Parecer n° 77/2003

AT.2 Parecer nº 77/03
Ref. ao Proc. nº 343/03
Assunto: – contrato – rescisão – multa – pedido de reconsideração-

Sr. Assessor Chefe,

Solicita a Diretoria Geral análise e manifestação desta Assessoria acerca de pedido de reconsideração formulado pela empresa Tarcti Assessoria Empresarial e Serviços Ltda, em face da intimação recebida para recolhimento de multa incidente à razão de 10% sobre o valor do contrato (de nº 10/99), rescindido unilateralmente pela Edilidade conforme publicação no D.O.M. de 14-III-03, pg. 67 (fls. 291).

Face à gravidade das denúncias veiculadas acerca da inadimplência da Contratada para com suas funcionárias, a Presidência solicitou esclarecimentos à empresa (ofício nº 19, de 22-I-03, à contracapa). A empresa porém silenciou a respeito.

Paralelamente, constatou-se a impossibilidade de se comprovar, mediante o acesso ao “site” da Caixa Econômica, a regularidade da empresa para com o FGTS. Constatou-se também uma irregularidade na execução do contrato, qual seja, a de não avisar-se previamente à Câmara quando da substituição de ascensoristas (cláusula 2.4 do Contrato).

Instada a apresentar defesa prévia em relação a esses fatos, a Contratada não se manifestou (ofício nº 742, de 14-II-03, fls. 273), ensejando deste modo a rescisão unilateral e a aplicação de multa. A decisão foi publicada (D.O.M de 14-III-03, pg. 67, fls. 291) e a empresa não recorreu. Apenas quando da intimação para recolher a multa (ofício nº 939, de 31-III-02, fls. 296), a empresa houve por bem manifestar-se, apresentando o presente “pedido de reconsideração” (fls. 296/297).

O “pedido de reconsideração” vem previsto no art. 109, inc. III, da Lei nº 8.666/93, para a a “hipótese do § 4º do art. 87 desta lei, no prazo de 10 (dez) dias úteis da intimação do ato”. Como inexiste § 4º, deve reputar-se que a referência correta é ao § 3º do aludido artigo, que diz respeito à declaração de inidoneidade para licitar.

Embora não seja esta a hipótese vertente, a Constituição Federal reconhece amplo cabimento do direito de petição (art. 5º, inc. XXXIV, a). Nesse sentido, ensina Marçal Justen Filho:

“Segundo o inciso I (do art. 109), apenas algumas categorias de decisões comportariam recurso. Essa regra, como afirmado acima, é incompatível com a garantia consagrada na nova Constituição.
(…)
O pedido de reconsideração sempre poderá ser manifestado, relativamente a qualquer decisão administrativa. O pedido não possui efeito suspensivo e não acarretará maiores conseqüências. Também inexistem maiores conseqüências na previsão do inc. III, cuja ausência não traria maiores efeitos” (in “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 9ª ed., São Paulo, Dialética, 2002, pg. 596).

Parece-me, pois, que o pedido de reconsideração deve ser conhecido. Saliente-se que o mesmo limita-se a solicitar a relevação da aplicação de multa, nada opondo quanto à rescisão unilateral. .

Quanto ao mérito, o pedido de reconsideração da empresa aduz, em síntese, o quanto segue:

a) a requerente não teria sido cientificada da decisão da Mesa desta Casa de rescisão e aplicação de multa, razão pela qual se viu impedida de elaborar seu recurso no prazo de cinco dias;
b) a multa teria sido aplicada em percentual desproporcional – à razão de 10% sobre o valor total do contrato, cuja duração expiraria em 5 meses – e sua exigência causará a inadimplência da requerente para com seus funcionários, sendo que a Câmara poderia ser responsável subsidiariamente pelos encargos trabalhistas devidos pela empresa aos mesmos;
c) por outro lado, a Câmara Municipal deixou de pagar a fatura referente aos meses de dezembro e janeiro a março do corrente, o que acarretou sérias dificuldades para a requerente, que por este motivo não conseguiu honrar com o salário dos seus empregados.

Passo, pois, a analisar o quanto argumentado:

a) a intimação da decisão de rescisão do contrato e de aplicação de multa, nos termos do § 1º do art. 109 da Lei nº 8.666/93 é feita mediante publicação na imprensa oficial. Portanto, não procede o argumento de que teria sido lesado o seu direito de defender-se ou apresentar recurso;
b) a multa aplicada – 10% sobre o valor do contrato – é a prevista na cláusula 6.1.2 do contrato na hipótese de inexecução parcial “ou qualquer outra irregularidade”. No caso, apontou-se como infração a cláusula 2.4 do contrato – ausência de prévio aviso quando da substituição de ascensoristas. A empresa não apresentou defesa prévia em relação à irregularidade apontada, o que ensejou a aplicação de multa no percentual indicado.

Com efeito, às fls. 123, 138, 160, 180 (meses de competência julho, agosto, setembro e outubro, respectivamente), na relação dos trabalhadores que prestam serviços à Câmara Municipal de São Paulo constantes do Arquivo Sesip constam as seguintes funcionárias:
1) ******
2) ******
3) ******
4) ******
5) ******
6) ******
7) ******
8) ******
9) ******

Entretanto, nas folhas de pagamento relativas aos meses de julho (fls 128 e 129), de agosto (fls. 139 e 140), de setembro (fls. 155 e 156), de outubro (fls. 176/177), de novembro (fls. 225/226) há uma divergência, pois constam os nomes de:
1) ******
2) ******
3) ******

E não constam os nomes de ****** e ******.

Além disso, a Contratada apresenta cópia da de recolhimento do FGTS, nos meses de agosto (fls. 137), setembro (fls. 158) , outubro (fls. 179) e novembro (fls. 227) apenas em relação a 9 funcionárias, quando, nos termos contratuais, eram 10 as funcionárias que prestavam serviços a esta Edilidade.

Há, além disso, precedentes quanto à inadimplência de créditos trabalhistas da empresa perante terceiros. Com efeito, às fls. 164 e 200 dos autos constam mandados de penhora de créditos, atendidos conforme informações de fls. 199 e 241.

Tais aspectos foram considerados no Parecer de fls. 253/254, onde se cogitava da aplicação das sanções de rescisão e de multa, com a concessão da defesa prévia, para que a empresa se manifestasse acerca da infração à cláusula 2.4 (prévia comunicação quando da substituição de ascensoristas) e da regularidade da empresa perante o FGTS.

Ocorre que a empresa não apresentou defesa, o que implicou a aplicação da sanção nos moldes contratuais – 10% sobre o valor do contrato na hipótese de “qualquer outra” irregularidade. Porém, no pedido de reconsideração ora apresentado, parece-me ponderável o argumento no tocante à proporcionalidade entre a falha contratual e a sanção de multa.

Desde logo, verifica-se que ao longo da execução do contrato – celebrado em 1999 – não foram constatadas irregularidades no tocante à qualidade dos serviços prestados.

De acordo com Marçal Justen Filho, “a Lei nº 8.666 previu as sanções aplicáveis aos contratados que infringissem deveres legais ou contratuais. A grande dificuldade está na definição legal da ilicitude (op.cit., pg. 568). Refere-se, neste passo, ao princípio da especificação, e logo a seguir comenta o princípio da proporcionalidade nos seguintes termos:

“Ainda quando se insista acerca da legalidade e da ausência de discricionariedade, é pacífico que o sancionamento ao infrator deve ser compatível com a gravidade e a reprobabilidade da infração. São inconstitucionais os preceitos normativos que imponham sanções excessivamente graves, tal como é dever do aplicador dimensionar a extensão e a intensidade da sanção aos pressupostos de antijuridicidade apurados. O tema traz à lume o princípio da proporcionalidade.
Aliás, a incidência do princípio da proporcionalidade no âmbito do processo administrativo federal foi objeto de explícita consagração por parte do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.784, que exigiu “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público” (opp.cit., pg. 569).

O princípio de proporcionalidade, é, pois, “inerente ao exercício das competências de cunho punitivo. Não é possível enfocar todos os deveres contratuais identicamente. Seria absolutamente antijurídico reputar que a ausência de cumprimento de um dever formal de menor relevância autorizaria a rescisão contratual ou a imposição de multa de grande valor. A gravidade da sanção tem se ser proporcional à seriedade da infração cometida pelo sujeito” (in op.cit. pg. 522/3).

No caso ora examinado, a principal irregularidade que ensejou a rescisão – não comprovação da regularidade da empresa perante o FGTS – é em si mesma grave. A Câmara não tinha alternativa senão a de rescindir o contrato, já que a regularidade em questão é condição de habilitação em licitação que deve ser mantida ao longo de toda a execução do contrato, a teor do art. 55, inc.XIII da Lei nº 8.666/93.

Inobstante, tal irregularidade tem como sanção proporcional exatamente a sanção de rescisão, em relação à qual a Contratada não se insurge.

Por outro lado, de acordo com a alegação da empresa, a Câmara teria concorrido para o não cumprimento das obrigações da empresa para com suas funcionárias, eis que há créditos retidos, e a aplicação da sanção de multa agrava ainda mais a situação financeira da empresa, inviabilizando que ela honre seus compromissos perante as funcionárias.

Às fls 213v., consta que os serviços prestados durante o mês de dezembro de 2002 foram regularmente prestados, e o respectivo pagamento vem anotado às fls. 241 v. e 243. No entanto, não constam pagamentos a partir de então.

Cabe observar que a “exceção de contrato não cumprido” (exceptio non adimpleti contractus) não se aplica, em princípio, à Administração Pública. Isso porque o princípio maior da continuidade dos serviços públicos veda a paralisação dos serviços, mesmo diante da omissão ou atraso da Administração no cumprimento das prestações a seu cargo. Em consonância com tal princípio, a empresa não paralisou a execução dos serviços.

Porém, em princípio, seriam devidos os pagamentos pela execução do contrato até o momento da rescisão, pois não se admite o enriquecimento ilícito da Administração. A Edilidade sujeitar-se-ia ainda a pedido de indenização por prejuízos regularmente comprovados.

Inobstante, o silêncio da Contratada em relação às irregularidades apontadas veio a ensejar precisamente a rescisão unilateral do ajuste.

A rescisão unilateral operada pela Administração (art. 79, inc. I da Lei nº 8.666/93) gera a seu favor algumas conseqüências, consoante dispõe o artigo 80 da Lei nº 8.666/93, entre os quais a retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos que houver causado à Administração (inc.IV).

Ocorre que não havia constância de prejuízos causados à Edilidade. Parece pouco razoável que tal medida (não pagamento) se adote “preventivamente”, já que concorre indiretamente para agravar o risco que se vislumbra, acentuado com a aplicação da multa.

Cabe discorrer, nesse passo, acerca do argumento aduzido pela Contratada em seu pedido de reconsideração no sentido de que a Câmara é subsidiariamente responsável pelos encargos trabalhistas devidos às funcionárias.

De acordo com o art.71 § 1º da Lei nº 8.666/93, temos:
“Art. 71
§ 1º A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
…”

Entretanto, o item IV do Enunciado nº 331 do TST, com a redação dada pela Resolução nº 96/2000 pontua que ” o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8666/93) “.

Em face de seus fundamentos, transcrevo, a propósito, ementa de julgado do TST acerca da matéria:

“(…) 1. Um dos princípios norteadores do Direito do Trabalho, que lhe dão o caráter de ramo autônomo da Ciência Jurídica, é o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, mediante a quebra da hierarquia das fontes, que estrutura a pirâmide jurídica kelseniana.

2. Em relação à questão da responsabilidade subsidiária de entes da administração pública quanto a débitos trabalhistas não honrados por empresas prestadoras de serviços com as quais contratam, o art. 71 § 1º da Lei nº 8666/93, em sua literalidade, afasta expressamente a possibilidade de responsabilização. No entanto, e exegese literal do dispositivo de lei não é a única forma de hermenêutica jurídica, havendo também, dentre tantas outras (histórica, sociológica, teleológica, etc.) a interpretação sistemática. Não fora assim, a atividade jurisdicional seria meramente mecânica, de enquadramento da matéria-prima fática na forma legal jurídica, sem se perquirir sobre o conteúdo, finalidade e dimensão mais abrangente da norma.

3. Numa exegese do sistema legal trabalhista, de caráter protecionista do hiposuficiente na relação laboral, não se pode admitir que as empresas estatais estejam infensas à responsabilidade subsidiária em caso de contratação de mão-de-obra por interposta pessoa, se esta não se mostra idônea para arcar com os encargos trabalhistas do pessoal posto a serviço da empresa estatal. Nossa Carta Política assegura o mesmo tratamento jurídico, no campo trabalhista, para as empresas públicas e privadas (CF, art. 173).

4. “In casu”, a responsabilidade subsidiária decorre de dois fatores: a) a prestação direta dos serviços do empregado é para a empresa estatal, que se beneficia da força de trabalho alheia; e b) se a prestadora dos serviços que forneceu a mão-de-obra não é idônea ou não paga os salários de seus empregados, a estatal que a contratou tem culpa “in eligendo” ou “in vigilando” com relação à empresa terceirizada.

5. O que não se admite em matéria de Direito do Trabalho é a empresa tomadora de serviços beneficiar-se do esforço humano produtivo e depois o trabalhador que o despendeu ficar sem a retribuição que tem caráter alimentar” (Fonte: DJ 27-09-2002; Proc. RXFROAR, nº 807503, 2001, 9ª Região; Turma D2; Órgão Julgador: Subseção II especializada em dissídios individuais; Partes:Remetente: TRT da 9ª Região; Recorrente: Departamento Nacional de Estradas e Rodagens-DNER; Recorrido: José de Oliveira; Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho).

Mencione-se haver ação judicial já proposta por *********em face da Tarcti Assessoria Empresarial Ltda e da Câmara Municipal de São Paulo, na **** Vara do trabalho, Proc. *******.

Finalmente, faço notar que o art. 71 § 2º da Lei nº 8.666/93 assinala a responsabilidade solidária da Administração em face de débitos previdenciários resultantes da execução de contrato. Contudo, constata-se nos autos a regularidade da empresa perante o INSS, e faço juntar cópia de certidão negativa de débitos para com a Previdência Social atualizada até 11-IV do corrente.

De todo o exposto, parece-me que uma solução juridicamente viável e ao mesmo tempo eqüitativa seria:
a) conhecer do pedido de consideração e dar-lhe provimento em parte, condicionando a relevação da multa ao pagamento da empresa para com as funcionárias que prestaram serviços à Edilidade nos seguintes termos:
a.1) a decisão de rescisão e aplicação de multa foi realizada conforme o art. 109 § 1º e cláusula 6.1.2 do contrato, não procedendo a alegação de cerceamento de defesa;

a.2) uma vez atestada pelo setor competente a regularidade na prestação dos serviços nos meses de janeiro a março, deverão ser deferidos os pagamentos pendentes;

a.3) não parece aplicar-se ao caso a possibilidade inscrita no art. 80, inc. IV uma vez que até o momento da rescisão não se haviam concretizado prejuízos à Administração;

a.4) a sanção de rescisão afigura-se proporcional e adequada em face da principal falha observada (não comprovação de regularidade da empresa perante o FGTS);

a.5) em atenção ao princípio da proporcionalidade, a relevação da sanção de multa ficará condicionada à comprovação dos pagamentos pendentes da Contratada, a partir de dezembro de 2002, para com as 10 funcionárias que prestaram serviços à Edilidade, no prazo de dois dias úteis a contar do deferimento dos pagamentos pendentes da Câmara. Caso contrário, a sanção será confirmada e oportunamente judicialmente cobrada.

É a minha manifestação, que submeto à apreciação superior, com minhas homenagens.

São Paulo, 16 de abril de 2003

Maria Nazaré Lins Barbosa
Assessor Técnico Legislativo
OAB 106.017

INDEXAÇÃO:
Multa
Tarcti
Ascensorista
APLICAÇÃO
CONDICIONAMENTO
CRÉDITO TRABALHISTA
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL
INADIMPLÊNCIA
INTIMAÇÃO
PAGAMENTO
PENALIDADE
RECONSIDERAÇÃO
REGULARIDADE FISCAL
REQUERIMENTO
RESCISÃO CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
REVELIA
SANÇÃO
TERCEIRIZAÇÃO