Parecer n° 9-ADM/2020

Parecer ADM n° 0009/2020        

TID n° 18681590

Ref.     Recurso CPD nº 024/2019 – xxxxxxxxxxxxxxxxx.

 

Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

 

Trata-se de Recurso Hierárquico interposto pela servidora sumariada xxxxxxxxxxxxxxxxx em face da decisão da Mesa da Câmara Municipal de São Paulo proferida no bojo do Processo Sumário e encaminhado a esta Procuradoria para análise e manifestação.

A decisão de Mesa pela aplicação de pena de suspensão por 05 (cinco) dias e averbação da decisão em seu prontuário foi prolatada em observância ao Parecer n° 03/2019 da Comissão Disciplinar Processante.

O recurso, endereçado ao Presidente da Comissão Processante Disciplinar, aponta a existência de nulidade absoluta, pela suspeição do Presidente da Comissão, pela violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, pela ausência de motivação do indeferimento de requerimentos da defesa e visa, ao final, a anulação do processo sumário ou de forma subsidiária, a absolvição da sumariada e o arquivamento do processo.

É o breve relato do necessário. Passa-se a opinar.

 

No âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, o Ato n° 1.421/2019 disciplina os procedimentos administrativos disciplinares, e traz em seu artigo 106 as modalidades de impugnação às decisões nestes procedimentos, a saber:

 

Art. 106. Das decisões proferidas em procedimentos disciplinares caberão:

 

I – pedido de reconsideração, dirigido à autoridade que proferiu o ato impugnado;

 

II – recurso hierárquico, dirigido à autoridade hierarquicamente superior àquela que indeferiu o pedido de reconsideração e, em última instância, à Mesa Diretora;

 

III – revisão, dirigida à Mesa Diretora.

 

Como já se afirmou, a servidora sumariada protocolou recurso hierárquico, e o dirigiu ao Presidente da Comissão Processante. Ocorre que o recurso hierárquico deve ser dirigido à autoridade hierarquicamente superior àquela que proferiu a decisão no PAD – processo administrativo disciplinar, e como no caso, a decisão foi proferida pela Mesa Diretora da Câmara Municipal, o recurso a esta deveria ser dirigido. Sobre a competência para o julgamento das sindicâncias e dos procedimentos disciplinares, o Ato n° 1.421/19 prevê:

Art. 103. Compete à Mesa Diretora a análise das Sindicâncias e o julgamento dos procedimentos disciplinares de aplicação de pena disciplinar, com exceção do Procedimento Sumaríssimo de que trata o artigo 187 da Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979.

 

Ao referido processo disciplinar fora aplicado o rito do processo sumário, de modo que a competência para o seu julgamento pertence à Mesa Diretora, inclusive para o julgamento do respectivo recurso.

 

A isto se deve acrescentar que o recurso hierárquico não pode ser utilizado como primeira via de impugnação às decisões no processo disciplinar, sendo cabível somente contra a decisão que indefere o pedido de reconsideração, como se observa da redação do art. 111, do Ato n° 1.421/2019:

 

 

Art. 111. O pedido de reconsideração será cabível somente quando contiver novos argumentos e, o recurso hierárquico, quando houver pedido de reconsideração desatendido.

 

Parágrafo único. O pedido de reconsideração não poderá ser renovado e o recurso hierárquico não poderá ser encaminhado mais de uma vez à mesma autoridade.

 

 

 

Posto isto, o recurso hierárquico não se presta a impugnar a decisão de Mesa que aplica a sanção em processo disciplinar, sendo a via inadequada para o fim que se almeja no presente requerimento.

 

Destarte, em aplicação ao princípio da fungibilidade recursal, o recurso hierárquico deve ser recebido como pedido de reconsideração, e remetido à Mesa Diretora da Câmara Municipal de São Paulo, de cuja alçada a decisão se originou, acompanhado da manifestação desta Procuradoria.

 

Superada a questão da adequação e da competência recursal, deve-se analisar o aspecto da tempestividade do pedido de reconsideração. Sobre o assunto, o Ato n°1.421/19 prevê:

 

Art. 109. O prazo para interposição do pedido de reconsideração e do recurso hierárquico é de 60 (sessenta) dias, contados da data da publicação oficial do ato impugnado, podendo a revisão ser requerida a qualquer tempo, desde que presentes quaisquer das hipóteses previstas no artigo 220 da Lei nº 8. 989, de 29 de outubro de 1979.

 

Por sua vez, o art. 220, da Lei 8.989/79, mencionado pelo final do dispositivo determina, a saber:

Art. 220 – A revisão será recebida e processada mediante requerimento quando:

 

I – a decisão for manifestamente contrária a dispositivo legal, ou à evidência dos autos;

 

II – a decisão se fundar em depoimentos, exames periciais, vistorias ou documentos compravadamente falsos ou eivados de erros;

 

III – surgirem, após a decisão, provas da inocência do punido.

 

  • 1º – Não constitui fundamento para a revisão a simples alegação de injustiça da penalidade.

 

  • 2º – A revisão, que poderá verificar-se a qualquer tempo, não autoriza a agravação da pena.

 

  • 3º – Ocorrendo o falecimento do punido, o pedido de revisão poderá ser formulado pelo cônjuge ou parente até segundo grau.

 

A decisão de Mesa que aplicou a sanção disciplinar à servidora sumariada fora publicada em 26 de outubro, e o pedido de reconsideração fora protocolado em 13 de novembro de 2019, tempestivamente, portanto.

 

Por outro lado, o pedido de reconsideração tem como pressuposto recursal de admissibilidade específico a apresentação de novos argumentos, ou seja, o requerente deve demonstrar a existência de fatos ou elementos diversos dos apresentados na sua defesa escrita e das suas razões finais e de todos os argumentos manifestados no decorrer do processo disciplinar. Sobre o assunto, a Lei n° 8.989/1979 dispõe:

 

Art. 176 – É assegurado ao funcionário o direito de requerer ou representar, pedir reconsideração e recorrer, desde que o faça dentro das normas de urbanidade, observadas as seguintes regras:

 

I – nenhuma solicitação, qualquer que seja a sua forma, poderá ser encaminhada sem conhecimento da autoridade a que o funcionário estiver direta ou imediatamente subordinado;

 

II – o pedido de reconsideração deverá ser dirigido à autoridade que houver expedido o ato ou proferido a decisão e somente será cabível quando contiver novos argumentos;

 

III – nenhum pedido de reconsideração poderá ser renovado;

 

IV – somente caberá recurso quando houver pedido de reconsideração desatendido;

 

V – o recurso será dirigido à autoridade imediatamente superior à que tiver expedido o ato ou proferido a decisão e, em última instância, ao Prefeito;

 

VI – nenhum recurso poderá ser encaminhado mais de uma vez à mesma autoridade.

 

  • 1º – O pedido de reconsideração e o recurso não têm efeito suspensivo, salvo nos casos previstos em lei. Os que forem providos, porém, darão lugar às retificações necessárias, retroagindo os seus efeitos à data do ato impugnado, desde que a autoridade competente não determine outras providências quanto aos efeitos relativos ao passado.

 

Para a análise do mencionado requisito, devem ser levantados os argumentos apresentados no decorrer do processo e no pedido de reconsideração, e realizado o seu cotejo.

 

A defesa escrita da sumariada buscou apontar que a servidora, enquanto cidadã, “apenas exerceu seu direito constitucional de se expressar livremente (art. 5°, IV, da CF)”. Por outro lado, buscou provar, por meio de matérias jornalísticas que o Vereador Camilo Cristófaro já se envolveu em casos de agressão física e verbal a outros vereadores e servidores desta Casa Legislativa e procurou argumentar que suas falas eram verdadeiras, em uma espécie de exceção da verdade, tendo em vista que o Vereador não destinou as emendas parlamentares que alega, e que foram o objeto da postagem que deu origem a este processo administrativo disciplinar.

 

As razões finais trouxeram preliminar de nulidade absoluta por apontar parcialidade do Presidente da Comissão, em virtude de que este indeferiu todas as suspeições arguidas pela defesa, em relação às testemunhas apresentadas pelo Vereador e indeferiu todas as perguntas formuladas pela defesa, sob o pretexto de que se referiam à matéria estranha ao processo, pois o Vereador Camilo Cristófaro não estaria em julgamento. Ainda, por fim, pontuou a garantia da liberdade de expressão (art. 220, da Constituição Federal).

 

O pedido de reconsideração baseou-se na existência de nulidades absolutas, decorrentes de alegada parcialidade do Presidente do processo sumário e as violações aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, bem como de apontada falta de motivação das decisões de indeferimento de requerimentos da sumariada e do alegado impedimento de inquirir as testemunhas. Ademais, o pedido de reconsideração também foi pautado no exercício do direito constitucional de expressar-se livremente (art. 5°, inciso IV, da Constituição Federal) e da vedação à censura (art. 220, da Constituição Federal).

Sendo assim, fica claro que o pedido de reconsideração não se baseou em novos argumentos, apenas reforçou tudo que já havia sido levantado pela defesa durante o transcurso do processo. Desta forma, não se encontra atendido o requisito de admissibilidade desta modalidade de impugnação às decisões em processo disciplinar.

 

Ainda que assim não fosse, a sumariada não apresentou nada que provasse ou conduzisse a uma suspeita de parcialidade, ou suspeição do Presidente da Comissão de Processo Disciplinar, de modo que não há nenhum elemento que possa induzir a essa desconfiança, além do simples descontentamento com a sanção aplicada. Para a configuração da suspeição, algum dos elementos do artigo abaixo colacionado deveria estar presente no processo:

 

Art. 16. Pode ser arguida a suspeição do servidor em caso de amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

 

Parágrafo único. O servidor pode declarar-se suspeito, inclusive por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.

 

Não restando provada a suspeição alegada, não há como se presumir a sua existência pela simples rejeição de requerimentos da defesa técnica da sumariada.

 

No que se refere, ademais, ao requerimento de suspeição das testemunhas

da Comissão Flávia Benedictini Sanches e Marcos Roberto Scalone, manifestado por ocasião da tomada do depoimento por parte do defensor da sumariada, devemos realizar algumas ponderações. Como se observa do termo da colheita de depoimento de ambas as testemunhas, o advogado da sumariada arguiu a suspeição das testemunhas, em virtude de trabalharem como assessores parlamentares do Vereador Camilo Cristófaro. Ambas as arguições foram indeferidas pelo Presidente da Comissão Processante, na primeira vez sem menção alguma e na segunda oportunidade, sob o argumento de que se tratava de testemunha da Comissão.

 

Não obstante, ainda que não conste dos autos a motivação, em aplicação ao princípio pas de nulitté sans grief, numa ótica de formalismo moderado, adotado pelo Direito Administrativo atual, observamos que não há razões para decretar nulidade, pois o resultado do processo não teria sido diverso. Como a admissão da suspeição não teria o fito de influir no resultado do processo, pois a sumariada admitiu que aquele perfil a pertencia e não houve manifestação de arrependimento, a infração disciplinar encontra-se caracterizada, não havendo prejuízo a motivar qualquer nulidade, já que a infração ficou demonstrada por todo o conjunto fático, não apenas pelas provas testemunhais, e mesmo porque as testemunhas em questão poderiam, de toda forma, ser ouvidas como informantes (art. 55, do Ato n° 1.421/2019).

 

Diante do exposto, não estando satisfeito o requisito de admissibilidade no tocante à apresentação de novos argumentos, opinamos pelo não recebimento do pedido de reconsideração. Caso a Mesa entenda por bem admitir o pedido, não vislumbramos razões para a reforma da decisão, devendo, s.m.j., ser mantida a pena disciplinar aplicada.

 

É a minha manifestação, que submeto à elevada apreciação de V. Sa.

 

São Paulo, 27 de janeiro de 2020.

Cíntia Laís Corrêa Brosso

Procuradora Legislativa

OAB/SP 319.729