Parecer n° 367/2007

Parecer nº 367/07

Ref. Memo. n° 247/07 CFO (TID nº 1917745)
Interessado: Comissão de Finanças e Orçamento
Assunto: Comissão Permanente – Convocação de sócio de empresa contratada pela Prefeitura – Desatendimento por mais de duas vezes consecutivas – Condução coercitiva – Impossibilidade

Senhor Procurador Supervisor,

A E. Comissão de Finanças e Orçamento, por intermédio de seu presidente, indaga a esta Procuradoria se é possível a condução coercitiva de sócio de empresa (XXX), que mantêm com a Prefeitura do Município contrato de prestação de serviços laboratoriais, e que desatendeu convite da referida comissão para prestar depoimento.

Inicialmente importa esclarecer que, ao lado da função de instituir leis, as corporações legislativas detêm também a prerrogativa de fiscalização dos atos do Executivo, prerrogativa esta que exercem nos limites estabelecidos pela Constituição e demais diplomas normativos de caráter ordinário.

Assim é que, a Constituição da República ao especificar as prerrogativas inerentes às Comissões Permanentes do Congresso Nacional estabelece que as mesmas possuem a faculdade de solicitar o depoimento de qualquer cidadão. Neste sentido reza o inciso V do § 2º do art. 58 da Constituição Federal que:

“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar a sua criação.

§ 1º (…)

§ 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

(…)

V – solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;”

Por seu turno, a Lei Orgânica do Município de São Paulo, ao tratar da competência das comissões permanentes, em relação a depoimentos de terceiros, repete a mesma a mesma disposição do dispositivo constitucional acima descrito. Assim, determina o inciso IX do § 2º do art. 32 da Lei Orgânica do Município, que:

“Art. 23. A Câmara terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar a sua criação.

§ 1º (…)

§ 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

(…)

IX – solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;”

Desta forma, na esteira do paradigma constitucional, constante do inciso V do § 2º do art. 58 da Constituição Federal, e destinado a suas congêneres na esfera Federal, no âmbito municipal as comissões permanente também podem solicitar depoimento de qualquer cidadão ou particular que mantenha contrato com a Administração.

Contudo, parece-nos que, caso haja desatendimento ao convite para prestar depoimento perante uma comissão permanente, não haveria ensejo para a adoção de qualquer medida de coerção visando obrigá-lo a comparecer, uma vez que, como já denota o verbo empregado no dispositivo constitucional retro citado (solicitar), não há uma obrigação imposta por lei para que o mesmo compareça perante a comissão a fim de prestar depoimento, ou seja, há apenas uma solicitação ou convite, que não obriga ao particular.

Importa ressaltar que, além da ausência de disposição legal expressa que permita estabelecer a obrigatoriedade do particular de prestar depoimento perante comissão permanente, tais comissões, ao contrário do que acontece com as comissões parlamentares de inquérito, não são dotadas de poderes de instrução próprios das autoridades judiciais, que no uso de tal atribuição têm a prerrogativa de intimar (de modo obrigatório), qualquer pessoa para prestar depoimento, sob pena de condução coercitiva.

Essa mesma ordem de considerações determinou a decisão proferida no Habeas Corpus nº 88189 MC/DF, pelo eminente Ministro Celso de Mello. Tal decisão, versa sobre questão que guarda correspondência integral com a hipótese vertente, uma vez que trata exatamente da possibilidade de condução coercitiva de particular convidado a depor perante comissão permanente do Senado Federal. No referido ‘decisum’, restou consignado que:

“Ao contrário do que sucede com as convocações emanadas de Comissões Parlamentares de Inquérito, em que as pessoas – além de intimadas a comparecer, sob pena de condução coercitiva – estão obrigadas a depor, quando arroladas como testemunhas (ressalvado, sempre, em seu benefício, o exercício do privilégio constitucional contra a auto-incriminação), cumpre observar que tais conseqüências não se registram, no plano jurídico, se se tratar, como na espécie, de mero convite formulado por Comissão Permanente do Senado Federal, que não dispõe dos poderes de coerção atribuídos a uma CPI. Observo que o ofício reproduzido por cópia a fls. 19 limita-se a convidar (e não a convocar) o ora paciente a debater determinado tema em audiência pública, sem lhe impor, no entanto, o dever de comparecer perante esse mesmo órgão do Poder Legislativo, pois, nos termos do que prescreve o art. 58, § 2º, II e V, da Constituição, tais comissões (que não se confundem com as CPIs) somente podem “solicitar depoimento de qualquer (…) cidadão”, não lhes sendo lícito, contudo, exigir-lhe a participação em audiências públicas que venham a realizar, ressalvada a hipótese – inocorrente na espécie – prevista no art. 90, III, do RISF, que confere, a esses órgãos comissionais, com fundamento no próprio texto da Constituição da República (art. 50, “caput”), competência para “convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República”. Isso, significa, portanto, que cabe, à pessoa a quem se dirigiu mero convite, como ocorre com o ora paciente (fls. 19), avaliar se deve, ou não, aceitá-lo, eis que, diversamente do que sucede com uma CPI, as comissões permanentes das Casas do Congresso Nacional não dispõem do poder de exigir o testemunho dos cidadãos por elas convidados (CF, art. 58, § 2º, V, c/c o RISF, art. 90, V). Caso a pessoa convidada, no entanto, venha a participar da audiência, aplicar-se-ão, ao depoimento que prestar, “as disposições do Código de Processo Civil” (RISF, art. 90, parágrafo único), dentre as quais avulta, por sua importância, aquela que se acha inscrita no art. 406 do CPC. (…)”

Em vista do exposto, é lícito concluir que, em face da recusa do particular em comparecer perante comissão permanente que solicitou seu depoimento, não há qualquer conseqüência jurídica, nem a possibilidade de se adotar o procedimento da condução coercitiva.

É meu parecer, que submeto à elevada apreciação de V. Sa.

São Paulo, 01 de outubro de 2007.

ANTONIO RUSSO FILHO
Procurador Legislativo
OAB/SP n° 125.858