PARECER 68/2015
TID 13254901
REF. Memº. SGA.1, nº 046/2015
INTERESSADO SECRETÁRIO DE RECURSOS HUMANOS
ASSUNTO ESTABILIDADE PROVISÓRIA. SERVIDORA OCUPANTE DE CARGO DE LIVRE PROVIMENTO EM COMISSÃO. GESTAÇÃO. COMUNICAÇÃO. DESNECESSIDADE. RECONDUÇÃO AO CARGO A NÃO SER QUE HAJA MOTIVO JUSTIFICÁVEL. ATO 1.173/11. SUGESTÃO DE ALTERAÇÕES.
1- A servidora gestante ocupante de cargo de livre provimento tem direito à estabilidade provisória. Parecer nº 248/2011.
2- O exercício deste direito independe de comunicação à Administração Pública e deve ser pleiteado e deferido, se comprovado por laudo médico que o início da gravidez é anterior à exoneração, durante o período de estabilidade. Caso isto ocorra, a portaria de exoneração deve ser anulada.
3- Tal estabilidade não é assegurada caso exista motivo justificável, a exemplo de posse de vereador suplente, conforme se depreende do artigo 1º, parágrafo único, do Ato 1.173/11.
4- Contudo, são necessárias alterações para adequação do mencionado Ato à atual jurisprudência.
Sr. Procurador Legislativo Supervisor,
1. Cuida o expediente de consulta formulada pelo Senhor Secretário de Recursos Humanos desta Edilidade consistente no tratamento a ser dado aos casos de servidoras gestantes, lotadas em gabinetes de vereadores que venham a ser substituídos por seus respectivos suplentes, e que, após a posse, exonere tais servidoras, vindo estas a comunicarem a gravidez apenas após a exoneração.
2. Instruído o expediente com cópia do Ato 1.173/11, foi ele encaminhado à Procuradoria Legislativa desta Câmara de Vereadores pelo Senhor Secretário Geral Administrativo e ao Setor Jurídico-Administrativo para elaboração de parecer.
É o relatório do essencial. Passo a opinar.
3. O tema da estabilidade provisória de servidoras ocupantes de cargos de livre provimento em comissão, decorrente de gravidez, já foi objeto de parecer neste Setor Jurídico-Administrativo. A respeito, concluiu-se no parecer nº 248/2011 o seguinte:
“Caso se entenda pela adoção do posicionamento exposto, qual seja, de que às servidoras ocupantes de cargo exclusivamente em comissão seja conferida a estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT da CF, limitada a 5 (cinco) meses após o parto, com a ressalva de ser possível a dispensa por justa causa, bem como o direito à licença-gestante prevista nos arts. 7º, XVIII, e 39, §3º, da CF, e arts. 71 e 72 da Lei Federal nº 8.213/91, com a possibilidade de prorrogação por 60 (sessenta) dias, nos termos do Decreto Municipal nº 50.672/2009, o que pode acarretar aumento do período de estabilidade, sugiro a edição de um Ato a fim de regulamentar a matéria.”
4. Assim, em virtude do parecer acima indicado, foi editado pela Egrégia Mesa Diretora desta Câmara Municipal o Ato 1.173/11. Neste ato normativo, está prevista a estabilidade provisória da servidora ocupante de cargo de livre provimento em comissão, ressalvadas as hipóteses exemplificativamente elencadas de motivo justificável, previstas no parágrafo único do seu artigo 1º, mas nada dispõe a respeito do dever da servidora em informar o estado gravídico a esta Edilidade como condição para o exercício do direito a tal estabilidade.
5. A evolução da jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal aparentemente não alterou substancialmente o que já restara assentado à época da elaboração do parecer acima mencionado. Entretanto, no que se refere à existência do direito público subjetivo à estabilidade provisória, independentemente da comunicação da gravidez à Administração Pública, poucos meses após a Suprema Corte publicou a seguinte decisão:
“E M E N T A: SERVIDORA PÚBLICA GESTANTE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO – ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT/88, ART. 10, II, “b”) – CONVENÇÃO OIT Nº 103/1952 – INCORPORAÇÃO FORMAL AO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (DECRETO Nº 58.821/66) – PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO – DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO ÓRGÃO PÚBLICO COMPETENTE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O acesso da servidora pública e da trabalhadora gestantes à estabilidade provisória, que se qualifica como inderrogável garantia social de índole constitucional, supõe a mera confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao órgão estatal competente ou, quando for o caso, ao empregador. Doutrina. Precedentes. – As gestantes – quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário – têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, “b”), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º), sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral. Doutrina. Precedentes. Convenção OIT nº 103/1952. – Se sobrevier, no entanto, em referido período, dispensa arbitrária ou sem justa causa de que resulte a extinção do vínculo jurídico- -administrativo ou da relação contratual da gestante (servidora pública ou trabalhadora), assistir-lhe-á o direito a uma indenização correspondente aos valores que receberia até cinco (5) meses após o parto, caso inocorresse tal dispensa. Precedentes.” (grifei)
6. Inobstante a decisão acima transcrita vincule apenas as partes processuais, convém ressaltar que o Supremo Tribunal é o intérprete máximo da Constituição da República, razão pela qual convém que a Administração Pública acompanhe a evolução da interpretação das normas constitucionais dada por este Pretório Excelso. É importante ressaltar também que, no mesmo sentido, há precedentes do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:
“AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO – Pretensão ao reconhecimento da estabilidade gestante enquanto ocupante de cargo comissionado na Prefeitura Municipal de São Carlos, bem como o recebimento de verbas trabalhistas, recolhimento de contribuição previdenciária e indenização por dano moral – Admissibilidade, em parte – Exoneração efetuada no curso da gestação -Necessidade de observância da estabilidade provisória – Inteligência do artigo 10, inciso II, letra “b”, do ADCT – Desnecessidade da prévia comunicação à Municipalidade – Precedentes – Fixação de indenização equivalente à somatória dos vencimentos de até cinco meses após o parto – Afastada a condenação ao recolhimento do INSS e IRRF, dada a extinção do vínculo laboral e ante o caráter indenizatório da verba – R. sentença reformada em parte.
DANO MORAL – Não configurado – A Municipalidade não tinha ciência da gravidez da Autora no momento que a exonerou, não demonstrada qualquer desonra, humilhação ou constrangimento por ela suportado – Ausência do dever de indenizar.
JUROS DE MORA – Possibilidade de modificação, de ofício, da r. sentença, por se tratar de matéria de ordem pública – Condenação indenizatória – Aplicabilidade do artigo 406, do CC – Declaração de inconstitucionalidade por arrastamento do art. 5º, da Lei nº 11.960/09 exarada pelo C. STF – Marco inicial mantido por ausência de impugnação.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – Correto o reconhecimento – Decaimento substancial da pretensão da Autora.
Recurso da Autora improvido.
Recurso da Ré parcialmente provido, com observação.” (grifei)
7. Em consequência, para que a rotina desta Casa se adeque à evolução hermenêutica do Supremo Tribunal e do Tribunal de Justiça de São Paulo, é necessário que seja afastada qualquer interpretação da regra inscrita no “caput” do artigo 1º do Ato 1.173/11 que leve à conclusão de ser necessária a comunicação da gravidez ao órgão competente desta Edilidade como condição de exercício do direito à estabilidade provisória. Uma vez comprovado que o estado gravídico é anterior à exoneração da servidora, deve a portaria de exoneração ser anulada e a servidora reconduzida ao cargo e nele permanecer ao menos até o fim do período de estabilidade provisória, com o acréscimo temporal decorrente do Decreto Municipal 50.672/09 e do Ato 1.173/11, a não ser que haja motivo justificável, nos termos do parágrafo único do artigo 1º do Ato 1.173/11, ou que dê causa à demissão nas hipóteses previstas nos incisos dos artigos 188 e 189 da Lei Municipal 8.989/79, assegurado o contraditório e devido processo legal..
8. Portanto, a subsunção das regras infralegais atualmente vigentes ao caso proposto pelo Consulente leva à conclusão de que a servidora gestante que seja exonerada com justo motivo, a saber, posse de vereador suplente, não tem direito à estabilidade provisória, tão pouco de indenização do período em que seria assegurada a estabilidade, caso não houvesse justo motivo. Entretanto, tal solução merece alguns reparos, através de alterações do ato em vigor, para que sejam previstas de forma abstratas e genéricas os direitos à recondução ao cargo ou a outro equivalente ou, ainda, caso isto não seja possível, à indenização equivalente aos vencimentos devidos a contar da data posterior à exoneração até o fim do período de estabilidade, conforme jurisprudência acima colacionada.
9. Deve ser ressaltado que na jurisprudência dos tribunais citados nesta peça opinativa não é encontrada qualquer decisão que admita exceção ao direito à estabilidade provisória da gestante. Por outro lado, o direito à indenização é amplamente aceita:
“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidora gestante. Cargo em comissão. Exoneração. Licença-maternidade. Estabilidade provisória. Indenização. Possibilidade. 1. As servidoras públicas, em estado gestacional, ainda que detentoras apenas de cargo em comissão, têm direto à licença- maternidade e à estabilidade provisória, nos termos do art. 7º, inciso XVIII, c/c o art. 39, § 3º, da Constituição Federal, e art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT. 2. Agravo regimental não provido.” (grifei)
“Ação de reconhecimento do direito à estabilidade de gestante, ocupante de cargo em comissão Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça firmaram entendimento de que a gestante celetista faz jus à percepção da estabilidade – indenização devida – recurso oficial não provido.”
10. Assim, sugiro que o Ato 1.173/11 seja alterado para que o parágrafo único do seu artigo 1º seja revogado. Além disso, sugiro que seja nele incluída a previsão de recondução da servidora gestante, caso reste comprovado que a gestação se iniciou anteriormente à exoneração, independentemente de comunicação à Câmara de Vereadores, e a regra segundo a qual, caso o cargo de livre provimento em comissão outrora ocupado esteja preenchido, o atual servidor deva ser exonerado para permitir a recondução da anterior ocupante, tendo em vista que os cargos públicos são de número definido e fixado por lei, nos termos dos artigos 14, inciso III, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, 3º, da Lei Municipal 8.989/79, e 6º, da Lei Municipal 13.637/03. Esta regra poderá ser excepcionada se houver outro cargo de livre provimento em comissão de mesma referência que possa ser ocupado pela gestante e assegure compatibilidade de atribuições com o anterior.
11. Acaso não seja possível a recondução da gestante ao cargo, em razão do decurso do período em que assegurada a estabilidade provisória, sugiro que seja prevista indenização em montante equivalente aos vencimentos devidos entre a data posterior à exoneração até o quinto mês após o parto, nos termos dos julgados cujas ementas estão acima transcritas, desconsiderando-se o período de extensão da licença maternidade, já que o Decreto Municipal 50.672/09 apenas se aplica às “servidoras públicas municipais vinculadas ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, lotadas ou em exercício nos órgãos integrantes da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional, em gozo do benefício salário-maternidade de que tratam os artigos 71 e 71-A da Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991” (artigo 1º, “caput”).
12. Tais alterações evitariam condenações da Fazenda Pública Municipal em juízo, assim como o pagamento de verbas decorrentes da sucumbência, já que adequaria a atuação desta Câmara Municipal à atual posição jurisprudencial e eventuais ações poderiam ser extintas sem julgamento do mérito em razão da falta de interesse de agir. Com efeito, o Município de São Paulo já foi condenado ao pagamento de indenização em ação ajuizada por ex-servidora gestante exonerada em julho de 2006, em razão de posse de vereador suplente, ou seja, em circunstância passível de enquadramento como “motivo justificável”, tal qual previsto no artigo 1º, parágrafo único, do Ato 1.173/11, nos autos da ação de procedimento ordinário 0043022-37.2009.8.26.0053. Neste processo judicial, a sentença proferida pelo juiz da causa foi mantida pelo Tribunal de Justiça em acórdão assim ementado:
“Exoneração – Cargo comissionado – Servidora gestante – Pedido de indenização por danos materiais e morais – Os salários referentes aos meses depois da exoneração até cinco meses após o parto são devidos – Inteligência dos artigos 7º, inciso XVIII e art. 39, §3º, ambos da CF, além do art. 10, II, “b”, do ADCT – Dano moral não configurado – Sentença mantida – Recursos desprovidos.”
13. É relevante mencionar também que a adequação do Ato em comento evitaria condenação da Municipalidade ao ressarcimento de danos morais. Isto porque há precedente do Tribunal de Justiça que reconheceu a existência de dano moral e condenou o Município de Guarulhos ao ressarcimento em montante de R$10.000,00 em caso análogo ao discutido, embora não pareça ser esta a posição dominante:
“Servidora pública – Cargo comissionado – Gravidez – Exoneração enquanto gozava de licença-maternidade – Inadmissibilidade – Proteção constitucional à gestante e à criança – Impossibilidade de ser exonerada enquanto não findo o período da licença – Dano moral caracterizado – Perda do emprego, em momento em que mais precisa – Angústia, preocupação – Fixação em valor adequado – Recurso improvido.”
14. Desta forma, caso se considere convenientes e oportunas as considerações ora aduzidas, sugiro a remessa do expediente ao Setor de Elaboração Legislativa, para que seja elaborada minuta de tal ato, e me coloco à disposição para colaborar em sua redação.
15. Por fim, ressalto que a matéria será novamente apreciada pelo Supremo Tribunal, em regime de repercussão geral, nos autos do recurso extraordinário com agravo 674103/SC. Acaso haja alteração na jurisprudência da Suprema Corte, sugere-se que sejam verificadas eventuais necessidades de novas alterações do Ato 1.173/11.
16. Ante o exposto, concluo que:
a) A servidora grávida ocupante de cargo de livre provimento em comissão tem direito público subjetivo à estabilidade provisória se o início da gestação for anterior à exoneração;
b) O exercício deste direito independe de comunicação prévia da gravidez à Câmara, segundo recente jurisprudência;
c) De acordo com o atual regramento, acaso haja motivo justificável, poderá a servidora gestante ser exonerada;
d) Entretanto, para que o Ato 1.173/11 se adeque à evolução jurisprudencial, sugiro:
d.1) Revogação por Ato da Mesa do parágrafo único do seu artigo 1º;
d.2) Inclusão de regra que preveja a anulação da portaria de exoneração e a exoneração do novo servidor ocupante do cargo de livre provimento em comissão outrora ocupado pela gestante, a não ser que haja outro de igual referência e atribuições semelhantes, se houver protocolização de requerimento administrativo e sua apreciação até o fim do período de estabilidade;
d.3) Inclusão de regra que preveja que, acaso não seja possível a recondução da gestante ao cargo, seja ela indenizada em montante equivalente aos vencimentos devidos entre a data posterior à exoneração até o quinto mês após o parto.
e) Caso a Egrégia Mesa Diretora entenda conveniente e oportuna alteração no Ato 1.173/11, sugiro a remessa do expediente ao Setor de Elaboração Legislativa, para que seja elaborada minuta de ato.
É o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Senhoria.
São Paulo, 4 de março de 2015
RAFAEL MEIRA HAMATSU RIBEIRO
Procurador Legislativo – OAB/SP 332.008
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. SERVIDORA OCUPANTE DE CARGO DE LIVRE PROVIMENTO EM COMISSÃO