Parecer nº 047/08
Ref. Proc. nº 813/07 (TID nº 1700369)
Assunto: Cessão total do contrato – possibilidade jurídica
Sr. Procurador Legislativo Supervisor,
Conforme se pode depreender do ofício constante às fls. 124/125 a empresa XXX signatária de contrato com este Legislativo para prestação de serviço de TV por assinatura (termo de Contrato n° 44/06), transferiu para a empresa XXX o direito de prestação de serviços de televisão por assinatura na modalidade Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS).
Segundo relata o referido comunicado, “a XXX” subscreveu e integralizou o aumento de capital na XXX, ingressando na sociedade mediante a conferência de seu acervo líquido de ativos e passivos. Diante do exposto, esclarecemos que a prestação de serviços de televisão por assinatura na modalidade Serviço de Distribuição de Sinais Multi Ponto (sic) Multicanal (MMDS), antes realizada pela XXX, foi transferida para a XXX, portanto os direitos e obrigações do instrumento em epígrafe (alusão ao Contrato nº 44/06) e futuros faturamentos deverão ser transferidos e efetuados em nome da XXX”.
Consoante se depreende do Ato nº 66.908, de 31 de agosto de 2007, do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações homologou tal alteração foi homologada transferindo-se para a empresa XXX a permissão para exploração do serviço de televisão por assinatura na modalidade Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS), de forma que esta última é de agora em diante a detentora da permissão antes outorgada pela União à XXX para a exploração do serviço.
Na espécie, parece-nos que ocorreu a cessão ou transferência total dos direitos e deveres outorgados pelo contrato firmado por este Legislativo com a XXX. para a empresa XXX. É certo que não há qualquer instrumento firmado pela partes referente à cessão específica do objeto de do Contrato nº 44/06 a XXX tal cessão ocorreu de forma indireta, na medida em que o acordo entre as partes prevê a transferência de todos os serviços referentes à Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) para a referida empresa.
Preleciona o art. 78, inciso VI, da Lei nº 8.666/93, que constitui motivo para a rescisão do contrato a cessão ou transferência total ou parcial do mesmo, não admitida no edital ou no contrato. Neste sentido, reza o referido dispositivo que:
“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
(…)
VI – a subcontratação total ou parcial de seu objeto, a associação do contratado a outrem, a cessão ou transferência total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato.”
Em relação à questão relativa à ocorrência ou não de rescisão contratual em virtude da cessão do objeto contratual há posições am ambos os sentidos.
Marçal Justen Filho propugna que a cessão ou transferência do objeto do contrato não acarreta necessariamente a rescisão do ajuste. Anota o referido jurista que “é possível tanto a cessão da posição jurídica como a produção de alterações subjetivas no âmbito das pessoas jurídicas. O que se faz necessário é verificar a presença de certos pressupostos, destinados a assegurar que a alteração não afete a realização dos interesses fundamentais perseguidos pelo Estado.”
Por seu turno o E. Tribunal de Contas da União comunga de entendimento diametralmente oposto àquele sustentado por Marçal Justen Filho.
Sustenta a referida Corte de Contas que “a Lei nº 8.666/93, com suas posteriores alterações, veda a cessão ou transferência da posição da contratada no âmbito dos contratos administrativos. Observe que essa vedação decorre a ausência de fundamentação legal para o uso de tal instituto, independente do objeto a ser sub-rogado, ou seja, ela atinge a cessão ou transferência, quer da totalidade quer de parte do objeto contratado. O que se poderia argumentar a favor dessa sub-rogação no âmbito dos contratos administrativos é a agilidade que o uso de tal instituto propiciaria à Administração Pública, considerando-se os custos de uma nova licitação, o prazo provável requerido para o seu término e as conseqüências, muitas vezes danosas, da interrupção na prestação dos serviços ou execução das obras. Há que se considerar esse argumento com cautela, pois a Lei nº 8.666/93 prevê hipóteses de impedimento da contratada e estabelece medidas alternativas viáveis para a Administração Pública, inclusive, como vimos anteriormente, no caso de rescisão contratual, com a possibilidade de se contratar diretamente o remanescente dos serviços ou obra, nos termos do inciso XI do art. 24 da citada lei. Obviamente, se esgotadas todas as hipóteses alternativas e o órgão ou entidade contratante se vê obrigado a abrir novo procedimento licitatório, danos ou custas adicionais poderão advir, contudo, somente em casos extremos serão de proporções consideráveis, dignos de atenção especial.”
No mesmo sentido da posição adotada pela Corte de Contas da União preleciona Jessé Torres Pereira Júnior “que dará causa à rescisão do contrato qualquer ato que implique a substituição do contratado por outra pessoa, ainda que esta signifique desdobramento daquele, como ocorre na incorporação, na fusão, na cisão, irrelevante que as sociedades resultantes assumam todos os direitos e obrigações da que foi incorporada, fundida ou cindida. A ‘ratio’ está em que a empresa substituta, não tendo participado da licitação, não teve sua habilitação aferida, nem disputou preço com as demais concorrentes, sendo, portanto, estranha para a Administração. O fato de o texto referir-se a subcontratação e cessão totais mereceu, na vigência do Dec. Lei nº 2.300/86, que as fazia igualmente, severa reprovação do doutrinária, que inquinava de inconstitucional a disposição partindo da premissa de que a lei não poderia admiti-las, fosse quanto à execução ou ao contrato, sem malferir o princípio da igualdade e o próprio dever geral de licitar, já que a transferência total carrega, implícita, a idéia de que o contratado poderia repassar para terceiro, que sequer participara do certame, a execução do contrato ou este mesmo, em sua integralidade. (…) Ao referir-se à subcontratação da execução do contrato e à cessão deste em caráter integral, o decreto-lei, antes, e a lei, agora, almejavam e querem, tão-só, prevenir-lhes a ocorrência, para dizer que se, conquanto desautorizadas, acontecerem, constituirão motivo para a rescisão do contrato (e, pois, ineficácia do subcontrato ou da cessão).”
Vale citar também o entendimento de Izabel Sobral, que em artigo onde trata especificamente do tema em apreço (cessão ou transferência total do contrato), após analisar a opinião de diversos juristas conclui que “a cessão ou transferência totais referidas no inciso VI, do art. 78, da Lei n. 8.666/93 configuram negação do procedimento licitatório e ferem o princípio da igualdade. O dispositivo, no ponto em que admite aquelas figuras, é inconstitucional, pois ofende o inciso XXI, do art. 37, da Constituição Federal, conforme esclarece Toshio Mukai.”
De fato, Toshio Mukai posiciona-se de forma contrária à possibilidade de cessão total do contrato administrativo, uma vez que no entender do referido jurista “a leitura do inciso VI do art. 78 não pode infringir o princípio da vedação da sub-rogação das obrigações e, em especial, o da vedação da subcontratação, cessão ou transferências totais do objeto contratual. A única leitura possível do inciso VI está em que será motivo de rescisão contratual o fato de a empresa contratada efetuar cessão, transferência ou subcontratação sem autorização e conhecimento da Administração. O edital e o contrato jamais poderão autorizar tanto, em face do disposto no art. 72, que só admite a subcontratação parcial. Esta sim, desde que prevista no edital e no contrato, poderá ser efetuada.”
Parece-nos que na doutrina o entendimento de Marçal Justen Filho a respeito do tema é isolado, não tendo sido acompanhado por seus pares que se debruçaram sobre a questão, e não logrou, ainda, modificar a posição do E. TCU, uma vez que no Acórdão nº 211/2006 daquela Corte de Contas (em anexo), ao tratar-se da questão na Auditoria nas obras do Complexo Viário Jacu-Pêssego, realizadas neste Município, afastou-se a posição do citado jurista que havia elaborado parecer na defesa da cessão total do contrato, preferindo-se manter a posição contrária à possibilidade jurídica de transferência ou sub-rogação do contrato administrativo.
Aduz o Ministro relator, Benjamin Zymler “que a base das alegações sustentadas pelos defendentes advém do parecer do Prof. Marçal Justen Filho, vale dizer, refutar as alegações seria, em última análise, rejeitar o parecer. Não obstante, pedimos vênia, pois, por divergir do posicionamento defendido, sem a pretensão de adentrar o mérito das considerações aí tecidas, mas a teor da jurisprudência predominante deste Tribunal que, não se coaduna com os pressupostos expressos no parecer inicial, tampouco no complementar de fls. 578/613 – vol. 2. A questão da sub-rogação contratual já mereceu amplo debate no âmbito do Tribunal de Contas de União, cabendo arrolar os seguintes julgados, os quais já condenavam a figura consistente na substituição contratual: Acórdão 56/1997 – Plenário (Ata nº 10/97, TC 007.763/1994-8); Acórdão 238/1998 – Segunda Câmara (Ata nº 22/98, TC 400.099./1996-9); Acórdão 93/1997 – Plenário (Ata nº 17/97, TC 017.660/1993-9); Decisão nº 207/1996 – Plenário (Ata nº 15/96, TC 014.318/1995-4); Decisão 284/99 – Plenário (Ata nº 20/99, TC 003.839/1998-2); Decisão 592/99 – Plenário (Ata nº 39/99, TC 008.151/1994-6; Decisão nº 119/2000 (Ata nº 08/00, TC 600.265/1995-1). A matéria hoje, encontra-se pacificada, sobretudo após a Decisão 420/2002 – Plenário, prolatada no TC 004.440/2001, Relator Auditor Augusto Sherman Cavalcanti (Data da Sessão: 24.4.2002, Ata 13/2002 – Plenário, DOU de 10.5.2002).”
Entre a posição de Marçal Justen Filho, favorável a possibilidade de cessão do contrato em qualquer hipótese, e a posição mais conservadora adotada pelo E. Tribunal de Contas da União, que não admite sequer que o edital ou o contrato possam prever a possibilidade de subcontratação ou cessão total do objeto do contrato, está a daqueles que admitem a cessão total desde que tal hipótese tenha sido prevista no edital e no contrato.
No caso em questão, sequer houve previsão da possibilidade de cessão total no contrato ou edital, circunstância que torna ainda mais difícil admiti-la na hipótese, uma vez que, em nosso entender, contraria frontalmente a disposição legal inserta no inciso VI do art. 78, da Lei nº 8.666/93.
Assim, em face do exposto, recomendo a rescisão do Contrato nº 44/06, podendo a Administração optar, entre a possibilidade de contratação dos demais classificados na licitação que deu origem a tal contrato, obedecendo-se a ordem de classificação, nos termos do disposto no inciso XI do art. 24 da Lei nº 8.666/93, a fim de que este execute o remanescente do serviço nas mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, ou desde já licite o objeto do contrato.
Consta dos autos, ainda, duas faturas apresentadas pela empresa XXX relativas a serviços prestados no período em que a mesma, sem comunicar a esta contratante e sem fundamento contratual, se sub-rogou no direito de prestar os serviços contratados com a empresa XXX.
Como os serviços foram efetivamente prestados e constituiria enriquecimento sem justa causa deixar de honrá-los, parece-nos que os mesmos devem ser quitados, observadas as cautelas de praxe.
Este é o parecer que submeto à apreciação de V. Sa., conjuntamente com minutas de ofícios a serem dirigidos à XXX e a XXX a fim de que as mesmas exerçam seu direito de defesa, consoante o disposto no parágrafo único do art. 78 da Lei nº 8.666/93.
São Paulo, 29 de fevereiro de 2008.
ANTONIO RUSSO FILHO
Procurador Legislativo
OAB/SP n° 125.858