Parecer n° 379/2008

Parecer n° 379/2008
TID nº 3504585
Assunto: Requerimento de servidores da Câmara Municipal de São Paulo para convalidação dos efeitos da Lei nº 9296/81
Sr. Procurador Legislativo Chefe Substituto:

Trata-se de requerimento elaborado por 55 (cinqüenta e cinco) servidores desta Edilidade no qual pleiteiam a convalidação dos efeitos da Lei nº 9.296/81, durante o período de sua vigência até a data da entrada em vigor da Lei nº 13.637/03, bem como a conseqüente aplicação do artigo 23, § 1º, inciso II desta última, inclusive com o reenquadramento nela determinado e a conseqüente adequação de seus vencimentos mensais.

Os requerentes asseveram que a Lei nº 9.296/81 criou, na estrutura funcional desta Edilidade, a Carreira Administrativa Operacional, com cargo inicial de Auxiliar Legislativo e cargo final de Assistente Técnico de Direção IV e/ou Diretor Técnico de Departamento.

Mais à frente, aludindo aos artigos 37, inciso II e 39, caput e § 2º da Constituição Federal, os requerentes defendem a subsistência de algumas formas de promoção funcional em que prescindível a prévia submissão a concurso público, do que se poderia concluir ser ainda possível a evolução de um cargo de nível básico ou médio para, respectivamente, um cargo de nível médio ou superior, desde que integrantes da mesma carreira.

Com fundamento, assim, no artigo 39, § 2º da Constituição, o provimento por promoção ou acesso teria subsistido como forma excepcional. Citando passagem da doutrinadora Maria Sylvia Zanella di Pietro, os requerentes explicitam que a promoção é “forma de provimento pelo qual o servidor passa para cargo de maior grau de responsabilidade e maior complexidade de atribuições, dentro da carreira a que pertence”.

Segundo eles, seriam cargos de provimento exclusivamente por acesso, nos termos da Lei 9296/81, o de Assistente de Chefia Técnica, Assistente Técnico de Direção I e Chefe de Seção Técnica I.

Subsidiaram a tese esposada, outrossim, em Súmula do Supremo Tribunal Federal e em jurisprudência relativa a duas ações diretas de inconstitucionalidade, nºs 245-7/RJ e 231-7RJ.

Segundo a Súmula citada pelos requerentes, de nº 685:

“É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

Com base nisso, poder-se-ia concluir que, desde que integrantes da mesma carreira, seria legal a promoção dos servidores de um cargo de nível básico ou médio a outro de maior graduação.

Na mesma senda, o entendimento exarado nos dois acórdãos citados, no sentido de que, desde que os dois cargos, o de menor e o de maior graduação, integrem a mesma carreira, é possível a promoção, sendo, apenas, imprescindível o concurso público para o ingresso em sua classe inicial.

Alertam, ainda, para o fato de que o sentido da expressão “acesso”, neste Município tem sentido de promoção, diferentemente da Lei Federal nº 8112/90 que inverte os conceitos, denominando de promoção o que, de fato, é acesso.

Os requerentes sustentam, outrossim, vícios de forma presentes nos atos emanados da Egrégia Mesa Diretora desta Casa e por meio dos quais se determinou a anulação de atos de promoção entendidos ilegais, uma vez que apenas diante do adequado processo administrativo ou judicial, poderia ter sido determinado que os então ocupantes de cargos de nível médio ou superior retornassem aos cargos, respectivamente, de nível básico ou médio, com a conseqüente redução salarial.

Outro dispositivo a que aludiram os servidores, invocando sua aplicação, foi o artigo 133 da Constituição do Estado de São Paulo, segundo o qual o servidor que conte com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos.

Por fim, os requerentes pleiteiam a aplicação analógica de parecer do Tribunal de Contas do Município, proferido nos autos do Processo TC nº 1.816.07-73, em que se determinou a integração definitiva por tempo de carreira nos moldes do Artigo 23, § 1, inciso II da Lei nº 13.637/03 aos servidores inativos e pensionistas desta Edilidade.

É o breve relatório dos fatos.

Preliminarmente, no que alude a eventuais vícios de forma presentes na anulação dos atos de promoção entendidos como ilegais e que se concretizou por meio de Decisão da Egrégia Mesa desta Edilidade, deve-se apontar que inexistem, uma vez que dois processos administrativos foram abertos para tratar do tema, o Processo nº 1384/04 para os servidores ativos, e o Processo nº 1009/04 para os inativos e pensionistas, no âmbito dos quais se deu aplicação aos artigos 57 a 61 da Lei Estadual nº 10.177/98, que estabelece, nesta seção, o procedimento de invalidação dos atos administrativos.

No que concerne à aplicação do artigo 133 da Constituição do Estado de São Paulo, por sua vez, é mister ponderar que sua aplicação restringe-se aos servidores estaduais, uma vez que para os municipais há legislação própria, qual seja o Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo, correspondente à Lei nº 8989, de 29 de outubro de 1979.

Além disso, há que se apontar que o requerimento dos servidores para aplicação analógica do parecer da Corte de Contas deste Município, proferido nos autos do Processo TC nº 1.816.07-73, não merece acolhida, uma vez que a ele a Decisão de Mesa nº 295, de 02 de julho de 2008, já deu cumprimento, estendendo-se, inclusive, aos ora requerentes.

No mérito, deve-se aqui ressaltar que a tese da constitucionalidade da carreira de Lei nº 9296/81, já fora objeto de análise por esta Procuradoria, no Parecer ACJ nº 351/04, em que se entendeu que seria próprio das carreiras administrativas a coexistência de cargos de nível médio e universitário. Nesse sentido:

“No então vigente sistema da Lei 9296/81 ninguém ingressava por concurso para o cargo, v.gr., de oficial parlamentar que pudesse, por concurso interno de acesso, transpor-se para o de assessor jurídico, assessor econômico, assessor médico, etc. Para essas carreiras, a partir de 1988 (e isso é fato que o r. relatório injustificadamente ignorou!), somente foram nomeados servidores aprovados em concursos públicos; jamais por concursos internos de acesso. Nesses casos, por se tratar de carreira composta por cargos cujo conteúdo ocupacional pressupõe habilitação específica e diversa da da carreira administrativa, o ingresso dava-se por meio de provimento necessariamente originário (concurso público). Já para a carreira administrativa, essa sim, havia níveis crescentes de escolaridade (segundo grau, nível universitário), o que de resto é próprio de qualquer carreira dessa natureza”. (grifo nosso)

Ocorre que, a despeito deste posicionamento e dos vícios de forma apontados pelos requerentes, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo, em 08 de agosto de 2003, proferiu, nos autos do Processo TC nº 72.002.911.02-25, originado de consulta que esta Edilidade formulou acerca da legalidade e regularidade de todos os vencimentos pagos aos servidores de seu quadro ativo e inativo, acórdão em que se manifestou pela inconstitucionalidade do sistema de evolução em carreira previsto naquela lei.

O Tribunal, in verbis, assim se pronunciou:

“Com relação às concessões de acesso aos titulares de cargos de nível médio, a cargos de nível superior, operados a partir da CF/88, consoante já exposto, carecem de fundamento legal, eis que as normas constantes da Lei 9296/81 não foram recepcionadas, estando, em conseqüência, revogadas.
Consultando a doutrina, o grupo constatou que o STF não aceita a existência de inconstitucionalidade superveniente, entendendo que a ulterior promulgação da Constituição Federal, de revisão constitucional ou de emendas constitucionais, revoga os atos anteriores com eles incompatíveis como qualquer lei ordinária, segundo o brocardo ‘lex posterior derrogat a priori’, não se podendo submeter tais leis anteriores (e agora revogadas, segundo o STF) ao processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade.
Nesses termos, os atos concessivos desses acessos devem ser revistos, no exercício do poder de autotutela da Administração, mediante procedimentos administrativos próprios, para o fim de anulação, retornando os servidores à situação anterior à dos acessos deferidos”.

Além disso, em outra consulta formulada por esta Casa, nos autos do Processo TC nº 72.004.128.04-02, o Tribunal de Contas deste Município também entendeu que suas decisões, quando proferidas em razão de consulta, têm efeito vinculante em relação ao órgão Consulente.

Entendeu o Tribunal:

“Dessa afirmação, verifica-se que as decisões proferidas por esta Corte, sobre pessoas e matérias sujeitas à sua jurisdição, têm indiscutível efeito vinculante”.

Mais à frente, asseverou:

“Sendo assim, entendimento contrário, emanado do órgão jurídico da entidade objeto desse controle externo, não pode por si só respaldar o descumprimento das determinações do Egrégio Plenário”.

Ademais, o descumprimento de uma decisão de caráter vinculante pode sujeitar seus destinatários às penalidades cabíveis. In verbis:

“Em caso de descumprimento do julgado, seu destinatário se sujeitará às penalidades previstas nos normativos aplicáveis à espécie, atribuição esta prevista expressamente no artigo 70, inciso VIII, da Constituição Federal, ou, ainda, em outros casos, à recusa de registro nos casos de apreciação da legalidade dos atos de admissão de pessoal e concessão de aposentadorias e pensões, e, também, eventual representação junto ao poder competente em casos de irregularidades ou abusos apurados”.

Por derradeiro, deve-se frisar que a matéria sob apreciação já foi objeto de mandados de segurança, impetrados individual ou coletivamente por servidores desta Casa (como por exemplo, MS nº 118.154.0/7, MS nº 119.836-0/8-00, MSC nº 120.064.0/7), em que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim como a Corte de Contas deste Município, também entendeu pela inconstitucionalidade das evoluções funcionais da carreira administrativa operadas no âmbito desta Edilidade sob a Lei nº 9296/81.

Com efeito, analisando o princípio do concurso público, assim se pronunciou o Tribunal:

“Mandado de Segurança – Impetração contra ato da Mesa da Câmara Municipal de São Paulo – Revisão dos proventos de servidoras que exerciam cargo público de nível operacional ou de nível médio e que, na vigência da Constituição Federal de 1988, passaram, por acesso, a ocupar, respectivamente, cargo de nível médio e de nível superior – Ofensa ao cânon constitucional que subordina a investidura em cargo público a prévia aprovação em concurso público (CF, art. 37, II) – Exercício pela Administração do poder de autotutela, consistente em anular seus próprios atos, que prescinde de formalidades legais e tampouco se submete a prazo para a invalidação – Ausência de direito líquido e certo –Denegação da ordem. ” (MS nº 117.158-0/9-00).

Mesmo no caso do Mandado de Segurança Coletivo nº 120.064.0/7, cujo objeto principal versa sobre a questão da decadência do direito de a Administração Pública rever seus próprios atos, a matéria dos acessos operados sob a égide da Lei nº 9296/81 foi apreciada, conforme se depreende da parte final da ementa do acórdão:

“(…) Impetrantes que ascenderam, a partir de cargos de nível intermediário, a carreiras de nível superior, sem a prévia aprovação em indispensável concurso público. ‘Transposição de cargos’ caracterizada. Vedação constitucional (art. 37, II da Carta Magna), com incidência das Súmulas 346, 473 e 685 do Supremo Tribunal Federal. Ordem denegada”.

Logo, diante dos efeitos vinculantes das decisões da Corte de Contas do Município de São Paulo, bem como diante do fato de que a matéria é objeto de ações judiciais, sendo certo que nenhum servidor logrou, todavia, obter provimento jurisdicional ao pedido de reconhecimento da validade dos acessos operados sob a égide da Lei n 9296/81, após a Constituição Federal de 1988, opino pelo indeferimento do requerido.

Em seguida, encaminhem-se os autos à deliberação da Secretaria Geral Administrativa – SGA.

É o meu parecer, que submeto à elevada apreciação de V.Sa.

São Paulo, 08 de dezembro de 2008.

Camila Maria Escatena
Procuradora Legislativa
OAB nº 250.806

Ref.: TID nº 3504585
Parecer nº 379/2008

Sra. Secretária Geral Administrativa,

Encaminho à apreciação de Vossa Senhoria o Parecer nº 379/2008 da colega Dra. Camila Escatena, o qual avalizo.

Como já dito na manifestação da colega, os requerentes pleiteiam à E. Mesa Diretora o reconhecimento da validade da carreira prevista na Lei nº 9.296/81 e, como conseqüência dessa medida, os seus re-enquadramento ao regime da Lei nº 13.637/03 tal como haviam sido feitos os enquadramentos dos mesmos anteriormente à anulação, pela Mesa de então, dos atos de acesso praticados à luz da Lei 9.296/81 posteriormente a 1988 e considerados inconstitucionais por Acórdão do C. Tribunal de Contas deste Município.

No que diz respeito ao mérito da tese argüida pelos peticionários ressalto, frisando o já lembrado pela parecerista, que esta Procuradoria se manifestou concludentemente pela constitucionalidade e legalidade da sistemática da carreira prevista na Lei 9.296/81.

Assim, é relevante anotar, este órgão compartilha do entendimento defendido pelos requerentes, não sendo por discordâncias com relação a essa tese que o parecer concluiu pelo indeferimento do pedido formulado.

Entretanto, não vingou junto à E. Mesa a razão defendida pela Procuradoria. Muito ao contrário, o Órgão Diretor desta Casa acolheu integralmente o entendimento da Corte de Contas e determinou a revisão daqueles acessos julgados inconstitucionais.

Vale lembrar que mesmo os três integrantes da Mesa Diretora do ano de 2004 que ofereceram votos em separado à Decisão que mandou anular os atos de acesso não fizeram qualquer ressalva quanto ao mérito do quanto decidido, vale dizer, não divergiram do entendimento de ilegalidade daqueles acessos, limitando seus votos aditivos à questão do reconhecimento da prescrição/decadência administrativa.

Dessa forma, e tendo em conta, ainda, o efeito vinculante das decisões da Corte de Contas, quando proferidas em razão de consulta regimentalmente pertinente feita pelo órgão consulente, como bem lembrou a colega autora da presente manifestação, penso que o requerimento formulado perante a Mesa desta Casa quiçá teria como melhor destinatário o próprio Tribunal de Contas, por meio da impetração do cabível Recurso de Revisão, na forma dos artigos 148 e 149 do Regimento Interno daquela Corte (Resolução n° 03, de 03/07/02, e alterações posteriores).

De outro lado, não poderia esta Procuradoria deixar de alertar a E. Mesa da existência das ações judiciais propostas pela grande maioria dos servidores prejudicados pelos atos de revisão dos acessos praticados sob a égide da Lei 9.296/81 e posteriores a outubro de 1988, sobretudo ao se constatar que nenhum servidor obteve êxito com as ações ajuizadas e, mais, que muitos dos acórdãos prolatados decidiram sobre o mérito da questão aventada neste requerimento, ou seja, apreciaram e julgaram como inconstitucionais os referidos acessos praticados após a CF/88. Até mesmo no Mandado de Segurança Coletivo que visava exclusivamente o reconhecimento da decadência (ou prescrição), a impedir que os atos de acesso praticados há mais de cinco anos pudessem ser revistos, o E. Tribunal de Justiça adentrou ao mérito da matéria e, ao mesmo tempo em que afastou a incidência da prescrição, julgou os acessos inconstitucionais e como tais não geradores de qualquer efeito (v. MS 120.064.0/7).

Com essas observações, que faço apenas para ressaltar alguns pontos já tratados pelo parecer, elevo o presente a sua superior apreciação.

São Paulo, 09 de dezembro de 2008.

LUIZ EDUARDO DE SIQUEIRA S.THIAGO
Procurador Legislativo Chefe substituto
OAB/SP 109.429