Parecer ACJ.1 nº 77/2006
Ref.: TID 757861 – Memo SGP.3 nº 23/06
Interessado: SGP.3
Assunto: Solicita análise dos efeitos do artigo 18 da Lei Federal nº 10.753/03.
Sra. Advogada Chefe,
Trata-se de memorando apresentado pela Subsecretaria de Documentação – SGP.3, solicitando a manifestação desta Advocacia acerca das eventuais implicações jurídicas produzidas pelo artigo 18 da Lei Federal nº 10.753/03, no que tange aos procedimentos de compra de livros e baixa patrimonial dos mesmos.
A citada Lei Federal nº 10.753, de 31 de outubro de 2003, instituiu a “Política Nacional do Livro”, com vistas a promover as diretrizes e objetivos fixados em seu artigo 1º.
O artigo 18 dessa Lei, que motivou a consulta ora sob análise, estabelece, in verbis:
“Art. 18. Com a finalidade de controlar os bens patrimoniais das bibliotecas públicas, o livro não é considerado material permanente.”
Como se percebe da leitura acima, o dispositivo legal reproduzido, de maneira muito singela e lançando mão de fundamento pouco convincente – o controle dos bens patrimoniais das bibliotecas públicas -, estabeleceu norma de caráter financeiro, em sua dimensão de controle orçamentário e patrimonial dos bens públicos.
A matéria é induvidosamente de competência legislativa da União, consoante os termos do artigo 24, incisos I e II, da Constituição da República, que estabelece caber à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito financeiro e orçamentário.
Como se sabe, e conforme dispõem os parágrafos do mesmo artigo 24 da Carta Magna, no âmbito da legislação concorrente cabe à União fixar as normas gerais sobre o tema, as quais obrigam e delimitam a atuação legislativa por parte dos Estados e do Distrito Federal.
Tendo em vista essa competência, No âmbito federal vige a Lei nº 4.320/64, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, assim como a Lei Complementar nº 101/00, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal.
Estabelece o artigo 94 da Lei 4.320/64, in verbis:
“Art. 94. Haverá registros analíticos de todos os bens de caráter permanente, com indicação dos elementos necessários para a perfeita caracterização de cada um deles e dos agentes responsáveis pela sua guarda e administração.”
Conforme se percebe, apenas os bens considerados permanentes estão obrigatoriamente sujeitos a registros analíticos, vale dizer, à patrimonialização através de controles sistemáticos e rígidos e ao tão conhecido “chapeamento” — marcação do bem com uma chapa ou qualquer outro material que adira ao bem, com um número de registro e indicação da propriedade.
A questão passa a ser, então, a definição de bem permanente e a quem cabe tal conceituação.
A mesma Lei 4.320/64 estabelece em seu art. 113 que órgão do Ministério da Fazenda, na ocasião o Conselho Técnico de Economia e Finanças, promoverá medidas visando a fiel e uniforme aplicação de suas normas, expedindo recomendações técnicas, atendendo a consultas etc.
Já a Lei Complementar 101/00 dispõe em seu artigo 50, § 2º:
“Art. 50. …
§ 2º A edição de normas gerais para consolidação das contas públicas caberá ao órgão central de contabilidade da União, enquanto não implantado o conselho de que trata o art. 67.”
O órgão central de contabilidade a que se refere o artigo acima reproduzido é exatamente a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, que editou a Portaria nº 448/2002, a qual, em seu artigo 2º define o que seja material de consumo e material permanente, e em seu Anexo I relaciona os materiais de consumo, e em seu Anexo IV relaciona os materiais permanentes.
Nos termos dessa Portaria o livro é considerado material permanente, assim tipificado nos seguintes termos:
“COLEÇÕES E
MATERIAIS
BIBLIOGRÁFICOS
Registra o valor das despesas com coleções bibliográficas de obras científicas, românticas, contos e documentários históricos, mapotecas, dicionários para uso em bibliotecas, enciclopédias, periódicos encadernados para uso em bibliotecas, palestras, tais como:
álbum de caráter educativo, coleções e materiais bibliográficos informatizados, dicionários, enciclopédia, ficha bibliográfica, jornal e revista (que constitua documentário), livro, mapa, material folclórico, partitura musical, publicações e documentos especializados destinados a bibliotecas, repertorio legislativo e afins.”
Entretanto, a despeito da classificação feita pela Portaria citada, tendo em vista a edição do art. 18 da Lei Federal nº 10.753/03, acima reproduzido, inegável a revogação desse item da Portaria que cuidou de definir o livro como material permanente.
Dessa forma, por expressa disposição legal da União, o livro hoje é considerado material de consumo (por oposição, eis que não é mais considerado permanente), e com isso não está mais sujeito aos procedimentos e controles próprios da patrimonialização dos bens permanentes tal como definidos pela Lei Federal 4.320/64.
Esse me parece, s.m.j., o principal efeito da descaracterização do livro como material permanente, e não vislumbro maiores implicações no que tange aos procedimentos para compra de livros e baixa patrimonial dos mesmos.
Com efeito, sob o aspecto da baixa patrimonial dos livros, questão suscitada expressamente pela consulta ora sob análise, o procedimento para tanto deverá observar os ritos e as normas já existentes sobre a matéria – cito aqui, a título exemplificativo, o Ato nº 157/84 -, cabendo à Equipe de Gestão de Materiais e Patrimônio – SGA.21 providenciar a baixa dos mesmos quando enviados pelas unidades da Casa que identifiquem e relacionem os bens sob sua guarda considerados fora de uso. Observe-se que a baixa patrimonial sempre foi possível quer para materiais permanentes quer para os de consumo. Sob essa ótica, portanto, nenhuma alteração substancial foi acarretada pela citada Lei Federal que instituiu a Política Nacional do Livro.
De outro lado, questiona a consulente acerca dos efeitos da alteração da classificação do livro para material de consumo no que diz respeito a novas aquisições desses bens pela Unidade.
Também sob este ângulo não identifico modificações relevantes nas práticas de compras de livros em virtude da alteração promovida pelo sempre citado artigo 18 da Lei 10.753/03.
De fato, a definição do livro como material de consumo não subtrai a aquisição desse bem da observância dos procedimentos legais fixados pelo ordenamento jurídico pátrio.
Com efeito, como é sabido, a aquisição de qualquer bem pela Administração, seja ele de consumo, permanente, ou a prestação de um serviço, está sujeita à regra geral da realização do procedimento licitatório, ressalvadas as exceções estabelecidas na própria legislação regente das licitações., e a aquisição de livros, ora classificados como bens de consumo, não escapa à norma geral.
O último parágrafo do memorando que iniciou o presente expediente parece sugerir que a modificação da classificação do livro para bem de consumo teria efeitos sobre a possibilidade de aquisição desse bem por meio da chamada “verba de pronto pagamento”, o que tampouco é verdade.
O regime de adiantamento – nome correto para a figura jurídica prevista na legislação como instrumento para atender a despesas de pronto pagamento, constitui uma exceção ao princípio geral da realização do procedimento licitatório para a efetivação de compras pela Administração, prevista no parágrafo único do artigo 60 da Lei Federal nº 8.666/93 (e suas alterações), que inclusive já estabelece limites para o uso desse instrumento, assim como nos artigos 68 e 69 da Lei Federal nº 4.320/64.
Dessa forma, observados os limites e critérios previstos nessa legislação, nunca houve, como não há, impedimento para a compra de livros através do regime de adiantamento, mesmo sob a vigência da normatização que definia esse bem como material permanente.
Com efeito, as normas federais não estabelecem qualquer impossibilidade para a utilização desse instrumento para a aquisição de bens permanentes. Os limites postos pela legislação referida são de outra ordem, atinentes ao valor dos bens, à qualidade da pessoa responsável pela administração dos valores adiantados, e à impossibilidade de observância do processo normal de compra.
No âmbito do Município de São Paulo vige sobre a matéria a Lei nº 10.513/88, regulamentada pelo Decreto nº 43.731/03, e não pude encontrar nesses diplomas legais qualquer dispositivo que impeça a compra de material permanente por meio do regime de adiantamento – desde que presentes os requisitos permissivos da utilização desse regime, como é óbvio.
Nesta Câmara a matéria também está regulada, encontrando-se em vigor o Ato nº 736/01, que igualmente os demais textos normativos nenhuma limitação estabelece no que diz respeito à utilização do regime de adiantamento para a compra de bens permanentes.
Muito ao contrário, o inciso III do artigo 1º desse diploma legal, prevê a possibilidade de utilização desse regime, como se observa in verbis:
“Art. 1º – O regime de adiantamento … limitados aos percentuais a seguir indicados:
…
III. 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento), por material, para aquisição de bens móveis sujeitos a incorporação;”
Ora, bens móveis sujeitos a incorporação nada mais são do que os bens permanentes, eis que o processo de incorporação é aquele que visa patrimonializar o bem, incorporando-o ao patrimônio da Administração e cercando-o de formas de controle maiores do que aquelas que regem os bens de consumo.
Diante de todo o exposto, e esperando haver respondido às questões esboçadas pela Subsecretaria de Documentação – SGP.3, submeto o presente à apreciação de Vossa Senhoria.
São Paulo, 16 de março de 2006.
LUIZ EDUARDO DE SIQUEIRA S.THIAGO
ATL – JURI
OAB/SP 109.429
Indexação
Lei Federal nº 10.753/03
Compra de livros
Baixa patrimonial