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Parecer n.º 94/2012
Ref.: Doação de bens móveis ou serviços para prêmios institucionais – Divulgação do nome do doador nos materiais do evento.
Sr. Procurador Legislativo Supervisor,
A Equipe de Eventos CCI.1 consulta esta Procuradoria sobre a possibilidade de que eventos realizados pela Câmara Municipal de São Paulo contem com patrocínio de entidades e empresas privadas.
Em caso positivo, indaga sobre a possibilidade de se veicular a logomarca dos patrocinadores ao lado do emblema da Edilidade Paulistana nos materiais do evento, como cartazes, banners e folders, assim como nas matérias a serem divulgadas por meio de televisão, internet e rádio.
Aduz que tal prática era adotada na Casa, porém já há alguns anos foi abandonada sem se ter notícia do motivo para tanto.
Tendo em conta a variedade de prêmios que é concedida pela Câmara Municipal de São Paulo – alguns promovendo concurso entre os participantes, como o Trote Solidário, e outros não, como a Medalha Anchieta – solicitou-se à Equipe CCI.1 que explicitasse quais desses prêmios seriam beneficiados pelo pretendido patrocínio.
Em resposta, encaminhou-se a lista de prêmios institucionais que seriam beneficiados pelos bens ou serviços recebidos a título de patrocínio (fls. 11), bem como documentos que consubstanciam pesquisa realizada por aquele setor junto a algumas Secretarias da Prefeitura de São Paulo e à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a respeito da forma de obtenção de patrocínio para eventos por elas realizados.
De início, deve-se apontar que todos os prêmios elencados pela Equipe CCI.1 às fls. 11 possuem em comum o fato de que uma comissão julgadora fica responsável por escolher, dentre aqueles que tenham voluntariamente se inscrito para participar, o projeto ou a instituição vencedora, atribuindo-lhe um prêmio, que, em regra, resume-se a entrega de uma placa comemorativa.
Neste contexto, resta claro, que a ideia de se utilizar bens e serviços eventualmente recebidos de terceiros para incrementar a premiação ou até mesmo o evento institucional tornaria tais prêmios mais atrativos, angariando, consequentemente, um maior número de participantes, servindo inclusive para o fomento do interesse público subjacente à criação do prêmio.
Até porque os prêmios institucionais mencionados têm por objetivo incentivar a prática de ações e comportamentos cujos efeitos meritórios revertem em prol do bem estar dos munícipes ou do progresso da Cidade, de maneira a ser induvidosa a presença do interesse público.
Passe-se, assim, à análise da viabilidade jurídica do pedido.
A Prefeitura Municipal de São Paulo, no uso de sua competência, editou o Decreto nº 40.384, de 03 de abril de 2001, que dispõe sobre a doação de bens e serviços e o estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada. .
Interessa-nos que o Decreto nº 40.384/01 tem por objeto justamente a regulamentação da matéria que ora aqui se discute.
Por pertinente, transcreva-se o artigo 2º do referido diploma, in verbis:
“Art. 2º Todos aqueles que pretenderem realizar doação de bens móveis e serviços, com ou sem encargo para Administração, poderão fazê-lo diretamente nas Secretarias Municipais, às quais competirá a análise jurídica da proposta.
§ 1º O doador poderá indicar a destinação específica do bem doado, desde que atendido o interesse público.
§ 2º O Poder Público poderá autorizar a inserção do nome do doador no objeto doado ou em material de divulgação do evento ou projeto, obedecidas as restrições legais aplicáveis ao caso concreto, em especial no que diz respeito ao uso de bens públicos e à proteção da paisagem urbana.”
A norma acima transcrita autoriza a Administração Pública a receber doações de bem móveis e serviços, com ou sem encargo, podendo o Poder Público autorizar a inserção do nome do doador no objeto doado ou em material de divulgação do evento ou projeto.
Note-se, a sistemática adotada pelo Executivo Municipal vem ao encontro do que se pretende seja implementado na Câmara Municipal de São Paulo, porque permite a doação de bens móveis e serviços, se atendido o interesse público, e autoriza a inserção do nome do doador no material de divulgação do evento.
A doação, como instituto jurídico, é tipicamente de Direito Privado, de Direito Civil Contratual. Sua tipicidade é manifestada pela regulação que lhe confere o Código Civil, artigos 538 a 564.
Pessoas físicas ou jurídicas, essas públicas ou privadas, ao realizarem ou receberem doações, devem observar os contornos legais definidos no Direito Civil, ainda que no caso de pessoa jurídico-pública, ao lado das normas do Código Civil, existam outras regras de cunho legal ou constitucional que devem ser observadas na prática de aquisições ou alienações através de doação, em especial, a presença do interesse público.
Para melhor se visualizar o instituto, cite-se xxxx para quem são contornos conceituais e legais da doação:
“Doação é o negócio jurídico bilateral em que uma pessoa (doador) se obriga a transferir bens corpóreos ou incorpóreos de seu patrimônio, por liberalidade, a outrem (donatário), que simplesmente aceita ou presta um encargo. Não obstante o art. 538 do CC discipline que na doação a pessoa transfere um bem de seu patrimônio, na realidade, é um contrato que só produz efeitos obrigacionais, não ocorrendo a transferência obrigatoriamente no momento da liberalidade. Isso significa que a tradição, para o bem móvel, ou o registro, para o imóvel, são os atos que transferem a propriedade e são sempre supervenientes ao momento da manifestação de vontade” (p. 151).
“… a doação é um contrato, ou seja, aperfeiçoa-se por meio da convergência de duas vontades, a doador e do donatário…” (p.152).
“contrato unilateral – apesar de aperfeiçoar-se com duas vontades, somente o doador tem prestação, pois o donatário apenas aceita, já que, em princípio, não é obrigado a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa. Caso seja fixado um encargo ao donatário, o contrato passa a ser unilateral imperfeito, ou seja, incide prestação para as duas partes (…). O encargo não tem qualquer equivalência econômica com a prestação do doador (…)” (p. 153)
“contrato gratuito – a doação implica sempre vantagem econômica para o donatário e desvantagem para o doador, pouco importando se a doação é pura e simples ou com encargo. Muito embora esta última modalidade seja denominada por lei doação onerosa (art. 562 do CC), a nomenclatura é infeliz, na medida em que a onerosidade implica equivalência econômica das prestações, sendo esse elemento inexistente no contrato de doação. A grande marca do contrato é a vontade do doador de ter perda econômica (…), donatário (…) sempre terá vantagem econômica” (p. 153)
“contrato formal – com a finalidade de proteger o doador, em virtude da perda econômica que sofre, a doação é um dos contratos mais formais do Código Civil.” (p. 153)
“Aceitação do donatário – caso a doação fosse um ato unilateral, prescindiria da aceitação do donatário; porém, por se tratar de contrato, jamais se torna perfeita enquanto não houver aceitação por parte dele. Deverá, como em qualquer contrato, haver a convergência de vontade entre o animus donandi do doador e aceitação da liberalidade por parte do donatário. A doação pura e simples é aquela cuja aceitação, além de expressa, pode ser presumida, tendo em vista nenhum prejuízo ao donatário (…). Porém, na hipótese de doação com encargos, ela será sempre expressa por implicar um ônus aposto a uma liberdade” (p. 155) (grifamos!).
Tendo em conta esses elementos, é correto afirmar que, quando a administração pública se envolve em contrato de doação, ela poderá figurar tanto na qualidade de doadora, quanto na de donatária. E dependendo de sua posição na relação contratual, o regime jurídico da espécie poderá variar, havendo mais ou menos normas a serem observadas para a valia do negócio jurídico.
Como doadora, a Administração deve observar normas mais rígidas, como a necessária avaliação prévia do bem a ser doado e licitação, além da necessidade de autorização legislativa específica, como regra geral, no caso de bens imóveis.
Como donatária, as regras são mais singelas, visto a desnecessidade de licitação ou autorização legislativa específica, todavia, o regime jurídico de direito público continua a exigir estejam presentes o interesse público e sejam respeitados os princípios constitucionais e infraconstitucionais que norteiam a administração pública como a impessoalidade, moralidade e eficiência.
No caso em questão, de se notar, que estaríamos diante de uma doação com encargo, em que a Câmara Municipal seria donatária de bens móveis ou serviços com a obrigação de lhes conferir destinação específica, qual seja, a de prêmio a ser conferido aos vencedores do evento institucional, podendo autorizar a inserção do nome do doador no material de divulgação do evento.
Todavia, para que não se atente contra os princípios que norteiam a Administração Pública, especialmente aos da impessoalidade e publicidade (art. 37, caput, CF), entendo que deva ser realizada a convocação pública dos interessados em doar bens móveis e serviços aos prêmios institucionais da Câmara Municipal de São Paulo, convocação esta que poderá ser feita através da publicação de edital, em que conste, ao menos, o calendário anual de eventos da Edilidade paulistana, as condições, o local e a data para manifestação dos interessados.
Ainda, para assegurar que os bens móveis e serviços a serem oferecidos em doação guardem relação de pertinência com cada um dos prêmios institucionais existentes, de forma a restar claro o interesse público em aceitá-los e direcioná-los à citada finalidade, entendo necessária seja formada uma comissão a ser composta, em sua maioria, por servidores efetivos da Casa que deverão manifestar-se fundamentadamente, em cada caso, a respeito da existência do interesse público no caso concreto, bem como averiguar se os bens ofertados estão livres de quaisquer outros ônus que não os encargos aqui mencionados.
Não bastasse, entendo que caberia a referida Comissão ponderar, fundamentadamente, a respeito da forma e extensão da divulgação do nome do doador no objeto ou material de divulgação do evento, a partir de critérios pré-fixados pela Administração.
Por outro lado, de se ressaltar, que não há qualquer atentado contra a moralidade ou impessoalidade da Câmara Municipal de São Paulo, visto que os bens móveis ou serviços recebidos a título de doação serão necessariamente aplicados na premiação dos concursos, revertendo, assim, para o benefício de cidadãos e entidades civis participantes dos eventos e não para qualquer agente público ou político.
Aliás, diante da atual realidade do Estado brasileiro, mister reconhecer que a Administração Pública, observadas as normas legais que garantam sua impessoalidade, não só pode como deve se valer de incentivos privados para atingir da forma mais eficiente o interesse público.
Insista-se, no presente caso, o benefício não será usufruído diretamente pela Câmara Municipal de São Paulo, mas sim pelos participantes dos prêmios institucionais.
Observe-se, por fim, que de todas as Resoluções anexadas ao presente expediente apenas a Resolução nº 6, de 09 de abril de 2003, que cria o Prêmio de Cidadania Universitária Edison Tsung-Chi Hsueh, contém dispositivo que expressamente permite que a Câmara Municipal de São Paulo poderá realizar parcerias com pessoas jurídicas de direito privado para a entrega de prêmios de valor econômico (artigo 7º, parágrafo único).
Nesse passo, recomendo que, havendo interesse de incrementar os demais prêmios institucionais, preliminarmente, deverão ser promovidas alterações normativas nas respectivas Resoluções, de modo a acrescentar disposição semelhante ao mencionado artigo 7º, parágrafo único, da Resolução nº 06/03, a fim de que reste claro ser intuito do legislador conferir ao vencedor outros prêmios que não apenas a placa comemorativa.
Assim, observadas as ponderações tecidas acima, entendo seja louvável a adoção de sistemática similar à introduzida pelo Poder Executivo por meio do Decreto nº 40.384, de 03 de abril de 2001, razão pela qual anexo ao presente minuta de Ato, a qual deverá ser submetida à avaliação da E. Mesa Diretora da Câmara Municipal de São Paulo, que ponderará a conveniência e oportunidade de regulamentar a matéria e promover as alterações normativas acima mencionadas.
Ressalvo, tão somente, que no presente ano serão realizadas eleições municipais, assim, necessário seja observado o artigo 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/97, que proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública no ano em que se realizar a eleição.
É o meu entendimento que submeto à apreciação de Vossa Senhoria.
São Paulo, 12 de abril de 2012.
CAROLINA CANNIATTI PONCHIO
Procuradora Legislativa – RF nº 11.153
OAB/SP nº 247.170