Parecer n° 309/2016

Parecer n.º 309/2016
Processo nº 543/2016
TID nº xxxxxxxxxxxxx

Assunto: Consulta referente à constatação de irregularidade fiscal nos documentos da empresa xxxxxxxxxxxx, em sede de contrato de prestação de serviços complementares de diagnose.

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora:

Trata-se de processo para pagamento de prestação de serviços executados conforme Termo de Contrato nº 02/2016, mediante apresentação do faturamento do período do mês de maio do corrente, às folhas 17 a 26, devidamente conferido e anuído pelo gestor, às folhas 28 a 41.
Observa-se solicitação feita à contratada para apresentação da Certidão de Tributos Mobiliários perante a Prefeitura de São Paulo, mediante email de folhas 52. Na sequência, apensou-se cópia de parecer, proferido em caso análogo, emitido pela Procuradoria da Câmara Municipal de São Paulo, nº 252/03 (folhas 53/54), cujo teor, em síntese, recomenda o pagamento dos serviços efetivamente prestados, afastando a retenção do valor diante da inadmissibilidade de enriquecimento ilícito, bem como, pela ausência de norma específica para tal proceder, salientando que a cominação correspondente à irregularidade fiscal é a rescisão contratual.
Constata-se que foi efetuada a primeira liquidação do pagamento às folhas 55, com lastro no referido parecer. Assim, o processo seguiu com a instrução para o próximo pagamento, relativo ao período de junho de 2.016, mediante apresentação de faturamento (folhas 58/105), cotejado com o controle do setor, folhas 111.
Ao cumprir determinação contratual consistente em verificar os débitos da empresa, averiguou-se o apontamento de débitos municipais, fato que impediu a expedição de certidão negativa de débitos.
Neste passo, a empresa se manifestou por email, às folhas 115, bem como juntou os documentos de folhas 112 a 114 consubstanciados em certidão positiva e demonstrativo de débitos.
Todavia, a justificativa da contratada e os documentos apresentados, indicam que a empresa não reconhece os débitos lançados na certidão positiva, e, assim, esta aduz que são indevidos, e que está diligenciando para solver a pendência.
Neste diapasão, a Secretaria Geral Administrativa com fundamento no parecer já mencionado às folhas 53 e 54 e, principalmente, considerando a efetiva prestação dos serviços, determinou o pagamento da fatura, através da Nota de Empenho de folhas 124. Após, remeteu o procedimento à Procuradoria para análise mais acurada da questão.
Desta feita, a empresa contratada foi contatada novamente, em 09 de agosto de 2016, mediante email enviado pela Procuradoria requerendo informações e cópias dos procedimentos lançados em face da Prefeitura de São Paulo capazes de elidirem os débitos em desfavor da empresa.
Em data de 12 de agosto, a empresa retornou o contato via email tão somente para referir que o tema seria exposto para a diretoria da contratada e que efetuaria novo contato.
Posteriormente, na data de 18 de agosto p.p., a contratada trouxe a notícia de que há Mandado de Segurança impetrado face a Prefeitura Municipal de São Paulo, processo nº 1050214-28.2014.8.26.0053, em trâmite perante a 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo.
Com efeito, em análise da documentação pertinente a esta medida judicial, se observa que a questão está sub judice, apesar de sentença desfavorável, cuja cópia se requer a juntada, ao lado dos demais documentos anexos à presente manifestação, documentos de nºs. 01 a 06, consubstanciados em cópia do resultado de consulta ao processo no sistema do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bem como cópia da sentença, decisão em sede de embargos de declaração, e posição do Supremo Tribunal Federal quanto ao mérito da contenda, e certidão da empresa apresentada no ato da licitação.
Dos termos da decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança (documento nº 04) se extrai que a contratada promoveu medida judicial para discutir a constitucionalidade da taxa de lixo de resíduos sólidos de serviços de saúde, instituída por lei municipal. Inicialmente lhe foi deferida liminar, mediante depósito judicial, que suspendeu a exigibilidade do crédito. Posteriormente, a liminar foi cassada na sentença que denegou a segurança.
A contratada apresentou embargos de declaração que foi parcialmente provido tão somente para constituir o depósito judicial em renda a fim de satisfazer o pagamento do tributo de pequeno período, junto à Prefeitura Municipal de São Paulo. (documento nº 03).
Cabe frisar que conforme demonstra o teor do documento nº 05, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o mérito do tema, entendendo pela constitucionalidade de taxa cobrada em razão de coleta, remoção, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos, conforme se infere do teor de Súmula Vinculante, e demais decisões pertinentes constantes do documento nº 05 em anexo.

“Súmula Vinculante 19 do Supremo Tribunal Federal
A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.”

Ocorre que, em que pese a ausência de solução definitiva à demanda da contratada, apesar da constatação de que o tema já se encontra sumulado no STF, entendo, s.m.j que o assunto deve ser analisado em seus múltiplos enfoques, iniciando-se pela obrigatoriedade de apresentação da certidão negativa municipal, e a consequência legal correspondente a esta falta contratual, sopesando a efetiva prestação dos serviços.
No tocante à obrigatoriedade em se manter a regularidade fiscal, insta referir que a determinação deriva do artigo 55, XIII, da Lei Federal nº 8.666/93, que reza que os fornecedores têm que manter as condições de habilitação na licitação durante toda a prestação dos serviços, bem como, do artigo 37 V, do Decreto Municipal nº 44.279/03 adotado pelo Ato da Câmara Municipal de São Paulo nº 878/05, que regulamenta Lei Municipal nº 13.278/02, e que exige a apresentação de certidão municipal.
No caso em comento, em consonância com as normas pertinentes, em especial com a cláusula 5.2.1. do Termo de Contrato, a cada pagamento, a contratada tem que apresentar certidão negativa de débito, o que inocorreu, portanto, deve-se analisar eventual sanção conexa à irregularidade.
Assim, como não há norma específica para o caso, entendo que a irregularidade, em tese, se consubstancia em falta contratual, e assim, a empresa deve ser notificada para regularizar os débitos perante a Prefeitura de São Paulo, independente do Mandado de Segurança com sentença denegada, e o tema sumulado, no prazo de 60 (sessenta) dias.
Entretanto, consigno que, mormente a inércia da contratada, enquanto houver prestação dos serviços deve haver liquidação do valor relativo à contraprestação, tanto pela impossibilidade da Administração em se locupletar retendo o valor, quanto pela ausência de norma que autorize esta retenção, nos exatos termos do Parecer proferido em caso análogo.
Neste sentido se manifesta a doutrina especializada, como se exemplifica com citação de Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13. ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 848.
“Suponha-se uma lei penal que cominasse a pena de reclusão de seis a vinte anos para que praticasse “ato criminoso”. Imagine-se que, ademais disso, existisse outra lei fixando a pena de multa pecuniária para o sujeito que desenvolvesse “ato criminoso”. Mais ainda, cogite-se que outra lei determinasse pena de interdição de direitos para os autores de “ato criminoso”. Existiriam três sanções distintas para a repressão a condutas descritas de modo idêntico. Poderia sustentar-se que cada espécie de sanção seria reservada a distintas hipóteses de atos criminosos, gênero que comportaria gradação, segundo a gravidade e a lesividade das condutas. Ora, isso possibilitaria dois grandes problemas. Por um lado, seria necessário descobrir que poderia entender-se por “ato criminoso”. Por outro lado, haveria a remessa à avaliação subjetiva do julgador, a quem incumbiria determinar a gravidade da sanção no caso concreto sem qualquer parâmetro legislativo. No caso da Lei n. 8.666, essa é a situação verificada.”
Portanto, a não regularização dos débitos da contratada junto ao Município, após prazo conferido poderá configurar falta contratual, e, após lhe ser oportunizado direito de defesa pode vir a ser apenada e, caso permaneça em desacordo poderá ensejar rescisão contratual, contudo, a priori, não vislumbro amparo legal para efetuar a retenção do pagamento relativo aos serviços prestados, ou outra pena específica, exatamente como se manifesta a jurisprudência pátria, exemplificada com decisão de Tribunal Especializado:

“A perda da regularidade fiscal no curso de contratos de execução continuada ou parcelada justifica a imposição de sanções à contratada, mas não autoriza a retenção de pagamentos por serviços prestados.
Consulta formulada pelo Ministério da Saúde suscitou possível divergência entre o Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) 401/2000 e a Decisão nº 705/1994 – Plenário do TCU, relativamente à legalidade de pagamento a fornecedores em débito com o sistema da seguridade social que constem do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf). A consulente registra a expedição, pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão de orientação baseada no Parecer 401/2000 da PGFN, no sentido de que “os bens e serviços efetivamente entregues ou realizados devem ser pagos, ainda que constem irregularidades no Sicaf”. Tal orientação, em seu entendimento, colidiria com a referida decisão, por meio do qual o Tribunal firmou o entendimento de que os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal devem exigir, nos contratos de execução continuada ou parcelada, a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a da seguridade social. O relator, ao endossar o raciocínio e conclusões do diretor de unidade técnica, ressaltou a necessidade de os órgãos e entidade da Administração Pública Federal incluírem, “nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante a execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”, além das sanções resultantes de seu descumprimento. Acrescentou que a falta de comprovação da regularidade fiscal e o descumprimento de cláusulas contratuais “podem motivar a rescisão contratual, a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração e a aplicação das penalidades previstas no art. 87 da Lei nº 8.666/93, mas não a retenção do pagamento”. Caso contrário estaria a Administração incorrendo em enriquecimento sem causa. Observou, também, que a retenção de pagamento ofende o princípio da legalidade por não constar do rol do art. 87 da Lei nº 8.666/93. O Tribunal, então, decidiu responder à consulente que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal devem: a) “… exigir, nos contratos de execução continuada ou parcelada, a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal”; b) “… incluir, nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante a integral execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, prevendo, como sanções para o inadimplemento a essa cláusula, a rescisão do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração, além das penalidades já previstas em lei (arts. 55, inciso XIII, 78, inciso I, 80, inciso III, e 87, da Lei nº 8.666/93)”. Acórdão n.º 964/2012-Plenário, TC 017.371/2011-2, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 25.4.2012.”.
E mais. Exemplo de decisão da lavra do Superior Tribunal de Justiça, a saber:
“ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS PELA EMPRESA CONTRATADA. RETENÇÃO DE PAGAMENTO POR PARTE DA ADMNISTRAÇÃO PÚBLICA. ADIMPLEMENTO CONDICIONADO À COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL. ILEGALIDADE DA SANÇÃO APLICADA. 1. Não se afigura legítima a retenção, pela Administração Pública, do pagamento decorrente de contrato administrativo, por falta de prova de regularidade fiscal do fornecedor, não só pelo fato de a referida sanção não constar no rol previsto no art. 87 da Lei n.º 8.666/93, conspirando contra o princípio da legalidade insculpido na Constituição Federal, como também por implicar enriquecimento sem causa da Administração. 2. Precedentes do STJ e desta Corte: ROMS 24953/CE, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJE DATA: 17/03/2008; e AGTR 101690/SE, Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias, 2ª Turma, DJE – Data: 29/01/2010. 3. Indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela recursal, ante o risco de irreversibilidade do provimento jurisdicional, nos termos do art. 273, parágrafo 2º, do CPC. 4. Apelação provida para anular o ato administrativo do TRE do Estado do Ceará que determinou a retenção dos valores a que se reporta a inicial e, em consequência, permitir o pagamento das faturas vencidas relativas aos serviços efetivamente prestados pela empresa Cactus no ano de 2007.
(AC 200984000001538, Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, TRF5 – Segunda Turma, 04/11/2010)”.

Finalizando, entendo que os documentos por ora remetidos pela contratada para elidirem a exigibilidade do tributo não se prestaram a suspender a eficácia dos apontamentos, a uma pela condição processual da cassação da liminar e recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo, a duas, no mérito, pelas decisões dos tribunais sobre o assunto, sobretudo pela Súmula nº 19 da lavra do Supremo Tribunal Federal.
Contudo, considerando que o caso em tela se refere à licitação cuja contratação se realizou em abril do corrente, que à época a contratada apresentou certidão de débitos municipais válida, (documento nº 06) portanto, os apontamentos de débitos que impedem a regularidade fiscal podem ser recentes, sugiro que seja concedido prazo de 60 (sessenta dias) para regularização dos débitos e obtenção da certidão municipal negativa.

Isto posto, pelo presente, entendo que a administração atuou no estrito limite da prudência e da legalidade ao determinar o pagamento dos valores relativos à execução dos serviços comprovadamente prestados, e simultaneamente efetuar o chamamento da contratada para justificar a ausência de certidão negativa de débitos, outrossim, considerando todo o exposto, opino para que seja concedido prazo de 60 (sessenta) dias para que a contratada regularize a questão fiscal perante a Prefeitura, sob pena de adoção das medidas administrativas cabíveis, inclusive penalidades contratuais e rescisão do ajuste, encaminhando-se notificação à empresa com cópia do presente.

É o parecer que submeto a vossa elevada consideração.

São Paulo, 26 de agosto de 2016.

Ieda Maria Ferreira Pires
Procuradora Legislativa
Setor de Contratos e Licitações
OAB/SP n.º 147.940