DA SILVA, José Afonso, in “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”. 2 ed. ver. e atual. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1982. p. 92/93

[3] CURY JÚNIOR. A proteção jurídica à imagem da criança e do adolescente. Tese de Doutorado em Direito. Pontífice Universidade Católica, São Paulo, 2006, p. 50/51. Acessível em www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp011640.pdf em 02/05/2019.

[4] BRASILEIRO, Fernanda Santiago; OLIVEIRA, George Felício Gomes de. Câmeras de Segurança x direito à imagem: limites à divulgação. Revista Jurídica do Banco do Nordeste. Volume 1, n. 04, jul-dez 2016, p. 110. Acesso https://www.bnb.gov.br/documents/50268/204420/CAMERAS_DE_SEGURANCA_X_DIREITO_A_IMAGEM_LIMITES_A_DIVULGACAO/911c5c53-e5d7-de22-e675-02058b89d89a em 02/05/2019.

[5] MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003, p. 61: Quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar ou combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios) sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.

[6] RAMIDOFF, Mário Luiz. Preservação da Identidade da Criança e do Adolescente Infrator. 2013. Disponível em: http://www.escolamp.org.br/arquivos/Publica%C3%A7%C3%A3o-Preserva%C3%A7%C3%A3odaIdentidadedaCrian%C3%A7aedoAdolescenteInfrator[1].doc em 02/05/2019.

[7] STJ, REsp 130731 SP 1997/0031486-3, Relator Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Data de Julgamento: 15/04/2004, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 28/06/2004 p. 215.