Parecer n° 80/2015

PARECER 80/2015
TID 13272522
REF. Memo nº 51 GV – 016/2015

INTERESSADO VEREADOR XXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO FÉRIAS PROPORCIONAIS. INDENIZAÇÃO. ALTERAÇÃO DO ATO 1.099/09. DECISÃO DO TCM. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA LEI 8.989/79.

1- O Ato 1.099/09 regulamenta o direito à indenização de férias não gozadas e encontra fundamento de validade na Lei Municipal 8.989/79.
2- Antes da vigência do Ato indicado, havia previsão infralegal de pagamento de indenização de férias proporcionais. Contudo, em razão de decisão do Tribunal de Contas do Município, houve alteração substancial da disciplina de indenização de férias.
3- Ante a exegese do artigo 132, §3º, da Lei Municipal 8.989/79 realizada pela Corte de Contas, é inviável alteração do Ato 1.099/09 para que seja prevista indenização de férias proporcionais, já que contrariaria norma superior.
4- Para tanto, necessário se faz alteração da Lei Municipal 8.989/79 para inserção da regra proposta. A iniciativa da lei alteradora será, no caso, do Chefe do Poder Executivo.

Sr. Procurador Legislativo Supervisor,

1. Trata-se de proposta de redação de ato alterador do Ato 1.099/09, formulado pelo Nobre Vereador XXXXXXXXXXX e endereçado à Egrégia Mesa Diretora da Câmara Municipal de São Paulo, para inclusão de inciso VII ao seu artigo 3º, caput. Com a inserção de regra proposta ao mencionado Ato, os servidores que completaram o primeiro período de carência e foram exonerados antes do primeiro dia do exercício seguinte passariam a fazer jus à indenização de férias e terço constitucional proporcionais.
2. Cita, em suas razões, os pareceres 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 32, proferidos por mim, transcreve trecho do parecer ACJ 78/2004 e indica que a matéria encontra previsão na Lei Municipal 8.989/79 e no Ato 1.099/09. Aponta e existência de lacuna, já que não há previsão de pagamento de indenização proporcional aos servidores exonerados após completar o primeiro período de carência, mas antes de 1º de janeiro.
3. Expõe o requerente que, na esfera federal, o pagamento de tal indenização passou a ter previsão legal após a inserção do §3º ao artigo 78 da Lei Federal 8.112/90 pela Lei Federal 8.216/91 e que a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo não se firmou nem na direção do reconhecimento do direito do servidor municipal à supra indicada indenização, nem na sua inexistência, em razão de ausência de previsão legal.
4. Aportando o expediente na Presidência desta Câmara de Vereadores, seu Chefe de Gabinete o encaminhou a esta Procuradoria Legislativa para conhecimento e exame da proposta de alteração normativa, tendo, após, sido remetido a seu Setor Jurídico-Administrativo e a mim distribuído para elaboração de parecer jurídico.
É o relatório do essencial. Passo a opinar.
5. Como bem apontado pelo Ilustre Vereador, na esfera municipal, o direito a férias do servidor está disciplinado pela Lei Municipal 8.989/79, regulamentada nesta Edilidade pelo Ato 1.099/09. Tal fato não poderia ser diferente, tendo em vista que, inobstante o direito a férias tenha previsão em norma constitucional, integra o regime jurídico dos servidores. Por isto, assim como os demais direitos sociais dos servidores públicos, dependem de lei do ente federativo para regulamentação, conforme o seguinte precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA: Servidor público. Adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. Art. 7º, XXIII, da Constituição Federal. – O artigo 39, § 2º, da Constituição Federal apenas estendeu aos servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios alguns dos direitos sociais por meio de remissão, para não ser necessária a repetição de seus enunciados, mas com isso não quis significar que, quando algum deles dependesse de legislação infraconstitucional para ter eficácia, essa seria, no âmbito federal, estadual ou municipal, a trabalhista. Com efeito, por força da Carta Magna Federal, esses direitos sociais integrarão necessariamente o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas, quando dependem de lei que os regulamente para dar eficácia plena aos dispositivos constitucionais de que eles decorrem, essa legislação infraconstitucional terá de ser, conforme o âmbito a que pertence o servidor público, da competência dos mencionados entes públicos que constituem a federação. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido.” (grifei)
6. Com efeito, a norma constitucional veiculadora do direito a férias anuais remuneradas, para ser aplicada pela Administração Pública, deve ser complementada por meio de lei. Isto porque aplicação imediata (característica comum a todos as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, conforme prescreve o artigo 5º, § 1º, da Constituição da República) não se confunde com aplicabilidade imediata e as normas definidoras de direitos sociais, culturais e econômicos não raro dependem de providências. Neste Município, assim é disciplinado o direito a férias do servidor, nos termos da Lei Municipal 8.989/79:
“Art. 132 – O funcionário gozará, obrigatoriamente, férias anuais de 30 (trinta) dias corridos.
(…)
§3º-O funcionário adquirirá o direito a férias, após o decurso do primeiro ano de exercício.”
7. No Poder Legislativo municipal, a regra legal acima transcrita foi ao longo do tempo regulamentada por diversos atos da Mesa Diretora. A indenização de férias não gozadas proporcional no momento da exoneração do cargo efetivo ou em comissão, quando o exonerado não mantinha outro vínculo com órgão da Administração do Município de São Paulo, falecia ou se aposentava encontrava amparo infralegal de forma administrativa até a revogação do Ato 860/04 (artigo 3º, inciso III).
8. Após a revogação do mencionado diploma normativo pelo Ato 1.099/09, houve alteração substancial do regramento da indenização das férias não gozadas. Atualmente, o servidor adquire o direito a férias integrais a cada dia 1º de janeiro, após ultrapassado o período de carência de doze meses, e a indenização devida pelo sua não fruição será integral, se atendidas as disposições do artigo 3º do Ato 1.099/09.
9. Tais alterações infralegais se deram em razão de determinação do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, que tem “indiscutível efeito vinculante” , exarada nos seguintes termos:
“Ocorre que, nos termos do disposto no artigo 132, parágrafo 3º da Lei 8989/79, o servidor público estatutário adquire o direito a férias após o decurso de um período de um ano de trabalho, fazendo-se coincidir os períodos aquisitivos subsequentes ao ano civil respectivo.
Portanto, no caso em tela, caberia o pagamento integral das férias não gozadas pelo funcionário desligado do serviço público após o dia 1º de janeiro do ano do desligamento, visto que a Câmara Municipal, ao utilizar a Orientação Normativa número 002/94, repetida pelo citado Ato número 860, proporcionalizando o período de férias relativo ao ano de desligamento, não garantiu o direito constitucionalmente estabelecido (artigo 39, parágrafo 3º e artigo 7º, inciso XVII).”
10. Ante o julgado do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e a consequente mudança do regramento infralegal regulamentador das férias nesta Edilidade, a alteração do Ato 1.099/09 para que seja previsto pagamento de férias proporcionais após o decurso do primeiro ano de exercício é insuficiente para se volte a pagar tal parcela indenizatória. Isto porque a conclusão de não haver direito à indenização nestes casos se deu na vigência da atual redação do §2º do art. 132 da Lei 8.989/79 e qualquer alteração de norma infralegal no sentido pretendido contrariaria dispositivo legal, tal qual interpretado pela Corte de Contas, cujas decisões, frise-se, vinculam a Administração Pública.
11. Portanto, após o Tribunal de Contas do Município de São Paulo ter fixado o sentido e o alcance da regra inscrita no §2º do art. 132 da Lei 8.989/79, para que sejam pagas férias proporcionais ao servidor exonerado, falecido ou aposentado, é necessário que haja alteração da lei mencionada, norma hierarquicamente superior ao Ato 1.099/09, que nela encontra seu fundamento de validade. Neste caso, a alteração almejada deve se dar também por lei, cuja proposição é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, ex vi do artigo 37, §2º, inciso III, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, já que se trata de regime jurídico de todos os servidores da Municipalidade.
12. Ademais, com a alteração da Lei Municipal 8.989/79 ao invés de inserção de inciso VII ao Ato 1.099/09, observar-se-ia também o princípio da legalidade, que se desdobra em dois: a) princípio da primazia da lei; e b) princípio da reserva legal. Segundo a melhor doutrina administrativista:
“O princípio da primazia da lei, ou legalidade em sentido negativo, enuncia que os atos administrativos não podem contrariar a lei. Trata-se de uma consequência da posição de superioridade que, no ordenamento, a lei ocupa em relação ao ato administrativo.
Quanto ao princípio da reserva legal, ou legalidade em sentido positivo, preceitua que os atos administrativos só podem ser praticados mediante autorização legal, disciplinando temas anteriormente regulados pelo legislador. Não Basta não contradizer a lei. O ato administrativo deve ser expedido secundum legem. A reserva legal reforça o entendimento de que somente a lei pode inovar originariamente na ordem jurídica.”
13. Ante o exposto, concluo que a alteração pretendida pelo Nobre Edil deve se dar por meio de lei em sentido estrito, cuja iniciativa é privativa do Prefeito Municipal. Se a Egrégia Mesa Diretora desejar, poderá fazer chegar ao Chefe do Poder Executivo a sugestão de aperfeiçoamento legislativo apontada pelo Nobre Vereador por meio de ofício subscrito por seu Presidente, nos termos do artigo 17, inciso VI, alínea “a”, do Regimento Interno da Câmara Municipal.
É o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Senhoria.

São Paulo, 17 de março de 2015

RAFAEL MEIRA HAMATSU RIBEIRO
Procurador Legislativo – OAB/SP 332.008