Parecer n° 364/2011

Parecer nº 364/2011
TID XXXXXXXXXX
Ref.: Servidor efetivo – quinquênio – base de cálculo – vencimentos integrais – impossibilidade.

Sr. Procurador Legislativo Supervisor,
Trata-se de requerimento de servidor titular de cargo de provimento efetivo, por meio do qual requer que o quinquênio seja calculado sobre a integralidade de seus vencimentos, que atualmente são compostos por padrão (QPL 7), GLIEP (Gratificação Legislativa de Incentivo à Especialização e Produtividade), Gratificação de Apoio Administrativo às Comissões Regimentais Permanentes e Extraordinárias equivalentes à FG1 (Função Gratificada).
Aduz que esta forma de cálculo decorreria da norma constante no artigo 97 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, a qual goza de hierarquia formal no sistema jurídico municipal, prevalecendo sobre qualquer outra lei ordinária que venha a disciplinar a matéria de forma diferente, como, no caso, o artigo 29 da Lei Municipal nº 13.637/03, que determina que o quinquênio tem como base de cálculo o vencimento básico do respectivo cargo.
Sustenta, ainda, que o E. Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou quanto à demanda deste pedido, sendo predominante a posição de que a incidência do quinquênio se dá sobre os vencimentos integrais dos servidores do Município de São Paulo.
No que tange aos Tribunais Superiores indica que a matéria atrai a incidência da súmula nº 280 do STF, que veda a análise do direito local em sede extraordinária. Destaca, todavia, ser entendimento do STF a possibilidade de que a base de cálculo de gratificação seja composta por outra gratificação, desde que de natureza diversa. Aliás, segundo o Requerente a Procuradoria da Edilidade paulistana comungaria do mesmo entendimento, o qual já teria sido exposto nos pareceres ACJ nº 20/06 e 52/04.
É o breve relatório. Passo a opinar.
O pleito do Requerente não merece acolhida.

O invocado artigo 97 da Lei Orgânica do Município de São Paulo possui a seguinte redação:

“Art. 97. Ao servidor público municipal é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço público, concedido por quinquênio, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de efetivo exercício no serviço público, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, não sendo computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores sob o mesmo título ou idêntico fundamento.”

Note-se, embora o artigo 97 da LOMSP tenha assegurado o cálculo da sexta-parte sobre a integralidade dos vencimentos dos servidores, silenciou no que tange aos quinquênios, não indicando qualquer base de cálculo a ser considerada pela Administração.
Assim, premissa necessária é consignar que o tratamento conferido pela LOMSP à sexta-parte é diverso daquele conferido ao quinquênio, quanto à primeira fixou a base de cálculo, quanto ao segundo, não.
Disto decorre que somente a lei pode criar e dar a dimensão do benefício, não cabendo ao aplicador do direito interpretar a norma acima transcrita por aquilo que ela não contém.
Insista-se o fato de o legislador nada ter dito não significa que o benefício deva ser calculado sobre os vencimentos integrais, até porque, quando essa foi a intenção, constou expressamente no texto legal – “sexta-parte dos vencimentos integrais”.
Nesse passo, imperioso analisar o tratamento conferido à matéria pela legislação infraconstitucional.
Diz o artigo 29 da Lei nº 13.637/03, in verbis:
“Enquanto não editada lei específica pelo Executivo, os servidores integrados que venham a atender as condições para a percepção de adicionais por tempo de serviço e sexta-parte, previstos nos artigos 112 e seguintes da Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979 e alterações posteriores, terão como base de cálculo desses adicionais, o vencimento básico do respectivo cargo.”

E, por sua vez, o artigo 112, § 1º, da Lei nº 8.989/79 determina:

“Artigo 112 – A partir de 1º de janeiro de 1980, o funcionário terá direito, após cada período de cinco anos, contínuos ou não, à percepção de adicional por tempo de serviço público municipal, calculado sobre o padrão de vencimentos, da seguinte forma:
§ 1º – O adicional será calculado sobre o padrão de vencimento do cargo que o funcionário estiver exercendo.”

Infere-se das normas transcritas, que o legislador municipal determinou que o quinquênio será calculado a partir do padrão de vencimento do servidor.
Ora, assim o fez com base em competência legislativa municipal que lhe é própria não havendo que se cogitar de qualquer vício de inconstitucionalidade.
Ainda, ao contrário do quanto sustentado pelo Requerente, ao que parece, é nesse sentido a jurisprudência dominante no Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se depreende das ementas abaixo transcritas que revelam o entendimento da 5ª, 6ª, 10ª, 11ª e 12ª Câmaras de Direito Público do Tribunal.

“SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL – Quinquênio – Base de cálculo dos quinquênios é o padrão de vencimentos do servidor e não os vencimentos integrais – Lei Municipal nº 8989/79 – Sentença mantida – Honorários advocatícios fixados em R$ 100,00 para cada um dos autores, diante do princípio da causalidade. Recurso Improvido” (Apelação nº 0005690-65.2011.8.26.0053, 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Maria Laura Tavares, j. 24.10.2011)

“SERVIDOR PÚBLICO. São Paulo. Base de cálculo do adicional por tempo de serviço. Critério estabelecido no art. 112, do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município, que contempla o padrão de vencimento e não vencimentos integrais. Recurso desprovido” (Apelação nº 0006340-49.2010.8.26.0053, 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Oliveira Santos, j. 02.05.2011).

“SERVIDOR MUNICIPAL. Município de São Paulo. Adicionais quinquenais. Pretensão ao recálculo de modo que incidam sobre os vencimentos integrais. Inadmissibilidade. Lei Orgânica que não assegura a base de cálculo pleiteada. Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais que prevê a incidência do adicional em percentual sobre o padrão de vencimento do cargo. Inaplicabilidade dos dispositivos da Constituição do Estado e da legislação estadual que disciplinam os adicionais. Autonomia dos Municípios. Artigos 1º, 18, caput, e 30, I, da CF. Sentença de procedência. Recurso provido.” (Apelação com revisão nº 0013341-85.2010.8.26.0053, 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Antonio Carlos Villen, j. 04.07.2011)

“SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL – São Paulo – Ação objetivando a incidência do adicional temporal (quinquênio) sobre os vencimentos integrais – Inadmissibilidade – O cálculo deste adicional deve incidir sobre o padrão de vencimentos do servidor e não sobre os vencimentos integrais – Inteligência do artigo 112, parágrafo único, da Lei Municipal 8989/79 e do artigo 97 da Lei Orgânica Municipal – Recurso Improvido.” (Apelação nº 990.10.132190-4, 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Rel. Pires de Araújo, j. 10.05.2010)

“SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL – Ativos e Inativos – Adicionais temporais (quinquênios) – Incidência sobre todas as vantagens que compõem a remuneração mensal, salvo as eventuais – Legislação municipal que limita a incidência sobre o vencimento padrão – Somente a lei pode criar e dar a dimensão do benefício, que não cabe ampliar por decisão judicial – Ação julgada improcedente – Sentença mantida – Recurso desprovido.” (Apelação nº 0024954-05.2010.8.26.0053, 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. J. M. Ribeiro de Paula, j. 22.06.2011)

Ante o até aqui exposto, percebe-se que a resolução da questão não necessitaria, como pretende o Requerente, adentrar na análise sobre a legalidade ou não de o quinquênio ser calculado com base nos vencimentos integrais, pois, no caso do Município de São Paulo, o legislador consignou expressamente que a base de cálculo é o padrão de vencimento do servidor.
Todavia, mesmo não havendo necessidade, para afastar qualquer dúvida, mister consignar que ainda que o legislador municipal não tivesse estabelecido base de cálculo para concessão de quinquênios, a conclusão do intérprete não seria outra que não a de que sua incidência se dá sobre o padrão de vencimentos.
Isto porque, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 19/98, o artigo 37, XIV, passou a proibir a superposição de vantagens percebidas pelo servidor público, in verbis:

“Art. 37.(…)
XIV – os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores.”

Com efeito, a Constituição Federal proíbe a concessão de vantagens em repique, gerando o chamado “efeito cascata”.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, aplicando a regra ao caso concreto, já há muito, é firme e pacífica no sentido de que o quinquênio não pode ser calculado sobre nenhuma outra vantagem já concedida ao servidor, mas sim, apenas sobre o padrão de seu vencimento.

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LEI ESTADUAL Nº 2.157/2000, DE MATO GROSSO DO SUL. REESTRUTURAÇÃO REMUNERATÓRIA. ALTERAÇÃO DO CÁLCULO DO ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME DE REMUNERAÇÃO. PRESERVAÇÃO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. VEDAÇÃO DE SUPERPOSIÇÃO DE VANTAGENS (EFEITO CASCATA). RECURSO DESPROVIDO.
1. Consoante o art. 37, XIV, da CF, é vedada a superposição de vantagens pecuniárias de servidores públicos, de sorte que uma dada gratificação ou adicional não pode ter como base de cálculo o vencimento básico acrescido de outras vantagens remuneratórias, ainda que incorporadas, o que evita, assim, o bis in idem.
2. Não há eiva de ilegalidade no ato administrativo que afasta o conhecido “efeito cascata” ou “repicão”, harmonizando os proventos ou o sistema remuneratório do servidor público aos preceitos constitucionais, ex vi do art. 17 do ADCT. É que não há direito adquirido a regime jurídico nem a regime de remuneração.
3. Este Tribunal Superior já firmou o entendimento de que o adicional por tempo de serviço incide exclusivamente sobre o vencimento básico do cargo efetivo do servidor público, não englobando outras vantagens, inclusive as decorrentes de exercício de cargo em comissão.
4. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (AgReg no RMS 29763/MS, 6ª Turma, v.u., Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 09.11.2011)

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 131, 458 E 535 DO CPC, NÃO DEMONSTRADA. ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO. VENCIMENTO BÁSICO. PRECEDENTES.
1. De acordo com o artigo 535 do Código de Processo Civil, os embargos declaratórios são cabíveis nas hipóteses de haver omissão, contradição ou obscuridade na decisão prolatada. A negativa de prestação jurisprudencial se configura apenas quando o Tribunal deixa de se manifestar sobre ponto que seria indubitavelmente necessário ao deslinde do litígio, o que não se verifica na espécie.
2. O adicional por tempo de serviço incide apenas sobre o vencimento básico do cargo efetivo ocupado pelo servidor, não alcançando as demais vantagens, inclusive aquelas decorrentes do exercício de cargo comissionado, como a GADF. Precedentes.
3. Agravo Regimental improvido. (AgReg no AI nº 761209/MT, 6ª Turma, v.u., Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 29.03.2010)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO. INCIDÊNCIA RESTRITA AO VENCIMENTO BÁSICO – IMPOSSIBILIDADE DE SUPERPOSIÇÃO – INEXISTÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECLAMADO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIACOM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. A Constituição da República proíbe a concessão de vantagens em repique, gerando o chamado “efeito cascata”, não sendo outro o sentido da jurisprudência consolidada no âmbito desta Corte Superior.
2. A redução de remuneração e proventos em adequação à nova ordem constitucional inaugurada pela nova Constituição Federal de 1988 encontra expressa vedação no artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, inexistindo direito líquido e certo à forma de cálculo da vantagem.
3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o adicional de tempo de serviço incide exclusivamente sobre o vencimento básico do cargo efetivo do servidor, não alcançando as demais vantagens, inclusive aquelas decorrentes do exercício de cargo comissionado.
4. Agravo Regimental improvido. (AgReg no REsp nº 702.292-CE, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 01.09.2008)

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO. VENCIMENTO BÁSICO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Conforme previsto no art. 535 do CPC, os embargos de declaração têm como objetivo sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Não ocorre omissão no acórdão recorrido quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que o adicional por tempo de serviço incide apenas sobre o vencimento básico do cargo ocupado pelo servidor. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AI nº 798.791-DF, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 14.11.2006)

Ante os julgados apresentados de se notar que o legislador municipal andou bem quando estabeleceu como base de cálculo do quinquênio o padrão de vencimento do servidor, afastando-se assim da prática do denominado “efeito cascata”.
Outra questão que merece ser abordada diz respeito ao entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria.
No que tange aos julgados do Supremo Tribunal Federal colacionados pelo Requerente em sua petição necessário pontuar que:
(i) o Agravo de Instrumento nº 510.364-1/SP, mencionado à fl. 04, o Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 527.521 e o Recurso Extraordinário nº 418.577/PR (decisão monocrática), mencionados à fl. 5 tem por objeto a análise da sexta-parte, cuja característica, ao contrário do quinquênio é de incidir uma única vez, de modo que não podem esses arestos ser tidos – ao menos não com certeza – como expressão do entendimento daquele Tribunal a respeito do assunto em pauta;
(ii) os julgados mencionados às fls. 6 – Recurso Extraordinário nº 231.164/CE e Recurso Extraordinário nº 231.662 – tem por objeto adicionais por tempo de serviço, que não o quinquênio;
(iii) apenas os julgados Suspensão de Segurança nº 4026/MG (fl. 6) e Recurso Extraordinário nº 580.449/SP (fl.9) de fato tem por objeto a análise da base de cálculo de quinquênio. O primeiro é uma decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes e o segundo decisão monocrática da Ministra Ellen Gracie.

Extrai-se dos arestos mencionados que, ao que parece, o entendimento do Supremo Tribunal Federal difere em parte daquele esposado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, pois para a Corte Constitucional não incidiria na vedação do artigo 37, XIV, da Constituição Federal o fato de uma gratificação ser calculada sobre outra, desde que possuam naturezas diversas, ou seja, um quinquênio poderia incidir sobre outras gratificações que não tivessem natureza de adicional de tempo de serviço.
Todavia, tal não altera o posicionamento que se está a defender, pois no Município de São Paulo o legislador elegeu como base de cálculo do quinquênio o padrão de vencimento do servidor.
Ainda, apesar de este parecer ser o entendimento do Supremo Tribunal Federal é certo que as decisões que abordaram expressamente a questão foram apenas monocráticas (Ellen Gracie e Gilmar Mendes). Provavelmente o Tribunal enfrentará melhor questão quando do julgamento do RE nº 563708 RG/MS, na sede do qual se reconheceu a repercussão geral da questão constitucional pertinente à interpretação do art. 37, XIV, da Constituição Federal.
Por último, apenas necessário consignar, que os pareceres ACJ nº 20/06 e 52/04, também mencionados pelo Requerente, na verdade, cuidavam de examinar a incompatibilidade do texto do artigo 29 da Lei Municipal nº 13.637/03 com o disposto no artigo 97 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, exclusivamente no que tange à sexta-parte.
Ante o exposto, entendo que o pedido do Requerente deve ser indeferido.
Este é o meu parecer, que submeto à apreciação de Vossa Senhoria.

São Paulo, 9 de dezembro de 2011.
Carolina Canniatti Ponchio
PROCURADORA LEGISLATIVA – RF 11.153
OAB/SP 247.170