Parecer nº 0479/05
Ref. Memo. nº 0032/05 Comissão de Educação, Cultura e Esportes
Assunto: Legalidade do Decreto nº 44.816/04 que criou o Museu Afro-Brasil – natureza jurídica da entidade constituída como Museu.
Sra. Supervisora,
Consulta-nos a nobre Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esportes sobre a legalidade do Decreto nº 44.816, de 1º de junho de 2.004, que criou o Museu Afro-Brasil. Pelo que se pode depreender do teor de seu questionamento, a dúvida a ser dirimida gira em torno da possibilidade de se criar um museu por decreto, da natureza jurídico-administrativa de tal entidade e de como deveria legalmente ocorrer a composição de sua estrutura administrativa, ou seja, se por meio de criação de um quadro de pessoal efetivo, ou outro tipo de provimento funcional.
Para instituir um Museu, a administração pública pode vinculá-lo diretamente à sua estrutura administrativa, mantendo-o na administração direta, ligado a um de seus órgãos. É o que ocorre com o Museu Afro-Brasil, que nos termos do art. 5º do Decreto nº 44.816/04, vincula-se diretamente à estrutura da Secretaria Municipal de Cultura, a quem foi deferida a competência para implantá-lo e gerenciá-lo, por meio de sua Divisão de Iconografia e Museus, do Departamento do Patrimônio Histórico.
A Administração pode, ainda, constituir uma fundação de direito público para a finalidade específica de implantar e gerenciar um determinado acervo de bens que constitui o museu. Tal entidade para ser criada deve, então, contar com autorização legislativa e teria, como hoje é reconhecido pela doutrina, a mesma natureza jurídica das autarquias.
Em relação à composição da estrutura administrativa do museu, os funcionários incumbidos de suas atividades devem submeter-se ao regime estatutário, uma vez que os servidores da Administração direta, das autarquias e das fundações de direito público, devem submeter-se ao regime de cargo público, ou seja, ao regime estatutário que só se aplica aos ocupantes de cargos públicos.
De fato, não se pode olvidar que a Constituição Federal ao tratar dos servidores públicos, empenhou-se em delinear ao longo de vários artigos um regime especial, ou seja, o de cargos públicos, para esses agentes do Estado, de modo que se este não fosse o regime destinado a ser o prevalente na administração pública a Constituição não teria sido tão minuciosa em sua disciplinação.
Ademais, o regime estatutário, ou de cargos, é aquele concebido para atender as peculiaridades de um vínculo funcional onde não estão em causa somente interesses empregatícios, mas também se avulta o interesse público, já que o servidor, no caso, é o instrumento da atuação do Estado.
O regime estatutário institui proteções peculiares aos servidores efetivos submetidos a sua disciplinação, e de modo algum constitui um privilégio aos servidores públicos, mas se traduz em um mecanismo de garantia para os administrados, uma vez que enseja as condições necessárias a que os referidos agentes do Estado desempenhem suas atividades de modo isento, imparcial, e direcionado ao atendimento do interesse público, evitando que os mesmos sejam manietados por governantes transitórios por objetivos pessoais, sectários ou político-partidários. Constituem exemplo deste sistema de proteção a estabilidade, a reintegração, a disponibilidade remunerada, e a aposentadoria com os mesmos benefícios que os titulares do cargo.
É importante frisar que, embora o regime prevalente na Administração direta, autárquica e nas fundações de direito público deva ser o estatutário, é admissível que, para as atividades cujo conteúdo ocupacional não exija as garantias específicas do regime de cargos, seja adotado o regime trabalhista. Tais atividades seriam, portanto, aquelas relativas à prestação de serviços materiais, tais como motoristas, jardineiros, serventes, uma vez que o modesto âmbito de atuação administrativa destes agentes, não acarreta perigo de impessoalidade para a ação do Estado em relação aos administrados, ainda que despojados das garantias do regime estatutário.
Cabe salientar ainda que os cargos a serem criados, em princípio, devem ser de provimento efetivo, salvo se a função a ser exercida puder ser classificada como função de confiança, caso em que poderão ser criados cargos de livre provimento em comissão.
Feitas tais considerações, passo a examinar a legalidade e a constitucionalidade do Decreto nº 44.816, de 1º de junho de 2.004, que criou o Museu Afro-Brasil.
Inicialmente cabe considerar que a Lei Orgânica do Município de São Paulo, pelo que se depreende do teor do seu art. 13, inciso XVI, exige que a matéria referente à organização e funcionamento da administração municipal seja veiculada por meio de lei em sentido formal e material, ou seja, aquela regra de conduta geral e abstrata, aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo. Reza o referido dispositivo legal que:
“Art. 13. Cabe à Câmara, com sanção do Prefeito, não exigida esta para o especificado no art. 14, dispor sobre as matérias de competência do Município, especialmente:
(…)
XVI – criar, estruturar e atribuir funções às Secretarias e aos órgãos da administração pública;”
De forma que, colocada a questão apenas sob o prisma da regra de direito acima transcrita, a conclusão que daí deflui é que o Executivo não poderia tratar da matéria por decreto.
Entretanto, além do preceito retro citado da Lei Orgânica do Município, a regra constitucional inserta no art. 84, inciso VI, letra “a”, da Constituição Federal, também veda que se crie qualquer órgão na administração pública mediante simples decreto do Executivo. Determina o referido preceptivo legal que:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(…)
VI – dispor, mediante decreto sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.”
Assim, nos termos do preceito constitucional acima transcrito, o Executivo pode dispor por decreto sobre organização e funcionamento da administração quando o ato não implicar em aumento de despesa, criação ou extinção de órgão público.
Impõe-se enfatizar que a matéria concernente à competência para a disciplinação normativa referente ao processo de criação, estruturação e definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública, e as regras estabelecidas na Constituição Federal sobre iniciativa e competência privativa, por delinearem a estrutura do modelo de Estado adotado pela Lei Maior, “são de observância compulsória pelos Estados e Municípios (RTJ 150/341, 150/482, 151/425, 157/460, 163/957), que não poderão se afastar do modelo estabelecido pelo legislador constituinte.”
Assim, em conclusão, entendo que o Decreto nº 44.816, de 1º de junho de 2.004, é ilegal e inconstitucional por violar as disposições expressas no art. 13, inc. XVI, da Lei Orgânica do Município e no art. 84, inciso VI, letra “a”, da Constituição Federal.
Este é nosso parecer, smj.
Antonio Russo Filho
Assessor Técnico Legislativo (JURI)
OAB/SP nº 128.858
À ACJ – Senhor Advogado Chefe,
Encaminho a Vossa Senhoria o parecer retro da lavra do Dr. Antonio Russo Filho, que avalizo.
SP. 19/12/05
SIMONA MARY PEREIRA DE ALMEIDA
Supervisor de Equipe – ACJ 3
OAB/SP 129.078
Indexação
Legalidade
Decreto nº 44.816/04
Museu Afro-Brasil
natureza jurídica
entidade
Museu