ACJ – Par. nº 42/05
Ref: Memo. SGA. nº 230/2004
Interessado: Secretaria Geral Administrativa
Assunto: Publicação de ato administrativo em DOM; desnecessida-
de de determinação
Sr. Advogado Supervisor,
Consulta a Sra. Secretária Geral Administrativa acerca da necessidade de autorização presidencial para fazer publicar, em veículo oficial, ato da administração pública.
Trata-se de publicação da resposta do Sr. Presidente a requerimento de outros três membros da E. Mesa, acerca da aplicação do Acórdão proferido nos autos do Proc. TCM 72.002.911.02-95.
Consiste o caso claramente em publicidade de ato oficial, em razão do que há que se tecer alguma elucidação acerca do assunto.
A publicidade foi guindada ao status de princípio constitucional da administração pública com a Carta Magna de 1988, chamada de Constituição Cidadã, que o mencionou expressamente em seu art. 37, caput.
Tal é sua importância em um regime democrático que o Princípio da Publicidade em geral é a primeira vítima – juntamente com as liberdades civis – dos regimes totalitários, que visam afastar do conhecimento público os atos realizados pelo governo.
Com efeito, a inscrição da publicidade no rol dos princípios constitucionais tornou a publicação dos atos oficiais a regra, uma vez que compõe a salvaguarda das garantias pessoais e do estado democrático de direito, cuja existência pressupõe o controle popular.
Nesse sentido, escreveu Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Princípio da Publicidade, aliás expressamente previsto e reportado à Administração direta, indireta ou fundacional no art. 37, caput, da Constituição. Deveras, se os interesses públicos são indisponíveis, se são interesses de toda a coletividade, os atos emitidos a título de implementá-los hão de ser exibidos em público. O povo precisa conhecê-los, pois este é o direito mínimo que assiste a quem é a verdadeira fonte de todos os poderes, consoante dispõe o art. 1º. parágrafo único, da Constituição do País. O princípio da publicidade impõe a transparência na atividade administrativa exatamente para que os administrados possam conferir se está sendo bem ou mal conduzida.” (Celso Antônio Bandeira de Mello, in “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros Editores, 1994, 5ª. ed., pág.35)
No mesmo sentido, o grande Mestre Hely Lopes Meirelles entendia que a publicidade deve ser a regra nos negócios jurídicos, cujas exceções devem ser expressas:
“A Constituição da República assegura a todos a obtenção de ‘certidões requeridas às repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações’ (art. 5º., XXXIV, ‘b’).
É uma garantia individual ampla e incondicionada. Qualquer pessoa poderá obter certidão de qualquer ato ou contrato administrativo, desde que não seja sigiloso. Mas o sigilo nos negócios públicos só pode ser declarado pelas autoridades competentes, nas condições e casos previstos no ‘Regulamento para a Salvaguarda de Assuntos Sigilosos’ (Dec. Federal 79.099, de 6.1.77), que se endereça aos órgãos diretamente responsáveis pela segurança nacional. Portanto, nos negócios municipais não há, nem pode haver, assuntos sigilosos.” (“Direito Municipal Brasileiro, Malheiros Editores, 8ª. ed. 1996, pág. 555 – grifado)
Da mesma forma, a publicidade deve ser ampla, tanto em relação à divulgação, quanto aos atos administrativos dos quais se deve dar conhecimento “erga omnes”:
“A publicidade, como princípio de administração pública (CF, art. 37, caput) abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes.” (Hely Lopes Meirelles, in “Direito Municipal Brasileiro, Malheiros Editores, 8ª. ed. 1996, pág. 555)
Nessas condições, a ausência de publicidade dos atos administrativos – praticados em qualquer esfera e ente estatal – tem o condão de eivar de vício insanável o ato, o qual deverá ser refeito. Se ato complexo, todos os atos a partir da ocorrência do vício deverão ser reeditados.
Nesse sentido tem se manifestado reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: HABEAS-CORPUS. TENTATIVA DE DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO. RECURSO EX OFFICIO. PUBLICAÇÃO EM PAUTA DE JULGAMENTO. 1. Implica vício de nulidade a decisão proferida em recurso ex officio que não constar da pauta de julgamento. 2. A ausência de prévia intimação ou publicação da pauta de julgamento de recurso de ofício ofende os princípios da publicidade e da ampla defesa, a teor do que preceitua a Súmula 431. 3. Habeas corpus deferido. (HC 77611 / PB – PARAÍBA, HABEAS CORPUS, V.U.. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, J. 11/12/1998, 2ª. Turma, P. DJ DATA-25-06-1999 PP-00003 EMENT VOL-01956-03 PP-00431)
No caso em apreço, trata-se de publicação da decisão majoritária da E. Mesa desta Edilidade, por expressa determinação da maioria dos membros daquele colegiado, em razão do que a ilustre subscritora da consulta questiona se houve invasão de atribuição exclusiva do Exmo. Sr. Presidente desta Casa.
Como citado pela consulente, o caso refere-se aos arts. 14 e 17 do Regimento Interno desta Casa, este último mais especificamente ao inciso V, que dispõem, que:
“Art. 14 – Os membros da Mesa reunir-se-ão, pelo menos quinzenalmente, a fim de deliberar, por maioria de votos, presentes a maioria absoluta de seus membros, sobre todos os assuntos da Câmara sujeitos ao seu exame, assinando e dando à publicação os respectivos atos e decisões.” (grifado)
“Art. 17 – (…)
V – Quanto às publicações:
a) determinar a publicação de todos os atos da Câmara, da matéria de expediente, da Ordem do dia e do inteiro teor dos debates;
b) revisar os debates, não permitindo a publicação de expressões e conceitos anti-regimentais ou ofensivos ao decoro da Câmara, bem como de pronunciamentos que envolverem ofensas às instituições nacionais, propaganda de guerra, de preconceito de raça, de religião ou de classe, configurarem crime contra a honra ou contiverem incitamento à prática de crimes de qualquer natureza;
c) determinar a publicação de informações, notas e documentos que digam respeito às atividades da Câmara e devam ser divulgados.” (grifado)
Ambos os artigos, apontados com propriedade, devem ser interpretados conjuntamente, vez que ambos estabelecem atribuições distintas, mas, se interpretados isolada e perfunctoriamente, inexoravelmente apresentariam conflito.
O art. 14 encontra-se inserido no Capítulo III do Regimento Interno, que dispõe sobre as atribuições da mesa.
Por sua vez, o art. 17 destina-se a disciplinar a competência do Exmo. Sr. Presidente do Legislativo, dividindo-a de acordo com as matérias em seus incisos, relativos às sessões, às proposições, às Comissões, às reuniões da Mesa, às publicações em geral e às atividades e relações externas da Casa.
Dessa forma, é de se constatar que em nenhum momento são mencionadas as atribuições relativas à administração interna da Casa, uma vez terem sido remetidas exclusivamente à E. Mesa Diretora, nos termos do inc. II do art. 13 desse Regimento, o qual enumera as hipóteses sem esgotá-las.
De outro lado, em se tratando de respeito ao princípio constitucional da publicidade, a melhor interpretação em relação a dispositivos que estabeleçam competência para a publicação de atos é a de que essas são obrigações positivas, e estabelecem responsabilidades, por conseguinte, em casos de omissão, e não de atos comissivos.
Ou seja, em sendo publicado qualquer ato oficial da administração pública, que deveria ser publicado por força de disposição constitucional, não há que se falar em responsabilização por ação, visto que essa encontra respaldo no próprio dogma constitucional.
Em suma, funcionário público não pode ser responsabilizado por agir com respeito a princípio constitucional, respaldado em determinação da maioria dos membros da E. Mesa, cujo descumprimento – esse sim – poderia em princípio ser punível, inclusive disciplinarmente.
Por fim, há que se mencionar que a E. Mesa é órgão diretor administrativo desta Casa que atua de forma colegiada, devendo as decisões majoritárias serem tomadas como válidas e soberanas, nos termos do já mencionado art.14 do Regimento Interno.
Nessa condição, a publicação de seus atos é fundamental, como ficou expresso no despacho manuscrito aposto ao final da decisão de 06.12.04 às fls, e como já teve oportunidade de manifestar-se o próprio Supremo Tribunal Federal, na Medida Cautelar na ADIn 1057 MC / BA – BAHIA, no voto do Min. CELSO DE MELLO (Julgado em 20/04/1994):
“As deliberações parlamentares regem-se, ordinariamente, pelo princípio da publicidade, que traduz dogma do regime constitucional democrático. A votação pública e ostensiva nas Casas Legislativas constitui um dos instrumentos mais significativos de controle do poder estatal pela Sociedade civil.”
Este é o parecer, s.m.j., que se submete à superior apreciação, com as pertinentes homenagens e respeito.
São Paulo, 10 de fevereiro de 2005.
ROGÉRIO JUSTAMANTE DE SORDI
Assessor Técnico Legislativo (Juri)
OAB/SP 123.722
Indexação
Publicação
Ato administrativo
Autorização
Ato oficial