Parecer ACJ n. 351/04
Consulente: Advogado Chefe
Objeto: Relatório do Tribunal de Contas do Município (itens 3.11 e 3.12). Reforma Administrativa. Constitucionalidade da Lei n. 9296/91
Referência: MEMO ACJ-interno, de 12.11.04
Senhor Supervisor,
Consulta-me S. S a., o Sr. Advogado Chefe, por elegante memorando, tencionando obter estudo respeitante aos itens 3.11 e 3.12 do Relatório do C. Tribunal de Contas deste Município.
O primeiro dos referidos itens exibe objeções à constitucionalidade de três normas legais, posteriores ao início da vigência da Constituição de 5 de outubro de 1988, sob o fundamento de que teriam procedido à reclassificação de cargos, antes de nível operacional para nível médio, e também porquanto teria reclassificado alguns cargos mediante a “clara intenção de beneficiar determinadas pessoas (dois cargos)” de sorte a ferir o “elemento” (sic!) da impessoalidade.
Já no item 3.12 figura asserção no sentido de que a Lei 9296, de 10 de julho de 1981, não teria sido recepcionada pelo Texto de 1988, na medida em que sua estrutura de carreira compreenderia o instituto da transposição, pelo fato de disciplinar acessos a carreiras distintas; vale dizer: possibilidade de ingresso em carreira diversa daquela em que ingressou por concurso público, mediante singelo concurso interno de acesso.
Tendo presente a ambição de conferir maior clareza expositiva a este estudo, passo desde já ao exame do problema da constitucionalidade do item 3.12, para, num momento posterior ocupar-me daquele respeitante ao item 3.11.
No item 3.12 patenteia-se um flagrante equívoco conceitual, como já tive ocasião de apontar na nota técnica de minha subscrição, n. 02/2003, de 1º.de setembro, cujo teor faço parte integrante deste estudo. Com efeito, uma carreira pode e deve compreender níveis diferentes e progressivamente complexos, quer de remuneração quer de exigência. De outra sorte não seria carreira, entendida como um plexo de cargos seqüenciados de maneira vertical visando à progressão funcional, com o correspondente acréscimo de capacitação e de remuneração do servidor. No caso versado, cuida-se de uma só carreira – carreira administrativa – seqüenciada por linhas de acesso dispostas nos três níveis de escolaridade exigida. Note-se (o que não quis ver o respeitável relatório): níveis de escolaridade crescentes, não de habilitação específica nem diversa. No então vigente sistema da Lei 9296/81 ninguém ingressava por concurso para o cargo, v.gr., de oficial parlamentar que pudesse, por concurso interno de acesso, transpor-se para o de assessor jurídico, assessor econômico, assessor médico, etc. Para essas carreiras, a partir de 1988 (e isso é fato que o r. relatório injustificadamente ignorou!), somente foram nomeados servidores aprovados em concursos públicos; jamais por concursos internos de acesso. Nesses casos, por se tratar de carreira composta por cargos cujo conteúdo ocupacionais pressupõe habilitação específica e diversa da da carreira administrativa, o ingresso dava-se por meio de provimento necessariamente originário (concurso público). Já para a carreira administrativa, essa sim, havia níveis crescentes de escolaridade (segundo grau, nível universitário), o que de resto é próprio de qualquer carreira dessa natureza. Nível universitário não se confunde com inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, nos Conselhos Regionais de Economia, Contabilidade, Medicina, etc. Como afirmei na referida nota, e aqui reitero, “o item 3.12. revela de maneira eloqüente uma das mais pobres e infelizes passagens desse relatório do T.C.M.” por ter confundido “carreira em prosseguimento de níveis de exigência progressivos (escusando-me pela redundância e pelo truísmo) com carreira lateral, com espécies de habilitação específicas; somente essa última caracterizável segundo a clássica figura da transposição, sabidamente não recepcionada pelo Texto de 1988”. Mais grave ainda, traz em abono de seu equívoco fragmento genérico de texto científico incensurável, da lavra da Profa. Maria Sylvia di Pietro, que não adentra às particularidades da espécie, seguido pela referência a acórdão que trata de caso totalmente diverso, esse sim tipicamente de transposição, que exibe contraste manifesto o problema da constitucionalidade da extinta carreira administrativa desta Casa. Ora, a seguir a linha argumentativa constante do controvertido relatório, seria de se concluir que o texto de 1988 não recepcionaria a exigência, por exemplo, de nível universitário, para o acesso ao elevado cargo de diretor de departamento; o que além de absurdo, importaria induvidoso prejuízo à qualidade dos serviços e à grandeza das atribuições que lhe são ínsitas. Ou então, pior ainda, implicaria a necessidade de concurso público e a conseqüente hipótese de aproveitamento, como diretor da Casa, de alguém que sequer antes tenha ingressado nas dependências deste Legislativo, na mais elevada função de gestão hierárquica; despido, assim, da capacitação, do adestramento humano e gerencial próprios ao exercício da governança legítima, impostos aos demais servidores, seus subordinados, ainda que porventura muitíssimo preparado teórica e intelectualmente. Não me parece que qualquer dessas soluções, a que se chegaria invariavelmente pelo diapasão do controvertido relatório, viesse a melhor servir ao interesse público, na direção de cuja promoção é que vejo deva-se interpretar a dicção constitucional.
Ora bem, considerando o quanto acima exposto, passemos aos problemas focalizados no item 3.11 do mencionado relatório. Com efeito, os subitens 3.11.1. e 3.11.2 padecem do mesmo equívoco conceitual e interpretativo acima aludido. Daí o motivo pelo qual apenas registro minhas objeções a seu conteúdo pelas razões já expendidas. Já o item 3.11.3. merece apreciação adicional. Pareceu-me de todo insólito concluir, pelo fato de que a apenas dois cargos se aplicara, exibisse o legislador a “clara intenção” de “beneficiar” a pessoa dos servidores neles providos. A uma porque essa inferência afigura-se, em meu modesto entender, grosseiro desrespeito à grandeza da função legislativa do terceiro maior parlamento da República; supondo, ou melhor, proclamando “claro” que de seu plenário tenha resultado a aprovação de dispositivo legal endereçado a duas criaturas, entre outras dezenas de milhões por ele representado. A duas porquanto é necessário ter presente que “dois cargos”, em nível de chefia, não exibe grandeza quantitativa desprezível, tendo presente a extensão numérica do quadro de um Legislativo. Ouso inferir que algo semelhante possa ocorrer nos tribunais de contas e nos órgãos do Judiciário, dada a circunstância de que seu corpo administrativo é incomparavelmente menor que aquele integrante do Executivo, nas três esferas de Governo. E assim é que deve ser! Como é cediço, Administração, em sentido próprio e paradigmático, tem sede no Executivo; somente por extensão reconhecida nas atividades meio do Legislativo e do Judiciário. A três, last but not least, fosse tal a “clareza” da pessoalidade (e conseqüente improbidade) da norma atacada, a providência administrativa a ser recomendada, em meu juízo, seria a da declaração ex officio da respectiva inconstitucionalidade, retrocedendo os cargos à classificação anterior, seguida pela propositura de ação ventilando a probidade dos agentes políticos cujo lhe tenham dado causa (em “claro benefício de dois servidores” – logo, em prejuízo do erário); jamais, como preconizado pelo r. relatório, a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. O ônus da prova da inconstitucionalidade, dada a exasperação do aludido vício, restaria aos eventuais prejudicados, em sede de controle difuso (muito mais apropriado, convenhamos, ao exame de atos que visem ao benefício de duas pessoas).
É o que tenho a acrescentar àquilo que oportunamente já tive ocasião de externar, relativamente a tais fragmentos do r. relatório.
Com meus respeitos, segue à consideração superior.
São Paulo, 16 de novembro de 2004
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.
OAB/SP 69936
Assessor Técnico-Legislativo Chefe
Indexação
Lei n. 9296/91
Reforma administrativa
Reclassificação
Cargos
Constitucionalidade