Parecer n° 372/2008
Processo nº 1384/2004
TID nº 236114
Assunto: Possibilidade de aplicação do prazo decadencial previsto na Decisão de Mesa aditada em 31 de dezembro de 2004
Sr. Procurador Legislativo Chefe Substituto:
Trata-se de consulta acerca das teses que podem ser reconhecidas pela Egrégia Mesa desta Casa no que concerne ao prazo decadencial a ser aplicado para a anulação dos atos administrativos praticados no âmbito do Poder Legislativo Municipal, tendo em vista a suspensão da decisão que, fundamentada no artigo 54 da Lei federal nº 9784/99, reconhecera o prazo de 5 (cinco) anos.
Em resumo dos fatos, o Presidente da Mesa da Câmara Municipal de São Paulo, à luz do constante nas folhas 01/06 dos autos, em 24 de novembro de 2004, determinou a revisão dos atos de integração dos servidores ativos nas novas carreiras previstas pela Lei Municipal nº 13.637/03 em razão dos acessos operados à luz da Lei nº 9296/81 e que foram considerados inconstitucionais, consoante acórdão do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, proferido nos autos do Processo TC nº 72.002.911.02-95 e publicado no Diário Oficial deste Município em 08 de agosto de 2004.
Em 17 de dezembro do mesmo ano, esta decisão foi ratificada pela Egrégia Mesa da Câmara, conforme folhas 91 dos autos e aditada, em 31 de dezembro, por três dos integrantes da Egrégia Mesa, consoante folhas 107, 113/114 e 115, para o fim de declarar que os seus efeitos não atingissem os atos alcançados pelo prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto na Lei Federal nº 9784/99.
Como decorrência, a Secretária Geral Administrativa desta Edilidade, em 05 de janeiro de 2005, fez publicar no Diário Oficial do Município de São Paulo uma lista, acostada às folhas 123/125 dos autos, contendo os nomes de todos os servidores beneficiados pela decisão.
Ocorre que, tendo em vista a divergência interpretativa quanto ao prazo decadencial a ser aplicado, em 12 de janeiro de 2005, a Mesa da Câmara tornou sem efeito todos os atos concretizados em razão da decisão aditada que adotara o prazo de 5 (cinco) anos previsto na lei federal acima citada (folhas 127).
Por esta razão, diversos servidores que restariam beneficiados por este prazo decadencial, cuja aplicação foi suspensa como conseqüência da anulação dos atos praticados pela Secretaria Geral Administrativa, impetraram Mandados de Segurança, individual ou coletivamente (como por exemplo, MS nº 118.154.0/7, MS nº 119.836-0/8-00, MSC nº 120.064.0/7) contra o ato da Mesa que redundou na redução de seus vencimentos, alegando desrespeito ao prazo decadencial de 05 (cinco) anos e violação aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da ausência de motivação e finalidade legítima dos atos administrativos. Objetivaram os impetrantes o pronto restabelecimento do valor original de seus salários.
Nas informações prestadas pela Edilidade, sustentou-se a inconstitucionalidade das promoções realizadas após a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma vez que caracterizadas como “transposição de cargos”, argumentação esta adotada em cumprimento ao Acórdão do Tribunal de Contas do Município acima aludido.
Ademais, informou-se também que até que se fixasse, definitivamente, o prazo prescricional/decadencial a ser aplicado aos servidores desta Edilidade, a Egrégia Mesa não poderia determinar qualquer pagamento baseado na decisão de 31 de dezembro de 2004.
Em julgamento dos mandamus acima citados, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo denegou a segurança. Preliminarmente, afastou a alegação de concretização de decadência, decidindo que:
“Consoante o entendimento que vem prevalecendo neste E. Plenário, resulta conforme as Súmulas 346 e 473, do Supremo Tribunal Federal, que a Administração Pública pode, de ofício, anular seus próprios atos quando eivados de ilegalidade, porque deles não se originam direitos, e, portanto, não há falar-se em decadência para o pronunciamento administrativo” (MS nº 120.064-0/7 – TJ/SP, julg. em 15.03.06, Min. Rel. Jarbas Mazzoni).
No mérito, o Egrégio Tribunal entendeu pela inconstitucionalidade das evoluções funcionais operadas no âmbito desta Edilidade, uma vez que baseadas em expediente inconstitucional, qual seja a assunção de carreira de nível superior pelo servidor ocupante de cargo de nível médio, ou a assunção de cargo de nível médio pelo ocupante de cargo de nível básico, sem que isso fosse precedido de concurso público.
Com efeito, assim ressaltou:
“Através do certame, não se resguarda, somente, a aplicação do princípio da igualdade de todos (C.F., art. 37, I). Tutela-se, também, o interesse da Administração em admitir somente os melhores. Mas qualquer que seja a forma de provimento de cargo ou emprego público, é imprescindível o respeito às limitações constitucionais, podendo-se, a partir daí, firmar a idéia de que é inconstitucional qualquer forma de provimento (originário ou derivado) que represente ou consubstancie um artifício para burlar o princípio do concurso público, notadamente nas hipóteses que visem ao favorecimento de certa categoria de pessoas sem a necessária disputa, em igualdade de condições, com as demais pessoas que queiram ser investidas em cargos ou empregos públicos” (idem).
Inconformados com o acórdão que denegou a segurança, os servidores interpuseram Recurso Ordinário, pedindo a reforma daquele e que se encontra pendente de julgamento no Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
É o breve relatório dos fatos.
No entanto, persiste a divergência, no âmbito desta Casa, no que tange à possibilidade ou não de aplicar-se um prazo decadencial à anulação dos atos neste analisados, e que foram praticados antes da edição da Lei Municipal nº 14.614, editada apenas em 7 de dezembro de 2007, e em caso afirmativo, que prazo deveria sê-lo.
Para solucionar a questão, três alternativas abrem-se à Edilidade:
1) A primeira corresponde à tese da impossibilidade de a Administração Pública decair de seu direito de anular atos viciados de inconstitucionalidade. Este, reitere-se, foi o entendimento adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento dos Mandados de Segurança impetrados por inúmeros servidores desta Casa, consoante ementa transcrita in verbis:
“(…) a) alegado desrespeito ao prazo decadencial de 05 anos, previsto na Lei Federal n 9.784/99, para a anulação ou alteração de atos administrativos: inocorrência. A Administração Pública pode, de ofício, anular seus próprios atos quando eivados de ilegalidade, porque deles não se originam direitos;” (MS nº 120.064-0/7 – TJ/SP, julg. em 15.03.06, Min. Rel. Jarbas Mazzoni).
Este posicionamento, frise-se, é também o defendido por muitos doutrinadores administrativistas, dentre os quais Celso Antonio Bandeira de Mello e Hely Lopes Meirelles.
2) A segunda corresponde à aplicação do prazo decadencial de cinco anos, previsto pelo artigo 54 da Lei Federal nº 9784/99, posição externada por esta Procuradoria nos Pareceres ACJ nº 362/04 (folhas 11/19), ACJ nº 388/04 (folhas 108/110) e ACJ nº 404/06 (folhas 229/255) e adotada pela decisão de Mesa, publicada em 31 de dezembro de 2004;
3) Por fim, a terceira alternativa seria a aplicação do prazo decadencial previsto pelo artigo 10 da Lei Estadual nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998, segundo o qual a Administração teria um prazo de 10 (dez) anos para anular os atos eivados de invalidade. Este é o entendimento adotado pela Procuradoria Geral do Município de São Paulo e pelo Tribunal de Contas do mesmo Município, consoante as respostas (folhas 164/175 e 224/226) aos ofícios encaminhados por esta Casa (folhas 156/158).
Ressalte-se, ainda, que, caso a Egrégia Mesa entenda por adotar as teses exaradas nos tópicos 2 ou 3, deve levar em consideração o posicionamento adotado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme acórdãos proferidos nos Mandados de Segurança MS 9.425/DF, MS 9.112/DF, MS 9.115/DF, MS 9.157/DF, bem como no AgRg no EREsp 571450/RS, cujas ementas foram acostadas às folhas 307/310, posicionamento este segundo o qual o termo inicial para a contagem do prazo decadencial deve corresponder à data de início da vigência da lei a ser aplicada, seja a federal ou a estadual, e não à prática do ato.
A despeito disto, por estar a questão ainda pendente de julgamento final no âmbito do Poder Judiciário e por razões de segurança jurídica, com o objetivo de evitar dissonâncias interpretativas, conveniente que se aguarde o deslinde judicial da questão, inclusive porque em relação aos servidores que ocupam o pólo ativo dos mandados de segurança impetrados, a sentença final fará coisa julgada e sobre eles terá força obrigatória.
Logo, com fundamento nas razões acima esposadas, opino pelo aguardo do deslinde judicial da questão.
É o meu parecer, que submeto à elevada apreciação de V.Sa.
São Paulo, 01 de dezembro de 2008.
Camila Maria Escatena
Procuradora Legislativa
OAB nº 250.806
Ref.: Processo nº 1384/2004
Parecer nº 372/2008
Sra. Secretária Geral Administrativa,
Encaminho à melhor apreciação de Vossa Senhoria o Parecer acima ementado, o qual, em suas linhas gerais e conclusões avalizo.
As alternativas a serem levadas à deliberação da E.Mesa estão bem colocadas nos itens 1, 2 e 3 do Parecer, cabendo frisar que cada uma das teses conta com seus defensores, tanto doutrinários quanto jurisprudenciais.
De outro lado, reforço o alerta de que a matéria encontra-se “sub judice” para a esmagadora maioria dos atingidos pela decisão que anulou os atos de acesso considerados inconstitucionais pelo C. Tribunal de Contas deste Município.
Com efeito, o tema da incidência da decadência/prescrição foi quase sempre aventado nas ações judiciais impetradas pelos servidores de que cuidam estes autos, seja sob a forma de preliminar argüida antes da discussão do mérito (são exemplos os MS nºs 118.154.0/7 e 119.836-0/8, entre outros), seja como objeto principal da ação mandamental impetrada (tal como no Mandado de Segurança Coletivo nº 120.064.0/7, impetrado por nada menos que 71 servidores), sendo relevante notar que nenhuma sentença proferida pelo E. Tribunal de Justiça nesses mandados de segurança apresentados deu provimento ao pedido de reconhecimento da prescrição/decadência invocado pelos Autores.
Muito ao revés, os Acórdãos proferidos via de regra afastaram a incidência desse instituto, considerando a imprescritibilidade do direito da Administração rever seus próprios atos quando eivados de ilegalidade.
A despeito de minha pessoal posição contrária a essa tese, que segundo meu modesto sentir não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, com o princípio republicano e com a sempre almejada segurança jurídica, não pode esta Procuradoria deixar de frisar que o fato é que os Acórdãos prolatados pelo E.TJ deste Estado de São Paulo adotaram esse entendimento.
Com essas ponderações finais, elevo os autos à superior consideração de Vossa Senhoria.
São Paulo, 1º de dezembro de 2008.
LUIZ EDUARDO DE SIQUEIRA S.THIAGO
Procurador Legislativo Chefe Substituto
OAB/SP 109.429